Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 31
15° Consulta - parte 2


Notas iniciais do capítulo

Que Ayume é baixinha todos nós já sabemos, mas será que alguém sabe quanto ela realmente tem de altura?



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E além de estar tentando monopolizar a nossa pequena Ayume, Doutora, esse Gringo está ficando também muito abusado.

Imagine só, nós estávamos os quatro na arquibancada durante a aula de Ed. Física, apesar de o Gringo geralmente participar, embora não precise — talvez uma forma de irritar ao seu agente? — naquele dia ele quis ficar de fora para estudar melhor o seu Script/ficar perto da Ayume (não falei? Não dá pra se livrar dele!), Ayume estava sentada com o celular na mão mostrando a mim, que estava ao seu lado, e ao meu irmão que estava atrás de mim um degrau acima, um vídeo engraçado qualquer que ela tinha achado na rede, enquanto o Gringo — depois de muito insistir — estava deitado sobre as suas pernas.

Quando, de repente, ele chamou:

—Ayume. Agora que somos namorados, tem uma coisa que eu quero te perguntar desde a primeira vez que te vi.

—O que? — ela respondeu sem prestar muita atenção.

—Quanto você tem de altura?

A pergunta foi tão repentina que, no susto, Ayume até deixou o celular cair, sorte que eu consegui pegar.

—Mas que pergunta é essa?!

Ele ergueu os olhos para ela.

—O que? Achei que as mulheres eram sensíveis a perguntas só em relação ao peso. — ele deixou o script aberto sobre a barriga.

—É! Mas algumas de nós são sensíveis com relação à altura também! — respondeu agitada.

—É isso aí, se toca Dos Reis, você não pode chegar de repente para uma nanica e perguntar quanto ela mede de altura. — Afirmei intrometendo-me na conversa.

Desde que Ayume reclamou conosco sobre só chamarmos o Gringo de Gringo, nós temos tentado nos adaptar aos pouquinhos a chamá-lo, ao menos, de Dos Reis.

—Nanica?! — exaltou-se Ayume.

—Ah, mas também não tente descobrir sozinho quando ela se recusar a te responder, chegando por trás tirando uma fita métrica do bolso, porque isso só vai fazê-la virar uma fera... — Murilo começou a dizer.

Até Ayume olhá-lo extremamente irritada, porque foi exatamente o que nós dois fizemos com ela lá no começo da nossa amizade, quando ainda estávamos na “fase de teste” e ela ainda estava aprendendo a nos diferenciar.

—Ok, eu não vou tentar pegá-la numa emboscada com uma fita métrica, mas... Você não vai mesmo me dizer quanto você tem de altura? — Dos Reis insistiu.

Acho que ele não estava ouvindo nada do que dissemos.

—Claro que não! — ela responde escandalizada, agarrando-se ao meu braço.

—Por que não?

—Pelo amor de Deus, Luciano, porque é constrangedor! — respondeu pressionando o rosto em meu braço para escondê-lo.

—Mas... O que tem demais em você me dizer a sua altura? Você não precisa ter vergonha de ser baixinha porque isso só te deixa mais fofa...

—Não me chame de fofa! Eu tenho aproximadamente 1,50m tá legal?! — Ayume respondeu no auge de seu constrangimento — Satisfeito agora?!

—Na verdade, não muito. — respondeu erguendo a mão para pegar o pulso dela e fazê-la olhar para ele — Você disse “aproximadamente 1,50m”, mas esse “aproximadamente” é mais para mais ou mais para menos?

—Para menos, com certeza! — Murilo respondeu rindo sem conseguir se conter.

—Meu Deus, como a Ayume queria ter pelo menos 1,50m! — Eu ri entrando na onda — E poder subir na montanha russa sem ter que usar calço nos sapatos!

—De novo esse negócio de montanha russa?! — ela reclamou.

—Ou poder alcançar o próprio armário sem ter que ficar dando pulinhos ou empilhando livros para subir em cima! — Meu irmão acrescentou.

Foi por muito pouco que nós conseguimos nos desvencilhar de Ayume quando ela, furiosa, saltou para nos apanhar — consequentemente fazendo a cabeça do Gringo, que antes estava apoiada sobre as pernas magricelas dela, bater com força no concreto da arquibancada.

Ele soltou um gemido de dor, mas ninguém prestou atenção.

—Vocês são insuportáveis, sabiam?! — a japinha reclamou invocada.

Acho que esse foi um daqueles momentos, que ela mencionou antes, nos quais ela sente vontade de atirar em nós.

—Pode acreditar que nós somos insuportáveis! — gargalhamos, mas ainda nos mantendo a uma distância segura dela — Mas você nos ama mesmo assim!

—Como vocês são chatos! E devolvam logo meu celular! — reclamou estendendo a mão para nós, mas não negou que nos ama.

—Ayume. — Dos Reis chamou-a já se sentando, massageando a parte de trás da cabeça.

—Oi? — ela respondeu virando-se.

—Você... Não vai mesmo me dizer qual a sua altura? — perguntou inclinando a cabeça de lado e olhando-a fixamente.

Agora eu não sei o que é doutora, mas aquele Gringo tem qualquer coisa nos olhos que deixa as garotas visivelmente perturbadas. Nem a Ayume é imune a eles.

—Ai, mas por que isso é assim tão importante?! — ela irritou-se — 1,47m, tá bem? Eu tenho um 1,47m e provavelmente não vou passar disso, ok? Satisfeito?

Viu só? Não chega nem a 1,50, nós avisamos.

Agora, 1,47m, doutora, dá pra acreditar? 1,47m! Se ela tivesse menos sete centímetros já poderia ser considerada oficialmente anã! Ela virou o rosto de lado, nos dando uma boa visão de sua bochecha e orelha direita que estavam completamente vermelhas, enquanto apertava os punhos ao lado do corpo.

—Você fica tão bonitinha quando fica assim toda coradinha e nervosa, me dá vontade de te abraçar e não largar mais! — o Gringo afirmou sorrindo alegremente — E o seu segundo nome?

Ayume deu dois passos para trás, quase esbarrando em mim.

—O que tem?

—Você vai me falar o seu segundo nome agora?

—Mas é claro que não.

—E que tal seu peso?

—Também não vamos forçar a barra, tá? — ela balançou a cabeça pegando aquela bolsa feia dela — Então até mais meninos, eu vou para casa.

Ela saltou para o degrau debaixo e seguiu descendo o resto da arquibancada, mas antes de ir definitivamente embora ela ainda parou para falar uma última coisa:

—E que essa informação não saia daqui, entenderam? Ou eu arranco a língua dos três com pinças quentes. — disse com um sorrisinho meigo.

Olha Doutora, eu não sei onde que aquele Gringo acha a Ayume fofa, porque não é por nada não, mas nós temos a nítida impressão de que talvez ela tenha uma pequena tendência para a sociopatia, sei lá.

Mas o que a gente sabe, não é? Afinal a senhora é que é a doutora aqui, e não nós.

Mas voltando... Ele ainda estava olhando para o lugar por onde Ayume fora quando nos percebeu ainda ali parados ao lado dele com sorrisos vitoriosos.

Afinal nós sabemos o segundo nome de Ayume e ele não.

Como se tivesse adivinhado exatamente o que estávamos pensando ele ergueu uma mão para nós e disse:

—Nem uma palavra.

—Ok. — encolhemos os ombros já descendo a arquibancada para irmos embora também — Mas você quer um conselho?

—Qual?

Nós paramos ao pé da arquibancada e nos viramos.

—Quando você quiser abraçar Ayume faça como a gente: simplesmente abrace. — Meu irmão aconselhou.

—É. Não a deixe de sobre aviso. — concordei — Isso só da a ela oportunidade para fugir.

Mas afinal por que estávamos dando conselhos ao inimigo?!

♠. ♣. ♥. ♦

—Garotos. — Frank Lorret os chamou — Luciano não é seu inimigo.

—Nós sabemos. — os gêmeos admitiram com um suspiro de derrota — Mas mesmo assim ele não deixa de ser irritante!

Frank Lorret sorriu.

—Vocês só estão com ciúmes por causa de Ayume.

—Não vamos negar. — disseram.

—E com raiva porque nem sequer possuem a desculpa de que ele não gosta de vocês, para vocês não gostarem de volta, assim como fazem com os outros amigos de Ayume. — os garotos franziram os cenhos, e a doutora seguiu dizendo: — Mas eu acho que vocês três estão realmente começando a ficar amigos.

 Comentário este que os gêmeos receberam com uma nova careta.

—Ele é grudento! — disseram.

♠. ♣. ♥. ♦

Claro que reclamamos disso com Ayume, mas ela nos disse que estávamos exagerando.

—Exagerando?! — Murilo repetiu boquiaberto. — Quem aqui está exagerando?!

—Vocês. — Ayume girou os olhos.

—Como pode dizer isso?! — perguntei também boquiaberto — Vocês estão grudados agora mesmo!

Eu gesticulei incrédulo com ambas as mãos para os dois.

Ayume estava lendo uma revista mangá sentada na arquibancada — já percebeu que passamos muito tempo na arquibancada? Estou notando isso agora... — entre as pernas do Gringo, enquanto ele lia a mesma revista por cima da cabeça dela, com os braços em volta de sua cintura.

—Só estamos lendo mangá. — ela respondeu.

—Mas precisam mesmo ficar tão juntos assim só pra ler uma revista?! — Meu irmão gesticulou para os dois com atos exasperados.

—Vocês deviam correr para o banheiro para lavar a cara de vocês. — ela comentou calmamente mudando a página.

Olhamos confusos um para o outro, não havia nada de errado em nossos rostos, viramos para ela novamente,

—Por quê? — perguntamos.

—Para lavar esse “HIPÓCRITA” que tá estampado bem nas testas de vocês.

Dessa vez ela ergueu os olhos, só um pouquinho, para observar nossa reação, enquanto Dos Reis cobria a boca abafando uma risada.

—Nem nós somos tão grudados assim! — protestamos.

—Vocês já não deviam ter ido para casa? A aula já acabou há uns vinte minutos. — ela perguntou calmamente sem erguer os olhos da revista enquanto virava a página.

—Podemos dizer o mesmo de vocês! — acusamos.

—Meu pai está atrasado. — o Gringo deu de ombros.

—E eu quero terminar de ler isso antes de ir para casa. — Ayume ergueu os olhos para nós e explicou: — Em casa não tenho paz, e fico com enjoo se leio no ônibus.

Dos Reis apoiou o queixo no ombro dela (Ayume não gosta quando apoiamos qualquer coisa na cabeça dela, porque diz que o pescoço dela tem uma estrutura projetada especificamente para sustentar o peso apenas da cabeça dela e mais nada).

—Eles já estão piores que os seus irmãos, não acha?

Ayume balançou a cabeça.

—Meus irmãos são bem piores.

Ele inclinou a cabeça de lado, virando a página do mangá enquanto comentava distraidamente:

—Você sempre diz isso, mas eles não me pareceram tão ruins assim.

—Isso foi porque...!

—Opa! Opa! Opa! — erguemos as mãos — Ele conhece seus irmãos?

—Conheço. — ele nos olhou — Vocês não?

Obviamente nos recusamos a responder a essa pergunta, e ao invés de respondermos preferimos nos focar em Ayume.

—Por que ele conhece seus irmãos?! — perguntamos acusadoramente.

Ayume empurrou a cabeça de Dos Reis para longe de seus ombros.

—Por que você foi falar disso?! — reclamou com ele.

—Não é justo! Somos seus melhores amigos! — reclamei.

—Sem falar que te conhecemos há mais tempo também! — Murilo juntou-se a mim — Até alguns meses atrás vocês nem sequer se conheciam pessoalmente!

—Mas só que eu não o apresentei aos meus irmãos! — ela defendeu-se. — Ele simplesmente apareceu um dia sem mais nem menos lá em casa!

—Eu teria ligado antes, mas seu celular estava desligado. — Dos Reis respondeu encolhendo os ombros, como se isso justificasse tudo.

—Descarregado. — ela o corrigiu — E mesmo assim você ainda não deveria ter aparecido lá daquela forma. Eram férias de julho. E se a casa estivesse vazia? Podíamos muito bem todos ter ido... Sei lá, passar o fim de semana na praia talvez?

Calmamente o Gringo virou mais uma página do mangá.

—Você odeia a praia. — respondeu.

—Na verdade odeio todo tipo de atividade ao ar livre. Mas você tem razão, praia tem um lugarzinho especial na minha lista. — ela concordou — E também odeio usar biquíni: Muita pele exposta ao sol.

Ao meu lado Murilo sacudiu as mãos como se estivesse espantando moscas.

—Vocês estão fugindo do assunto! — reclamou — O ponto não é esse aqui!

—Sim! — concordei — Afinal como ele sabe seu endereço e nós não?

Ayume virou a página novamente, como é que eles conseguiam conversar e ler ao mesmo tempo? Ainda mais com os quadrinhos de trás para frente!

—É que ele e o agente me deixaram em casa uma vez. — respondeu — Lembram-se? Foi logo depois de deixarem vocês em casa também, na primeira vez em que visitamos o apartamento dele.

Ah nós lembramos, foi quando Ayume nos impediu de ganhar R$ 2.000,00 cada.

—E eu memorizei o caminho! — Dos Reis afirmou alegremente.

—Mas isso foi há meses! — reclamamos.

—Anos de prática memorizando minhas falas me deram uma ótima memória! — ele vangloriou-se orgulhoso.

—Deixando isso de lado. — Ayume gesticulando despreocupadamente com a mão — Meus irmãos acabaram pegando leve com Luciano, primeiro porque ficaram tão surpresos com a chegada dele que não conseguiram esboçar reação alguma, e depois porque ele simplesmente parecia bem mais interessado na televisão do que em mim. — ela girou os olhos — Nem deve ter notado quando eu saí.

Dos Reis a olhou confuso.

—Você saiu? — perguntou — Que horas?

—Eu estive fora, na casa do Adam, por quase três episódios inteiros de Sobrenatural! — afirmou voltando-se irritada para ele.

Mas o Gringo apenas inclinou a cabeça de lado e perguntou:

—É mesmo?

Girando os olhos novamente ela voltou-se para nós indicando-o com um movimento de mão como se dissesse “Estão vendo só?” e apontou para nós.

—Mas vocês são um caso completamente diferente. — afirmou — Vocês são afetuosos, meninos, gostam de abraçar-me e beijar-me. — balançou a cabeça — Isso com certeza não daria certo, meus irmãos fariam picadinho de vocês: Eles mandariam suas mãos de volta para seus pais e colocariam suas cabeças em estacas na varanda para servir de exemplo.

Nós temos certeza que Ayume estava apenas exagerando, mas é “interessante” ver como a imaginação dela funciona, não acha?

Falando assim nem parece que ela é, na verdade, fã das Princesas Disney.

—Então seus irmãos só pegaram leve porque ele não estava nem aí para você. — Murilo afirmou contrariado cruzando os braços.

—Mas e agora? — perguntei também cruzando os braços. — Eles ainda continuam tão tranquilos mesmo com vocês dois namorando?

Mais rápido do que nós achávamos ser possível Ayume saltou sobre nós, jogando seu mangá para trás, e espalmando suas mãozinhas em nossos estômagos e nos empurrando meio passo para trás.

—Meus irmãos não sabem disso! — exclamou agora fechando as mãos e agarrando nossas camisas, puxando-nos novamente — E vocês não vão falar nada! Prometam!

♠. ♣. ♥. ♦

—Entendo. — a doutora os analisou — E agora, o que pretendem fazer meninos?

Os gêmeos deram de ombros.

—O que podemos fazer? Ayume nos disse para não contar, então é claro que não vamos contar.

Satisfeita Frank Lorret sorriu.

—Fico feliz, meninos, isso é realmente muito b...

—Afinal nem teria sentido. — Vinicius a interrompeu — Já que os dois já terminaram.

A doutora os olhou surpresa achando que havia ouvido mal.

—O que?! Mas já? Assim tão depressa?

Os garotos sorriram.

—Meninos. — a doutora os chamou — Vocês, por acaso, não tiveram nada haver com isso, tiveram?

—Nós? Jamais!

Responderam com um tom de voz tão inocente que só tornava mais difícil saber se estavam ou não falando sério.

Rindo da expressão da doutora, Murilo voltou a falar:

—Nós realmente não fizemos nada doutora.

A doutora suspirou um pouco mais aliviada.

—Bem, e então? O que aconteceu?

—É realmente irritante quando a Ayume começa a falar com aquele loirinho sobre esses desenhos japonês dos quais não sabemos nada e se esquece da nossa existência. — Murilo confessou.

Mas ao seu lado Vinicius confirmou com um sorriso satisfeito:

—Só que foi justamente por causa de uma dessas conversas deles que tudo chegou a um fim.

♠. ♣. ♥. ♦

Tudo parecia normal no início, Dos Reis estava mostrando um vídeo no celular de como ele finalmente tinha conseguido fazer seu passarinho de bochechas vermelhas assoviar o início da música tema de Rei Leão — Tá legal, até que isso foi legal — ah é, e ele também estava oferecendo um donut a ela.

—Não obrigada. — ela recusou, dando replay no vídeo do passarinho assoviando “O ciclo sem fim”.

—Mas já é hora do intervalo, você não está com fome?

Ele olhou para nós, talvez a procura de apoio, o tolo, mas nós estávamos ocupados comendo nossos próprios lanches. De qualquer forma, depois de todo aquele tempo, ele finalmente havia começado a se dar conta de algo:

—Ayume... Por que você nunca come na hora do intervalo? Mas não só na hora do intervalo, eu quase nunca te vejo comendo... Você sempre recusa comida também.

Ayume deu de ombros.

—Eu só não estou com fome agora.

—Mas quem recusaria um donut de graça? — ele parecia genuinamente assombrado — Você... Por acaso não está em algum tipo de dieta maluca está? Porque se você está tentando perder ainda mais peso você vai...!

—Se disser que eu vou sumir, sair voando, ou qualquer coisa assim, eu jogo seu celular fora. — Ayume o interrompeu com um suspiro — E não, não estou fazendo nenhum tipo de dieta. É só que não estou com fome agora... E também não gosto de donuts.

—Você não gosta de donuts?! — parecia que ela tinha dito que planejava matar o papa.

—E não apenas donuts. — comecei a falar, limpando as mãos uma na outra quando terminei de comer — Nossa pequena Ayume aqui parece não gostar de comer em geral, esfirras, churros, pudim, fígado, mortadela, ervilhas, mamão, cenoura... Em fim, a lista de coisas que ela não gosta é muito longa, podíamos ficar aqui o dia todo, e ainda classificar por “coisas que ela não come de jeito nenhum” e “coisas que ela come, mas parece que tá engolindo pedra”.

—A grande maioria dos sabores de suco também entraria na lista. — meu irmão acrescentou — E refrigerantes! Já a viu bebendo Coca-Cola? É um copo pequeno só, e parece que está engolindo pedra! Ela também quase nunca sente fome ou se sente é bem pouco. Você precisava ver o sacrifício que foi fazê-la experimentar batatinhas pela primeira vez! Se bem que pelo menos por isso ela acabou pegando gosto.

—Mas só essas que vendem em sacos, nada daquelas batatas em palito das redes de fast food! — concordei — Ficamos até surpresos quando ela comeu pipoca no cinema sem reclamar!

—Ora, mas é claro! Que tipo de pessoa vai ao cinema e não come pipoca? — Ayume defendeu-se, mas só pra constar, ela também não come aquelas pipocas de saquinho, e aí percebeu o olhar preocupado do Dos reis para ela — E você também pare de me olhar assim! É só que eu tenho um paladar restrito.

Mas talvez se não fosse esse “paladar restrito” ela conseguisse pesar pelo menos 40 kg, e quem sabe crescer uns centímetros também, não é?

—Ainda assim... — o loirinho olhava abismado pra ela — Alguém que simplesmente não gosta de comer...

—Tem gente que come pra viver, e gente que vive pra comer. — comentamos dando de ombros — Mas Ayume parece comer pra sobreviver.

—Idiotas. — ela resmungou plugando os fones de ouvido no celular do Gringo e passando a nos ignorar completamente.

Daí ele resolveu deixá-la em paz, terminou seu donut e depois se encostou a ela e pegou um dos lados dos fones para si.

E nós?

Nós podíamos ter ido embora e parado de segurar vela ali? É claro.

Mas nós fomos? Claro que não.

Ao invés disso simplesmente desplugamos os fones do celular — tudo bem, eu despluguei — e ficamos lá para assistir junto com eles o que quer que eles estivessem assistindo no celular também.

Era um vídeo do youtube, fazendo uma lista de “filmes do estúdio GHIBLI que você precisa assistir” por sinal.

—Eu posso ter ficado com os olhos um pouco úmidos nesse aqui. — Ayume comentou em um deles.

—Aposto que chorou. — Dos Reis a provocou.

—Não chorei. — ela negou — Talvez... Talvez um pouco.

—Chorou sim, com certeza. — ele riu.

—Tá bem então, e se eu tiver chorado mesmo?! — ela admitiu contrariada, cruzando os braços. — Eu sei que você chorou vendo Full Metal Alchimist.

—Mais de uma vez. — ele concordou rindo — E chorei de novo quando assisti pela segunda vez.

Como será que é a sensação de chorar assistindo ou lendo algo? Lá em casa ninguém nunca chorou por nada assim... Até a Maya, ela viu Toy Story 3 sem nem piscar.

A propósito quando falamos sobre isso com Ayume ela nos acusou de sermos uma família de homens de lata — isto é, sem coração — igual aos irmãos e a mãe dela, nós perguntamos sobre o pai dela, mas parece que ele chorou quando o Ash virou pedra e também no filme dois de Stitch e Lilo quando achou que o Stitch tinha morrido — e pode ser ou não que Ayume tenha chorado nesse segundo caso também — então ele tem coração e não é um homem de lata.

—Ainda assim aposto que você é muito mais chorona do que eu. — Dos Reis provocou. — Aposto que nem poderia ver Hotarubi no Mori sozinha.

—Por quê? — Ayume olhou-o — Aposto que eu poderia!

—Não. — ele riu balançando a cabeça — Você ia se acabar de chorar.

—Bem, com certeza não tanto quanto você. — ela respondeu cruzando os braços. — E eu posso ver o que quiser e quando eu quiser.

Ele a olhou.

—Não foi o que eu quis dizer. Por que você está procurando briga? — reclamou.

Ayume franziu o cenho.

—Não estou.

Acho que se ele tivesse calado a boca, tinha acabado por ali mesmo. Mas não...

—E quem foi que teve pesadelos e ficou três noites sem dormir porque assistiu “Espíritos”?! — ele continuou.

Ayume abriu e fechou a boca várias vezes, antes de falar, completamente indignada:

Ai meu Deus! Eu tinha nove anos! Nove!

—Você tem pavor de filmes de terror até hoje! — o loirinho a acusou.

Bem, isso explica algumas coisas afinal.

—Você também odeia filmes de terror! — ela acusou de volta — E aquilo foi culpa de Santiago, ele me enganou!

—Ele te disse para não assistir! — Dos Reis levou as mãos à cabeça.

Por alguma razão parecia que os dois estavam se alterando ali...

—Exatamente! Ele sabia que eu ia querer assistir, foi de propósito! — Ayume defendeu-se.

—Mas é disso que eu estou falando! Você só quer fazer as coisas que te dizem para não fazer!

Ayume olhou-o boquiaberta e irritada.

—Então agora eu sou implicante?!

Dos reis piscou.

—Não foi o que eu disse. Eu só te disse para não assistir Hotarubi no Mori sozinha porque...

—E por que eu não poderia ver um filme triste sozinha?! — ela o interrompeu. — Pois eu vou!

—Será que você pode me escutar?! — ele se irritou.

Murilo me cutucou de leve.

—O que está acontecendo aqui? — perguntou-me pasmo.

—Eu não tenho a menor ideia. — respondi da mesma forma.

Ver aqueles dois brigando, e ainda mais por um motivo que nem eles deviam entender direito, era tão estranho que nós ficamos simplesmente atônitos.

O que, é claro, não me impediu de perguntar:

—E então? Pego a pipoca eu ou pega a pipoca você?

♠. ♣. ♥. ♦

—E desde então os dois não se falaram mais! — Vinicius exclamou.

—Não por falta de tentativa do loirinho. — acrescentou Murilo.

—Mas nossa pequena japinha resiste firme e forte! — Completou Vinicius.

E parecia exultante por dessa vez o tratamento de silêncio de Ayume não ser direcionado a eles, Franck Lorret que os ouvia pacientemente ergueu o indicador, pedindo um minuto.

—Esperem. — disse — Há quanto tempo eles já estão assim?

—Três dias. — os garotos responderam alegremente.

A doutora apertou os lábios por um momento.

—Meninos. — chamou — Não é porque um casal teve uma briga, ainda mais a sua primeira briga, que eles vão necessariamente terminar.

—Claro que não! — eles concordaram — Do contrário a senhora não teria trabalho, não é mesmo doutora?

—Claro. — ela concordou paciente — O que quero dizer, garotos, é que vocês não deveriam se alegrar assim, só porque Luciano e Ayume tiveram uma briga não significa necessariamente que eles terminaram, entendem? Aliais, mesmo que tenham terminado, acham mesmo que deviam estar felizes assim? Ayume é amiga de vocês, é dever de vocês quererem o bem dela. Como ela está agora?

Os gêmeos franziram o cenho.

—Com raiva. — responderam.

—Isso é natural. — a doutora concordou. — Mas acham mesmo que deviam estar tão felizes? Se deixarem o ciúme de vocês de lado um pouco vocês verão que o mais correto a se fazer é apoiar a amiga de vocês ao invés de se alegrarem com seu término. — aconselhou — Parem e pensem um pouco: Se, quando as coisas não deram certo com Verônica, Ayume tivesse se vangloriado e se demonstrado claramente satisfeita com isso, vocês teriam gostado?

—Agora você pegou pesado doutora. — Murilo resmungou.

Frank Lorret concordou.

—Às vezes precisamos ser enérgicos. — afirmou. — Mas creio que agora vocês compreenderam meu ponto, estou certa?

—Sim. — os irmãos suspiraram.

A doutora acenou satisfeita.

—E o que pretendem fazer agora? — questionou.

Os garotos hesitaram.

—Talvez devêssemos perguntar à Ayume como ela realmente está? — chutou Vinicius ainda incerto. — E se ela quiser xingar o loirinho e fazer a foto dele de alvo para lançamento de dardos, nós estaremos lá para entregar os dardos.

Seu gêmeo concordou.

—Ou se quiser apenas ver animes, podemos assistir com ela também. — acrescentou — Talvez devêssemos levá-la para lanchar também.

—A Ayume sempre deixa quase metade do hambúrguer, e ela odeia pepino. — ponderou Vinicius, colocando-se de pé juntamente com Murilo quando os alarmes nos relógios apitaram — E nem toca nas batatas fritas.

—Aí a gente come. — Murilo deu de ombros já se dirigindo à porta com o irmão — Como sempre.

—Quem ficou com as batatas da última vez? — Vinicius perguntou — Acho que foi você, não foi?

—Até semana que vem garotos. — Dra. Frank acenou.

—Até. — despediram-se.

Porém, quando saíram deram de cara com Luciano sentado ao lado de Ayume no sofá da sala de espera, que estava escondendo o rosto entre as mãos enquanto ele dava tapinhas em seu ombro.

—Você está chorando? — perguntou.

—Cala a boca. — ela respondeu por trás das mãos.

—Viu só? — Luciano suspirou. — Foi por isso que disse que você não podia ver Hotarubi no Mori. Quem iria te dar os lenços? Seu nariz já começou a escorrer?

Ayume bateu nele fracamente com um punho fechado.

—Só cala a boca e me dá um lenço! — fungou.

—Vou te contar um segredo. — ele comentou passando a ela uma caixa de lenços — Eu não chorei assistindo Hotarubi no Mori. O final já era previsível.

Ayume olhou-o com raiva enquanto assuava o nariz.

—Isso aqui são lágrimas de revolta. — afirmou teimosa.

Além dos dois a única outra pessoa na sala era Adam, mas ele limitou-se a dar de ombros quando os gêmeos olharam para ele sem saber o que estava acontecendo ali.

—Parece que não é tão fácil assim que vamos nos livrar desse cara. — suspiraram.


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Notas finais do capítulo

Dra. Frank sempre acertando com seus conselhos, não é? Mas parece que não é tão cedo que os gêmeos vão conseguir se livrar do Luciano, isso se ele não os vencer primeiro pelo cansaço kkkkkk
Ah, por curiosidade, e quanto a vocês, tem coração de manteiga ou são mais do tipo "homem de lata"?



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