Infinite escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 9
Coragem




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Passamos por uma ponte japonesa sobre um lago cheio de sakuras boiando e peixes prateados que passeiam. Esse é o caminho da frente, que leva até uma linda casa na árvore. Ela é feita de madeira, decorada por lâmpadas coloridas, e o acesso se dá por uma escada comum. Eu e Liam subimos e exploramos a casa. Ela tem um cômodo só, bem grande. No espaço central há dois puffs, um sofá, um tapete fofo e uma lareira. No canto, uma mesa redonda de vidro e quatro cadeiras. Na parede, uma estante cheia de livros, flores, travesseiros, cobertores e outras coisas. Também um espelho, quadros e vasos, além de janelas de vidro redondas. Ao redor de toda a casa, a linda sacada com vista para todo o jardim e as copas das árvores da floresta.

– Essa casa é extremamente fofa. – Liam se joga no sofá de madeira com fundo de terra, deitado sobre as almofadas de folhas. Percebo como ele está cansado.

– Hoje foi um dia cheio – digo, me abaixando perto dele. – Treino, festa, duelo de dança, e agora o Jardim Secreto.

– Levando em conta que você esteve comigo o dia todo, nem sei dizer qual foi a melhor parte. Ah, espere. Será que foi o beijo?

– Isso é algo que podemos e devemos repetir, senhor Henz. Mas depois que descansarmos. Tem mais amanhã.

– É verdade. Kaline disse que haverá treinamento de manhã. Eu estou com tanta preguiça de andar esse caminho todo de volta...

– Não. Já andamos demais por hoje.

– Então você vai spalnar o quê? Um balão, uma gaivota...

– Apenas isso.

Minha imaginação trabalha, e o sofá se estica, virando uma cama. Liam olha para o lado e sorri.

– Olha, olha, moça... Está certa disso?

– Se você não acha uma boa ideia podemos voltar – digo, levantando, mas ele segura meu braço e me puxa, fazendo com que eu caia no sofá e na gargalhada. Ele acaricia meu rosto e nos beijamos durante alguns minutos. Depois, trocamos a armadura para algo mais confortável. Eu me aconchego em seus braços, e nós adormecemos.

Acordo completamente alarmada. Que horas são? Não podemos chegar atrasados no treinamento, e com certeza, podemos causar problema se sairmos do mesmo quarto de manhã... Mas onde ele está? A terra ao meu redor está vazia. Eu levanto com desespero e corro para a porta. Ainda está escuro. As estrelas brilham no céu, e, nas montanhas que há além da floresta, um fiapo de luz começa a despontar. Liam está apoiado na sacada, observando o céu. Terá ele passado a noite em claro? Não resisto e leio seu pensamento, mas ele acordou só há alguns minutos.

– Temos que ir, não é? – Pergunto, me aproximando dele. Ele acena com a cabeça e eu o abraço por trás. Ele sorri e acaricia minhas mãos.

– Infelizmente, minha dama, nossa vida não é aqui. Mas eu gostaria de poder viver aqui para sempre.

– Talvez um dia possamos. – Ficamos olhando as estrelas. Alguns segundos depois, eu pergunto. – No que está pensando?

– Pensei que leria minha mente se quisesse descobrir.

– Eu prefiro que você me conte. Me conte apenas se quiser e o que quiser.

– Achei uma coisa interessante na sua estante.

– O que é?

– Venha.

Liam e eu voltamos para dentro. Ele pega uma caixa de madeira, uma espécie de baú, em um dos quadrados da estante e coloca sobre a mesa de vidro com cuidado.

– Um baú?

– Um memorizador. Aqui dentro estão guardadas memórias importantes. Não me surpreende encontrarmos um memorizador no seu subconsciente.

– Mas que memórias estão aí dentro?

– Não dá para saber sem a chave. A chave de um memorizador é sempre um pequeno objeto que está relacionado às lembranças. Ele é o que usamos para registrar as memórias no memorizador e para abri-lo. Quando abrimos, ele começa a projetar as imagens da memória.

– Onde está a chave?

– Eu não sei. Se você não a tem, ainda vai encontrar ou receber. Mas, pelo formato, parece ser algo cúbico. Um pequeno cubo. Enquanto você não tiver a chave, isso aqui é inútil. E, antes que me pergunte, sua telepatia não vai adiantar com isso.

– Entendo. Nesse caso, acho melhor guardarmos e partirmos.

– Está certa, - diz ele, pegando a caixa e colocando na estante, - nosso tempo está se esgotando.

Eu e Liam não nos demoramos muito. Colocamos nossas armaduras costumeiras e descemos as escadas. Percorremos todo o caminho do jardim e da floresta em passos lentos. Chegamos ao quadrado, onde podemos ver Anne dormindo em sua cama. Saímos em silêncio. Eu me despeço de Liam, e ele vai para o quarto.

– Acho que eu deveria ter levado a sério a parte do “não sei se vamos demorar”.

Me viro. Anne está esfregando os olhos.

– Desculpe ter te acordado.

No problem. Já está amanhecendo. Mas eu quero saber o que aconteceu! Amanda Cole, você vai me contar tintim por tintim!

Reviro os olhos e sento em minha cama. Conto tudo. As bebidas, o duelo, a descoberta de uma nova habilidade – que a deixa impressionada – e a visita ao wallpaper, com todos os detalhes. Tudo sobre o Jardim Secreto, o que aconteceu no coreto, a casa na árvore. Quando termino, Anne está simplesmente de queixo caído.

– Minha nossa. Não achei que sua saidinha pra comemorar fosse dar em tanta coisa.

– Nem eu. Mas foi isso. Esse mar de coisas que pode mudar tudo de agora em diante. E não preciso nem te falar, Anne Liberton. Essa conversa morre aqui, principalmente sobre as habilidades e o wallpaper.

– Fique tranquila, minha amiga. Ainda bem que Liam não tem que dar explicações a ninguém já que não tem colega de quarto.

– Não tinha pensado nisso. Poderia causar muito problema.

A flauta toca. O alerta do início de uma nova manhã. Eu e Anne saímos do quarto, assim como vários outros infinites dos dormitórios ao redor. No caminho para o salão, encontramos com Liam. Nós três nos sentamos perto de Kaline – ops, agora voltou a ser Comandante Kaline Bogard. Mesmo assim, ela parece estar mais sorridente do que antes da noite no Festplace. O pronunciamento acontece, e nos despedimos de Anne logo depois, para ir direto para o treinamento.

– Bom dia, combatentes. Sei que não estão acostumados com treinos matinais, mas a exceção de hoje não é por acaso. Ontem, após o treinamento, nosso centro de rastreamento detectou a presença de um novo laboratório tecnológico criado pelos humanos, no subterrâneo de uma antiga casa de chás. Como sabem, o desenvolvimento de tecnologia humana representa grande ameaça ao futuro da nossa espécie. Representa a possibilidade da criação de uma tecnologia que seja capaz de alcançar nossa nave. E isso, por sua vez, representa a possibilidade de um ataque que pode nos enfraquecer. E, se eles não pararem, podem desenvolver tecnologia para nos destruir em massa, ou seja, tecnologia humana significa perigo de extinção para nós, homo chlorotica. Durante a noite, aconteceram várias reuniões, que incluíram a participação de Seiji e Kori Hime, com o objetivo de decidir qual seria a melhor decisão a ser tomada. Foi determinado que, por precaução, esse laboratório deve ser imediatamente destruído, e a partir de então, o espaço deve ser monitorado. As Divisões 7 e 8 foram escolhidas para essa missão, e ela vai acontecer esta tarde. Eu compreendo que os novatos podem se sentir despreparados para tal, levando em conta seu curto tempo de aprendizado até aqui. Mas, se estiverem dispostos, estão autorizados a ir conosco, bem como estão reservados no direito de ficar na Nave Nyah durante a missão. Não precisam se decidir agora com relação a isso, e podem mudar de ideia a qualquer momento antes de nossa partida. O treinamento matinal será exclusivo para essa missão. Portanto, os novatos que já estiverem certos de sua decisão de não ir, podem se retirar.

– Vai, Amy.

– O quê? Nada disso, eu vou na missão.

Liam olha para mim, começando a ficar bravo.

– Amanda Cole, não fale bobagem. Concordei a contragosto com sua entrada na Tropa, mas não vou permitir que se arrisque tendo um único dia de treinamento.

– Isso ainda é decisão minha. Eu tenho tempo para treinar, e sinceramente, não sei que risco estou correndo. Já sobrevivi aos humanos uma vez.

– Você realmente não me escuta. Eu já disse que aquilo não foi nada.

– Você não vai me fazer mudar de ideia, Liam, e não vai me obrigar a ficar.

– Meu Deus, como você consegue ser tão teimosa? Acha que eu faço isso por capricho? Eu quero te proteger, quero o melhor pra você.

– Eu não preciso da sua proteção.

Kaline pigarrea. Ela e os outros oito combatentes estão olhando para nós.

– Algum problema, combatentes? Novata, já tomou sua decisão?

– Eu desejo ir à missão, Comandante. E não pretendo mudar minha opinião.

– Como eu disse, é só falar comigo caso ocorrer, mas por enquanto, você está na missão. Ah, e um pequeno conselho aos combatentes. Assuntos pessoais devem ser tratados fora do salão de treinamento. Quanto aos outros novatos, já se decidiram?

Liam não fala mais comigo. Continua treinando e me ignorando como se eu não estivesse aqui. Passa-se meia hora sem que ele nem olhe para mim, ficando com aquela cara de decepção. Mas ele está muito enganado se acha que pode fugir de mim dessa maneira. Agora, ele está dentro de uma esfera simuladora, e eu estou dentro de outra. Duas esferas lado a lado. Ele está manuseando os controles com raiva, enquanto eu nem consigo me concentrar.

“Pare com isso. Está agindo feito criança”.

Liam suspira e aperta um botão, deixando a superfície exterior da esfera prateada em vez de transparente. Eu faço o mesmo e projeto uma imagem dele em tempo real na minha frente.

“Você sabe que não pode fugir de mim, não sabe? Pare de tentar me ignorar. De que isso vai adiantar?”

Liam se debruça sobre o painel e passa a mão pelo cabelo, notavelmente com raiva pela minha atitude. Mas eu não vou parar por aí.

“ Eu não entendo você. Em vez de ficar com raiva por causa da minha teimosia, devia ficar orgulhoso da minha coragem. Deveria perceber que eu não vou me acovardar diante dos desafios, e isso é uma virtude, não uma fraqueza. E, mais do que tudo, que eu posso ser útil eu tenho uma habilidade que ninguém mais tem”.

Liam não fala nada. Se recusa a falar, mas eu percebo uma resposta bem nítida em sua mente.

“Eu me preocupo com você. Eu só quero o seu bem. Tenho medo do que pode te acontecer se você for”.

“Você está ajudando muito se escondendo, não é mesmo? Liam, você ainda é o combatente responsável por mim, pela novata. E você não está exercendo o papel que a sua Comandante designou. É assim que você quer que eu me saia bem? Que eu sobreviva? Me deixando de lado, se escondendo, me ignorando? Liam, por favor, eu preciso de você. Você sabe que eu sou teimosa, que não vou desistir de ir. Você não vai fazer diferença na hora de partir na missão. Vai fazer diferença na hora de voltar dela. Por favor, me ajuda, vai?”.

Liam fica durante alguns segundos pensando. Por fim, ele tira a proteção prateada e sai da esfera, vindo até mim.

Liam me ajuda a treinar de várias maneiras. Treinamos pilotagem de esfera, tiro ao alvo, corrida de obstáculos, luta corpo a corpo, bloqueio de armadura. Liam me deixa praticamente esgotada de tanto treino, mas a cada minuto que passa, eu me sinto mais preparada para a missão. Ele me explica que a arma que vamos usar na missão tem duas configurações. O modo 1 é modo sonífero. Dispara injeções de sonífero instantâneas, que no entanto, funcionam de maneira diferente em cada humano. O modo 2 é o modo bala, para emergências. Mais tarde, Kaline nos chama para uma reunião. Vamos repassar o plano. Nos sentamos em bancos e no chão ao redor de um pequeno computador holográfico 360°, uma placa de vidro semelhante aos livros de Anne.

– Antes de tudo, quero dizer que estou muito impressionada, e ao mesmo tempo gratificada pela coragem dos novatos. Todos os três aceitaram esse desafio surpresa e se prepararam para isso. Mas de qualquer modo, vocês não estão acostumados com algumas coisas, então explicarei todos os detalhes. Na cidade, existem vários pontos conhecidos como bases. São geralmente pontos comerciais que possuem terraço amplo e com fácil acesso. Em nossas missões, escolhemos as bases mais próximas de nosso alvo. Vamos até as bases em esferas e seguimos até o alvo por terra. – Kaline toca no computador, e ele projeta a holografia de uma casa de chás, nosso alvo. Uma construção essencialmente cúbica, com portas nos quatro lados, cercada por uma área coberta de grama, e depois, por um jardim denso como uma floresta. O jardim só é interrompido na frente, onde há um portal de entrada. – Essa é a casa de chás que abriga um laboratório no subterrâneo, provavelmente um porão. Vamos nos dividir em quatro grupos e cercar a casa. Nossa Divisão está encarregada do norte-sul. A Divisão 8, do leste-oeste. Ou seja, cada divisão se dividirá novamente em dois grupos. – Kaline faz a imagem se afastar, mostrando várias construções ao redor. Depois, toca na imagem, e quatro construções ficam coloridas de verde. Cada uma de um lado da casa. – Essas são as bases mais próximas da casa, as que escolhemos. Mais tarde, vamos nos reunir com a 8 e divulgar como ficaremos divididos. As esferas que vamos utilizar estarão esquipadas com mapas, que já tem as marcações da localização da base correspondente à sua divisão. O centro de rastreamento tentou identificar um padrão na movimentação, mas tudo o que conseguimos entender foi que há um revezamento na vigília, e que os guardas humanos andam por toda a área de grama. O plano é pilotar as esferas em modo invisível até chegar à base. Depois, vamos em direção ao jardim. Nos esconderemos, e tentaremos adormecer quem estiver por perto. Depois, na hora marcada que ainda vamos definir, entraremos ao mesmo tempo. O comandante de cada subdivisão estará com um conjunto de bombas. O primeiro a chegar o laboratório deve instalar. Vamos ativar as bombas só quando a área estiver limpa. Daqui a alguns minutos, a Divisão 8 vai chegar para a segunda parte da reunião, e depois para a simulação.

– Simulação? – Não resisto e pergunto.

– O Salão de Simulação está reservado para as divisões 7 e 8 a partir das onze horas. As equipes da simulação serão justamente as da missão, para começarmos a nos enturmar com essa nova divisão. Agora, temos que esperar...

– Cheguei cedo demais?

Kaline se levanta e sorri para o comandante da Divisão 8, acompanhado de seus combatentes.

– Claro que não, Comandante Harris. Esperávamos por vocês. Divisão 7, posições.

Nos levantamos e nos dispomos em linha. O Comandante Harris também manda seus combatentes se alinharem ao nosso lado. Observamos nossos comandantes falarem.

– Expliquei tudo para a Divisão 7, Comandante.

– Ótimo. A 8 também está a par de tudo. Como sabem, combatentes, as duas divisões trabalharão juntas na missão, porém separadas em quatro equipes. Portanto, precisamos de mais dois comandantes para as novas equipes. Eu serei o comandante da Divisão 8A. Para comandar a segunda parte da 8, ou seja, a Divisão 8B, eu escolho o combatente Schunk.

Um dos combatentes da Divisão 8 dá um passo à frente e acena. Kaline prossegue.

– E eu escolhi, para comandar a Divisão 7B, o combatente Henz.

Não consigo evitar um sorriso, mas Liam mantém a expressão séria ao dar um passo à frente. No entanto, percebo seu pensamento feliz e honrado.

– A Comandante Bogard me contou da presença de três corajosos novatos que estão em sua Divisão e aceitaram o desafio. Admiro a determinação de vocês, mas acho que, por uma questão de experiência, não devemos agrupar os novatos. Por isso, eu sugeri à comandante uma troca. Especificamente para essa missão, um dos novatos trabalhará com a Divisão 8. Para substituir este novato na Divisão 7, eu escolhi o Combatente Johnson.

Johnson dá um passo à frente. Um dos novatos não ficará na 7. Quem será o transferido?

– O novato que trabalhará com a Divisão 8 será o combatente Bachelet.

Bachelet e Johnson trocam de lugar. Eu respiro aliviada por ficar na 7. Assim, tenho certeza de que estarei com Kaline ou com Liam.

– Agora, - prossegue Kaline – é hora de divulgarmos as equipes. Comigo, na Divisão 7A, representada pela cor verde e atacando pelo norte, Combatente Thompson, Combatente Noah, Combatente Jones, Combatente Campbell e o novato, Combatente Azevel. – Todos vão para perto de Kaline, e eu fico feliz por não ter ouvido meu nome. Isso significa que estou com Liam. Na verdade, não esperava outra decisão de Kaline. – Com o Comandante Henz, na Divisão 7B, representada pela cor azul e atacando pelo sul, Combatente Evans, Combatente Butterfield, o visitante, Combatente Johnson, e a novata, Combatente Cole.

– Comigo, na Divisão 8A, representada pela cor vermelha e atacando pelo leste, Combatente Willians, Combatente Held, Combatente Benson, Combatente Mitchell, e o visitante e novato, Combatente Bachelet. Com o Comandante Schunk, na Divisão 8B, representada pela cor amarela e atacando pelo oeste, Combatente Olsen, Combatente Monroe, Combatente Muylaert e Combatente Clark.

– Para identificação, usaremos braceletes de tecido. Embora a minha equipe, com a cor verde, possa fazer um bracelete de folhas, isso pode atrapalhar na hora da armadura. Por isso, não seremos exceção.

– Os comandantes usarão braceletes listrados com preto. Aqui estão eles.

O Comandante Harris e Kaline pegam a caixa e entregam os braceletes.

– Bom, - diz Kaline – são dez horas e meia. Falta meia hora para a simulação. Sugiro que se preparem. Vamos reunir as equipes e traçar estratégias.


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