Pelos Olhos da Loucura escrita por Scout caramel


Capítulo 1
O encalhe na Baía


Notas iniciais do capítulo

Oi, esse recado é mais pras pessoas que já estivessem lendo a fic antes, então se não for o seu caso, pode passar sem problemas.^-- ^

Alguém que tenha lido essa fic antes do dia 03/08 vai estranhar, mas o que acontece é que eu resolvi reescrever algumas coisas desde o primeiro capítulo, então tem algumas coisas diferentes ok, como a narração, que mudou de terceira para primeira pessoa. Isso é só pra avisar pra não deixar ninguém confuso, pois estarei respostando os outros dois capítulos amanhã e depois com essa mudança. Minha intenção é a de escrever a melhor estória possível pra vocês, mesmo que dê um trabalhinho...
Então, era esse o recado, e desejo à todos uma boa leitura!



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“A coisa mais misericordiosa no mundo, penso eu, é a incapacidade da mente humana para correlacionar todos os seus conteúdos. Nós vivemos em uma ilha plácida de ignorância no meio dos mares negros de infinito, dos quais deveríamos navegar longe. As ciências, cada vez mais em seu esforço nessa direção, até agora pouco nos prejudicou; Mas, algum dia, o total de conhecimento dissociado abrirá tais vistas aterrorizantes da realidade e da nossa posição terrível aí, que, ou vamos enlouquecer da revelação, ou fugir da luz para a paz e a segurança de uma nova idade das trevas."

– H.P. Lovecraft em O chamado de Cthulhu.

Acariciei as orelhas de Bobby, meu gato peludo de três anos de idade, com quem divido o apartamento. Seus pelos brancos se espalhavam por todos os cantos e móveis, o que me força sempre a andar com rolos de fita adesiva toda vez que preciso fazer uma faxina ou deixar a casa mais arrumada. Mas isso quase nunca ocorre, uma vez que recebo pouquíssimas visitas e fico muito tempo fora. Sorri, abrindo o lacre da lata de comida para gatos, despejando seu conteúdo na tigela. Observava o felino comer com apetite, devorando os pedaços entre seus bigodes com avidez, por vezes parando pra lamber os beiços. Que estranhos pensamentos teria meu bichinho de estimação a meu respeito? Talvez um misto de vassala e deusa ao mesmo tempo. Ria-me com a ideia quando olhei a hora no celular: Eram quase oito da manhã. Me levantei da cadeira, indo me trocar, ciente da bronca que me esperava na D.P. . Espiei pela janela: fazia um pouco de sol apesar do inverno. Voltei-me para o roupeiro então, empurrando as caixas de papelão cheias de livros para o outro lado do quarto.

Uma vez escolhidas as peças, uma camiseta verde simples, uma jaqueta e uma calça jeans clara, vesti-as e apanhei a escova na penteadeira, passando-a sobre meus cabelos castanho-claros curtos. Depois, juntei-os puxando para o alto da cabeça, prendendo-os num rabo de cavalo como sempre fazia, me olhando no espelho: não podia reclamar da minha aparência. Tinha 30 anos, mas poucas rugas eram visíveis. Minha mãe sempre me dizia “Joana, que pele linda você tem! Poderia ser modelo, Até sobrenome de modelo você tem!” E eu tinha: Bellucci. Eu era bonita, mas não ligava muito pra isso. Apesar de um certo exagero da parte dela, outras pessoas refletiam essa opinião de que eu poderia mesmo ter acabado como modelo, não fosse a altura de um metro e sessenta e um corpo brasileiro não tão esguio, o que é hilário vendo os rumos que tomei me tornando uma detetive da 12ª DP, em Copacabana. Desde então vivia com Bobby e mais 678 livros espalhados por toda parte.

Se aquela tinha sido a melhor escolha de vida? Sinceramente, eu não tinha dúvidas. E, cercada por Drummond, Dickens, Tolkien, entre outros, o pensamento de que talvez eu estivesse errada nem sequer sonhava passar pela minha cabeça.

Meus exemplares e antologias velhas de tão lidas, adquiridas em diversos sebos dominavam meu apartamento, e eu desisti completamente da televisão, não porque a odiasse, mas porque preferia poder comprar mais livros de criminalística e anatomia. Meus conhecidos me chamavam de “louca”. Eu concordava em parte com o rótulo; Talvez fosse um pouco obcecada demais por livros, mas é que eu simplesmente não conseguia nutrir o mesmo interesse por outras coisas, nem mesmo por pessoas.

Admirei-me rapidamente no espelho, para checar se estava ok, e apanhei a minha bolsa em cima da passadeira de roupa. Tropecei em mais algumas caixas antes de finalmente chegar à sala, onde limpei a caixa de areia de Bobby, e por fim, calcei os meus tênis pretos e caminhei porta afora.

Com certeza aquele seria mais um dia tedioso na DP. Quer dizer, exceto pela posse do governador. Claro, um pouco de agitação era esperada, mas nada realmente digno de um esforço a mais. Ao chegar próxima à entrada da delegacia, no entanto, percebi o quanto estivera enganada: Um verdadeiro pandemônio acontecia ali, com jornalistas e civis cercando o lugar, atabalhoados. Não era possível, pensei: Justamente no momento em que havia alguma coisa finalmente acontecendo, e eu era a única ali por fora da situação! Amaldiçoei-me por ter vendido minha televisão enquanto abria caminho entre os repórteres, logo avistando Noronha, meu chefe, limpando o suor com um lencinho enquanto replicava:

—No momento não temos nenhuma informação! Quer tirar os pés da minha mesa, fazendo o favor?

Passei por ali discretamente e fui até Kelly, a secretária, que recarregava a cafeteira. Perguntei-lhe sobre o motivo daquele furdunço. Ela logo me fez uma cara apavoradíssima e disse:

—Você não soube? Tem um navio encalhado na Baía de Guanabara, pertinho da praia! Disseram que o pessoal da marinha até encontrou gente morta lá dentro, cruz credo!

Assim que ela terminou, me senti congelar por um momento, aprisionada naquela visão; Tudo bem que lidar com a morte é rotineiro nessa profissão, mas um navio encalhado na Baía de Guanabara era definitivamente uma coisa que não se via todos os dias... Aquela segunda-feira não seria mais do governador, sem dúvidas... Segui subindo as escadas até os gabinetes. Como era de se esperar em tais situações, agi seguindo meu primeiro impulso, isto é ligar para meu parceiro de todas as horas, Edgar. Esperei, mas ele não atendeu minha chamada. Devia estar no banho. Tentei de novo, resmungando comigo mesma pelos corredores: —Droga, Edgar, o que você está fazendo?

Finalmente desliguei o celular e o guardei no bolso da calça, apressada. Resolvi que iria ficar ali esperando até meu chefe desocupasse com a imprensa. Batia o solado do tênis contra o piso, sem conseguir controlar minha ansiedade. Maldito café, porque sempre o bebo mesmo sabendo que ficarei uma pilha de nervos depois? Inevitavelmente, meu pensamento se voltou para Edgar de novo: O que estaria fazendo que não pode me atender? Há semanas que ele mal encontrava ânimo para comparecer ao trabalho e era eu quem ficava segurando as pontas ali por ele. Afinal, não era fraqueza do meu parceiro não querer vir trabalhar depois de saber que sua ex-mulher perdeu o bebê que eles esperavam, e ainda pediu o divórcio. Na verdade, eu quase não conseguia mais reconhecer meu amigo após todos esses acontecimentos: ele que costumava ser entusiasmado com tudo agora parecia uma alma penada naqueles pijamas o dia inteiro.

Então um calafrio tomou conta do meu corpo, minha mente descontrolada visualizando já uma reportagem no apartamento dele, sobre um suicídio... Entreabri a boca apavorada com tal possibilidade, e procurei afastar imediatamente essa ideia, quando senti o celular vibrando no bolso. Por pouco, quase derrubei o aparelho, verificando a tela; Era Edgar.

Respirei fundo, atendendo a chamada: —Oi, Edgar! Já sabe o que aconteceu na praia?— Falei forçando um pouco mais de alegria do que eu realmente usaria ao falar de um futuro trabalho. Antes de responder, ele bocejou fortemente, e pude ouvir que estava rouco quando falou:

—Hum, ao contrário de você, eu tenho tv em casa... Na verdade o pessoal do prédio inteiro aqui tá comentando no twitter desde as quatro da manhã...— Ao ouvir isto, levei um susto; meu parceiro mal conseguia se manter acordado nas investigações noturnas, que dirá acordar cedo assim:

—Quatro da manhã? Edgar, você acordou às quatro da manhã? Você não é disso...

—Na verdade eu acordei às três e não consegui mais dormir...Eu tô um caco, Joana. Se puder, eu nem ponho os pés aí hoje... Nem amanhã...— Ele dizia, bocejando alto no telefone. Afastei um pouco o celular do ouvido, antes de ralhar com ele:

—Para com isso, Edgar! Você quer me deixar na mão logo numa hora dessas! Anda, bebe um café e põe um pouco de ânimo nessa cara antes que eu vá aí chutar a sua bunda, ouviu?

—Tá certo, general. Hum, que sinistro, a velhinha do 714 acabou de twittar aqui que isso é sinal do fim dos tempos, vou dar um RT pra ela...

Enquanto ele falava com seu modo zumbi ativado, vi a secretária do Noronha acenando na minha direção, de dentro da sala dele. Acenei de volta com a cabeça.

—Tá bom, olha preciso desligar, vou falar agora com o Netuno! —Era um apelido do Noronha, passado de geração para geração entre o pessoal da DP, já que ele era o chefe da unidade de Copacabana, ou seja, o guardião da tão querida “Princesinha do mar” da canção de Tom Jobin. Desliguei o aparelho e entrei na sala, voltando minha atenção para o coronel.

E lá estava o Rei Netuno, com sua cara gorda e pálida, agora avermelhada e perturbada. Podia ver o suor pingando de seu bigode quando me perguntou:

— Já ouviu as notícias, certo?

—Sim, senhor. —Respondi, vendo Noronha praticamente despencar na cadeira do outro lado da sala. —Tudo bem, chefe?

—Sim, sim, Joana! Eu estou bem! O que não está nada bem é esse incidente... E bem no dia da posse do governador Até onde nos chegaram informações, o navio que encalhou na Baía era um cargueiro desses de transporte, e a marinha recebeu o SOS pela madrugada de ontem, mas quando pisaram lá, só encontraram marinheiros mortos e nenhum traço do que pode ter acontecido!—Ele se aproximou de mim então, me encarando com seriedade: —É tudo muito estranho. O pessoal lá em cima vai cair matando na gente, caiu até na internet... —Resmungou, massageando sua testa sebosa: —Precisamos de respostas para dar à população!

—E é o que vamos ter, chefe! Edgar e eu podemos dar conta disso, com certeza.—Retorqui, procurando me mostrar assertiva. Com sorte, pegaríamos o caso. Ele ergueu uma sobrancelha, me olhando com desconfiança:

—Edgar, é? Faz tempos que eu não vejo a fuça dele por aqui. Da última vez ele disse que ia pegar licença paternidade, não?— Inacreditável. Já fazia uns dois meses desde que toda aquela catástrofe havia acontecido com ele e esse animal ainda não tinha tido tempo de processar a informação? Reprimi a raiva antes de respondê-lo:

—Esquece, chefe. Ele mudou de planos... — Não precisei dizer mais nada: O homem concordou com a cabeça, coçando o nariz.

—Está bem, vocês tem um caso. Avise ao Eddie. Posto 6 em Copacabana, daqui a uma hora. O pessoal da marinha vai levar vocês até o navio.

—Sim, obrigada, chefe. —Sorri, segurando a jaqueta nas mãos. Afinal tinha conseguido o que queria, ou seja, sair do marasmo que me encontrava, e com sorte, arrancar Edgar da depressão que o afundava cada dia mais. Me virei, correndo porta afora. Telefonei para Edgar, informando do local e hora do encontro. Como previsto, ele acabou concordando. Após isso, andei pela calçada, feliz da vida, e passei o tempo perambulando entre livrarias e um café perto da praia, antes de me aventurar no que prometia ser um dos mais intrigantes e trabalhosos casos das nossas vidas.


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Notas finais do capítulo

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