Cores dão Vida escrita por Luna Zoe


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Oi gente aqui vai mais um capítulo, espero que gostem! =)



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– Fui diagnosticado com discromatopsia aos sete meses de vida – Pedro diz enquanto pinta metade da sua máscara de preto – foi quando meus pais perceberam minha agitação quando a luz do dia era muito intensa.

– Luz? – indago.

Já terminei de confeccionar a minha máscara e agora estou observando-o terminar a sua. Ele começou a me contar sua história como se já me conhecesse há anos.

– Sim – responde com simplicidade – portadores da doença não suportam ficar sobre qualquer tipo de claridade. É como se estivéssemos cegos. Mas como minha acromatopsia é incompleta, os médicos conseguiram desenvolver uma lente de contado para eu usar depois dos dez anos. Até lá eu usava óculos que só permitiam a entrada de dez por cento de luz.

Presto bem atenção em seus olhos. Não há nada de incomum em relação aos de todos, não há nada que indique alguma doença. Admito que é difícil para mim acreditar que existe um problema com eles. São tão normais e tão bonitos.

Ele nota que estou observando-os e abaixa a cabeça.

Desconfortável, ajeito-me na cadeira.

– E não tem cura?

– Até agora, não. – ele para um pouco, pensando em algo - E esse aqui? – ele me mostra um pincel laranja.

– Laranja.

Ele descarta o pincel.

– E esse?

– Verde.

Ele faz pequenos riscos rápidos e precisos dentro dos olhos que desenhou perfeitamente. É um ótimo desenhista, pena que não consegue ver as cores que pinta, apenas as formas que faz.

Sua máscara está completa agora. É perfeita. Olho para a que está em minhas mãos, depois para a dele e sinto uma imensa vontade de jogar a minha no lixo. Mesmo que ele já tenha visto, coloco-a contra o peito, escondendo-a, e ele ri da minha ação.

– A sua está ótima – digo meio desconsertada.

Ele reprime uma risada.

– A sua também.

– Ah claro, está linda.

Rimos juntos até Renata e Fernando se virarem, depois de minutos conversando entre si.

Os olhos de Renata pairam nos meus e suas sobrancelhas arqueiam, seguidas de um sorrisinho significativo. Ignoro sua expressão.

– Posso ver a máscaras de vocês? – pergunta ela.

– Claro – Pedro diz, já mostrando a sua.

Fernando fica de boca aberta. Ele também sabe desenhar, mas posso ver um quê de inferioridade em seu rosto.

– Cara, isso é demais! – mas ele tira a antiga surpresa do rosto e sorri.

Pedro fez um rosto preto e branco com esfumados cinzas para as sombras, e há uma única parte colorida, que são seus olhos esverdeados. Eles estão olhando para a direita, para onde eu devo estar.

– Valeu – diz Pedro.

Novamente Renata olha daquele jeito para mim, alternando para a máscara. Desvio os olhos para o desenho de Pedro.

– Está linda mesmo – ela elogia – e a sua Fernanda?

Ainda estou escondendo ela. Relutante, mostro a eles.

– Melhor que a minha está – Renata ri nos roubando gargalhadas.

– A dela está mais para uma caricatura mal feita – diz Fernando.

Renata para de rir de repente e faz uma carranca.

Queria poder dizer, ou se possível gritar a Fernando, para ver se entrava em sua cabeça dura: NÃO É ASSIM QUE SE CONQUISTA UMA GAROTA!

Ele faz bico e se vira, concentrado na sua “obra de arte”, que também ficou bonita.

Renata revira os olhos antes de nos dar um sorrisinho e se virar também.

Pedro e eu nos olhamos e arqueamos a sobrancelhas ao mesmo tempo, sorrimos com isso. Não quero me precipitar, mas sinto que seremos grandes amigos.

– Já se passaram vinte minutos, pessoal – avisa a professora – todos já terminaram?

O burburinho diz que sim. Então ela espera uns dois ou três alunos finalizarem e fala novamente.

– Agora se levantem. Vamos, vamos, vamos – ela bate palmas na tentativa de nos tornar mais ágeis.

Agora vejo que Pedro é mesmo mais alto que eu.

– Levantem suas máscaras ao alto para que todos possam ver e digam que máscara você nunca usaria, qual você usaria e o motivo disso.

Olho para todos aqueles rostos desenhados em cartolina branca. Alguns têm apenas rabiscos de olho, boca e nariz desleixados, uns estão bem trabalhados em expressões exageradamente tristes ou exageradamente alegres. Há outros bem bonitos como os de Fernando e Pedro e mais outros como o meu e o de Renata, compreensíveis dentro do possível.

– Você, qual o seu nome? – Letícia pergunta para a menina ruiva que trocou de lugar com Pedro.

– Lara.

– Lara, qual máscara você usaria e qual nunca usaria e por quê?

Ela pensa com a mão no queixo.

– Humm... eu usaria... a dele – ela aponta com o dedo para a de Fernando.

Ele arregala os olhos, surpreso.

Lara dá uma risadinha.

– E eu não usaria a dele – diz apontando para uma máscara malévola de um garoto de blusa preta – Agora é o porquê né? Tá. Eu usaria a daquele garoto porque ela tem um sorriso bonito e parece satisfeito com algo – Fernando fica vermelho, despertando outra risadinha em Lara. Vejo que os olhos de Renata dançam entre eles, prestando atenção – e eu não usaria aquela porque ela tem uma expressão sinistra.

Nós rimos, o que não agrada muito o menino de preto.

– Muito bem – Letícia fala – agora você.

O menino que faz dupla com Lara começa a falar.

– Eu usaria a máscara do Felipe porque ela está rindo litros...

E isso vai seguindo tão rápido que eu me assusto quando ela já está perguntando a mim. Renata usaria a minha máscara e Fernando usaria a mascara de Renata - isso fez com que ela esquecesse o que ele falou do seu desenho.

Sinto-me do tamanho de uma formiga quando percebo que nem pensei na minha escolha. Penso o mais rápido possível.

Eu não usaria as máscaras tristes e bobas que estão espalhadas nessa sala, todos já falaram das máscaras de rosto feliz e inclusive da minha, as de Fernando e Rentada já foram citadas duas vezes e esse é o máximo permitido, a única coisa que vem a minha mente é:

– A de Pedro. Usaria a de Pedro. – olho-o envergonhada e vejo que está sorrindo ternamente – a que eu não usaria – completo com rapidez – era a daquele garoto.

Aponto para a do garoto ruivo atrás de mim. Ele desenhou o rosto de um morto.

– YEAH! – o menino ri balançando os ombros juntos com seus dois amigos estranhos.

– Escolhi a de Pedro porque queria saber como é ver as coisas... – paro subitamente me perguntando se falo ou não da sua doença. É claro que não Nanda, os olhos dele dizem que não – queria saber como é ver como ele vê - digo remendando.

Pedro parece querer ler minha mente agora.

A professora olha confusa para mim. Acho que esse não é um motivo que caiba na dinâmica, mas ela deixa passar e sorri, compreensiva.

– E eu não usaria a daquele garoto porque eu não quero estar morta agora.

Pronto. Finalmente acabou. Suspiro profundamente. Ouvir apenas minha voz numa sala com mais de trinta pessoas é tudo, tudo que caiba na categoria terrível.

– Você, Pedro – Incentiva Letícia.

– Uma máscara pode ser escolhida mais de uma vez não é?

– Sim.

– Eu usaria a de Fernanda.

O que? Ele usaria um rosto feio como esse? Pedro ri de alguma coisa que fiz durante esses segundos.

– E não usaria a de Lara – Lara faz uma cara de desprezo mas depois ri. (Essa menina vive rindo) – Escolhi a máscara da Fernanda porque queria saber como é ver como ela vêele diz minhas palavras, fazendo-me sorrir.

Renata me cutuca discretamente da sua cadeira, e mais uma vez ignoro seu sorrisinho, revirando os olhos.

– E não quis a de Lara porque nunca usaria toda essa maquiagem.

A classe ri com seu comentário e a dinâmica segue.

– Bom, o objetivo da dinâmica foi cada um expressar seus sentimentos em alguma arte, e depois expor seus argumentos em relação a certos tipos de personalidade ou estado emocional. Pudemos ver assim várias coisas que muitas vezes ninguém sabe de alguém, como o lado sinistro do nosso amigo aqui – Letícia toca o ombro do garoto que Lara indicou no inicio, tirando risadas dos alunos – ou como a da Paola que está com nojo de alguma coisa.

Ela continua.

– Não sabemos por que estão se sentindo assim, mas sabemos que sentem. Muitas vezes quando vamos ajudar alguém ou tomar opiniões a respeito dele, quase sempre olhamos diretamente para a sua máscara, e nunca superamos essa barreira para o olhar diretamente na alma. É esse o nosso instinto, mas por que não o conhecemos melhor? Por que não conhecer o rosto ao invés da máscara?

Há um silencio prolongado por três segundos. Depois a sala explode em aplausos. A professora acena com a cabeça, satisfeita.

Depois da aula descontraída de Letícia, tivemos aula de Biologia e Matemática. Foram mais um resumo daquilo que vimos ano passado. A didática dos professores aqui é bem diferente da dos meus antigos, mas não deixa de ser boa. No intervalo o diretor e os coordenadores nos levaram ao auditório da escola para dar boas-vindas aos calouros e dar algumas informações como as inscrições abertas para aulas de música e teatro. Penso seriamente em entrar para a aula de música.

Quando as outras aulas terminam, meio de e meia, vamos esperar nossos pais naquela parte do gramado na entrada e sentamos nos bancos de pedra. Pedro passou a manhã nos acompanhando, e fazendo amizade com Fernando em especial.

– Então isso pra você é cinza-claro? – pergunta Fernando para Pedro, apontando para a pulseira de pano em seu pulso.

Faz tempo que ele testa a visão de Pedro, primeiramente pensei que ele não gostaria de tantas perguntas assim, mas descartei o pensamento ao ver que estava se divertindo com as indagações do meu amigo.

– Aham – Pedro responde rindo – é um cinza bem claro.

– É porque é amarelo.

Enquanto eles conversam, Renata puxa papo comigo.

– Quem diria hein dona Nanda?

Meu Deus ela está com aquele sorriso outra vez!

– O que?

– Não se faça de desentendida! – ela fala baixinho para que os meninos não escutem.

– O que? – repito, deixando-a mais elétrica.

– Não me diga que não percebeu o jeito de Pedro em relação a você porque eu sei que percebeu!

– Digo. Porque eu não percebi.

Na verdade não sei do que ela está falando. Quer dizer, sei sim. Mas isso não está dominando minha cabeça. Pedro só mostrou ser simpático.

– Ahhh Nanda! No fundo, no fundo, percebeu sim. E você está dando corda pra isso.

Dando corda?

– Você reclama de mim como se não fizesse o mesmo.

– O que? Do que está falando? E não fuja do assunto!

– Não estou fugindo. Só estou dizendo que você não é uma boa observadora quando se trata da sua situação – falo olhando de esgueira para Fernando, que ainda está conversando com Pedro.

– Nanda, deixe de enrolar e me fale do que está pensando – Renata estala os dedos na minha cara para que eu volte a olhar pra ela.

– Não posso dizer – minha voz quase não sai.

Argh. Por que fui tocar nesse assunto? Agora ela vai fazer de tudo para arrancar alguma coisa de mim. E não posso trair a confiança de Fernando.

– Desde quando você guarda segredos de mim?

Olho bem pra ela e decido.

– Me pergunte o que quiser esta noite mas, por favor, agora não.

Junto as mãos como quem está fazendo uma oração. Preciso falar com Fernando primeiro antes de lhe dizer alguma coisa.

Renata semicerra os olhos e bufa.

– Está bem.

– Valeu – abraço-a de lado.

Pedro e Fernando se levantam do banco deles e se aproximam.

– Nosso camarada aqui já vai – Fernando bate no ombro de Pedro.

De longe vejo uma picape estacionada na frente da escola. A mulher dentro dela olha para nós.

– Aquela é a sua mãe? – pergunta Renata.

Pedro olha para a mulher e assente.

– É sim – responde – bom, foi um prazer conhecer vocês.

Ele troca um toque de mão com Fernando, se despede de Renata com um beijo no rosto e se vira para mim.

– Foi um prazer – diz novamente.

– Foi um prazer – repito por não ter mais o que dizer.

Pedro me abraça por três segundos. Três segundos que parecem três minutos. Ele tem um cheiro amadeirado e quase doce, que ao atingir meu olfato, desperta em mim uma sensação familiar. Enquanto o abraço, lembrando-me do sorriso que ele deu ao dizer “foi um prazer” e me pergunto por que ele repetiu isso para mim.

Por mais que eu lute para não sentir, meu estômago se revira como um louco quando ele se afasta e acena com a mão no meio do gramado no qual eu corri no inicio da manhã.


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Notas finais do capítulo

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