Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 20
10° Consulta - parte 2


Notas iniciais do capítulo

Você que está prestes a ler esse capitulo cuidado, o nível de idiotice dos gêmeos está aumentando perigosamente. -.-'



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Murilo riu e balançou a cabeça.

—Ok. Ok. Vinicius, e depois o dramático da dupla sou eu, não é? Vamos, será bem mais simples se você simplesmente admitir de uma vez que nós somos o reflexo um do outro.

Mas ao invés de responder àquilo Vinicius simplesmente encolheu os ombros e afastou o irmão mais para o lado, para poder então deitar-se no divã e, na maior cara de pau, apoiar a cabeça sobre suas pernas.

—Apenas apresse-se e comece logo a contar a sua parte. — pediu.

Murilo girou os olhos.

—Se vai mesmo ficar deitado aí, podia, ao menos, me deixar ficar sentado do lado do divã que tem apoio para as costas. — mas quando o irmão ignorou aquilo também ele suspirou e inclinou-se de lado, para passar um dos braços por trás do divã e apoiar-se precariamente no apoio de costas daquele lado — Agora doutora, voltando à história... — Frank Lorret, que estivera até então anotando algumas coisas em sua prancheta, ergueu rapidamente os olhos — Como nós já mencionamos antes, os primeiros dias de cada semestre são sempre meio bagunçados...

♠. ♣. ♥. ♦

Mas nada, com certeza, se compara a zorra geral que definitivamente é o final de cada ano letivo.

Nós não temos só as provas finais, temos também a peça de final de ano que te rende pontos para as avaliações de recuperação e que, muitas vezes, pode fazer uma grande diferença entre repetir o ano ou ficar de dependência ou conseguir se salvar por um triz.

Deixe-me explicar direito essa peça, todo ano depois das notas das provas finais saírem, mas antes da recuperação final chegar, a escola encena uma peça de teatro a qual é obrigatória para todos aqueles que precisam desesperadamente de pontos — se você participar ela pode te render até três pontos extras em cada matéria — e opcional para aqueles que não precisam.

Durante todo o ensino fundamental Vinicius e eu passamos tranquilamente em todos os anos, não que nossas notas fossem as mais altas da escola, mas também não dava pra reclamar, — e sim, nossas notas também são geralmente iguais, e isso nós nem fazemos de propósito — mas isso mudou em nosso primeiro ano do ensino médio.

E nós nem pudemos culpar Verônica e as amigas por isso, porque afinal, quem é que quis ficar de bobeira com elas ao invés de estudar? Nós.

Francamente, a única matéria que nós passamos de lavado, todo mundo aliais, foi Ed. Física, afinal tudo o que temos que fazer é responder presente nas aulas — e isso nem conta tanto — e entregar um trabalho qualquer no dia da prova.

Nós até conseguimos passar raspando em história, geografia, filosofia, português, espanhol, química — essa foi milagre, só pode! — e sociologia.

Mas ficamos realmente em situação de risco em física, biologia e... Hã... Artes.

Mas em nossa defesa aquela escola não é normal!

Em artes eles não nos mandam só fazermos uns rabiscos e pronto, eles estão tentando nos fazer entender a história, a filosofia e os conceitos sociais por trás de cada período artístico! É mole?!

Quer dizer, nós até conseguimos nos sair um pouquinho melhor na provas finais do que nos saímos na terceira avaliação, mas não foi o bastante para conseguirmos escapar da peça escolar e todas as suas intermináveis horas de ensaio.

Ah, e por falar nisso, a peça escolhida do ano passado foi Rapunzel só que foi a versão da Disney, “Enrolados” — e adivinha só quem fez os dois irmãos criminosos comparsas de Flynn Rider?

Mas, pelo menos a humilhação valeu à pena, porque aqueles pontos extras realmente nos salvaram!

—Vocês foram muito bem! — Ayume nos cumprimentou depois da peça quando já saiamos do palco. — Vinicius, não doeu quando você deu aquela cabeçada no guarda?

—Não. — meu irmão piscou surpreso em vê-la ali — Na verdade não.

Dando um salto para trás Ayume ergueu o polegar num gesto de aprovação e nos disse:

—Vocês foram ótimos! Com certeza merecem os três pontos extras!

—Obrigado... — respondi a olhando de forma meio besta, pois também estava surpreso de vê-la ali.

Era quase como se não a conhecêssemos mais, nós nem sabíamos que ela tinha ido nos assistir, não falávamos com ela há mais de um mês.

Ayume cruzou os braços, de repente tornando-se um pouco tímida.

—Ah e... Eu também queria dizer que se vocês precisarem de ajuda para as provas de recuperação eu posso até ajudar, mas não precisa ser agora se não quiserem...

—Ei garotos! — Adriana nos chamou ainda vestida em seu figurino de “Rapuzel” — Nós já estamos indo, vocês vêm?

Nem pra fazer a peça ela tinha tirado aqueles brincos gigantesco de argola dela, e isso deixou a coisa toda muito estranha se quer saber.

—Ah. — nós nos viramos — Já estamos indo daqui a pouco! — e nos voltamos novamente para Ayume — O que dizia?

—Que se vocês precisarem de ajuda para estudar para recuperação eu... — ela levou uma das mãos à nuca — Na verdade eu vim me desculpar.

—O que? — piscamos surpresos. — Pelo que?

—Bem... — Ayume abraçou a si mesma segurando os próprios cotovelos — Eu não tenho falado muito com vocês ultimamente, não é? Eu estava dizendo a mim mesma que agora vocês estavam muito ocupados com suas novas amigas e não tinham tempo para mim, mas agora... Acho que a culpa foi um pouco minha, não é? — ela sorriu-nos, de uma forma que seus olhos, que já eram duas fendas, fecharam-se completamente — Eu estive conversando com um amigo e ele me disse que o mais provável é que eu tenha me acostumado a só ter vocês vindo atrás de mim, e nunca ir eu mesma atrás de vocês, então quando vocês arranjaram novas amigas eu me senti excluída, mas não fiz nada para mudar isso. Na verdade, hoje fiquei tão nervosa antes de vir falar com vocês, que até vesti as calças do JJ por engano. Besteira, não é? — e inclinou a cabeça de lado, ah, e só pra constar, recentemente ela nos contou quem era esse tal amigo que a estava aconselhando naquela época: Lorde Zucker — Eu vivo reclamando do ciúme de vocês por eu ter outros amigos, mas a verdade é que eu também tenho ciúmes de vocês terem outras amigas agora. Então, vocês me perdoam?

E ficou ali parada com seu sorrisinho inocente enquanto esperava por uma resposta nossa.

Dá pra acreditar? Nós que é que vínhamos a ignorando e negligenciando completamente durante todo aquele tempo... E ela é que vinha nos pedir desculpas!

Engolimos em seco.

—Olha Ayume...

—Meninos. — Verônica nos chamou. — Nós não vamos demorar, poderiam nos esperar só mais um pouquinho... Ah, olá Ayume.

Ela vinha chegando por detrás de Ayume junto com Dominique, ambas ainda vestidas respectivamente de “Rainha, mãe da Rapunzel” e “mamãe Gothel”

—Oi Verônica... — Nossa amiga virou-se. — Você esteve muito bem na peça, e você também Dominique.

Dominique acenou de forma educada com a cabeça, mas Verônica cruzou os braços e bufou.

—Eu representei a mãe da Rapunzel! — reclamou — Praticamente não apareci na peça inteira, e muito menos tive falas!

Desde o principio Verônica tinha detestado aquele papel, ela e todas as outras — com exceção de Dominique que queria terminar logo com aquilo e ir para casa — achavam que mereciam fazer o papel da princesa.

—Ainda assim você estava bem. — Ayume insistiu.

—Claro, tanto faz. — disse logo antes de voltar sua atenção para nós novamente — Eu e Dominique vamos nos trocar, mas depois vamos sair para comemorar... Vocês nos esperam aqui?

—Claro. — respondemos — Também vamos nos trocar.

Verônica concordou, mas antes de ir olhou mais uma vez para Ayume.

—Eu te chamaria para vir também Ayume... Mas você sabe, as meninas...

Ayume ergueu a mão.

—Não, tudo bem.

—Além de que você nem sequer participou da peça, então não tem mesmo porque ir. — Verônica finalizou indo embora com Dominique.

Ela falou isso como se fosse algo ruim, mas, diferente de nós, Ayume havia tirado notas boas o suficiente para não ser obrigada a participar da peça.

Ayume virou-se novamente para nós.

—Então garotos...

—Olha Ayume está tudo bem. — nós a interrompemos apressados, queríamos trocar de roupa antes de Verônica voltar. — Nem sequer sabemos por que você está nos pedindo desculpas.

Nossa amiga piscou.

—Mas eu acabei de dizer...

—A gente se vê mais tarde! — nos despedimos já saindo dali.

Agora que penso nisso há uns poucos dias Ayume nos contou que, naquele dia depois que fomos embora, ela pegou o celular e enviou uma mensagem ao Lorde Zucker pelo Whatsapp:

“Eles nem ligaram p/ mim vc tem mais alguma grande idéia Sr. Zucker? ¬¬”

Ao que ele respondeu alguns segundos depois:

“Assista The Big Ban Teory?”

Ela suspirou, respondeu um “O.K” e foi para casa.

E isso até justifica aquela alfinetada que ela nos deu antes de entrarmos, por ficarmos implicando tanto com a amizade virtual dela e Lorde Zucker — vulgo Lucian Reis.

Agora, além da peça e das provas de final de ano — tanto as da última avaliação quanto a de recuperação — nós também temos o tão aguardado — especialmente para as garotas — baile de despedida do ano.

Claro que nós já comentamos sobre os bailes aqui, não é doutora?

Só que a gente não se aprofundou muito nisso, certo?

Então, é o seguinte: todo inicio e final de ano a nossa escola promove um baile: um de boas vindas aos calouros e alunos que estão voltando das férias e outro de despedida aos alunos que estão se formando no ensino médio e aos que estão saindo de férias.

—Vocês viram só como ela estava vestida? — Débora perguntou às outras, abrindo uma lata de fanta laranja.

—Acho que eram as calças do irmão dela. — Verônica respondeu — Ela nem deve ter notado que as vestiu por engano.

—Mas que idiota! — Débora riu.

Meu irmão e eu, que até então estávamos concentrados em cortar pedaços de pizza exatamente do mesmo tamanho, para comermos — porque é importante que um coma exatamente o que o outro come, e exatamente na mesma quantidade também, para que nossos corpos não se diferenciem de forma alguma — erguemos os olhos, incomodados em ouvir aquilo.

—Ela só é um pouco distraída. — afirmou Vinicius.

—Ela é uma esquisita, é isso o que ela é.  — Natália retrucou. — Se eu saísse na rua usando as roupas do meu irmão, eu me matava, juro!

—Por quê? — eu a olhei — Eu uso as roupas do meu irmão e ele usa as minhas, e nem por isso nós nos suicidamos ainda.

Isso é meio verdade e meio mentira doutora, porque é verdade que eu uso as roupas de Vinicius e ele as minhas, mas em contrapartida quase nenhuma das roupas que temos são minhas ou dele, elas são todas nossas.

Nós encaramos Natália que ficou nos encarando desconcertada, afinal quem era ela com aquele seu cabelo vermelho e chamativo para chamar nossa amiga de esquisita?

Até que Adriana pôs a mão sobre os lábios para disfarçar uma risada.

—E vocês ao menos conseguem diferenciar as roupas de um das roupas do outro? — ela nos perguntou.

—Não. — admitimos — Na verdade não.

E rimos, isso despertou nas meninas uma onda de risos também.

Pelo menos elas pararam de falar de Ayume, mas isso acabou abrindo espaço para outro tema:

—E vocês meninos, já pensaram em quem vão chamar para o baile de despedida? — Andrea nos perguntou segurando uma batata frita na mão.

Nós a olhamos.

—Hã? — perguntei.

—Baile? — Vinicius repetiu.

—O baile de despedida, tolinhos. — ela riu. — Quem vocês vão chamar para irem com vocês?

Claro que muitos calouros (especialmente as meninas) ficam bem animados em participar de um baile na escola igual nos filmes, mas a coisa não vai bem por ai não... Quer dizer, alguns até vão com um par, os meninos colocam um jeans limpo, as meninas colocam vestidos e se maquiam (mais que o normal), mas não acho que seja lá essa Coca-Cola toda que o pessoal imagina a principio, eu e meu irmão nem sequer fomos ao baile de boas vindas quando entramos como calouros na escola, e  aparecer no baile de despedida também nem passava por nossas cabeças — que estavam agora totalmente concentradas nas provas de recuperação — até as garotas tocarem nesse assunto.

—Gregório me chamou para ir com ele. — Natália contou rindo — Dá pra acreditar? Aquele super nerd!

—Noooossa! — ecoaram as outras meninas.

Com exceção de Dominique, que estava distraída comendo uma batata frita, mas, mesmo não parecendo muito interessada na conversa, ela perguntou:

—E o que você respondeu?

—Que não é claro! — Natália respondeu — Eu disse que nem que ele me fizesse passar de ano eu sairia com ele!

—Bem feito pra ele! — apoiou Verônica jogando os cabelos.

—Da onde será que aquele garoto tirou que alguém como eu sairia com alguém como ele? — Natália riu.

—Vai saber! — riu Adriana — E acreditam que ele também me chamou?

—Ai meu Deus! — Débora estava rindo tanto que parecia a ponto de se engasgar.

—E disse que se eu fosse com ele até me passava cola nas provas! — Adriana acrescentou.

—Que garoto sem noção. — Dominique comentou comendo outra batata frita — E você Verônica, alguém já te chamou?

Verônica sorriu de forma convencida.

—Dúzias de garotos. — gabou-se. — Até o Rodrigo do terceiro ano.

Nessa hora Dominique e nós tivemos que tampar os ouvidos porque as meninas explodiram em uma onda de gritos histéricos e ensurdecedores, e começaram a falar todas ao mesmo tempo com Verônica, que parecia rir e se gabar, mas não tenho muita certeza porque havia um zumbido horrível nos meus ouvidos naquela hora e tenho certeza que meu irmão estava com o mesmo zumbido também.

—Mas como assim você o recusou?! — Andrea perguntou algum tempo depois, parecendo totalmente afrontada — Esse é o último ano dele no colégio e ele chamou justo você para acompanhá-lo ao baile!

Uma palavrinha doutora: nós já tínhamos ouvido falar daquele Rodrigo e não, definitivamente aquele não era o ultimo ano dele no colégio... E não foi mesmo.

—Isso sem falar que ele é um gato! — acrescentou Natália. — Se ele tivesse me chamado...!

A essa altura nós já estávamos tentando nos lembrar do por que de estarmos ali...

—E então, por que você recusou? — Dominique, que era a mais calma de todas, perguntou. — Você ainda não tem par Verônica.

—Não se preocupe, quando o par certo aparecer eu vou aceitar. — ela garantiu.

—E se não aparecer? — nós perguntamos apoiando nossos rostos nas mãos.

Estávamos, naquele momento, nos lembrando de um episódio de “As visões da Raven” em que Raven recusou todos os garotos que apareceram na sua frente para serem seu par por causa de uma visão que tivera e acabou ficando sem par para o baile.

—Vai aparecer. — Verônica respondeu-nos com absoluta certeza — Eu só tenho que dar... As dicas certas.

E nesse momento inclinou-se sobre a mesa e piscou para nós.

Foi quando, de repente, um pensamento relampejou em minha cabeça: se eu a convidasse será que ela aceitaria? Ou diria não e depois ficaria rindo de mim com as amigas?

Mal sabia eu que exatamente o mesmo pensamento havia passado pela cabeça de Vinicius.

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Frank Lorret franziu o cenho quando a pausa de Murilo tornou-se prolongada demais.

Mas, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Vinicius tornou a frente:

—E então...? — ele perguntou abrindo os olhos com ares de sonolento, os dedos das mãos estavam entrelaçados sobre a barriga — Continue, o nosso tempo ainda não terminou... Eu sei que essa parte não é boa, mas não adianta dizer que eu enrolei para te deixar a pior parte, eu falei bastante na minha vez, e a doutora é testemunha, não é doutora?

A doutora acenou.

Murilo baixou os olhos para o irmão de forma entediada.

—Mas você podia ao menos fingir que está prestando um pouquinho de atenção. — censurou.

—Mas eu estou prestando atenção. — afirmou o olhando inocente — E também. — continuou — Eu já ouvi essa história, eu estive nela, é a doutora quem ainda não ouviu.

—Não Vinicius. — Dra. Frank interpôs-se — É importante que você também escute o seu irmão e saiba o que ele estava pensando e sentindo nesses momentos, porque só assim vocês vão poder resolver... — ela franziu o cenho — O que vocês têm para resolver? Estão aqui há meses, mas nunca me disseram por quê... Quer dizer, vocês têm essa compulsão obsessiva de se tornarem exatamente idênticos por causa do medo do passado de serem separados, e que certamente não é uma forma saudável de se viver... Mas não me parece que vocês enxerguem isso como um problema.

—Nem um pouquinho. — ambos responderam.

—E muito menos pensam em mudar essa situação.

—Nos sentimos bem do jeito que estamos. — afirmaram. — Não temos necessidade de mudar.

—Então meninos. — ela inclinou-se um pouco mais para frente — O que exatamente os trouxe até mim?

—Ayume. — responderam sem pestanejar.

Frank Lorret piscou.

—Ayume? — repetiu — Achei que tivessem dito que Verônica foi a causa de vocês estarem aqui.

—Foi Ayume que nos fez vir até a senhora doutora. — afirmou Murilo.

—E Verônica foi a causa para ela ter feito isso. — completou Vinicius.

A doutora batucou levemente com a caneta na prancheta.

—Por que não me explicam isso melhor?

Murilo, talvez sem nem sequer perceber, pousou a mão sobre a cabeça de seu irmão e começou a passá-la levemente por seus cabelos.

—Vamos com calma doutora. — ele disse, desviando o olhar para o lado — Um passo de cada vez.

♠. ♣. ♥. ♦

Então, mesmo com as provas de recuperação já em cima da gente e nós estando definitivamente encrencados, nós havíamos acabado sido contagiados por Verônica e suas amigas e ao invés de pensarmos no fato de Ayume ter se oferecido para nos dar aulas — e olha que estávamos precisando! — nós só conseguíamos pensar em uma coisa:

—Talvez nós irmos ao baile de final de ano não seja uma idéia tão ruim. — comentei naquela noite enquanto voltávamos para casa.

—Nós nem sequer fomos ao baile de boas vindas, não temos realmente como saber se é ruim ou não. — Vinicius concordou.

Uma pequena curiosidade sobre nós doutora: há duas situações em que não trocamos de identidade, quando estamos sozinhos e quando estamos com Ayume. Afinal qual seria a graça disso?

—Mas... Acho que, em uma situação dessas, nós não poderíamos ir um com o outro. — refleti.

—Então se quiséssemos ir a esse baile teríamos que arranjar pares?

Claro que isso era só uma desculpa sem pé nem cabeça que eu estava inventando e na qual Vinicius estava fingindo acreditar, porque não era obrigatório ter um par para ir a um baile, e mesmo que fosse obrigatório e fosse muito triste — para não dizer super estranho — que nós fossemos acompanhados um do outro, nós não ligávamos.

E daí se nós gostamos de ficar um com o outro e não temos interesse em ter qualquer tipo de contato com o mundo exterior? — era como nós costumávamos pensar.

Parando ao lado dele eu coloquei as mãos nos bolsos e olhei para o céu.

—Isso foi só uma coisa que me veio em mente. — afirmei — Mas eu não tenho ninguém em mente.

—Hum. — ele também colocou as mãos nos bolsos e olhou para o céu — Nem eu.

Foi a primeira vez que nós mentimos um para o outro.

Acho que já nessa hora nós deveríamos ter notado o grau de gravidade das coisas, mas acabamos não notando nada, isso só pra exemplificar o quanto somos idiotas.

De qualquer forma... Eu acabei sendo o primeiro, a evidentemente, trair um de nós.

—Quem é a pessoa que eu estou esperando me convidar? — Verônica repetiu surpresa depois que eu fiz essa pergunta a ela alguns dias depois, quando a encontrei no corredor depois de uma das provas de recuperação.

Aquela era a primeira vez, desde o dia em que nos conhecemos, que eu estava a sós com ela, e isso não foi fácil, pode acreditar!

Primeiro porque Verônica e aquelas amigas dela parecem mais grudadas do que eu e Vinicius — e olha que até então nós achávamos que só gêmeos siameses poderiam alcançar um nível desses — e segundo porque mesmo quando as amigas dela não estavam por perto meu irmão estava.

Eu nunca antes havia me sentido incomodado com a constante presença de meu irmão ao meu lado — e acho que nem ele também —, mas aquela altura eu estava me sentindo tão sufocado que poderia gritar a qualquer momento.

Mas — por sorte — antes que isso acontecesse, ocorreu de por ventura meu irmão acabar por demorar um pouco mais que eu para terminar a prova daquele dia — um acontecimento realmente excepcional porque, assim como nossas notas, nossos tempos para fazer as provas costumam ser praticamente os mesmo também, o que, claro, sempre gera desconfiança por parte dos professores achando que nós estamos colando e os leva a nos colocar um em cada canto da sala em dia de prova. — e eu acabar por ter de sair primeiro da sala e coincidentemente encontrar Verônica no corredor.

—É... Quer dizer, naquele dia você deu a entender que ainda não aceitou nenhum convite porque está esperando que alguém em especial te convide. Então fiquei curioso... Quem é essa pessoa?

—Hum... Na verdade eu mesma ainda não defini. — ela me respondeu, e quando olhei para baixo Verônica estava digitando ao celular — Quer dizer, eu não tenho só uma opção entende? É como... Uma garantia, se um não me convidar certeza que o outro vai.

—Ah é? — eu sentei-me ao seu lado — E se nenhuma das suas opções te convidarem?

Verônica sorriu, não sei se pela minha perguntar ou pelo que ela estava conversando pelo celular.

—Que gracinha, você está preocupado comigo? — perguntou-me. — Não se preocupe, eu não vou ficar trancada em casa vendo desenhos animados e brincando de bonecas que nem a esquisitona da minha prima, que parece viver em uma realidade nipônica totalmente alternativa à nossa, uma das minhas opções vai me chamar com certeza, se não... — encolheu os ombros — Eu chamo um dos idiotas que me chamou antes, porque mesmo que eles já tenham arranjado um par com certeza as largarão na hora para virem correndo para mim.

Verônica narcisista? Não, nem um pouquinho, imagina!

♠. ♣. ♥. ♦

Murilo interrompeu sua narrativa quando ouviu o irmão dar um riso baixo que tentava abafar colocando a mão sobre a boca.

—Ah, então você ainda está acordado? — olho-o. — Do que está rindo?

—Da sua ingenuidade querido irmão. — Vinicius respondeu cruzando os braços atrás da cabeça ao olhá-lo. — Acha mesmo que foi o primeiro de nós que nos traiu?

Murilo franziu o cenho.

—E não fui?

Balançando a cabeça Vinicius ergueu-se sobre os cotovelos.

—Sabe esse dia que eu demorei mais que você para terminar a prova?

—Claro que sim, eu estava falando dele agora. — respondeu.

—Bem, acontece que nesse dia nós terminamos a prova juntos como sempre, só que dessa vez eu fiquei enrolando na sala para você sair primeiro. — revelou. — E só depois é que eu saí também.

Pondo o cotovelo sobre o encosto do divã e apoiando o rosto no punho fechado Murilo o fitou.

—Por quê?

Vinicius encolheu os ombros ajeitando-se ao lado de Murilo no divã.

—Para poder falar com Verônica sem você por perto, eu não sabia onde ela estava então mandei mensagem, de forma que enquanto ela estava conversando pessoalmente com você sobre o baile, estava falando da mesma coisa comigo no Whatsapp.

Murilo arqueou ambas as sobrancelhas.

—Então foi uma traição mútua?

Vinicius passou a mão pelos cabelos.

—Parece que sim.

Os dois irmãos se encararam por alguns segundos.

A doutora se preparou para intervir no que poderia vir a ser o primeiro desentendimento deles desde que começaram com as consultas... Mas então eles começaram a rir.

E não era um riso falso ou forçado, eles estavam rindo genuinamente, a ponto de se curvarem um sobre o outro e se abraçarem dando tapas nas costas um do outro.

—Parece que somos idênticos até involuntariamente. — Vinicius observou se soltando do irmão.

—Pois é. — Murilo concordou — Mas já devíamos saber disse, não é? Afinal, de alguma forma, nós sempre espirramos ao mesmo tempo!

—Verdade! — Vinicius riu.

A doutora suspirou — um tanto impaciente — largando a caneta sobre a prancheta.

—Eu realmente não entendo vocês meninos! — admitiu.

Os gêmeos a olharam.

—Não se preocupe doutora. — ambos ergueram a mão — A senhora não é a única.

♠. ♣. ♥. ♦

—Eu estava pensando...

Começamos a falar ao mesmo tempo, dias mais tarde quando estávamos sozinhos em nosso quarto, eu estava sentado no chão lendo um de nossos cadernos e tentando entender como e porque a arte grega sofreu influencia da egípcia no período arcaico, e Vinicius estava jogado numa das camas com o nosso outro caderno e provavelmente se debatendo até a morte, assim como eu, com o mesmo problema. Depois de tanto tempo imitando um ao outro acho que nossos pensamentos meio que ficaram “conectados” por assim dizer. Então não foi estranho ― não tão estranho assim ― quando tentamos quebrar o silêncio ao mesmo tempo, quando percebemos que havíamos interrompido sumariamente o que o outro tinha a dizer olhamos um para a cara do outro e rimos.

—Vai fala. — dissemos um ao outro.

Voltamos a rir, aquilo definitivamente não ia dar certo, e nenhum de nós tinha uma moeda, podíamos tentar “pedra, papel, tesoura”, mas, de alguma forma, sempre que tentamos isso nós acabamos em empate.

—No três? — perguntamos um ao outro — No três — concordamos, e então respiramos fundo, contamos mentalmente até três e soltamos — Eu vou chamar Verônica para ir ao baile comigo.

Por vários segundos encaramos um ao outro.

Às vezes pensar de formas tão parecidas pode realmente ser um problema.

♠. ♣. ♥. ♦

Ambos os gêmeos olharam para os relógios em seus pulsos quando eles começaram a apitar.

—Então acho que é isso doutora. — concluiu Murilo desligando o alarme do relógio de pulso.

—O que? — surpreendeu-se a doutora — Vocês não podem parar agora!

—Até o mês que vem. — completou Vinicius também desligando o alarme de seu próprio relógio de pulso.

—Mês que vem? — Frank Lorret espantou-se.

Os garotos inclinaram as cabeças de lado, de forma que se encostaram um ao outro.

—Nós não contamos? — perguntaram.

—Não. — a doutora balançou a cabeça — O que está acontecendo?

 —Não vamos vir nas próximas três semanas porque hoje à noite vamos pegar um ônibus para Belém com nosso pai. — explicou Vinicius.

—Daí nós vamos pernoitar em um hotel e amanhã à tarde pegaremos uma balsa para Manaus, porque não existem estradas entre Manaus e Belém. — continuou Murilo — A irmã do nosso pai mora lá e nos convidou para passar um tempo.

—Então nós vamos. — Vinicius encolheu os ombros.

Observando-os bem a doutora comentou:

—Vocês não me parecem muito animados com isso.

—Não nos entenda mal doutora. — ambos ergueram as mãos — Estivemos em Manaus uma vez, quando tínhamos dez anos, e a cidade é linda e tudo...

Frank Lorret arqueou uma sobrancelha.

—Mas...?

Ambos se inclinaram para frente parecendo completamente esgotados.

—Passar quase sete horas em um ônibus e depois de sete a oito dias em um barco só para visitar nossa tia e o marido e filho dela? — ambos suspiraram absurdamente alto — Nos perdoe por não parecemos muito animados com essa perspectiva.

—Entendi. — a doutora sorriu — Parece realmente ser uma viagem cansativa.

—Com certeza. — eles olharam um pouquinho para cima — Da última vez um de nós não conseguiu manter nada no estômago pelos primeiros três dias inteiros da viajem de barco, e o outro fez greve de fome em solidariedade.

A doutora franziu o cenho.

—Greve de fome? — repetiu — Isso foi inconseqüente.

—Sabemos. — eles responderam — Mas não podíamos nos permitir ficarmos com pesos diferentes, podíamos?

Eles eram realmente irremediáveis. A doutora suspirou.

—E quanto à mãe e a irmã de vocês? — mudou de assunto — Elas não vão à Manaus também?

—Ah vão. — ambos colocaram o cotovelo esquerdo sobre a perna, apoiaram o rosto na mão e acenaram displicentemente com a mão direita — Elas têm uma passagem de avião para Manaus marcada para daqui a cinco dias, então, depois de mais ou menos umas três horas de vôo, elas irão chegar lá dias antes de nós e ainda vão nos buscar no porto com nossa tia.

Frank Lorret os olhou de forma preocupada.

—E o que vocês acham de a irmã mais nova de vocês — e filha biológica dos pais de vocês, deixou sem dizer — estar indo para Manaus de avião enquanto vocês terão de pegar um ônibus e uma balsa para chegar até lá?

Ambos os garotos sorriram.

—Não estamos com raiva ou ciúmes da nossa irmãzinha se é o que está pensando doutora.

—E por que não? — questionou.

Vinicius espreguiçou-se e cruzou os braços atrás da cabeça.

—Bem, primeiro porque Maya não tem culpa de papai e mamãe serem péssimos organizando viagens.

Se até mesmo o ciúmes deles pela irmãzinha caçula não ultrapassava mais do que o ciúmes natural entre irmãos — e talvez estivesse até um pouco abaixo disso — que razão teriam aqueles gêmeos para estarem ali?!

—E segundo. — continuou Murilo, agora apoiando o rosto em ambas as mãos — Porque pegar a balsa em vez do avião foi meio que escolha nossa.

—Embora, dada as opções, isso não foi bem uma escolha, foi? — riu Vinicius.

Frank Lorret arqueou a sobrancelha.

—E que opções foram essas?

Murilo fechou os olhos ao sorrir.

—Como eu posso explicar doutora?

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Pra começar, vamos chamar isso de “um pequeno conto da família Montenegro”, ok?

Isso foi uns três dias atrás...

—Garotos. — esse era nosso pai falando conosco em nosso quarto — Vocês sabem que Aline nos chamou para passar uns dias na casa dela, não é?

Nós erguemos a cabeça, de forma desconfiada.

—Sabemos...

—Bem, então eu e a mãe de vocês decidimos que nós vamos. — ele continuou — Só que as passagens de avião são muito caras nessa época do ano... — Isso sem falar de quando se compra elas em cima da hora, não é? — Então eu só posso pagar por duas passagens de ida e volta de avião.

—Sem problema pai! — o interrompemos erguendo os polegares — Nós vamos de avião!

—Filho meu nenhum vai viajar sozinho! — Mamãe gritou de fora do quarto.

Nós sabíamos que ela estava escutando de detrás da porta.

Papai encolheu os ombros.

—Além disso, como vocês já sabem, a mãe de vocês tem um enjôo terrível em barcos. — o que explica porque ela não consegue sequer ficar sobre uma bóia em uma piscina sem ficar pálida — Portanto umas das passagens de avião já é irremediavelmente dela, agora vocês decidem: um de vocês pode ir de avião com a mãe de vocês enquanto o outro vai de ônibus e balsa comigo e Maya, ou vão os dois comigo e Maya vai de avião com a mãe de vocês. — antes de respondermos ele ainda acrescentou — Se quiserem, o gêmeo que voltar de avião nem precisa ser o mesmo que vai.

Agora, que tipo de opções foi essas?

Em toda a nossa vida nós nunca passamos sequer mais de doze horas separados, como podíamos então escolher passar, voluntariamente, uma semana separados?!

Mas pelo menos dessa vez vamos ter uma cabine.

♠. ♣. ♥. ♦

A doutora acenou compreendendo.

—Então pelo bem da ligação que há entre vocês, vocês escolheram ir e voltar de balsa.

—Exatamente. — os dois concordaram se levantando.

—Bem, se realmente é assim. — a doutora encolheu os ombros — Até o mês que vem meninos, e boa viajem.

—Até doutora. — Ambos acenaram lhe dando as costas, e ao abrirem a porta do consultório já foram cantarolando — Pequena Ayume...!

Mas, para o desconcerto deles, no sofá da sala de espera encontrava-se apenas um jovem casal que os olhou de forma confusa e surpresa — qualquer um olharia se visse um par de gêmeos idênticos saindo do consultório de uma terapeuta de casais.

—Estou aqui. — Ayume os chamou...

... Acenando da cadeira de Adam, onde ela encontrava-se sentada com Ayu-chan em seu colo, enquanto o dono da cadeira permanecia de pé logo ao seu lado, encostado à parede com os braços cruzados.

Os meninos a olharam surpresos.

—O que você está fazendo ai?!

—Eu estava acessando a internet. — respondeu levantando-se com um sorriso. —Vocês já terminaram? — indagou dando a volta na mesa — Então vamos.

—Estamos indo. — ambos concordaram a seguindo.

—Faltava apenas mais uma meia hora para o fim da consulta, então eu não vi problema. — Adam justificou a doutora, quando ela também saiu do consultório, enquanto ele retomava seu lugar.

—Claro, claro. — a doutora concordou sorrindo — Senhor e Sra. Andrade, por favor, queiram entrar.

—Ei pequena Ayume. — Adam ouviu um dos gêmeos chamar no corredor — Me dê aqui a Ayu-chan, ela deve estar pesada, afinal você disse que ela pesa tanto quanto um bebê de verdade.

—Deixa que no ônibus ele te devolve. — disse o outro gêmeo enquanto as vozes iam se afastando — Se bem que ela tem o seu peso quando você era bebê...

—Então nem deve pesar tanto assim. — continuou o primeiro gêmeos — Já que mesmo agora você continua pesando quase nada.

—Será que, pelo menos uma vez, vocês não podem me oferecer ajuda sem fazer graça do meu peso e tamanho? — ele ouviu sua minúscula prima reclamar.


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Notas finais do capítulo

Então é isso, até a próxima, e não se esqueçam: Podem se sentir a vontade para escrever comentários com perguntas, hipóteses e teorias, eu lerei e responderei a todas carinhosamente, mas sem spoilers. :D



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