Ah Se Você Soubesse escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 28
Um passado que me persegue




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Dara_Pov(On)

Era para Lily e eu virarmos a noite vendo filmes juntas, mas ela apagou e eu tive que arrumar um jeito de levá-la até o quarto de hospedes, nem sei como tive força para carrega-la. Depois de cumprir aquela difícil tarefa eu fiquei na porta a observando dormir, enquanto isso minha mente estava em um turbilhão de pensamentos que eu não podia contem.

“Medo”

Acho que o medo é o sentimento mais poderoso depois do amor, que uma pessoa pode sentir, ele te faz mudar e se você ceder ele te corrompe. Acho que fui corrompida pelo medo, tanto que uso ele como arma hoje. Eu amo meu cabelo, meus piercings, meus olhos e lentes também. Só que sei muito bem “me” usar para me defender, afinal, as pessoas temem aquilo que não entendem, ou seja.... Eu.

Todos nós temos segredos, é normal, eu acho pelo menos. Mas também parando para pensar, acho que Lily pouco sabe sobre mim, enquanto isso ela já falou várias vezes sobre ela mesma, me contou histórias dela e das gêmeas, viagens que fez e coisas do tipo. Isso deveria ser boa coisa, o nosso passado as vezes no condena, mas sinto que devia contar pelo menos coisas simples, como: o que me deixa feliz, meus medos, ou quem sabe coisas que eu queria esquecer.

Sabe, vendo tanto filme de terror eu percebi que tem muitas coisas que me machucam e eu simplesmente engulo para não me machucar e não preocupar as pessoas ao meu redor. Agora mesmo, penso que se eu não tivesse memórias que me assombram, eu provavelmente estaria dormindo abraçada a Lily, talvez nessa mesma cama que ela dorme. 

“Um passado ruim não nos torna pessoas ruins, nossos desejos sim”

 

Fico remoendo e lembrando dessas palavras, ditas pelo Sombra o dia que eu vi o Sr. Almíscar pela primeira. Sabe, o Sr. Almíscar não era essa doçura e pasmaceira que é hoje, para você ter noção ele estava muito machucado e sangrando a primeira vez que o vi, Sombra o embrulhou em sua jaqueta novinha e o trouxe sorrindo para casa, mesmo que o gato estivesse acabando com sua roupa novinha e o machucando também. Quando chegou me ligou na hora contando o que tinha feito e me disse para ir ver o gatinho dele, o Sr. Almíscar parecia uma fera enjaulada por tamanha agressividade. Então, assustada e com um arranhão no braço perguntei para Sombra:

—Tem certeza que vai ter “isso” como bicho de estimação?

—Sim, porque ele é um bom garoto. E não o chame de "isso", ele é um gato, não um micro-ondas.

— Hã?! Como pode dizer que um gato arrisco igual ele é um bom menino?  Ele tem mais cara de um Serial Killer felino, talvez até um Freddy Krueger por tantos machucados.

—Dara, tanto eu quanto você temos nossas próprias histórias tristes e somos pessoas boas, estranhas, mas com certeza não somos de todo mal.

—Sim, mas...

— Um passado ruim não torna ninguém ruim, nossos desejos sim —Sombra sorriu para mim, depois com um pouco de dificuldade colocou a mão sobre a cabeça do Sr. Almíscar —Viu?! Ele só precisa de um pouco de carinho e amor, ele nunca teve isso, mas não quer dizer que não seja um bom menino.

 No fim, sombra estava certo, algumas semanas depois o gato já era totalmente diferente do que quando o encontrou. Volta e meia essa lembrança vêm a minha mente.  "Um bom menino", às vezes me pergunto se sou uma pessoa boa, se é errado ser como sou, me vestir como eu gosto... Se eu tenho um jeito errado de ser.

Sabe, eu queria contar para Lily por que eu voltei para essa cidade, mas com certeza esse não é o momento para isso….

—  _________   .  _________  _

Tudo aconteceu há pouco menos de um ano atrás, para começo de conversa me mudei por causa do trabalho da mamãe, mas admito que fiquei extremamente feliz em não ser obrigada a ver a cara do meu irmão com certa constância. Eu ia para a escola sempre mais cedo e não tinha amigos lá, assim como não tinha aqui, sempre fui muito solitária, acho que me acostumei a ser assim. Até que eu conheci Aberllardo, um bom garoto, meio obcecado com insetos, mas era um bom amigo. Junto com ele conheci vários colegas de escola “amigos dele”, assim como nossos vizinhos Irving e sua grande amiga Müller, ou uma ex que me deixou e quando foi embora me deixou com quase que uma faca no coração.

Abelardo morava na rua de baixo da minha, Irving morava há algumas ruas de distância, mas tudo muito perto, o mesmo como era a casa da minha ex. Até aí tudo bem, passávamos muito tempo juntos, seja no parque andando de patins (eu de skate), ou matando aula em um lugar qualquer. Foram bons tempos.... Mas sabe, de todos os amigos que Abellardo me apresentou e eu acabei virando amiga também, sem dúvida o que eu menos gostei e sempre fiquei receosa, foi o Irving, sempre fui um pé atrás com ele. Mas também sempre me esforcei para me tornar próximo dele, já que ele e a Müller eram amigos de infância, eu sentia que devia ao menos tentar confiar nele.

Um belo dia ficamos sabendo que iria acontecer uma chuva de meteoros e nós queríamos muito ver. Irving tinha uma sacada em seu quatro, então vista a ocasião ele comprou um telescópio para vermos a chuva da casa dele. Seria perfeito, uma bela vista, minha namorada ia levar cerveja e eu salgadinhos; o folgado do Abellardo ia levar o estômago, ou seja, estava passando de bom. Mas depois de beber um pouco Müller acabou passando mal e Abellardo a levou para casa, eu decidi ficar e gravar para ela a chuva que aconteceria cerca de uma hora depois. Se você está pensando... Por que você não foi junto?

Simples, porr@ a menina desmaiou. Eu já custei a carregar a Lily da sala para o quarto, imagine ter que descer uma ladeira com uma mina nos braços, sem contar que eu era um ano mais nova e mais fraca que hoje. Mas o Abellardo ia voltar, o que aconteceu é que ela acordou quando chegou em casa e passou mal de novo, como minha ex estava sozinha ele iria fazer companhia para ela até melhorar.

Eu nunca havia ficado sozinha com aquele cara, senti um certo arrepio na espinha, mas me controlei. Estávamos jogados no chão da sacada observando o luar, bebendo cerveja e jogando conversa fora quando por alguns instantes fechei meus olhos. Quando percebi, Irving estava sobre mim, segurando minhas mãos contra o piso com força.

—Tá maluco Irving? —Perguntei tentando levantar.

—Dara, eu nunca tive coragem de te dizer isso, mas eu gosto de....

Dei uma joelhada bem no meio das pernas dele, ah pelo amor de Deus, além de estar bêbada eu não tinha a obrigação de ouvir um garoto dizer que gostava de mim. Quando ia me levantar (estava meio lenta) ele me segurou pelo pé, eu me virei de frente para ele e acabei caindo sentada no chão.

—Cara, eu vou embora, você está bêbado.

—Não Dara.

Quando disse isso ele segurou minha cabeça com força e me beijou, eu tentei fugir, mas não consegui. Irving estava exalando um cheiro horrível de álcool e quando percebi estava tentando abrir minha boca com aquela língua asquerosa. Assim que vi aquilo tentei morder sua língua e com sucesso consegui, ele se afastou de mim e eu me levantei. Saí correndo e fechei a porta de correr da sacada, o deixando preso do lado de fora.

Quando estava quase chegando na escada ele me segurou pela cintura e me puxou para trás, minha blusa se sujou com um liquido vermelho, olhei para baixo e vi que era sangue e vinha de sua mão direita. Provavelmente ele quebrou o vidro e abriu o trinco da porta.

—Eu não posso deixar que você conte para a Müller isso, ela nunca mais vai querer olhar na minha cara se souber disso— Disse Irving.

Eu apenas olhei para trás e vi que aquela face não era a que eu sempre via, era como se fosse outra pessoa muito diferente. Eu pisei em seu pé com força, ele me soltou rapidamente, mas antes que pudesse me afastar ele me segurou com força pelo braço, para finalizar me jogou de costas para a parede. Senti um pequeno choque nas costas, estava sobre algo gelado, era um grande espelho na parede. Ele me prendeu segurando minhas mãos antes que pudesse fazer algo e ficou cara a cara comigo.

—Irving, para com isso, você está me assustando. Esse não é o cara que eu conheço.

—Sabe, isso é injusto. Eu conheço uma garota legal e por um acaso apresento minha amiga, que também por um acaso é lésbica...—Dizia Irving com a língua meio enrolada e soluçando—E adivinha o que acontece?... Ela rouba a garota que eu gosto.

—Não cara, ela não me roubou de você.... Eu que não gosto de homem, nunca gostei. Eu te vejo como um amigo, mas sério, você está me assustando agindo desse jeito—Coloquei a mão em seu rosto— nem parece o mesmo.

Ele abaixou o olhar e pôs-se a chorar, eu tentei sair por entre seus braços, mas quando fiz isso ele me olhou com certa maliciosidade em seu olhar.

—Como minha avó me dizia, a homossexualidade é uma praga, quase como uma doença.

—O que, ficou doido foi?! Eu não pedi para nascer assim sabia?

—Não, por isso mesmo eu acho que é uma doença. Você não teve escolha, nenhum homem nunca te pegou de jeito. Não se preocupe, eu vou te salvar.

—O qu...

Antes que pudesse dizer alguma coisa ele me pressionou contra o espelho e me beijou forçadamente. Eu entrei em desespero, sempre pensei que ele me odiasse, nunca pensei que ele pudesse fazer alguma coisa do tipo comigo. Eu tentei me mexer, mas não conseguia, e quando vi, havia uma mão na parte de dentro da minha coxa, nesse momento eu me revoltei e ganhei forças que nem eu sabia que tinha e o empurrei.

—Seu monstro! —Gritei chorando de raiva.

Então, ele com um olhar frio me empurrou com força contra o espelho, o fazendo se quebrar contra minhas costas. Com o choque do vidro me cortando eu caí no chão. Ele se assustou, acho que acabou voltando a razão.

—Ai, meu Deus, me perdoa Dara—Disse ele com as mãos sobre a cabeça.

Eu nada disse, apenas olhava os cacos no chão. Então vi pelo reflexo de um que ele estava se abaixando, nesse momento peguei o maior caco que havia   por perto e cravei o pedaço de vidro como uma estaca em sua perna.

Ele caiu no chão e eu arrumei forças para sair de lá, peguei minha bike e fui o mais rápido que pude para casa. Depois daquilo, Irving foi preso e eu fui para o hospital.

No dia seguinte minha namorada veio me visitar e eu contei tudo o que havia acontecido, ela ficou horrorizada e se recusou a acreditar que Irving fosse capaz de tal coisa. Ela pareceu estar do meu lado, mas depois daquilo ela nunca mais falou comigo. Não retornava minhas ligações, fingia não estar em casa quando ia lá, até que um dia eu a parei na saída da escola. Ela não quis falar comigo, somente disse:

 —Ele me contou toda a verdade, você...  Eu não acredito que.... Ah, você só se fez de vítima, não é?  

Depois disso saiu chorando. Eu não entendi bem o que aconteceu, mas penso que ele deve ter dito que eu dei em cima dele, que ele se recusou a ficar comigo e por isso me empurrou no espelho, que por não querer ficar com ele eu fugi e inventei essa história todo. Na verdade, não sei o que ele disse, mas a palavra dele teve muito mais peso que a minha, isso eu tenho certeza. Por esse acontecimento eu tive literalmente medo de homens nos primeiros meses, ainda tenho um pouco, tinha medo até do namorado da minha mãe que é super legal comigo. Acho que os únicos que escaparam da minha fobia foram o Abellardo, o Sombra e seu irmão, mesmo que não fosse lá meu amigo, mas sempre foi legal comigo, todos eles sempre foram na verdade.

Comecei a me sentir depressiva, não me sentia segura em minha própria casa, tinha pesadelos toda noite. Minha ex namorada nunca quis ouvir ou acreditar em mim, e isso partiu meu coração. Então Sombra me deu uma luz, me deu uma moto para ser mais exata, a magrela me deu esperança e sensação de liberdade, sei que consegui ela sem ter quinze anos, mas foi por uma boa causa, sempre foi meu sonho ter uma moto igual ela. Com a magrela comecei a ser mais independente, mas mesmo assim os pesadelos não paravam, nem o profundo sentimento de traição.

Por fim acabei me mudando para a casa do meu pai, mesmo ele não sabendo do que eu tinha passado, na verdade eu nunca contei, pois sei que ele iria arrumar uma maneira de falar que a culpa era minha, de todo jeito. Só Helena e meu irmão sabem disso, na verdade, quando estava muito ruim meu irmão veio me visitar. É, tenho que admitir, meu irmão no fundo não é de todo mal, mas isso não quer dizer que eu goste dele.

Então voltei quase a mesma vidinha de merd@ que tinha quando me mudei com minha mãe, a diferença? Eu conheci ela, Lily, admito que não gostei dela logo de cara, mas aos poucos... ela não só conquistou meu respeito... Mas também conquistou meu coração. Oproblema é que eu ainda tenho medo que o mesmo que aconteceu com a Müller aconteça com ela, isso me assusta também.

—  _________   .  _________  _

Acabei passando a noite em claro e quando Lily acordou eu tomei coragem para contar tudo isso, foi muito bom conversar com ela, mesmo sabendo que não era a hora para isso.... Acho que se não contasse, não aguentaria isso me sufocar por muito tempo, de todo jeito.

Contei tudo, como me sentia em relação ao acontecido e a ela. Mostrei as cicatrizes nas minhas costas e falei tudo que tinha me feito voltar para esse lugar.  Admito que senti medo dela fazer como minha ex pela expressão de horror que foi se formando na face dela, mas não foi o que aconteceu. Lily sentou-se ao meu lado no chão e me ouviu atentamente, sem falar ou questionar nada.

—Dara, eu nunca poderia pensar que você passou por tal coisa...Meu Deus!

—Desculpa, queria ter te contado antes, mas nunca vi necessidade.... Mas ontem anoite....—Meio que fiquei sem jeito— Bem, acontece que...

—Já entendi Dara, não precisa me dar explicações... — Disse Lily colocando a mão sobre a minha—Posso te perguntar uma coisa?

—Sim.

—Visto a tudo o que te aconteceu, você tem medo de sexo, não é?

Não era para eu ficar, mas fiquei sem jeito novamente e meio rubra; patética, eu sei, mas fazer o que? É a mais pura verdade.

—Bem, tenho sim... Só de pensar eu.... Ai, eu lembro do Irving em cima de mim .... E aquele cheiro de álcool... E a sensação de medo e raiva e....

—Shh.... —Lily encostou sua testa na minha—Eu te entendo e te prometo uma coisa. Eu nunca vou fazer isso, eu não sou um mostro como ele.

—Obrigada Lily—Disse eu de olhos fechados e sorrindo—Ah, e você também é uma garota maravilhosa, me faz sorrir sem nem tentar. Mas só por perguntar, se um dia eu perder esse medo....

— Estarei te esperando.

—Ok, obrigada.

 


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Notas finais do capítulo

Meio tenso até de escrever, mas depois de revisar tanto saiu :/

Mas o próximo será muito menos tenso ou problemático, prometo ^~^
Bye bye!