Até o Fim escrita por Juh Nasch


Capítulo 23
Encrenca


Notas iniciais do capítulo

Então, no último capítulo o Adam passou de queridinho à odiado. Missão completada com sucesso o/ q
Desculpem, mas estou ficando sem criatividade para os títulos.
Boa leitura :)



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“Sam, eu poderia falar com você um segundo?” a voz de Travis me despertou de meus devaneios.

“Claro.”

Fiquei imediatamente sem graça ao encarar o garoto, e senti que a sensação era recíproca, pois antes de continuar ele coçou a nuca e soltou um sonoro suspiro.

Travis era um garoto bonito, com os cabelos pretos cortados num estilo militar e os olhos castanhos. Além de um lindo sorriso, ressaltado pelas covinhas que apareciam em suas bochechas, e um senso de humor peculiar. Mas, pela primeira vez desde que eu havia o conhecido, ele parecia apreensivo.

“Está tudo bem com você?” ele perguntou num tom cauteloso. Aquilo realmente havia me pego de surpresa, então ergui as sobrancelhas, confusa, e ele completou. “É porque você saiu repentinamente no domingo, não veio ontem para a aula... Fiquei preocupado.”

“Ah.” virei-me em direção ao armário e fingi estar muito ocupada com o cadeado. Até que por fim soltei um suspiro e me virei para ele. Ele se encostou ao meu lado e me lançou um olhar curioso. “É complicado, Trav.” mordi o lábio, deixando evidente o meu constrangimento.

“Imagino que seja.” ele riu e deu de ombros em seguida. “Está tudo, não precisa se explicar.”

“Obrigada.”

“E sobre o que aconteceu lá no bar...”

“Travis, sobre isso, olha...”

“Não, espere.” ele ergueu um dos dedos. “Não vou dizer que não significou nada, seria uma completa mentira. Foi bom, muito bom, mas eu não sou o tipo de cara que se ilude fácil e nem você parece esse tipo de garota. Certo?” ele abriu um sorriso de canto.

“Hum, certo.”

“Mas eu não me incomodaria nem um pouco se acontecesse de novo.” ele piscou pra mim. “Te vejo no intervalo.” ele se inclinou, me dando um rápido beijo na bochecha e saiu, ajeitando a mochila sobre os ombros enquanto seguia pelo corredor.

Por que eu simplesmente não poderia gostar de Travis? As coisas seriam tão mais simples. Não o conhecia tanto, mas tinha certeza que ele seria muito mais gentil que Adam. Adam! Droga, por que diabos estou comparando os dois?

Ao abrir meu armário, levei um grande susto ao ver um dos livros despencando sobre mim. Mais exatamente, sobre meu pé. Soltei um sonoro palavrão enquanto me abaixei e peguei o exemplar. Observei a capa e praticamente gritei de surpresa. Era a edição limitada da biografia da Random Reflections. Aquela que nem juntando meses de mesada conseguiria comprar.

Olhei em volta, inutilmente. Como se a pessoa que o tivesse colocado ali ainda estaria por perto, né Samanta? Na hora, nem me preocupei com o fato de a pessoa ter descoberto minha senha ou se havia levado algo dali, só conseguia enxergar o objeto a minha frente, minha nova preciosidade. Impulsivamente, abri e comecei a folhea-lo.

“Sam?” Nate colocou a mão sobre meu ombro, me fazendo se sobressaltar. “Epa, o que foi? Está devendo?” ele riu.

“Bom, nada que a venda de um rim não resolva.” dei de ombros.

“O que é isso?” ele apontou para minhas mãos.

“Um livro.”

“Ah, jura?” ele revirou os olhos. “Quando comprou?”

“Não comprei, eu ganhei. E não tenho ideia de quem.”

“Como assim?” ele franziu a testa.

“Alguém colocou dentro do meu armário. Simples assim.”

“Eita, admirador secreto, é?”

“Cadê a Liz?” olhei para trás do garoto, como se esperasse que magicamente Eliza surgisse. Ainda estava intrigada, e a insinuação de Nate me perturbava mais do que eu gostaria de admitir.

“Está no estacionamento. Pediu pra que eu te chamasse. Ela quer conversar com você.” seu tom ficou repentinamente mais sério.

“Estou encrencada?” arranquei um pouquinho do esmalte em minha unha.

“Diria que sim.” ele abriu um sorriso. “Vá logo! Quando ela fica irritada, normalmente, sobra pra mim.”

“Você não vem?” ergui as sobrancelhas, desconfiada.

“Acho que é papo de garota.” ele fez uma careta.

“Papo de garota? Ah, meu Deus! Vocês usaram camisinha, não é Nathan?”

“O quê?” seu tom saiu uma oitava mais alto do que o normal. “Pelamor, Samanta!”

“Eu avisei a Liz pra ter cuidado e...”

“Puta que pariu! Ela não está grávida, tá legal?”

Sua voz, alta demais, atraiu olhares e risadinhas das garotas mais próximas. Por fim, deixei Nate com as bochechas completamente vermelhas e com a missão de proteger meu presente. Caminhei até o estacionamento lentamente. O que quer que fosse poderia esperar, ou Liz teria feito questão de me ligar. Ou talvez o assunto fosse mais grave do que eu pensava... Seria?

Logo a vi, praticamente deitada sobre o capô de seu carro, com seus óculos de sol. Ela se ergueu um pouco assim que me viu. Sua expressão estava séria e seus lábios não esboçavam o mínimo sinal de sorriso.

“Onde está a porcaria do seu celular?” seu tom estava perigosamente calmo.

“Liz...” tentei falar, mas fui bruscamente interrompida.

“E meu carro? Tem ideia de quanto tive ouvir quando falei que meu carro tinha sido apreendido?”

“Eu não sabia que tinha uma blitz ali e eu também ouvi muito quando minha mãe foi me buscar na delegacia, tá legal?”

“O que está acontecendo com você, Samanta?” ela afastou os óculos, empurrando-os até o alto de sua cabeça. Parecia decepcionada.

“Me desculpe.” suspirei, encarando o céu completamente sem nuvens sobre nós. Ouvi o barulho quando ela saltou de cima do automóvel e caminhou na minha direção. Assim que senti os finos braços de Eliza me envolvendo, a abracei com o dobro de força. A garota parecia ler meus pensamentos.

“Vamos à sorveteria?” ela perguntou, abrindo um sorriso brilhante assim que me soltou.

“Temos aula de cálculo agora.”

“Eu tirei notas altas nas duas primeiras provas e pelo que sei você também.” ela deu de ombros.

“Os professores vão perceber.” mordi o lábio.

“Nate vai nos dar cobertura.” ela abriu a porta e me encarou. “Vive um pouco, Sam.”

Revirei os olhos e entrei por fim no carro, recebendo um olhar de aprovação de Liz.

Assim que ela ligou o carro, vi Adam chegando, em uma moto preta, e estacionando a duas vagas de distância. Tirou o capacete e passou a mão pelos cabelos. Desde quando ele tinha uma moto? Ele não pareceu nos ver e logo se aproximou do seu grupo de amigos, trocando um soquinho com Alex. Ou ele era um ator muito bom ou realmente nada do que eu havia dito havia o afetado.

No último segundo, nossos olhares se encontraram e ele parou de falar por alguns segundos. Deu um tapinha no ombro de Simon e um passo à frente, como se quisesse se aproximar, porém Liz foi mais rápida e logo enganchou a marcha, saindo rapidamente do estacionamento.

“Agora desembucha!” ela insistiu assim que estávamos na estrada.

“O que quer saber?” olhei-a de canto.

“Hum... Tudo?” soltou uma risadinha.

Soltei um suspiro, inclinando-me para frente, antes de começar. Contei tudo o que estava me afligindo e perdi a conta de quantas vezes repeti o nome de Adam. Falei sobre as conversas, as brigas, as brincadeiras e sobre os momentos de confusão, aqueles em que eu havia me sentido balançada. Que meu coração havia se acelerado e minhas bochechas ficado coradas. Contei basicamente tudo, sem, é claro, expor os segredos de Adam.

“Hã, eu posso dar minha opinião?” ela perguntou após alguns segundos de silêncio.

Ela havia ligado o rádio depois que eu havia começado a falar, como forma de, talvez, amenizar o clima. A música me acalmava e era ótimo que Eliza partilhasse o mesmo gosto musical que o meu.

“Não foi por isso que me trouxe até aqui?” soltei uma risada e abri a porta, assim que ela estacionou com o carro.

“Vou entender isso com um sim.” ela abriu um sorriso, parando ao meu lado. “Não acha que está sendo muito dramática com tudo isso? Por favor, Sam, foi apenas um beijo.”

“Você ouviu algo do que eu disse?” ergui as sobrancelhas, perplexa.

“Cada palavra e concordo com Adam. Não acho que você goste dele.” ela adentrou a sorveteria e eu a segui.

“O quê?”

Paramos atrás de uma garotinha, a única na fila. O dia estava ameno, um pouco frio na verdade, não me surpreendi ao ver o estabelecimento vazio. O rapaz, após entregar o pedido, virou-se para nós.

“Senhoritas?”

“Uma casquinha de chocolate.” Liz respondeu prontamente, e virou-se para mim com uma pergunta silenciosa.

“Hum, vou querer o sunday de chocolate com açaí, por favor.”

Ele tratou de agilizar nossos pedidos enquanto Liz parecia escolher suas próximas palavras.

“Deixe eu me explicar. Não acho que você goste ou esteja apaixonada por ele, acho que está apenas interessada nele. Entende?” ela frisou bem as palavras.

“Como assim?”

“Aqui está!” falou o rapaz.

Liz pegou nossos sorvetes e se encaminhou para uma das mesas do lado de fora, logo se sentando. Eu a segui, outra vez.

“Eu não sei. É relativo.” ela começou a saborear seu sorvete e eu fiz o mesmo, com medo de que derretesse rápido demais. “Não existem regras e metas de tempo específicas para isso. Porém, não acredito que exista amor à primeira vista, acredito que exista interesse à primeira vista.” ela deu uma pausa e eu a observava atentamente. Tinha me esquecido de quão bons eram os conselhos de Liz. “Acho que você está encantada com esse jeitão dele e com os momentos que vocês dividiram. E acho que foi o mesmo pra ele.” ela deu de ombros.

“Encantada?” franzi a testa.

“Vocês se aproximaram repentinamente. Lembra quando achávamos estranho aquele garoto tatuado te encarando no corredor?” assenti com a cabeça. “Você foi uma das únicas garotas que não ficava babando ou que não abriu as pernas para ele na primeira oportunidade. E ele ficou intrigado com isso, por isso começou a te provocar, a se aproximar. Queria entender porque você era imune ao ‘charme’ dele.” ela fez aspas com os dedos e uma expressão engraçada ao dizer isso.

“Você é uma pessoa muito observadora.” falei num tom brincalhão.

“Minha mãe é psicóloga. Ser tratada com um experimento científico faz você enxergar o mundo de outra maneira. Sou apenas uma estudiosa do comportamento humano.” ela riu.

“Eu nunca havia enxergado as coisas dessa perspectiva.”

“Vocês estavam iniciando alguma coisa, isso é fato. Mas acha que vale a pena?” ela perguntou solidária. “Ele é Adam Carter... Já olhou bem para o cara?”

“Conheço Adam mais do que você pensa.” meu tom saiu mais presunçoso do que o esperado.

“Em três meses?” ela ergueu as sobrancelhas, cética. Limpou os cantos de sua boca com o guardanapo e me encarou. “Namoro Nate há anos e só semana passada descobri que ele era alérgico a camarão.” ela fez uma careta. “Uma noite terrível, aliás. Mas o que quero dizer é: tenha cuidado! Não quero que você se magoe.”

“Eu sei me cuidar, Liz.”

“Não parece. Sempre que você fica tempo demais perto desse garoto você acaba com os olhos inchados de tanto chorar.”

“Pura coincidência.”

“Sei... Enfim, me explica que merda de cena foi aquela com o Travis?”

“Nós dois já conversamos.”

“Travis é um garoto legal, porque você não tenta...”

“Liz, por favor, chega de falar de garotos.” ergui uma das mãos.

“Por quê?” ela fez biquinho e eu revirei os olhos.

“Eu tenho que ir para casa ajudar minha mãe.” disse enquanto me levantava.

“Com o jantar?”

“Uhum. Hoje Antony vai ir lá para casa e ela aproveitou e convidou meu pai e Melissa.” fiz uma careta de desaprovação ao citar o nome da minha ‘madrasta’.

“Então, vamos!” ela jogou os papéis dentro da lixeira. “Tchau, obrigada!” ela acenou para o garoto que nos serviu e ele pareceu aturdido, mas correspondeu ao gesto, com um pouco de atraso. “Acho que você impressionou o rapaz.” ela me cutucou com o cotovelo, abrindo um sorriso.

“Cala a boca, Eliza.” revirei os olhos e abri a porta do carro.

“Você vai voltar a falar com Adam?” ela perguntou assim que entramos no carro.

“Eu não sei...” fiz uma careta. “Ele riu, Liz, riu da minha cara.”

“Ou talvez, ele tenha rido de nervoso, Sam.” ela deu de ombros. “Pelo o que você falou, ela confiava em você como amiga próxima. É como você descobrir que seu melhor amigo é a fim de você. Involuntariamente, você se afasta, por medo de magoá-lo. Bom, acaba fazendo isso da mesma forma. Mas, talvez, Adam só não soube como agir, e negação é sempre a primeira reação.”

“Você está o defendendo?” ergui as sobrancelhas.

“Hã, é um fato novo também para mim.” ela franziu a testa e olhou para mim. Nós duas então caímos na gargalhada. “Que isso não se repita!”

***

“Eu até te convidaria para entrar, mas minha mãe deve estar em pura euforia, então...”

“Eu entendo, boa sorte!” ela acenou para mim, com um sorriso, e deu partida com o carro.

Assim que entrei em casa, ouvi o barulho de panelas e senti um cheirinho delicioso de alho no ar. Ao chegar na cozinha, vi minha mãe andando apressadamente de um lado para o outro, visivelmente confusa, sem saber o que fazer primeiro.

“Hum, oi?” joguei a mochila sobre a cadeira.

“Sam?” ela olhou para o relógio e em seguida para mim. “O que está fazendo em casa?”

“Estou matando aula de cálculo e a senhora?” falei num tom desinteressado enquanto pegava uma maçã na fruteira. Lavei-a e logo dei uma mordida.

“E você diz isso com essa cara de pau, Samanta?” ela ergueu a voz.

“Me desculpa. A Eliza queria conversar. Mas eu tirei dez em biologia, se isso adianta alguma coisa.” abri um sorriso inocente.

“Você é impossível mesmo, menina.” ela disse com reprovação, mas com o mau humor claramente diminuindo.

“Quer ajuda?” me aproximei da pia e olhei o conteúdo da panela que ela mexia. O molho parecia bom.

“Descasque aquelas batatas.” ela apontou. “Depois procure a receita de uma boa sobremesa.”

“Eu posso fazer aquela torta de chocolate que fiz no Natal, se quiser.” disse abrindo a gaveta.

“Seria ótimo.”

Passamos o resto da tarde falando amenidades e nos desdobrando para dar conta de tudo. No final, faltava cerca de uma hora para o jantar e tudo já estava pronto. Cada coisa em seu devido lugar.

“Vá tomar logo seu banho.” ela recomendou.

“Sim, senhora!” fiz uma apressada continência indo em direção ao banheiro. Consegui ouvir sua risada enquanto subia a escada.

Ao chegar no meu quarto, percebi um pequeno embrulho sobre minha cama. Um lindo vestido azul estava dentro da sacola e logo tratei de escolher sapatos e brincos que combinassem. Sabia que havia sido minha mãe e confesso que achava de certo modo exagero, mas não queria criticá-la, então simplesmente tomei um rápido banho, fiz minha maquiagem e me vesti.

Ao descer as escadas, vi que meu pai e Melissa já estavam presentes. Me apressei para cumprimentá-los. Fiz o mesmo assim que Antony chegou. Minha mãe logo desceu, num elegante vestido vermelho, parecido com o modelo do meu. Todos estavam bem arrumados e, por algum motivo, me senti bem entre eles, à vontade. Minha nova família.

Estávamos todos sentados à mesa, preparados para iniciar o jantar, quando o som da campainha foi ouvido. Corri para atender a porta enquanto todos cochichavam, tentando adivinhar quem poderia ser.

Senti meus olhos se arregalarem e minha boca se abrir num perfeito ‘O’ surpreso assim que a escancarei. Ele pareceu imune a minha reação, dando apenas um passo para frente e abrindo um sorriso.

“Estou muito atrasado?” Adam perguntou.


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Notas finais do capítulo

Quero opiniões, hein?
Um beijo, um queijo e até o próximo.