Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 19
10° Consulta - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Não ganhei nenhum comentário no capitulo passado '^'
Bem, paciência, acho que depois de ter abandonado vocês por mais de um mês, embora eu tenha tido minhas razões, foi até merecido. Né? ¯_(ツ)_/¯ (Sempre quis usar esse emoticon)
Por isso sem ressentimento galera e vamos lá com o próximo capitulo, uhu! (animada por estar novamente seguindo com o prazo)



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Incrédulo o primeiro irmão ergueu a mão pedindo “tempo”.

—Então deixa ver se a gente entendeu. — Uma pausa — Todo ano você se recusa a viajar com seus pais, e mesmo assim eles ainda se sentem culpados e te dão dinheiro para compensar isso?

—É. — Ayume confirmou ajeitando “Ayu-chan” em seu “Bebê passeio”.

—Daí você sai e compra um monte de tranqueiras japonesas?! — o outro irmão perguntou igualmente incrédulo.

—Eu não chamaria exatamente assim. — Ayume encolheu os ombros — Mas é, e também dão dinheiro para Guilherme, só não para o Santiago porque ele já trabalha. Legal né?

Os irmãos suspiraram entrando no grande prédio de vinte andares.

—Legal? Isso é totalmente injusto! — afirmaram — Nós não temos a opção de viajar com nossos pais e irmã, ou ficar e ganhar dinheiro por isso.

Ayume apertou o botão para esperar pelo elevador e olhou para os amigos.

—Então vocês não querem viajar com a família de vocês?

— Claro que queremos! — eles devolveram.

—Então do que estão reclamando?

—De nada. — os gêmeos encolheram os ombros — Só estamos dizendo que seria legal se, pelo menos, tivéssemos alguma escolha.

—Eu não entendi nada, mas tá. — Ela suspirou balançando a cabeça, e, acompanhada pelos dois irmãos, entrou no elevador, e apertou o botão para o décimo quinto andar. — Como estão indo as consultas de vocês afinal?

—Muito bem. — responderam evasivos.

De pé entre eles Ayume colocou as mãos nas costas.

—Muito bem como? — insistiu.

—Só muito bem. — repetiram ainda evasivos.

A pequena de ascendência asiática estalou a língua.

—Isso não me diz muita coisa, e vocês sabem disso, não é?

—Pequena Ayume... — ambos se abaixaram para dar, cada um, um beijo em uma de suas bochechas — O que acontece no consultório de terapia para casais, fica no consultório de terapia para casais!

E dizendo isso saíram ambos do elevador, já no décimo quinto andar.

Ela os seguiu.

—Meu Deus, mas é segredo até de mim? — reclamou.

—Com certeza. — responderam.

Inconformada ela cruzou os braços por cima de Ayu-chan que realmente parecia dormir confortavelmente com a cabeça apoiada em seu peito quase reto... Aquela pequena boneca era realmente praticamente uma obra de arte, tamanho era o seu perfeccionismo em realismo.

—Por quê? — exigiu saber — Estão falando mal de mim para a doutora?

Ambos pararam ao lado da porta com uma pequena plaquinha que dizia “Dra. Frank Lorret. Terapeuta de casais”, e um deles abriu a porta para que a garota entrasse antes deles.

—Pode ser que sim, pode ser que não. — respondeu este que havia aberto a porta, vendo-a passar.

Mas a verdade é que eles haviam chegado a uma parte desconfortável da história dos três, e não queriam relembrá-la para Ayume também.

—Mas nós podemos até te contar, se nos disser como você fez para conseguir o desconto de 75% nas consultas da doutora. — opinou o outro, seguindo-a sala adentro juntamente com o irmão.

A pequena foi diretamente para o sofá da sala de espera.

—Então parece que chegamos a um impasse.

—É o que parece. — os rapazes concordaram fechando a porta atrás de si, e dirigindo-se ao Adam disseram: — Irmãos Montenegro se apresentando para consulta.

Sem sequer se dar ao trabalho de erguer os olhos cor de caramelo do monitor, ou diminuir o ritmo com o qual digitava, Adam respondeu:

—E chegaram na hora para variar, vocês podem entrar, ela está esperando.

Os gêmeos lançaram um olhar a Ayume, que sorriu e acenou para eles.

—Eu espero aqui. — prometeu.

—Nós sabemos que espera. — retrucaram — Só não queremos que se comunique com aquele cara enquanto espera.

Ayume girou os olhos.

—Não sei por que vocês implicam tanto com minha amizade com Lorde Zucker. — mesmo sabendo agora quem Lorde Zucker realmente era, ela ainda preferia chamá-lo daquela forma — Lembre-se que foi a negligencia de vocês comigo que me jogaram direto nos braços deles.

—Isso foi golpe baixo. — resmungou o segundo irmão.

—Apenas prometa que não vai ficar de conversinha com aquele cara enquanto nos espera. — pediu o primeiro irmão.

—Ok, eu prometo.

—Promete mesmo? — perguntaram desconfiados.

—Claro. — Ayume os dispensou com um aceno de mão. — Agora vão logo.

Ambos concordaram, mas mal haviam entrado no consultório e Ayume já estava puxando o celular do bolso.

Dentro do consultório, a doutora sorriu para os gêmeos.

—Olá rapazes. — cumprimentou. —Já estão de férias?

—Já, hoje foi o ultimo dia, graças a Deus! — os dois responderam sentando-se no divã com sorrisos aliviados.

A doutora concordou e voltou a sentar-se.

—Fico feliz com isso. — afirmou.

—Na verdade, tecnicamente, já era para estarmos de férias desde a semana passada. — confessou um dos gêmeos — Essa semana era só para quem estava em recuperação.

Frank Lorret os olhou.

—E vocês estavam de recuperação?

—Em artes. — confessou o outro gêmeo, parecendo envergonhado. — Todo mundo de recuperação em física ou química, e nós dois sozinhos lá com o professor de artes.

Frank Lorret arqueou as sobrancelhas, e ambos os irmãos ergueram as mãos.

—Sem comentários. — pediram.

—Mas vocês ao menos conseguiram recuperar? — a doutora teve que perguntar.

—Conseguimos, foi mamão com açúcar. — respondeu o segundo.

—O professor estava doido pra se livrar logo da gente e ir curtir as férias dele. — acrescentou o primeiro.

E, já querendo se livrar logo daquele tema “constrangedor”, começou logo a falar, antes que a doutora tivesse tempo para perguntar mais alguma coisa:

♠. ♣. ♥. ♦

Depois daquele “pequeno desentendimento” entre Ayume e as amigas de Verônica, o clima ficou estranho entre as duas primas, quer dizer, mais do que de costume, era uma ver a outra no corredor para mudar instantaneamente de caminho ou, quando não tinham escolha, fingir que nem se viram.

Nós até tentamos descobrir o que havia acontecido depois para depois elas terem ficado se estranhando tanto, mas todas as vezes que perguntamos para Verônica ela simplesmente dizia algo como “É que Ayume é uma ingrata!” depois jogava o cabelo e perguntava como ele estava naquele dia, e quando perguntamos para Ayume ela nos disse “Sh, depois!” porque estávamos no meio da aula de espanhol, daí... Acabamos indo deixando o assunto de lado e de lado até esquecermo-nos dele completamente.

Já fazia algum tempo que não nos sentávamos mais com Ayume para comer no refeitório, quer dizer, ela nem sequer comia, então isso não ia fazer muita diferença para ela não é? Por isso nem estranhamos quando, certo diz, assim que entramos no refeitório, ouvimos Verônica nos chamar:

—Murilo, Vinicius!

Isso foi quase uma semana depois das provas terem acabado, e nós já tínhamos esquecido completamente aquele assunto de Ayume e Verônica VS as “peruas loiras” no corredor, quer dizer, tínhamos esquecido até avistarmos Verônica naquele dia no refeitório e percebemos que ela estava sentada, justamente, junto com aquelas garotas.

Obviamente hesitamos.

Mas não muito.

Logo estávamos abrindo espaço entre Verônica e sua amiga — aquela mesma que tínhamos visto recolher a mochila de Ayume do chão naquela vez — para nos sentarmos.

—E aí? — cumprimentamos.

As quatro meninas sentadas do outro lado da mesa nos cumprimentaram em conjunto:

—Oi garotos. — e sorriram de maneiras idênticas.

Eu confesso, é em horas como essas que meu irmão e eu percebemos o quanto é bizarro — e até um pouco assustador — o que fazemos sempre.

—Ah, garotos, me deixem apresentar as meninas para vocês. — e, como já era seu hábito, Verônica jogou os cabelos para trás. — Essas são Débora, Adriana, Natália, Andrea, e Dominique.

Apresentou-nos apontando respectivamente para a “que usava tanta maquiagem que parecia que tinha levado uma surra só de tapas na cara”, a “que tinha brincos de argola tão grandes que dava pra passar o braço por dentro”, a “cosplayer do pica pau”, a “que parecia que a qualquer momento os seios iam sair pulando”, e por último, a única do grupo que, de alguma forma, parecia não se encaixar ali — talvez por não ser tão absurdamente exagerada em sua maquiagem e roupas curtas ou por não ter puxado e esticado o cabelo com uma chapinha até ele ficar o mais liso possível, assim como as outras, incluindo Verônica — sentada logo do nosso outro lado.

—E aí? — repetimos.

—Oi garotos. — elas repetiram também.

Verônica continuou:

—Meninas, esses são Murilo e Vinicius, mas não me perguntem quem é quem, acho que nem os pais deles sabem. — e riu de sua própria piada.

As outras garotas a acompanharam e, para não ficarmos de fora, nós também rimos juntos.

Só que é estranho, é verdade que nós buscamos de todas as maneiras possíveis evitar que as pessoas, inclusive nossos próprios pais, consigam nos diferenciar, mas nos sentimos meio esquisitos quando Verônica disse aquilo.

Depois que a piada perdeu a graça — se bem que nem teve graça, para inicio de conversa, mas deixa pra lá — cada um de nós colocou um cotovelo sobre a mesa e apoiou o rosto na mão.

—Ah sim. — nós dissemos — Nós nos lembramos de vocês.

As garotas sorriram.

—Então vocês repararam em nós? — perguntou Andrea. — Porque nós também...

—Nós as vimos no corredor cercando Ayume como um bando de hienas ainda uns dias atrás. — interrompemos gelidamente.

As quatro garotas do outro lado da mesa ficaram instantaneamente pálidas.

Débora começou a tentar sorrir, mas aquilo estava parecendo mais um tique nervoso.

—Não, vocês devem ter entendido errado...

Ignorando-a, nós nos voltamos para Verônica, sentada à minha direita.

—E você também estava lá.

Verônica franziu o cenho.

—Eu?

—É. — meu irmão confirmou gesticulando para indicar as outras garotas — Chamando essas aqui de peruas.

—Então no desculpe se estamos um pouco confusos por agora vê-la sentada aqui confraternizando amigavelmente com elas. — completei com um encolher de ombros. — Então, elas são ou não peruas?

—E o que é que aconteceu naquele dia no corredor? — pontuou Murilo.

As meninas ficaram todas sem jeito na mesa, sem saber para onde olhavam ou o que falar ou — talvez — se deveriam ou não começar a cavarem buracos ali mesmo para se enterrarem de vergonha.

Eu admito que talvez nós dois não tenhamos muito “tato” para falar com garotas, mas Ayume nunca se incomodou com isso.

Por fim, depois de alguns vários minutos de silêncio constrangedor, a única garota que parecia não ter sido pega de surpresa com um balde de água gelada na cara nos respondeu: Dominique.

—Verônica e Ayume tiveram um desentendimento, as meninas quiseram proteger Verônica, mas acabaram se excedendo um pouco nisso, Verônica ficou muito irritada quando viu isso e acabou brigando com as quatro, foi isso que vocês viram.

Ela estava sentada à esquerda de Murilo e nós demos as costas à Verônica para prestar toda atenção em Dominique.

—Aquela lá é uma mal agradecida. — ouvimos Verônica resmungar às nossas costas.

Agora doutora, eu vou te confessar uma coisa — aliais, nós confessamos muitas coisas aqui, não é? —, a Dominique é muito boa em manipular os fatos.

Quer dizer, não que ela tenha mentido porque tudo o que ela disse era mesmo verdade, Verônica e Ayume realmente tiveram um desentendimento, como já dissemos à senhora, aquelas garotas realmente achavam que estavam protegendo Verônica, — e também algum tipo de hierarquia social que só existe na cabeça delas — e acabaram se excedendo nisso, muito mais do que nós pensávamos — mas elas realmente são umas peruas — e Verônica realmente ficou muito zangada quando soube disso e discutiu com as amigas, como nós vimos, ela só não disse as coisas na ordem em que realmente aconteceram.

Claro que a gente não sabia disso na época — entre as garotas Dominique parecia a mais legal, como iríamos adivinhar que ela era quase uma manipuladora? — então acreditamos. Papai diz mesmo, às vezes, que todo homem é meio besta para as mulheres.

—Então foi isso? — perguntamos — E quanto àquela história de “alpinista social”?

—Alpinista social?— repetiu Adriana, já dissemos como os brincos dela são gigantes? — Não, vocês devem ter entendido errado...

—Nós entendemos muito bem. — interrompemos com absoluta certeza.

—Mas isso é... Foi que... — Natália começou a gaguejar.

—Elas achavam que Ayume estava se aproximando de certas pessoas para se tornar mais popular na escola. — Dominique voltou a falar.

Nós nos viramos para ela novamente.

—Como é? — piscamos confusos.

—Vocês sabem. — Dominique encolheu os ombros. — Por associação: Ande com as pessoas populares e você se torna popular também.

—Ai meu Deus. — falei sem conter uma pequena risada — E elas acharam que Ayume estava fazendo algo assim?

—Ela nem sequer se importa com coisas assim! — meu irmão concordou, também sem conter uma pequena risada — Isso só porque ela é prima de Verônica?

—As duas nem sequer se falam direito! — eu balancei a cabeça.

—Pois é. — Dominique sorriu para as amigas e depois para nós — Mas agora está tudo bem.

Afirmou colocando uma mão sobre o ombro de meu irmão.

Daquele dia em diante estávamos oficialmente inclusos no grupo de Verônica.

♠. ♣. ♥. ♦

Parecendo um pouco confusa a doutora ergueu uma mão pedindo por uma pausa.

—E vocês simplesmente se tornaram amigos dessas meninas?

Os gêmeos se moveram meio desconfortáveis.

—Eu não diria amigos. — começou Vinicius.

—Elas é que falavam com a gente. — contou Murilo — E a gente respondia.

—Elas eram amigas de Verônica, então não podíamos tratá-las mal. — se desculpou Vinicius.

A doutora lançou-lhes um olhar analítico.

—Mesmo sabendo que aquelas meninas cometiam abuso com Ayume vocês não pensaram sequer em repreendê-las?

Os irmãos suspiraram.

—Nós não sabíamos que a coisa ia tão longe assim. — disseram. — Quer dizer, é verdade que Ayume tinha começado a aparecer constantemente machucada de uma hora para outra, e que aquelas garotas pareciam não gostar dela, mas, na época, nós não percebemos o quanto elas eram doidas e acabamos não vendo que um e um formavam dois.

Frank Lorret apoiou-se de lado em sua poltrona.

—Lembrem-se meninos: o pior cego é aquele que não quer ver.

—Eu sei, somos uns jumentos. — suspirou Vinicius jogando-se para trás.

A doutora franziu o cenho.

—Não meninos, vocês passaram toda a vida se isolando do mundo exterior e evitando qualquer tipo de contato ou relacionamento com outras pessoas, é natural que tenham sido ingênuos e cometido alguns erros quando começaram a desenvolver laços com outras pessoas.

Mas os rapazes balançaram as cabeças, se recusando a aceitar aquilo.

—Não doutora, pode dizer: somos realmente uns estúpidos. — teimou Murilo.

—Voltado à história. — disse a doutora — O que Ayume achou da integração de vocês ao grupo de Verônica?

—Bem... — Murilo passou a mão pela nuca e olhou para o irmão.

Vinicius suspirou.

♠. ♣. ♥. ♦

Veja bem doutora, se nós já tínhamos ficado praticamente sem tempo para Ayume quando nos tornamos amigos de Verônica, imagine então depois que entramos para o grupo dela?

Era a gente se virar e lá estava uma ou duas delas para engatar seus braços nos nossos e nos arrastar pelos corredores rindo e falando de futilidades que nós fugíamos estar ouvindo.

E elas eram seis!

Praticamente não dava para ir para alguma aula, sem encontrar com alguma delas!

Tínhamos matemática com Verônica, história com Dominique — mas até ai tudo bem, nós gostávamos delas duas... Talvez gostássemos de Verônica um pouco até demais. — geografia e biologia com Natália, e biologia era pior porque Andrea também fazia junto, além de filosofia com Adriana e a Ed. Física fazíamos com Débora, Andrea e Dominique.

Mas, pelo menos, ainda havia algumas poucas matérias nas quais nossos horários não se encontravam, e entre elas estava espanhol, — em nossa escola nós temos a opção de escolher se queremos estudar inglês ou espanhol e, por alguma razão, todas elas optaram por fazer inglês.

Porém eu não vou ser hipócrita doutora, não era só pela monopolização do nosso tempo que nós não tínhamos mais tempo para Ayume, era que agora nossas cabeças estavam em outro lugar também.

Veja bem, na aula de espanhol nós já nem sentávamos um de cada lado de Ayume, ao invés disso, nós fazíamos como em todas as outras aulas as quais fazíamos sozinhos: juntávamos nossas cadeiras lado a lado em uma só fileira, com a diferença de que agora prestávamos muito mais atenção nos celulares com os quais digitávamos por debaixo da mesa do que na aula.

—Meninos. — Ayume nos chamou baixinho, certa vez durante a aula de espanhol quando ela cuidadosamente sentou-se atrás de nós, cutucando nossos ombros com uma caneta — Meninos?

—Que é Ayume?! — respondemos baixinho por entre os dentes, não queríamos que a professora nos visse.

—Não, é que... Já faz algum tempo que não nos falamos. — ela respondeu ainda em tom baixo — Eu fiz alguma coisa que chateou ou irritou vocês?... Não me digam que confundi os nomes de vocês?!

Nessa última parte ela aumentou um pouco mais o tom de voz, e nós nos viramos exasperados.

—Shiiii! — fixemos — Não Ayume, você não fez nada, agora fica quieta se não a professora olha pra cá e vê que estamos com os celulares.

Ayume concordou, mas ainda parecia meio atordoada.

—Desculpe. — ela disse — Eu só queria, digo...

—Tá. — interrompi.

—Depois a gente se fala. — meu irmão a descartou.

Nós viramos para frente e voltamos a conversar por mensagem com Verônica.

Nós não tínhamos tempo para ouvir Ayume falar daquele desenho japonês super legal que ela tinha começado a assistir sobre dois irmãos alquimistas em busca da pedra filosofal — ou qualquer coisa assim — porque Verônica queria nos contar sobre o corte de cabelo desastroso que não sabemos quem havia feito, não que isso fosse mais interessante, mas é que a risada de Verônica era contagiante, e nós nem nos importávamos por ela sempre fazer a mesma piada de nem nossos pais não saberem quem era quem — até porque era verdade — também não queríamos saber se Ayume tinha ou não se saído bem em química, porque Verônica estava arrasada por ter tirado 2,5 em sociologia e precisava de um ombro amigo — ou, nesse caso, dois — para se consolar, e quem se importava se o armário de Ayume tinha emperrado e ela não pudesse entrar na aula de filosofia sem o livro que estava dentro dele? Verônica tinha deixado seu brinco cair em algum lugar perto das escadas, e nós precisávamos ajudá-la.

Eu sei, somos péssimos amigos.

Então acho que até que merecíamos levar uma dura.

O que, de fato, levamos.

Isso foi, se não me engano, uma semana ou uma semana e meia antes das provas finais, estávamos os dois caminhando pelo corredor a caminho de nossa quinta aula — Artes — quando fomos pegos de surpresa por alguém que nos apanhou pela parte detrás das camisas de nossos uniformes, nos puxou e nos jogou de costas contra os armários.

Agora tente imaginar a nossa surpresa quando percebemos que esse alguém se tratava de uma garota!

Mas não uma garota qualquer: era a amiga gorduchinha de cabelos azuis e encaracolados de Ayume. E que força tinha aquela menina!

E, falando sério, ela parecia muito, muito irritada.

—Qual é o problema de vocês?! — já foi logo falando.

Nós piscamos surpresos e sem reação com aquela abordagem.

—Hã? — fizemos. — Problema?

Batendo em nossos ombros ela nos empurrou ainda mais contra os armários.

—Por que estão tratando Ayume desse jeito?! — ela afastou-se um passo para trás com as mãos nos quadris — Até uns tempos atrás era “Pequena Ayume” pra cá e “Pequena Ayume” pra lá, vocês não deixavam ela em paz um minuto sequer do dia, sempre a arrastando junto para onde quer que fossem, e agora mal olham na cara dela! Qual o problema de vocês?!

Nós ficamos calados, acho que é meio difícil encontrar o que dizer quando se é surpreendido por uma furiosa garota de cabelos azuis.

—Nós... Hã...

—Agora vocês fazem como se sequer percebessem que ela existe! — ela continuou a esbravejar — Poxa, a menina tá que é uma solidão só! Quase não fala com ninguém, exceto por respostas monossilábicas, só fica no canto sozinha com aquele celular o dia todo, nós já estamos preocupados com ela!

Eu torci a boca.

—Ayume por acaso te disse que está com algum problema?

—Não, mas isso é mais do que óbvio.

—Tem certeza? — meu irmão cruzou os braços — Ela pode só ter encontrado algo de interessante no celular.

Infelizmente ela tinha mesmo, mas isso não vem ao caso agora...

—Como um desenho ou quadrinho novo. — sugeri.

Quem dera que fosse isso.

—Por isso não consegue se desprender desse mundo virtual.

A garota de cabelos azuis cerrou os olhos para nós e trincou o maxilar, dava até para ver uma veia pulsando em seu pescoço.

—Vocês estão falando de Ayume igual àquelas idiotas: como se ela fosse alguma estranha que não consegue distinguir a realidade do imaginário e fica imersa em um mundo próprio vinte e quatro horas por dias. Eu nunca gostei de vocês, porque sempre os achei egoístas, mas pelo menos eu achava... — ela respirou fundo — Que vocês fossem amigos melhores do que isso.

Acho que teria sido menos doloroso se ela tivesse simplesmente nos estapeado na cara de uma vez, mas mesmo assim nós não perdemos a pose.

—Mesmo que Ayume esteja com algum problema. — começamos — Ela te disse especificamente que nós somos a causa do problema?

—Não. — respondeu de forma contrariada — Mas só pode ser isso, porque desde que vocês pararam de falar com ela que ela...!

—Pode ser algo com a família dela. — a interrompemos. — Mas nós também não temos como saber disso com certeza porque mesmo para nós Ayume nunca fala abertamente da família dela.

—Hipócritas! — ela acusou-nos. — Sabem tão bem quanto eu que o problema de Ayume é só o fato de vocês...!

—Nós estamos atrasados para aula. — a interrompemos, observando nossos relógios.

Então sem mais nem menos demos as costas a ela e a deixamos falando sozinha ali.

—Vocês ficavam dizendo que eram os melhores amigos de Ayume. — ela disse às nossas costas — Mas sabiam que amigos verdadeiros não substituem uns aos outros?

Ignorando-a, nós continuamos seguindo nosso caminho como se ela não houvesse dito nada.

Talvez tivesse sido melhor se ela simplesmente tivesse batido na gente, para, quem sabe assim, enfiar o juízo a força em nossas cabeças logo de uma vez.

Agora doutora, naquela hora nós até pudemos ter feito de conta que nada do que a amiga de cabelos azuis de Ayume nos disse nos afetou, mas isso foi só porque ficamos irritados com o fato de alguém perceber que podia ter algo de errado com Ayume antes que nós mesmos percebêssemos.

O que não significa que realmente não ficamos preocupados com ela.

—O que você acha que pode estar havendo? — resmunguei para Murilo.

—Não sei. — ele me respondeu da mesma forma — Ela parece bem para mim, e para você?

Através da pequena janelinha de vidro da sala de aula nós a observamos em silêncio por mais alguns segundos, sentada em seu lugar usando fones de ouvido e com os olhos grudados no celular Ayume sorria — e vez ou outra até dava uma risadinha — sozinha, parecendo estar totalmente envolvida em seu próprio mundo, mesmo estando cercada por aqueles seus três amigos que riam e comiam ao seu redor, o que era basicamente o mesmo que ela fazia todo dia, exceto porque antes ela fazia isso no refeitório para fazer companhia a nós e geralmente não usava fones de ouvido — porque ficava lendo aqueles quadrinhos em preto e branco e não no celular —, mas talvez agora que ela não precisava ficar conosco o tempo todo, ela podia dedicar um pouco mais de tempo aos seus outros amigos, e aquele era o jeito dela de passar algum tempo com os outros.

Uma coisa que notamos sobre Ayume naquele dia: A temperatura já tinha aumentado consideravelmente e a maioria das meninas já deixara as calças de lado e optara pelas saias, mas não Ayume, ela seguia firme e forte com seu par de calças.

Acho que ela realmente detesta usar saias.

—Parece bem para mim também. — concordei por fim — Na verdade, já faz algum tempo que ela não se machuca caindo ou se batendo por ai, não é?

—Agora que você disse... É verdade mesmo. — meu irmão meditou. — Então ela com certeza está bem.

Nós nos afastamos da janelinha e nos escoramos de forma pensativa à parede um de cada lado da porta.

—Hum... — fizemos cruzando os braços e olhando para cima — Mas então porque aquela garota que nos abordou mais cedo acha que tem algo de errado com ela?

Aquilo estava realmente nos incomodando, mas então, como se tivesse simplesmente caído do céu a resposta nos atingiu e nós olhamos surpresos um para o outro.

—Ela não nos disse um dia desses que descobriu que um dos irmãos dela é fumante?! — perguntei.

—Sim! — meu irmão confirmou — E ela parecia bem chateada com isso!

—Mas depois de tanto tempo? — eu espiei novamente pela janelinha de vidro — Pensei que ela já tivesse se acostumado com isso.

—E como é que alguém a se acostuma a ver uma das pessoas que mais ama cometendo uma espécie de suicídio lento bem na sua frente? — Murilo suspirou.

Como eu disse: sempre dramático... De qualquer forma ele estava certo.

E isso significava que Ayume realmente não estava bem.

Nós nos entre olhamos pelo canto dos olhos.

—Fomos negligentes. — dissemos um ao outro — Vamos lá falar com ela.

Concordamos, e já estávamos prestes a entrar na sala para seqüestrar a nossa pequena Ayume para longe daquele trio e levá-la conosco para obrigá-la a confessar o que estava acontecendo, mas ai... Verônica apareceu.

—Ora. — ela disse logo atrás de nós, nós nos viramos. — O que estão fazendo por aqui?

—Íamos falar com Ayume, nós estamos preocupados com ela. — respondemos.

—Hum... Com Ayume é? — ela aproximou-se da janelinha para espiar lá dentro — Ela parece bem para mim, e também está com os amigos, qual o problema?

Nós não sabíamos se Ayume tinha ou não contado para a prima sobre o “probleminha” do irmão, então saímos pela tangente:

—Tem algo de estranho nela. — afirmamos — Podemos sentir.

—Não meninos, ela é estranha. — corrigiu-nos ainda observando a cena pela janelinha.

Os amigos de Ayume estavam rindo de alguma coisa e Renato virou-se para falar com ela, mas ela nem sequer pareceu ouvi-lo — claro, estava usando fones — até que ele a chamou tocando-a no braço e ela ergueu os olhos, tirou um dos lados dos fones falou alguma coisa — provavelmente perguntou algo como “o que foi?” — eles responderam, ela deu um risinho curto e forçado e voltou a por os fones e prestar atenção em seu próprio celular.

Verônica afastou-se franzindo o cenho.

—Não vi nada de errado. — negou — E mesmo que haja algum problema, ela não vai querer falar disso com vocês. — encolheu os ombros — Ayume é muito fechada, já deviam saber disso.

—Nós sabemos, mas é que... — começamos.

—E também. — Verônica nos interrompeu — Ela odeia quando se metem nos problemas delas, eu tentei ajudá-la uma vez e vocês viram no que deu.

Até então elas ainda não tinham voltado a se falar...

—É verdade, só que... — hesitamos.

Verônica começou a se afastar, mas parou alguns metros adiante e olhou para trás quando viu que não a seguíamos.

—Vocês não vêm? As meninas já devem estar esperando na cantina. — nos chamou — Não se preocupem com Ayume, se ela realmente estiver com problemas e precisar de ajuda ela deve vir até vocês, de qualquer outro jeito ela só se zangaria caso vocês tentassem se intrometer.

Nisso ela tinha razão.

Não tínhamos porque nos intrometer naquele momento se isso só deixaria Ayume zangada conosco, então era melhor esperar que ela mesma viesse até nós para pedir ajuda.

O que seria algo quase impossível de acontecer, já que ela sempre queria resolver tudo sozinha.

Só é uma pena que quando ela finalmente o fez... Nós fomos cegos demais para perceber.


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Notas finais do capítulo

Já sabem gente, postagem quinzenal. o/
Espero conseguir manter o ritmo dessa vez! >.< .



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