Ah Se Você Soubesse escrita por Ágata Arco Íris


Capítulo 13
O lado bom de...


Notas iniciais do capítulo

Queridíssimos, esse capitulo todo é narrado a partir do ponto de vista da Dara....Espero que gostem



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Coloco o fio na tomada e ouço o barulho irritante do micro-ondas ligando e Leio novamente as instruções na embalagem.

—Anem Dara, não vai me dizer que você nunca fez pipoca no micro-ondas?—Perguntou Sombra sentando-se no banquinho detrás do balcão da cozinha.

—poucas vezes na minha vida, eu prefiro fazer na panela que estoura muito mais e rende também.

—Aff, larga de ser chata e faz essa bagaça.

— Você que manda então magrelo.

Fiz tudo conforme as instruções mandavam e o resultado foi apenas um pouco de pipoca e mais da metade sem arrebentar, mas mesmo assim o Sombra comeu, na verdade comeu quase tudo numa mãozada só.

—Eu disse que não rendia.... Cadê a panela de pressão?

—Ali em cima, quer que eu pegue? —Disse ele se levantando e pegando a panela — O lado bom de você morar aqui agora, é que eu vou comer bem pelo menos.

— Pelo menos isso eu posso fazer, e fome eu nunca passei, sempre soube me virar.

—Eu também sempre soube me virar, só nunca soube cozinhar.

—Cara, tua cozinha é completa e você não sabe cozinhar?

—Aff, eu tenho uma irmã mais velha, esqueceu?... E pelo jeito ela queria que eu fosse uma mina também, porque só me dá presentes como: Toalha de mesa, conjunto de panela, aquelas frescuras tricotadas... Aff nada de útil ou legal pelo menos.

—Viado mas nem tanto né —Disse Dara rindo.

—Né.... Oh sem brincadeira.... Qual a utilidade de uma tampa de vazo de crochê?

—Sei lá.... Ficar bonitinho.

—Bonitinho o car@lh0... Porra.... Você vai ficar mais tempo que eu aqui, se você ficar colocando essas frescurinhas pela minha casa a gente vai ter um problema sério.

Eu ri que nem uma louca, quase deixei a pipoca queimar.

—Aff, eu odeio essas coisas.... Pode ficar despreocupado —Disse eu procurando umas vasilhas para colocar a pipoca.

—Ah, antes que eu me esqueça, uma amiga sua me deu isso ontem, disse que era para te entregar —Disse ele colocando um envelope sobre o balcão.

—Hã? —Abri o envelope, era a foto que a Megan tirou no acampamento, dei um sorriso—Foi uma ruivinha que te entregou?

—Não, foi uma garota um tanto pálida, acho que por me ver alias, mas enfim.... Cabelos castanhos quase loiros e olhos castanhos claro quase cor de mel.

—Hã? Foi a Lily que te entregou?  —Disse eu quase pulando em cima do Sombra do outro lado do balcão da cozinha.

Sombra chegou seu corpo para trás, assustado, e me olhou um tanto malicioso.

—Hum...Peguete nova é? Você não me falou dessa garota ainda.

—Não é nada disso.... Ela é a namorada do meu irmão.

—Nossa, Dara nunca pensei que você fosse o tipo de garota que dá em cima da namorada dos outros, muito menos que tentasse roubar a namorada do seu irmão.

—Para véi, não é nada disso.... Ela disse que queria ser minha amiga.

—Hum, não sabia que você tinha começado a ter amigas.

—Aff, eu sei que eu nunca fui de ter amigas... Na verdade eu acho que nunca tive realmente... Porque minhas “amigas” acabaram virando víboras e me apunhalaram pelas costas. Mas acho que ela está sendo legal comigo por causa do meu irmão.

—Tá, mas por que ela quer isso? Agradar seu irmão?

—Ah, desde que meu pai me expulsou de casa há duas semanas ele anda meio “arrependido” e anda tentando ser legal comigo. Não confio nele, sei que na primeira chance ele vai me apunhalar pelas costas de novo. E só uma coisa.... Quem já roubou alguém aqui foi ele que roubou uma ex minha.

—Nossa amiga!! —Disse Sombra afinando a voz (Que nem um doente mental) —Conta mais amiga.

—Parabéns Sombra, você acaba de finalmente ficar mais viado do que você já é —Disse eu desinteressadamente—Aff, foi assim... Eu tinha uma quedinha, mentira, um abismo por uma garota quando estava na sexta série e ela sabia disso. Um dia essa menina e eu começamos a namorar, durou três semanas se me lembro direito.

—Me deixa adivinhar.... Seu irmão pegou a guria para ele? —Disse ele com a voz ainda ridiculamente afinada.

—Cara.... Sério, volta ao normal... bem, sim ele catou a menina para ele, pior que eu fui até brigar com ele por causa dela, na verdade foi assim que meu irmão descobriu que eu era lésbica.... Olha que show de bola isso.

—Que tenso... —Disse ele pigarreando por conta da sua voz ter falhado.

—Vai.... Brinca de novo com a sua voz, bem feito. Na verdade, a guria só se aproximou de mim por conta do meu irmão, eles ficaram juntos nem duas semanas.... Aquela garota era muito supérflua, tenho nojo de garotas assim, só fui ver isso quando ela estava com meu irmão e vi também o quanto eu era idiota.

—Tomá no ## essa vadiazinha, foi muita maldade o que ela fez com você.

Sentei-me no sofá enquanto Sombra arrumava o DVD para vermos.

—Né, mas ela me ensinou uma coisa importante.... Não confiar em ninguém e não me apaixonar por hipócritas.

—Fala assim não lunática, é muito bom amar, ter alguém.

—Sim, mas eu já errei duas vezes.... Sabe, se pudesse queria não ter coração.

—Oh lunática, você não esqueceu essa garota ainda? —Disse Sombra sentando ao meu lado e me abraçando.

— Não, nunca pensei sentir uma dor assim...

—Entendo perfeitamente.... Mas esqueça ela, por favor, pelo menos tente. Odeio te ver triste.

—Como se você tivesse esquecido o Edu para falar assim de mim, vocês terminaram há um ano e você ainda chora pelo garoto.

—Mas vivo normalmente, eu não paro em momento algum para chorar por ele, você sim, qualquer coisa te lembra a garota.

—Acho que você tem razão.

Eu realmente considero demais o Sombra, ele é meu herói.  Sua mãe morreu quando o irmão mais novo dele nasceu, e seu pai era um ex-militar bêbado, o cretino os abandonou quando ele tinha um pouco mais de cinco anos. Então Sombra e os irmãos foram criados pela avó, que era realmente das antigas, rígida, cobrava demais dos netos, ainda cobra na verdade, já que a velha não morreu ainda. O Sombra me conta que quando sua avó soube que o neto era gay ela lhe deu a maior surra que já havia levado em toda a vida, ela pegou a borracha que havia trocado da geladeira mais cedo e bateu sem dó no garoto, ele tem marcas pelo corpo todo até hoje por causa disso. Quando isso aconteceu ele fugiu de casa, ficou duas semanas perdido.

Fiquei em pânico quando soube que ele havia fugido, eu o procurei por toda cidade, ele tinha apenas 14 anos e foi meio como se a família dele tivesse virado as costas para ele, esquecido que Sombra existia. Quer dizer, sua vó pelo menos, mas seus Tios e irmãos já estavam o procurando á dias, os policiais já haviam perdido as esperanças de achá-lo quando fez uma semana que ele estava perdido. Eu por outro lado não desisti de achá-lo, e o encontrei, o achei em um beco qualquer do centro da cidade, estava descalço, roupas rasgadas, muito mais magro que o normal, catatônico olhando a parede.

Nunca senti felicidade maior do que a que senti quando o encontrei aquele dia, corri para abraça-lo, vi as enormes feridas á mostra em seus braços e pernas, algumas até em seu rosto. Acho que por isso ele é um cara tão frio, apanhou muito antes de bater em alguém, ele meio que não sente dor. Sombra não me dizia nada, não conseguia olhar em meus olhos, lhe dei um pouco de água e comida que tinha em minha mochila, ele comeu como se não tivesse comido há dias.

Eu o levei para o hospital e eles ligaram para sua família, fiquei com ele todo momento, não saí de lá nem para dormir, meus pais também não conseguiram me tirar de perto dele. O Sombra ficou cerca de um mês daquele jeito, catatônico, sem olhar nos olhos de ninguém, sem falar nada. Mesmo querendo se isolar eu permaneci ao seu lado, não o abandonei, quando ele voltou a conversar, as primeiras palavras dele foram:

—Eu apenas disse o que ela me pediu... A verdade.

Era para ele chorar naquele momento, mas era como se algo tivesse morrido dentro dele, senti isso o dia que o achei, eu o abracei e chorei muito ao ouvir sua voz. Desde aquele dia ele transformou-se no Sombra que conheço hoje, no dia seguinte, aliás, fez sua primeira tatuagem, ele estava na casa da sua irmã quando começou a se interessar pelos negócios da família. Hoje é basicamente ele que toma conta de todos os bens de sua avó, e uma coisa a mais, mesmo ela tendo quase o matado, ele nunca á culpou, o Sombra a ama demais e cuida dela como se fosse uma rainha.

A avó dele tem muita sorte de ter um neto como o Sombra, se algo parecido acontecesse comigo eu nunca mais conseguiria perdoar a pessoa que me fez tão mal.

—Sabe Dara, você não me falou como foi o acampamento.

—Foi bom, e eu te mostrei fotos, tá.

—Mas você não quis me falar muita coisa sobre ele, aconteceu alguma coisa lá?

—Não, eu só não quis conversar mesmo.... Chorei muito lá —Olhei para minha pipoca e não havia mais nada na vasilha—Me dá mais pipoca?

—Claro—Disse ele colocando a vasilha em sua mão entre nós no sofá.

—Seu irmão parece que tomou tipo e virou homem—Disse eu apontando para a Megan na foto que estava ao meu lado—Espero que eles deem certo.

—Meu irmão está namorando?

—Não...Ainda não, mas volta e meia vejo os dois juntos pela escola.

—Isso é bom.... Espero que dê certo.

—Também.

Sombra pegou a foto, olhou ela minunciosamente e disse:

—É Lily o nome dessa garota? — Disse ele apontando para ela.

—Sim, por quê?

—Fala a verdade, o que aconteceu no acampamento, algo me diz que tem a ver com essa aqui?

“Caraca, o Sombra parece ter um sexto sentido às vezes... Dá até um arrepio aqui”

—Bem, eu saí na cabana dela e as gêmeas que estão na foto... Aí no sábado anoite aconteceu uma coisa muito estranha.

—O que aconteceu?

—Bem, quando eu entrei na cabana a Lily estava dormindo... Mas tipo, ela estava dizendo meu nome e se contorcendo na cama enquanto dormia, mas não era falando normal... Sem brincadeira... Ela... Ah deixa, se eu falar isso você vai pensar putaria... Certeza.

—Uuoouu... Só falta me dizer que ela estava gemendo—Dara não disse nada, apenas olhou para baixo—Estava mesmo?

—Eu não sei por que ou como... Mas estava.

—É.…É.…. Tem certeza que ela estava dormindo?

—Pois é, de cara eu pensei que era uma brincadeira sem graça... Mas depois vi que ela estava realmente dormindo…E...

—Aff... Você sentiu um put@ tesão com aquilo—Disse Sombra cruzando os braços e me encarando.

—Nãaoo, não mesmo.

—Queridinha.... Olha nos meus olhos e diz isso de novo —Disse ele afinando ridiculamente a voz para me irritar.

—Daqui a pouco você vai usar vestido e passar batom... Tô vendo isso.

—Não exagera, só estou brincando.... Tirando aquela festa de Halloween que eu me vesti de mulher.... Não pretendo fazer isso nunca mais na minha vida.

—Na verdade era uma Gueixa, falando nisso.... Cadê nossa foto daquele dia?

—Que seja, você está fugindo do assunto.... Sentiu ou não tesão?

— Odeio essa palavra, tesão, acho tão vulgar, forte demais... Mas eu senti um certo magnetismo... Sei lá... Puxou-me para perto dela.

—O que você fez com a garota?

—Aff... Nada.... Deixa eu te contar como tudo aconteceu mesmo....

 _ _ _ _ _ _ _ _******_ _ _ _ _ _ _ _

Eu sempre paro para olhar o sol nascer, mas nunca parei para ver as estrelas à noite e hoje como sempre que venho a esse acampamento eu vi não somente o nascer do sol, mas o pôr do sol e o céu estrelado. Era uma visão linda, mas não podia ficar lá para sempre, a fome e a Sede começaram a gritar então fui ao refeitório, peguei uma coca e um sanduiche. Chorei tanto hoje que estava sentindo náuseas, mas precisava comer algo, então peguei meu sanduiche e o comi no caminho de volta para minha cabana, não aguentava ficar no refeitório, o cheiro de comida me dava mais náuseas.

Quando cheguei à cabana levei um tremendo susto, Lily estava deitada na cama e fazia barulhos um tanto estranho para meu gosto. Eu já ouvi falar em pessoas que falam enquanto dormem, mas ela hora sussurrava, hora gemia. Até aí acho que tudo bem, mas de sua boca saía meu nome, porr@ por que ela estava dizendo meu nome, ou melhor, gemendo?

Eu pensei que fosse zueira dela, mas ela contorcia-se como se estivesse tendo um pesadelo ou algo assim, suava demais. Eu não sabia o que fazer, eu podia acordá-la, mas tive medo de fazer algum mal para ela, porque sempre ouvi que nunca se deve acordar um sonâmbulo, então fiquei só olhando.

Em um momento ela virou o rosto para o meu lado, o suor escorria de seu rosto, olhos fechados, sussurrava meu nome.... Parecia febril.... Finalmente eu tive uma ideia que prestasse, fui medir sua temperatura, talvez estivesse realmente com febre. Ao tocá-la suavemente vi que estava tudo bem, apenas fiquei a olhar seu rosto. Seus lábios estavam semiabertos, ela agora estava de frente para mim, não sei explicar, ela daquele jeito.... Exercia uma força sobre mim.... Sei que é doentio, mas era como se seus lábios me chamassem. Eu senti vontade de beijá-la, fui abaixando meu rosto vagarosamente para isso, quando estava bem perto, perto o suficiente para sentir sua respiração ela sussurrou algo diferente do que meu nome... “Te amo”... Levei um susto, meu coração disparou, perdi totalmente o rumo e caí no chão, mas mesmo assim ela não acordou.

Voltei a me sentar na cama ao lado e fiquei a olhando. Cara, por que ela está fazendo isso? Que brincadeira de mau gosto é essa? Nossa eu fui tão doida a ponto de quase beijar a namorada do meu irmão? Drooogaaa!!

Um tempo depois ela acordou, parecia acordar assustada, ao me ver caiu no chão (Bem feito, porque ela me fez cair também).

—Aff, você me assustou!

—Desculpa —Estendi a mão para Lily—Não era minha intensão.

“Na boa... Tu é uma ótima atriz Lily, parece tudo tão real... Será que ela está falando a verdade?”.

—São quantas horas?

—Sete e alguma coisa.

—Nossa, eu dormi por quase uma hora. E as gêmeas você as viu?

—Passaram aqui, te viram dormindo e foram para a fogueira.

—E você?

—Estava deitada no chão ali de fora olhando as estrelas, aqui amanhece e anoitece cedo. Resolvi entrar faz uns 15 minutos, você parecia.... Ah, sei lá.... Podia ser um pesadelo. Está tudo bem?

—Está sim, só um sonho muito estranho.

“Sonhou... Hum... Não quero nem saber o que ela sonhou comigo, boa coisa não pode ser”.

—Hum, interessante.

—Seu irmão me contou o que aconteceu quinta-feira passada.... Eu sinto muito, e não sei muito bem o que posso dizer, mas sinto que vai dar tudo certo.

“O que?! Cretino... Isso é um assunto de família, não algo para ser dividido com todos os vizinhos... Hipócrita”.

—Desculpa Lily, mas não quero falar sobre isso.... É que eu estou muito sensível hoje, aff qualquer coisa e já estou chorando, então não quero chorar mais.

—Entendo.

—Acho que vou dormir também, foi um dia cheio.

—É verdade, eu acho que vou voltar a dormir também.

—Boa noite então.

—Boa noite Dara.

Após ela dormir fiquei pensando em tudo aquilo, ela parecia realmente estar dizendo a verdade.... Queria saber o que havia sonhado….

— _ _ _ _ _ _ _******_ _ _ _ _ _ _ _

—Nossa que história.... Aposto que ela só fez isso para mexer com você.

—Cara.... Creio plenamente que não.... Ela não tem cara que gosta disso.

—Disso o que?

—Garotas.

—Ué... E tem que ter uma placa escrita na testa “calço 44” para gostar de uma garota?

—O que tem a ver calçar 44, aliás, que mulher calça isso?

—Oh inocência, isso é a mesma coisa que dizer “sapatão”.

—Ata.... Não ia descobrir nunca. Mas véi não é isso, o que acontece é que ela parece amar meu irmão.... Realmente rezo para ele não aprontar nada com ela, se bem que ele está diferente agora.... Espero realmente que eles deem certo.

—Está bem.... Então eu já sei o que ela estava sonhando.

—O que?

—Ménage—Disse Sombra levantando uma sobrancelha para mim.

—Credo Lunático! O que você anda fumando para pensar isso?

—Ué, a menina estava gemendo.... Me diz que isso não é possível.

—Não.

—Por quê?

—Porque eu não gosto da ideia.... Vamos parar com essa conversa e ver o filme, por favor, tá?

—Ahh...Perdão, exagerei.... Sei disso.

—Tudo bem, eu só não gosto de falar disso.

—Que bom.... Quero que você seja sempre minha irmãzinha— Sombra a abraçou.

—Mas isso nunca vai mudar.

—Que bom.

Acabamos dormindo no sofá mesmo antes de o filme acabar, quer dizer, eu fui para o sofá ao lado e lá dormi. Acordei às 4:23 da manhã, Sombra estava dormindo no outro sofá com a mão dentro da vasilha de pipoca que estava no chão, a televisão estava ligada no menu inicial do DVD. Os pés do Sombra estavam de fora do sofá.... Porque né, um gigante daqueles não cabe inteiro em um sofá de três assentos, eu como sou normal me viro em um de dois assentos de boa. Ele estava descalço e eu aproveitei para acordá-lo chutando-o, claro que ele não acordou.

—Sombra! —Dei mais um chutinho—Acorda véi!--Gritei.

—Aff, me deixa dormir! —Disse ele tampando sua cabeça com o travesseiro.

—Vai para a cama, dormimos assistindo o filme, são quase quatro e meia da manhã.

—Aff!

Mesmo sonolento ele voltou para a cama dele, já eu aproveitei a hora e levantei, peguei meu casaco e fui para o terraço do prédio. Ao chegar deitei-me no chão e fiquei a observar o céu, estava esperando o sol nascer.

Muita gente não deve entender esse hábito meu, mas é que eu a maior parte do meu tempo sou um tanto depressiva, há muitas coisas na minha vida que me machucam e sei que isso vai parecer a coisa mais idiota do mundo, mas ver o sol nascer me faz sorrir e ter o dia melhor por conta disso, então resolvi ver o sol todos os dias quando ele surge no céu.

Quando ele já havia nascido eu voltei para o apartamento para fazer um café para aquele lunático, quando eu estava na cozinha o Sr. Almíscar resolveu aparecer, roçou em minhas pernas e miou. Sr. Almíscar é o gato do Sombra, o coitadinho também foi muito maltratado durante a vida. Para começo de conversa o Sr. Almíscar é um gato negro de olhos azuis intenso, mas só tinha um olho, e não tinha um pedaço da orelha esquerda nem um pedaço do rabo, que era cortado. Quando o vi a primeira vez levei um susto, parecia um gato Zumbi de tão esculhambado que estava, o Sombra me contou a história dele, o coitadinho era colocado para brigar, meu amigo o resgatou da quase morte. Não entendo por que alguém, ou melhor, um monstro faria isso com um pobre animal, o Sr. Almíscar é um gato tão dócil e carinhoso, não consigo nem o imaginar nesse mundo. Hoje o gatinho parece um gato normal apesar de não ter um olho e mancar um pouco ao andar.

—Hum... O senhor está com fome? —Disse eu pegando o gato—Sabe, seu dono e eu procuramos você ontem até.... Onde o senhor estava?

Enchi a tigela de comida do gato e coloquei água fresca em outra vasilha. Ele é a prova que mesmo com todas as dificuldades.... Não há motivos para ter rancor. Esse é com certeza o gatinho mais dócil que eu já vi .... Tenho muito a aprender com ele.

—Opa... Café! —Disse Sombra entrando na cozinha.

—Está quase pronto.

—Resolveu levantar cedo hoje.... Sabe, é como dizem...  Deus ajuda quem cedo madruga—Disse eu rindo um pouco, estava de bom humor.

—Hum.... Isso explica muita coisa.

—O que?!

—Eu sempre pensei que era muito gostoso.... Por isso a vida sempre quis-me fuder.... Agora sei que é porque eu não acordo cedo.... Que desilusão na minha vida — Disse Sombra balançando negativamente a cabeça.

—A nem gente—Disse eu custando a me aguentar de tanto rir.

Sombra passou por mim e foi até a geladeira, deu uma olhada, depois pegou uma garrafa pequena de cerveja.

—Quarta-feira de manhã e você quer encher a cara? Como vai ir trabalhar?

—Ahh eu sou o boss daquela porr@ mesmo, posso chegar lá bêbado se quiser... Mentira, só deu vontade de beber, e eu vou tomar café com minha avó hoje, por isso levantei cedo.

—Se chegar lá de fogo sua avó te tira o coro.

—Sei disso.

Sombra saiu um pouco depois de terminar de beber sua cerveja. Depois de terminar de comer fui me arrumar, droga.... Ao olhar no espelho vi que a raiz do meu cabelo está um pouco grande demais, preciso dar um jeito nela, vou retocá-la esse final de semana. É estranho, meu cabelo é um loiro bem claro e resolvi pintar de um tom realmente negro, fica estranho quando a raiz cresce, e olha que ela cresce rápido.... Rápido demais para o meu gosto.

Saí tranquilamente para ir à escola, quando cheguei lá haviam poucas pessoas, mas mesmo assim resolvi ir para a biblioteca para ter um pouco de sossego. Geralmente quando chego cedo assim não há ninguém lá, mas dessa vez havia uma garota, com metade do cabelo loiro platinado e o outro negro intenso, uma linha na vertical dividia exatamente as duas cores, cada lado da cabeça de uma cor. Ela estava sentada com os pés em cima da mesa, me acompanhou o olhar desde quando entrei até eu me sentar... Sentei-me bem longe dela, sei lá, tinha um ar de ser encrenqueira e por mais que eu goste de ver o circo pegando fogo, hoje quero apenas ficar na minha.

—Adorei sua lente branca— Disse ela puxando assunto.

—Obrigada, gostei do seu cabelo também.

—Obrigada.

Cara... Porque sempre que eu penso “Vou ficar sem falar com ninguém hoje” aparece alguém querendo conversar comigo? A menina veio até perto de mim, virou uma cadeira ao contrário e sentou-se apoiando a cabeça nela.

—Você gosta de vir à biblioteca? — Perguntou ela.

—Na verdade só venho para fugir da multidão.

—Hum.... Você parece ser legal—Ela me estendeu a mão—Meu nome é Alice, qual seu nome?

—Dara, não é por nada, mas o nome combinou com você.

— Que bom que acha isso. Sabe, não é todo dia que vejo uma garota tão legal como você.

—Você é nova aqui?

—Na verdade não, eu só pintei meu cabelo, estudo aqui desde o primeiro ano, hoje estou no terceiro.... Já havia te visto antes, mas nunca tive a oportunidade de conversar com você.

—Eu geralmente não reparo muito nas pessoas, prazer em te conhecer Alice.

—O prazer é todo meu—Disse ela sorrindo.

Peguei um livro qualquer e comecei a folhear, ela me olhava sorridente, mas não dizia nada. Lembrei-me do que o Sombra havia dito sobre garotas lésbicas.... Aquela garota tinha um “eu calço 44” bem grande estampado na cara, mas não queria nada com ela, parecia ser legal, mas não estou a fim de ter nada com ninguém... Nada mesmo. Depois de um tempo evitando olhar para Alice o sinal tocou e eu saí um tanto sem graça de lá. Eu estava no corredor quando ela passou correndo por mim e gritou sorrindo “Até mais Dara”, a peste da Amanda passou por mim e me deu um sorriso de lado um tanto malicioso... Quer saber... Estou pouco me lixando para a Kittel, não tenho medo dela, mas mesmo assim essa garota quer me implicar... Idiota.

Na hora do almoço o trio do terror apareceu para conversar comigo. Quem é o trio do terror? Simples, as gêmeas e a Lily, já disse isso para elas e aparentemente gostaram da brincadeira. Nunca tive amigas, é tudo tão estranho para mim, mas devo admitir que é muito bom.

—Olha.... Se for para pedir dinheiro.... Eu estou lisa! — Brinquei enquanto comia.

—Fica despreocupada, que não queremos nada, só queremos sentar perto de você— Disse Magda.

—Eu não digo o mesmo —Disse Megan— Eu quero um pouquinho desse bolo...Parece tão gostoso.

—Megan! —Gritou Magda.

—O que foi?! —Perguntou ela.

—Tudo bem Magda.... Pode pegar um pedaço Megan.

Ela pegou metade do meu bolo, mas tudo bem, ela me deu um pouco do pavê que ela tinha trazido de casa. O Almoço hoje estava bom, mas na maioria das vezes não é assim. Minha teoria para esse feito histórico é porque o aniversário da escola é semana que vem.

—Sexta agora nós vamos ao cinema, você vem com a gente? —Perguntou Lily tampando a boca, estava mastigando ainda.

—Perdão, mas sexta eu já tenho compromisso.

—Ah para! —Disse Magda—Toda vez que te convidamos para sair você recusa, não mordemos, sabia?

— Eu sei disso —Disse eu rindo.

—Ah, falando nisso você recebeu a foto que eu entreguei para o seu amigo?—Perguntou Lily.

—Peguei sim, obrigada.

—Ei... Mas fui eu que tirei a foto, imprimi —Disse Megan.

—Mas nenhuma das duas teve coragem de entregar para o Nicolas, então a glória é minha —Disse Lily para as gêmeas.

— Espera aí.... Do que você o chamou? —Perguntei.

—Ué... Nicolas.... Não é o nome dele?

—Sim, mas quase todo mundo o chamam de Sombra. 70% das pessoas nem sabe o nome dele. Tipo, só a avó dele e eu quando quero irritar o chamamos assim, como sabe o nome dele?

—O Martin me disse, só isso.

—Ah é mesmo, esqueci que ele é do clube de xadrez como você.

—Mas voltando ao assunto que estávamos falando antes... —Disse Lily—Semana que vem então você não nos escapa... Festa do pijama na casa das gêmeas, não tem como faltar.

—Perdão, mas eu passo, nunca fui numa festa de pijama e nem quero ir também.

—Não tem jeito de faltar, se você não for nós vamos te buscar na sua casa, não adianta arrumar desculpa—Disse Lily séria.

—Vocês nem sabem onde eu moro.

—Eu não sei, mas o Martin sabe —Disse Megan.

—Aff... Judas.

O sinal tocou, mas elas me barraram quando eu ia me levantar.

—Se você não prometer que vai à festa do pijama... —Lily olhou para os lados— A Megan vai te dar o famoso abraço quebras ossos dela.

—Ei! —Gritou ela.

—Ai, tá bom gente—Disse eu passando meio sem graça pelas meninas.

O dia na escola acabou, eu fui para casa, minha avó me ligou dizendo que sentia saudades e eu disse que iria passar o final de semana na casa dela, sinto muita saudade dela e isso não é mentira, então acho que ela não vai se importar se eu passar um ou dois dias na casa dela. E assim acabou minha Quarta-feira.

Na sexta de manhã na hora do almoço Lily foi almoçar com o namorado dela e eu sentei-me com as gêmeas como estava sentando na última semana, na verdade elas sentaram-se ao meu lado do nada e sem pedir autorização, mas é válido. Em algum momento do almoço, do outro lado do salão vi a Alice, olhei demais, porque ela virou-se para mim e viu que eu a olhava. Até que ela é bem simpática, sorriu e acenou de volta para mim.

—Megan, você que conhece todo mundo... O que sabe sobre aquela garota—Disse eu apontando para Alice.

—Não muito, ela não vem muito na escola, mas mesmo assim as notas dela são basicamente perfeitas.

—Ela estudou comigo numa aula ano passado  —Disse Magda.

— E então...

—Nada.... Ela é normal.

—Hum...

—Por que.... Interessou pela garota? —Perguntou Megan.

Ah, elas sabem minha sexualidade desde a oitava série, tudo culpa de um dia que eu estava sem paciência, aí elas ficaram me perguntando se aquele garoto que eu sempre andava junta (Sombra) era meu namorado, se eu tinha namorado e coisas do tipo. Não aguentei tanta pergunta e acabei contando, graças a Deus pararam de me atormentar perguntando se eu estava interessada em alguém ou tinha namorada... Eu pensei que quando falasse isso às afastaria, assim seria menos uma coisa para me preocupar, mas elas são muito legais na verdade, me tratam muito bem até hoje.

—Não, mas parece que ela sim.

—Ué, por que você não fica com a garota então? —Perguntou Magda.

—Não quero, não gostei dela.

— Mas olha.... Fui reparar.... Vocês até formariam um belo casal—Disse Megan.

— Mas eu não quero ninguém —Disse eu colocando as mãos em meu rosto e puxei minhas bochechas para baixo (machucou um pouco) — Por que essa implicância de achar que eu preciso de alguém? Estou bem sozinha.

—Deixa ela Megan.... Não vamos mais tocar nesse assunto... Ok? —Disse Magda.

Diplomática a Magda, admiro essa garota.

Liguei para minha avó depois de almoçar e ela me disse que havia uma surpresa para mim, fui para lá assim que a aula acabou. Quando estava descendo a rua da minha avó vi meu pai lavando o carro em frente sua casa, ele me encarou feio e me seguiu o olhar até eu que eu saísse da vista dele. Pelo jeito o velho ainda não está com graça para euzinha aqui.

Assim que cheguei à casa da minha avó, vi meu irmão na sala de visita, sentado no sofá, ao nos vermos tanto ele quanto eu ficamos catatônicos.

—O que você faz aqui? —Perguntei.

—A vovó ligou e disse que era urgente e que era para eu vir agora.

—Vovó...

Minha avó apareceu na porta da cozinha.

—Sabe...—Disse ela se sentando ao lado do Clarck e me puxando para perto— Eu fui criada com oito irmãos, cada um mais diferente do outro... E mesmo assim... Nós lidávamos com nossas diferenças.

—Não há nada para fazer aqui... Ele já fez todo o possível... Pior que ele não admite nem que errou.

Eu o olhei, ele desviou o olhar e permaneceu calado, resolvi sair de perto deles. Estava subindo as escadas, segurando lágrimas quando ele resolveu se pronunciar.

—Me perdoa, é isso que você quer ouvir?

Eu não me virei, doía ter que falar com ele.

—Sabe, se quiser eu ajoelho— Ele ajoelhou-se—Me perdoa, eu não vou pedir que seja minha amiga... Só quero saber se você me perdoa?

Fechei meus olhos, lágrimas tímidas escorriam dos meus olhos.

—Perdoe o meu anjo, rancor não leva a nada — Disse minha avó observando tudo.

—E.…—Disse eu virando—Eu te perdoo, mas não quero que você fale nunca mais comigo na minha vida... Ficar perto do meu próprio irmão me machuca.... Eu não quero me machucar.... Então acho que o melhor que podemos fazer é ficar assim mesmo.... Sem nos falarmos, como estranhos.

—Mas... —Tentou dizer minha avó.

—Não vó, durante toda nossa vida meu pai tentou criar uma imagem de “família perfeita” e meu irmão acabou pegando esse espírito, sendo que sempre foi tudo falso... Minha vida inteira eu fui a “garotinha perfeita” que viva às custas da aprovação do pai... Cansei... Se pudesse fugia dessa merd@ de cidade.

—Mas Dara —Tentou falar minha avó.

—Olhe para nós vovó.... Meus pais são divorciados, a filhinha querida tornou-se a ovelha negra da família, o irmão é um falso de topete levantado.... Parece o Ken da Barbie.

—Desculpa tá! —Gritou ele— Eu já entendi que você acha nossa família falsa. Nosso pai só tentou não te perder, mas você nunca quis ouvi-lo e olha o que você se tornou hoje?

— O que?!... Essa sou, essa sempre fui eu.... Você sabia... Só nunca quis enxergar.

—Não, você era diferente, era uma garota doce , tinha um jeito encantador e meigo...

—Mas eu ainda sou... Só não sou perto de você, porque você me xinga, briga comigo, quase me bate tem dias —Gritei já vermelha de tanta raiva.

—Aff para de querer me culpar... A culpa é sua você ser assim —Gritou ele raivoso, suas veias do pescoço estavam a mostra.

—Tem razão... A culpa é minha.... Queria nunca ter nascido ou me matado quando tive chance.

Quando disse aquilo ele calou-se e pôs as mãos em sua cabeça, sempre faz isso quando vê que fez burrada... Idiota.... Como estou com raiva dele agora.

Sentei-me na escada, tentei esconder meu rosto entre minhas pernas dobradas. Estava enlouquecendo, todas àquelas lágrimas, toda aquela dor, aquela raiva. Meu irmão sentou ao meu lado e colocou o braço ao meu redor, beijou minha cabeça e então disse as palavras mais sábias que já disse em tempos:

—Acho que você tem razão. Eu te amo maninha, mas ficar perto de você só vai fazê-la sofrer mais.... Mesmo sendo irmãos o único laço que nos uni agora é o de sangue, nem eu nem você nos conhecemos mais.... Isso é culpa minha... Perdão...

Então ele levantou-se e foi embora e eu fiquei lá no mesmo lugar, imóvel chorando. Minha avó falava comigo, mas eu não a escutava.... Queria chorar, precisava chorar, até isso fui privada por muito tempo.... Queria saber como essas pessoas que fingem a felicidade conseguem ser otimistas sempre.

“Eu sou só uma garota insana demais para ser compreendida…”

Aquelas palavras foram ditas por uma garota que um dia eu conheci e não saíam da minha mente, igualzinho ela não saía de lá também... O que é tão difícil de compreender? Eu só queria saber por que ninguém vê que o que eu tenho na verdade é medo, medo de me machucar de novo... Só uma garota insana demais para ser compreendida.........


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Notas finais do capítulo

Então..Gostaram? Um comentário iria me ajudar de mais a saber disso. ^~^



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