Eu estava tomando banho quando peguei o xampu para lavar o cabelo.

Eles fizeram uma propaganda recentemente que mostram lindas modelos com cabelos perfeitos nos frascos com um único objetivo: esfregar na minha cara o quanto meu cabelo não é como o delas. Felizmente, estou muito agitada para refletir sobre a ditadura da beleza.

Suspiro e massageio levemente meu couro cabeludo, deixando a água me relaxar aos poucos.

Ao sair do pequenino banheiro vou até meu quarto escolher uma roupa confortável. Eu e as meninas combinamos de estudar mais tarde. Temos prova de física logo no nosso segundo dia de aula depois das férias de julho.

No sexto dia deste mês recebemos um comunicado com o calendário de provas. O dia para o retorno à escola seria numa sexta - que todos decidimos faltar, era justo - as provas começariam na segunda seguinte. Estávamos indignados claro, mas não tínhamos como reclamar. Resultado: hoje, faltando uma semana para a prova, estou me dirigindo à casa de Cláudia com meus livros sobre as leis de ohm para estudar.

Acho a opção de jeans escuro com uma blusa simples listrada boa, e quando me olho no espelho, devidamente vestida, solto um grito.

MEU CABELO ESTÁ AZUL!!

Completamente azul. Não um azul bonito de balas de goma, não um azul como o céu, lindo, não. É um azul estridente. Azul!

Não. Ela não fez isso.

A raiva me consome num ímpeto. Não preciso pensar para saber como isso aconteceu. Julia é a responsável.

Saio do meu quarto com pisos largos e fortes e adentro no quarto de minha irmã mais nova. Ela está sentada em sua pequena mesa de plástico, colorindo. Tem uma cara de inocente que não me engana e se entrega por completo quando não esboça uma única surpresa a respeito do meu cabelo. Ela sabia. Claro.

— Mãe! - grito - pode vir até aqui? Estou no quarto da Julia.

Minha mãe chega com uma expressão horrorizada. Ela segue meu olhar furioso que mira o rosto de Juju, e ela entende tudo. Mamãe conhece a filha que tem.

— Julia? Explique - Ela diz.

Ela não responde, não precisa. Sabemos que é a culpada e apesar de eu desejar com todas as minhas forças estar presente em cada segundo do sermão que ela está levando, eu me dirijo ao banheiro de mamãe. Ela sempre pinta os próprios cabelos, e com sorte, talvez consiga dar um jeito no meu.

Só tenho tempo de avisar Cláudia que irei me atrasar, e então começo a chorar.

Depois de quase uma hora, mamãe consegue me deixar apresentável, as pontas do meu cabelo ainda estão azuis, mas estão mais escuras, e minhas madeixas, da raiz ao meio, estão completamente marrons, como mágica. Abraço mamãe para agradecer e como estou atrasada, pego minha mochila e disparo para a casa de Cláudia.

Elas já estão me esperando, junto com três meninos da nossa sala, que eu não sabia que estariam aqui. Todos estão sentados á mesa de jantar com livros e cadernos espalhados por ela.

Droga.

Duas bocas estão escancaradas à minha frente, três estão sendo forçadas em uma linha dura, e duas estão esboçando sorrisos divertidos.

— Foi ideia da Juju sabem? - eu digo em um tom irônico. Sei que Cláudia, Sara, Manuela e Amanda entenderão, mas não me importo com os rapazes.

— Dani! Ficou ótimo! - Sara, que ainda está sorrindo, exclama genuinamente.

Ninguém mais fala nada. As meninas, com exceção de Sara, me olham compreensivamente. Os meninos... Não faço ideia do que estão pensando.

Estudamos física até nossas cabeças doerem pra valer e os meninos, Caio, Lucas e Victor, decidirem ir embora. Estranhamente quando Victor vem me dizer tchau, ele acrescenta que meu cabelo "ficou demais". Ele nunca fala comigo na sala de aula.

Então sou bombardeada por perguntas.

— Mas o que é que aconteceu? - Cláudia está abismada.

— Como Juju deixou seu cabelo assim? Ela pode fazer em mim?- Diz Sara dando gargalhadas.

E elas começam a falar todas juntas. Só param quando começo a explicar o que e como aconteceu.

***

Chego em casa por volta das onze da noite. Ficamos conversando sobre como Manuela está apaixonada por Caio inutilmente, já que ele está namorando Jaqueline; sobre Sara e Marcos, apesar de Sara odiar que falemos deles de maneira amorosa, ela só o vê como amigo. E sobre meu cabelo azul.

Juju vem me pedir desculpas. E eu aceito, porque sou a irmã mais velha. A paciente e tolerante irmã mais velha.

Mamãe me avisa que precisamos conversar com papai amanhã. Vamos almoçar juntos. Minha barriga começar a doer.

Começo a pensar no que papai dirá sobre meu novo visual, e sobre o que será que quer conversar conosco. A última vez que me procurou foi no ano passado, no meu aniversário, em outubro. Meus pais estão separados desde meus dez anos. Eu nunca descobri o porquê.

Vou dormir e vejo, através de minha porta aberta, Juju correr em direção ao seu quarto.

Ah não, ela está aprontando mais uma.

E então, adormeço.