Por que Vivo escrita por Anita


Capítulo 2
Por Que Vivo Parte 2 de 3


Notas iniciais do capítulo

Dividido em 3 partes por questão de limite



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-Não sei se quero fazer isto, -declarei, enquanto Serena me sinalizava um okay, já se afastando de mim. Como fui convencido a participar de um jogo de perguntas e respostas?

  Muitos rapazes estavam ali com suas namoradas, tentando impressioná-la e eu cumprindo um pedido bobo de uma menina que nem podia considerar amiga: estreitar nossos laços numa espécie de festa de despedida. "Sei que é bobo, mas vamos! Você nem pretendia estar vivo a esta hora," ela me dissera sendo abrupta uma vez mais.

  Então, num guardanapo da lanchonete ela rabiscou alguns planos para o dia e aí eu estaria livre para pegar minhas malas e pegar o avião. "Coisas que gosto de fazer com amigos," explicou, ainda mantendo tudo em segredo. Perguntei por que planejava, apenas respondeu não serem planos e sim para que se lembrasse de tudo e pudesse sortear o melhor. Dei de ombros, por que não? Eu realmente pretendia me matar por não ter mais o que fazer, certo?

  Todavia, se eu soubesse que de cara teria que participar de um jogo desses... Nove rapazes se exibindo e eu, destacando-me pela altura. Pelo menos, Serena ainda torcia tanto quanto as outras garotas, em alguns momentos mais. Prometi-me responder tudo corretamente depois de vê-la gritar tanto; queria se exibir para as outras? Meninas têm uma competição toda especial entre si e não faria mal que eu cooperasse apesar de meu plano inicial ser de responder somente o que fosse bastante fácil.

  No fim, ganhamos dois vale-refeição no restaurante do patrocinador e um urso de pelúcia. Seria essa a razão de tantas meninas torcerem? Foi o que pensei ao dar de cara com o urso e o entreguei a Serena, que ainda me olhou esperando os vales.

-Foi tão bom!-ela disse, vendo seus prêmios como se ela própria os houvera conquistado com sua torcida.

-Então, já é hora do almoço, já podemos usar os vales, né?

-Nãaao! Quero almoçar aqui no parque mesmo.

-Hã?

-Vamos comprar guloseimas e comer na grama! Um piquenique!

-Guloseimas? Eu quero almoçar de verdade... Vamos para o meu apartamento, eu como e aí compramos suas guloseimas.

-E isso é um piquenique de amigos, Darien?

-Almoça comigo, então.

-Prometeu que passaríamos o dia fazendo coisas que amigos fazem.

-Não foi bem isso... Que frase mais boba. Estou com fome e quero almoçar. Aliás, amigos também cedem.

-Não é justo!

-A gente faz um piquenique de lanche. Vamos almoçar?

-Você cozinha!

-Não dá tempo de fazer nada, apenas o que tiver lá.

-Então, você vai fazer a janta! Vamos usar estes vales, -falou, já caminhando em direção ao restaurante.

  Após a refeição, decidiu que iríamos a um parque de diversões. Eu, que esperava algo mais calmo como um cinema, não pude deixa de me surpreender com a animação em que ela estava. Seus olhos realmente brilhavam enquanto enumerava todos os brinquedos nada recomendáveis e então falava do algodão doce como uma criancinha. Não era que eu nunca houvesse pensado que Serena fosse especial, mas vendo-a na fila do parque, não pude deixar de sentir tristeza por aquele ser o último dia que eu tinha para vê-la. Uma pessoa tão especial que sempre passara por minha vida e que no momento não mais poderia entrar nela.

-Tá tão triste assim com o parque? Eu juro que ele é bom!- Pegou meu braço e tentou me sacudir, como se fosse de animação.

  Ri um pouco da idéia e sacudi a cabeça.

-Ainda não afundou na cabeça a idéia de um parque tão depois do almoço. Tava só pensando em tudo... Sabe, viajo amanhã, né?

-Que explicação vaga. Mas não importa, depois que sairmos da casa dos espelhos, vamos andar de carrossel né!? E aí, claro, montanha russa! Tem duas aqui!

-Adianta discutir?

  Após a montanha-russa, a terceira, pois na verdade eram cinco, fomos tomar sorvete. Ela discutia sobre o piquenique, se daria tempo. Eu sentia-me tão mareado que achei melhor sentar encostar a cabeça no banco e fechar os olhos. Não valia a pena ouvir suas discussões e seus cálculos do que iria dar certo, não a convenceria de nada.

-Está bem, já estou terminando o sorvete, que tal entrarmos na fila da próxima montanha-russa?-Parecia haver se decidido, já sorrindo bem aberto com seu sorte na mão.

-Ei, eu juro que não agüento mais. Que tal eu te esperar aqui?

-O carrossel te deu enjôo, né? Eu vi sua cara! Estava ficando com cada cor!

-Não, aquilo foi vergonha. Alguma daquelas montanhas-russas que acabaram comigo.

-Ah, que isso! Estamos indo no melhor do parque, hihihi! -Parou a brincadeira, sentando-se ao meu lado e segurando minha mão. Por um tempo, pareceu-me preocupada, mas logo voltou a sorrir: -Tá certo... Você não tem mais a minha idade né?! -Apertou-me a mão, a dela estava bem quente, de forma que talvez estivesse me dando mais força. Um pensamento fugaz me passou com aquele ato, ela estaria tentando se esquecer de minha doença? -Vamos fazer um acordo! Você pega mais um brinquedo fofo pra mim naquelas máquinas e aí só vamos na roda gigante!

-Tá falando sério?

-Sim! Mas se não conseguir... Você já sabe! Lembra-se daquele brinquedo que você disse que não ia nem de coma!? Ho ho ho, adivinha quem vai pra me dizer se é tão assustador assim!

-Entendi, é um desafio, né?-Voltei-me para ela, com o olhar mais desafiador que pude fazer.

-Siiim!

  Após dez tentativas, eu não consegui. Na oitava ainda veio um sapo roxo estranho, todo pintado, mas nem eu declararia aquilo como uma vitória, era contra meu orgulho! Então, voltei-me para o Quebra-Ossos e tentei parecer corajoso. Seria algo entre nós dois. Bem, isso se eu o pensamento de andar em algo com aquele nome, não me tivesse feito a pressão cair. Serena, enfim, apiedou-se de mim e me trouxe um copo de refrigerante como brinde de consolação:

-Vamos, eu não esperava que fosse num brinquedo daqueles, -disse, mandando-me beber.

-Não sou fã de refrigerantes e não estou com sede. Sinto muito...

-Seu idiota, bebe logo! Esqueceu-se de que amigos aceitam as ofertas dos outros?

-Mas...

-Ai, isto a história da torta de novo?

-Certo, entendi, já vou beber, -falei resignado, agradecendo pelo copo.

-Depois, vamos à montanha-russa e comprar as coisas para janta!? Já são quase cinco e até chegarmos do mercado... Bem, você tem que cozinhar logo!

-Você só pensa em comida?

-Algo assim!

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Sentei-me na roda gigante sentindo dores no braço, pois ainda decidi tentar mais vezes pegar algum bicho que prestasse. Apenas parei por notar a expressão pesada em Serena, não querendo mais que eu continuasse, enquanto abraçava o Senhor Sapo. Ela sentou-se do meu lado, ainda com aquela criatura odiosa que me fazia ter vontade de sair correndo para substituí-la por outra.

-Já está anoitecendo e sinto um friozinho tão bom! Hoje foi um dia lindo, -falou, olhando o Senhor Sapo, como se quisesse que ele concordasse.

-Se me mostrar esse bicho mais uma vez, eu o jogo pela janela.

  Ela apenas sorriu, já sabendo como me irritava, então ficou observando a porta do brinquedo se fechar, mostrando-a para o Senhor Sapo. Olhei por cima de seu ombro para a paisagem que aparecia a medida que a gaiola em que estávamos rodada. Bem de longe, dava para ver a silhueta dos prédios altos do centro e por um segundo tive a impressão de já estar no avião indo para longe, quase que para o Céu. Se era que fosse meu destino, não vivi uma vida de santo.

-Olha lá! Não é a prefeitura?-Serena gritou apontando para um dos prédios maiores.

-Acho que não.

-Aposto que sim! É tão lindo! Dá pra ver tudo daqui.

-Sim, mas...

-Dá pra fechar os olhos e fingir que é a prefeitura sem protestar?-Virara-se para mim, fazendo um rosto autoritário de professora.

-Está bem, sensei, é a prefeitura e é linda. Veja, ali do lado está o prédio em que moro.

-Sim! E minha casa também! Senhor Sapo, dê tchau pra lá!

  Voltei-me para o lado oposto escondendo a irritação divertida que se apoderara de mim ao ouvir nova menção do bicho roxo. Então, espiei de lado para perceber que realmente estava fazendo a criatura dar tchau. Suspirei. Passar um dia com a Serena fora uma tarefa cansativa, mas era a mesma sensação de fazer um trabalho enorme para a faculdade e no fim ser o único a tirar a nota máxima: compensou. Pena não poder levar as lembranças em minhas mãos para olhar para elas em dias solitários em Israel assim como se fosse o artigo resultante do trabalho.

-Acabou, Chiba-san!-uma voz distorcida falou enquanto sentia um leve beliscão no braço. "Senhor Sapo" o chamava para descer do brinquedo.

-Já estou indo...-disse, passando as mãos na cabeça, fingindo estar bravo.

-Hi hi hi! Está começando a gostar dele, né!?-Serena lhe perguntou, entregando o sapo para que o segurasse, -Vamos, dê-lhe um abraço, Senhor Sapo.

-Sim, começando. Mas se esta coisa me abraçar, o processo vai se inverter para o pior.

-"Processo"?-Fez uma careta com a expressão.

-Sim.

-Diga "a coisa", fica mais bonito. -Sorriu, puxando a pelúcia para si, abraçando-o como a um filhote de cachorro.

  Saí do parque e atravessei a rua para pegar o ônibus de volta, mas percebi ao chegar do outro lado que Serena parara no meio para pegar o sapo, que de alguma forma havia caído. Mandei que viesse logo, mas um carro já vinha correndo para ela, corri até lá e a puxei para a calçada.

-Está doida!? Fica me dando lição de moral e dá sopa no meio da rua por causa de um sapo feio!?-gritei, sacudindo-a.

-Mas... Ele agora foi esmagado!-respondeu, apontando para ele, estava preto de sujeira e seu miolo saía de uma das mãos. Devia ter estourado com o peso da roda.

-Antes o sapo que você.

  Olhou para baixo e forçou-se a assentir.

-Serena... A gente pega ele quando o sinal fechar lá naquela curva, é de lá que os carros vêm. -Apontei, mas ela voltara a observar o brinquedo, sendo esmagado por mais carros. -Serve comprar um sapo de verdade? Talvez exista um roxo.

-Eu não sou uma criança pra ser convencida.

-Certo, mas está agindo como uma.

-Que seja. Se não nos apressarmos, iremos jantar tarde e meus pais me matam se eu demorar a voltar. Vamos para algum mercado.

-E o boneco?

-Deixe que alguma criança o pegue e cuide dele. VAMOS!

  Voltamos em silêncio, eu mesmo me sentia em luto pelo Senhor Sapo. Mas era melhor assim, achava eu sem saber a razão. Deixei para lá ao observar as paisagens ficarem mais familiares, percebi que era hora de descer, indiquei a Serena e logo estávamos em um mercado próximo ao meu apartamento.

  Ela separou-se de mim entre as várias seções, dizendo preferir escolher tudo sozinha. Dei de ombros e fiquei observando os pequenos corredores que eu provavelmente não mais veria. Pessoas conhecidas passavam por mim perguntando-se por que eu demorava tanto para escolher a marca de qualquer que fosse o produto que eu parecia pesquisar. Conhecidas... Nunca as conhecera. Viveram ao meu lado, meus vizinhos e nem sabíamos nossos nomes. Uns estudavam comigo e pegavam condução até a Universidade no mesmo horário que eu, mas eu nem sabia quais eram seus cursos.

  Avistei de longe as marias-chiquinhas loiras que dançavam entre os vãos entre os produtos do corredor ao lado. Se não fosse aquele dia, Serena seria quase como aqueles. Aliás, talvez eu fosse para ela exatamente como aqueles vizinhos... Para mim, uma pessoa que não se lembrava de saber tantos nomes, aquela loira sempre fora especial. Eu nunca notara o tanto, nem imaginava que fosse, provavelmente, suspeitara apenas. Os fios loiros sumiram para outro corredor enquanto fechei meus olhos e tentei gravar sua imagem. Pensar em seu rosto comendo aquele enorme pedaço de torta me fazia rir. Mas era a imagem que eu tinha dela...

"Uma pessoa que tropeçou na minha vida," conclui, ainda em um sorriso, "E que a salvou por mais uns meses". Era incrível, mas de todo o dia, aquele era o único momento em que eu considerara que eu ainda poderia ter me matado ou que ainda podia fazê-lo. Todavia, era uma possibilidade remota. Sentia medo da dor e do que seria depois. Como alguém tão cheio de vida poderia se matar dessa forma? De perguntas assim também. Ou, quem sabe, das conclusões de que minha vida era vazia demais para me interessar. Só que não era. Eu sempre gostei de estudar, aprender coisas novas, investigá-las. Então ia para o estágio, aprendia mais... Eu só gostaria de ter prestado mais atenção nas pessoas, nos meus vizinhos e na Serena. "Foi uma pessoa muito especial que eu perdi..."

-Oi, Darien, acho que isto é tudo. -Havia aparecido com um pequeno carrinho nem um pouco cheio.

-Desanimada ainda?-perguntei, mostrando o caminho até o caixa.

-Bem, se não tivesse me puxado, o Senhor Sapo teria conhecido o Chiki-chan.

-Chiki-chan? O ursinho?

-Sim...-Pôs os produtos para serem contabilizados.

-Só você mesma mesma pra pensar em nomes assim... Uma pena não termos sido mais próximos.

-Como assim?

-Não! Não interprete mal. Só que nós nunca conversamos antes, nem nada. Eu teria tido uma vida bem mais interessante com seus nomes e bichos de pelúcia e sabores de sorvete.

-Pára com esse assunto chato.

-É, acho que só eu poderia lidar tão bem com esse assunto; sou o menos afetado.

-Sim.

  Suspirei, enquanto punha tudo nas sacolas e já ia em direção ao apartamento. Lá fora o anoitecer chegara mais rápido e pingos de chuva começavam a cair. Serena estava com a cara mais fechada que o tempo. Não aquela expressão de "me dê um chocolate que tudo fica esquecido", algo muito menos solucionável. Havia escolhido ignorar, mas quando voltei-me de novo para seu rosto enquanto caminhávamos, notei que ela andava ainda mais devagar que de início e com pouco ânimo. Ao perceber que eu a olhava, suspirou e parou o passo:

-Eu não consigo. Sinto muito, mas isto está insuportável pra mim, -disse, sem voltar o os olhos em minha direção. Apertou contra o peito a sacola que segurança e começou a correr.

  Fiz menção de segui-la, mas algo me chamou a atenção: Chiki-chan havia caído de sua bolsa e molhava-se com a chuva que começara a apertar. Recuperei-o apenas para me dar conta de que não sabia para onde ela fora. Olhei para o urso colocando-lhe a culpa e comecei a imaginar pra onde ela poderia ter corrido enquanto a chuva só aumentava. Andei pelas proximidades e até pensei em ir até a estação, mas era longe demais para alguém chegar até lá com aquele tempo. Fui ao parque onde participamos daquele concurso estúpido e aonde deveríamos ter regressado para o piquenique. Também para a lanchonete. Quando dei por mim estava na estação... Mas Serena havia sumido.

  Sentei-me no banco em que ficáramos após haver sido salvo e olhei por um tempo os trens chegarem quase vazios, já passara da hora das pessoas voltarem. Ocorreu-me com isso a idéia de que havia ido para casa e que eu não mais a veria. Fiquei triste pensando naquilo, já me preparara para a despedida, mas não daquela forma. O dia todo eu estava me preparando lentamente... Não era justo que fosse daquele forma. Não... Estávamos brigados. Minha frase sobre morte e não tê-la conhecido direito a chateara, com certeza. Como a qualquer um. Como pudera ser esse cúmulo de insensibilidade?

  Levantei e levei Chiki-chan comigo para o ônibus até o estacionamento de meu médico. Era hora de parar com toda a palhaçada de "vou morrer e agora nada importa" e continuar a viver. Não seria por muito tempo, mas Serena, pelo menos, merecia me ver de uma forma mais normal. Pelo menos, tendo-o feito, eu poderia ter-lhe preparado um jantar quente em vez daquele banho de chuva gelada na nossa cabeça.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

  Passei na frente de meu prédio para então contornar até a entrada da garagem, mas algo chamou-me a atenção, fazendo-me parar bem na porta incrédulo. Serena estava na escada de fora, sentada abraçando a sacola de compras. Tinha o olhar perdido, quase como uma robô desprogramada; nem percebeu que abaixei o vidro e chamei-a. Tive que repetir seu nome mais alto algumas vezes até que seus olhos entrassem em foco e entendesse meu chamado.

  Levantou a cabeça e evitou olhar-me diretamente. Após chamá-la de novo e fazer menção de descer do carro, ela decidiu sair da escada e andar até o veículo, ainda com as compras contra o peito. Manteve ainda uns passos de distância enquanto explicava que queria me devolver a sacola e por isso esperara ali.

-E eu te procurando pela cidade!-respondi ser perguntado pela razão de minha demora.

-Okay, bem, aqui está tudo. -Com as duas mãos, estendeu-me o saco.

  Antes que eu decidisse se o aceitava de volta ou se brigava com ela por estar agindo assim e lhe pedia desculpas por mim mesmo, percebi que agora aqueles lindos olhos azuis passavam por mim para o meu banco. Estava olhando para Chiki-chan, sentado bem do meu lado.

-Oh, achei que o tivesse perdido!-exclamou, com um pouco de alívio transparecendo.

-Está bem a salvo.

-Sim, que bom...

-Não o quer de volta?- Franzi a testa.

-Ah, não, claro que não. É seu, -disse, mas seus olhinhos contavam outra história.

-Aqui, pegue-o. Mas dê comida direitinho para o coitado e não esquecê-lo em algum canto por aí. -Entreguei o urso, forçando um sorriso. No fundo, estava tremendo de medo que eu a perdesse de novo.

-Obrigada...-falou, trocando a pelúcia pelas compras, que foram postas no banco de trás, junto com a outra metade.

-Entre no carro, vamos subir para jantar.

  Deu novamente passos de distância, balançando a cabeça lentamente:

-Não, isto não está servindo para nada, é melhor eu não te chatear mais.

-Como?

-Foi o que fiz o dia todo! Achei que agindo daquela forma eu o faria rir, costuma ser assim! É só eu ser eu mesma que as pessoas se divertem. Mas devo ter exagerado e, ademais, meu jeito nunca foi muito atraente pra você. Não sei ser mais calma, mais silenciosa, menos chata. Tenho que ir para casa agora. -Desviou o rosto do carro e parecia pronta para tomar seu caminho.

  Num impulso, desliguei o carro e abri a porta, fazendo sua figura parar para saber o que estava acontecendo. De repente, vacilei. Minha cabeça fez a imagem mental de como nós dois, parados um frente ao outro, no meio da chuva, parecíamos saídos de um filme e aquela sensação me lançou de volta ao início: Serena, definitivamente, não precisava de uma lembrança assim de mim, mostrando o quão importante era para mim. Pensei em como seria melhor deixar para lá, que ela levasse consigo a imagem de alguém que não vali a pena ter como amigo... Fora esse seu arrependimento, ou pelo menos o que me expressara. Deixá-la ir desamparada como estava seria o mais sensato, então. Ela não perderia um amigo com minha morte.

  Notando que eu desistira do que fosse, virou-se de novo e dessa vez ia mais rápido, para evitar novo contato. A chave do meu carro escorregou de minha mão e algo clicou na minha cabeça; não eram as gotas grossas que caíam, mas a imagem de Chiki-chan caído na calçada, o motivo de toda aquela confusão. Eu pensara o mesmo antes e a magoara e mais: arrependera-me. Nesse momento, eu estava repetindo o maldito erro e não teria uma chance gloriosa como a que eu desperdiçava.

-SERENA! Pára de correr, sua Cabecinha-de-Vento!

  O apelido surtira efeito. Novamente, eu ganhara sua atenção, assustada com o tom brincalhão em uma cena tão pesadamente dramática. Podia ver a interrogação que crescia em sua face, enquanto esperava um motivo para meu grito.

-Vou ter que ficar gritando tudo aqui?-perguntei, tentando quebrar mais um pouco aquele ar adverso.

  Serena assentiu, concordando em subir comigo para um lugar mais seco. Olhei para o céu agradecendo aquela chuva por aquela chance de ouro de deixar de ser um grande idiota.

  Entramos em meu apartamento e deixamos as compras na cozinha. Peguei toalhas e estávamos nos enxugando quando ela perguntou o que mais havia a dizer.

-Que tal "desculpa"?


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