Infinite escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 8
Jardim Secreto




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— As pessoas estão olhando para nós.

Olho ao redor. Liam tem razão.

— Já fomos o centro das atenções demais por hoje. Vamos para outro lugar.

— Tá, mas que outro lugar?

Mordo a boca, pensando em um jeito legal de dizer.

— Um lugar que eu ainda não conheço, embora o tenha criado, e embora tenha vontade de conhecer. E quero que você o conheça também.

Liam vira um pouco a cabeça como se não acreditasse.

— Amanda Cole, por acaso está me convidando para entrar no seu wallpaper?

— O que você acha dessa ideia?

— Acho que é uma excelente oportunidade para me vingar de você. É a minha vez de conhecer sua mente, senhorita Cole.

— Então vamos falar com Kaline.

 

— Quero vocês no treino bem cedo, logo depois do Agradecimento Matinal.

— Pode deixar, moça — diz Liam.

Demoramos um pouco para deixar o Festplace, por causa da quantidade de pessoas. Depois, vamos direto para o meu quarto. Quando entro, encontro o quarto vazio e estranho.

— Onde está Anne? — Pergunta Liam.

Sobre a cama dela, está uma pequena placa de vidro, como a de seus livros. Mas, quando toco a superfície, descubro que é um recado.

Amy,

Fui convocada à biblioteca para ajudar na organização

dos setores. Devo voltar para o quarto logo.

Abraços, Anne L.

— Ela foi ajudar na biblioteca. Vou deixar uma reposta.

Liam me ajuda a mexer no objeto desconhecido para mim, e deixamos um recado.

Anne,

Eu e Liam já chegamos, estamos dentro da

minha parede. Vamos conhecer o que tem

lá dentro. Como não sabemos do que se trata,

não sei se vamos demorar, então não me

espere.

Beijos, Amy

— Venha, Liam. — Ando até a minha cama e fico de costas para ela. Liam fica de frente para mim, mas percebo que ele está estranho e começo a rir. — Está tudo bem com você?

— Só estou um pouco... Nervoso. Não sei o que vamos encontrar.

— Tem medo do que pode vir da minha mente?

— Não, Amy — diz ele rindo. — Eu só... Não sei. Nunca entrei em uma parede.

— Está com medo de ficarmos presos.

— Eu diria receio.

— Não consigo não rir com isso. Mesmo quando estão com medo, homens detestam assumir. Para com isso, deixa de bobagem. Eu garanto que não vai acontecer nada demais. Anda, me dá sua mão.

Liam olha pensativo para a parede atrás de mim. Mesmo que nosso ar não entre pela boca, ele suspira fundo e me dá as mãos.

— Vamos logo.

Decido ir devagar, para não assustá-lo. Subo com a perna direita, depois com a esquerda. Liam fica abaixo de mim, e logo sobe também. Ando para trás devagar, e lentamente entro na parede, deixando as mãos para fora. Aos poucos, as trago para dentro da película que há entre o quarto e a floresta. Liam fecha os olhos para passar. Quando ele se encontra dentro da floresta, passa a admirar. Nós andamos pela floresta.

O ar é diferente aqui — diz ele. — Tudo é diferente.

— É. Estamos entre nossos semelhantes.

— Sim. Me sinto muito melhor perto dessas árvores do que me sentia entre os humanos. Sei que somos metade, mas... As plantas são a novidade. E elas possuem sua pureza.

— Muitos não sabem que as plantas são capazes de sentir quando são ameaçadas. Ou quando a natureza ao redor delas é a ameaçada.

Liam olha para mim, surpreso. Acho que ele não sabia disso.

— É sério?

— Achei que você soubesse, senhor especialista em infinites.

— Verdade que sei muito sobre infinites, mas não sobre plantas.

— Antes que venha me dizer que sei mais por ser a primeira, não tem a ver com isso. Tem a ver com o fato de eu ser uma cientista. Pesquisamos tudo sobre as plantas para desenvolver o soro. A verdade é que elas não sentem dor, pois não precisam. Dor serve aos animais como um alerta para que tentem se livrar daquilo que ameaça sua integridade física. Mas as plantas não podem se livrar. A dor só serviria para atormentá-las.

Então, você sabe tudo sobre as plantas, sobre os humanos... Mas sobre infinites?

— Praticamente nada.

— Mas você disse que é uma cientista. Você estudou isso.

— Nunca tivemos certeza do que o soro geraria. A ideia era criar a mistura, e só depois, com pesquisas, exames e experimentos, descobrir tudo sobre a nova espécie.

— Imagino como você, que é cientista, deve estar agoniada por saber tão pouco sobre si mesma.

— É uma sensação estranha, Liam. Mas eu sabia que a experimentaria, desde o primeiro momento em que me ofereci. Sabia que o resultado seria desconhecido e... Essa foi a parte que me atraiu. Nós, cientistas, somos movidos à curiosidade. A ciência é feita de perguntas. Eu ainda não tive tempo, mas... Quero pesquisar tudo o que já foi descoberto sobre nossa espécie.

— Eu posso te ajudar com isso, quando você quiser. Mas agora, tudo o que eu quero é conhecer essa linda floresta.

— No começo ela era... Bem comum. Só algumas árvores no chão. Mas eu a mudei, usando a imaginação. Mudei a luz, fiz o riacho, criei os bichos e as flores...

— Você fez um trabalho maravilhoso, Amy. Você é bastante criativa. A cada hora descubro uma coisa nova em você que faz com que você seja ainda mais incrível. — Eu simplesmente não sei o que dizer. Ele disse... Que eu sou cada vez mais incrível? Liam parece notar meu constrangimento e muda de assunto. — Eu queria ter o seu talento, sabia? Quer dizer, os seus talentos. Violino, telepatia, criatividade...

— Eu tenho a mente aberta, senhor Henz. Acho que todas essas coisas que você acha incríveis partem de um ponto central.

— A sua mente. Onde estamos agora.

— Exatamente. Estamos na minha consciência, indo para a subconsciência.

— O quê?

— Não pensou que tivesse acabado, pensou? Acha que a minha mente é só uma florestinha?

— De jeito nenhum.

— Eu criei isso, conscientemente. Toda essa parte da floresta. Mas, ao mesmo tempo, minha subconsciência criou outra coisa. Eu não faço a menor ideia do que é, mas estou tentando chegar lá.

— É sério?

— A floresta é só o começo. Então apresse-se. A subconsciência está logo ali.

Bem ao longe, eu consigo avistar um ponto dourado. Sei que é a entrada para a parte subconsciente do wallpaper. Liam também vê, e começamos a andar mais rápido.

— Então... Quando você disse que não conhecia, estava se referindo a isso.

— Sim. A floresta é... Digamos... A parte chata. Eu posso ver do meu quarto e, na verdade, é algo bem simples, qualquer pessoa poderia criar algo semelhante. Mas ali está a parte bela, complexa e pessoal. Perto do que tem lá, a floresta não é nada.

Estamos chegando perto. O ponto virou uma mancha, uma mancha dourada no meio do verde. Conforme nos aproximamos, ela parece mais e mais com...

— É um portão?

— O portão de entrada, Liam.

O portão é feito de grades douradas. O muro ao qual ele está preso é uma cerca-viva, cujos belos galhos já começaram a tomar o portão. Quando eu ergo a mão para tentar afastá-los, os galhos simplesmente se contorcem de volta para a cerca viva e deixam o portão livre.

— Está trancado — eu digo. E eu não tenho a chave.

— Você é a chave, Amy. Assim como só você atravessa a parede da sua consciência, só você abre o portão da subconsciência.

Olho para a fechadura e toco nela. Na mesma hora, ouvimos o barulho. Empurro o portão, e ele se abre. O que há depois dele é simplesmente indescritível.

— Nossa. O que é isso, Amy?

— O Jardim Secreto. Minha subconsciência.

Começamos a andar por um caminho de pedras formado em linha reta, no meio da grama. Não são pedras de jardim, são pedras preciosas.

— Diamante, opala, quartzo rosa, ametista e lápis-lazuli.

— Uau.

Durante todo o caminho, periodicamente surgem arcos de galhos, decorados com folhas, flores e luzes. Às margens do caminho, uma grama verde brilhante, com flores matizadas entre dois tons de uma mesma cor e árvores repletas de frutos corados e lâmpadas brilhantes. Andando por lá, consigo ver coelhos. Do lado esquerdo, há um bebedouro onde lindos pássaros bebem água. Em todo lugar, vagalumes piscam sem cessar, ajudando a lua e o mar de estrelas a iluminar a noite.

— Amy... — Liam parece sem fôlego, enquanto andamos sem pressa pelo caminho. — Que lugar lindo.

Eu mesma estou ocupada demais para responder. Não pensei que o lugar fosse tão impressionante. Chegamos a um cruzamento, e decidimos ir pela direita. O caminho nos leva a um chafariz de águas coloridas e luminosas. Pequenos peixes prateados nadam por ele.

— Observe — digo, pensando em algo. Levanto os braços, e dois feixes de água me acompanham, fazendo um belo desenho no ar.

— Nossa.

— Pode tentar.

Liam tenta descrever um arco como o meu, e obtém um resultado semelhante.

— Isso é lindo demais.

— E, logo ali, tem uma cerejeira.

— Ah, as sakuras, as belas flores cor de rosa. Como são lindas.

Andamos até lá. As sakuras preenchem a árvore e também o chão. Há um balanço pendurado em um dos galhos mais fortes. Digo que é coisa de criança, mas Liam insiste, e logo está me balançando. Eu acho divertido, mas tento acabar logo com a brincadeira.

— Há muito para ver. Vamos voltar para o centro. Para onde quer seguir?

— Esquerda. Acho que vi algo interessante lá.

Eu e Liam seguimos reto no caminho de pedras preciosas, passando pelo cruzamento. Chegamos a um coreto branco e brilhante, como se cravejado de diamantes. A escada que leva até lá é cortada no meio por uma correnteza de água. Eu e Liam subimos um de cada lado, mas de mãos dadas. Galhos com folhas verdes se enroscam nas pilastras. O lugar é iluminado, mas não sei de onde a luz vem. Pendurados nas pontas do telhado, rodeando todo o coreto, estão vasinhos redondos de vidro, como aquários. Mas estão cheios de terra. E não apenas terra.

Assim que chegamos ao centro, flores de todas as cores começam a se mexer. Incrivelmente, elas flutuam, como se as pétalas fossem suas asas, e nos cercam. O canto delas é doce, e a voz não é fininha como se espera desse tipo de criatura. Liam toca uma delas, encantado.

— O que são essas coisas?

— Florboletas. Ou butterflowers, em inglês. Eu tentei criá-las em meu pequeno laboratório quando era criança.

— Mais uma de suas criações maravilhosas.

— Sabe o que eu acho?

— O quê?

— Que esse lugar está perfeito para uma dança. Eu sei que já dançamos demais, mas...

— Eu sei. Não se compara a isso.

— Pense em uma música. Qualquer uma.

Liam olha para mim, e percebo que ele está pensando em alguma música que me lembre. Vasculhando seus pensamentos, encontro algo bem nítido, a escolha dele: The Scientist, Coldplay. Eu sorrio pela escolha perfeita. Vindo de um lugar desconhecido, o som do piano chega até nós. Na minha imaginação, tudo é possível.

Percebo que o cropped que combina com o Festplace não combina com o coreto no subconsciente dentro do wallpaper. Passo a mão pelo cabelo. Caso você não saiba, isso é suficiente para mudar um penteado. Arrumo o cabelo pra trás, preso com alguns cachinhos. Mudo minha armadura, e substituo a roupa por um vestido de folhas, com alças largas, marcado na cintura, curto na frente (pouco acima do joelho) e comprido atrás (até quase os pés). As botas viram sapatos. Liam olha para mim, impressionado, e também muda a armadura, fazendo um terno de folha. Ele se curva e estende a mão, e nós fazemos o nosso pequeno baile. Abraçados, juntos, cercados por florboletas e vagalumes. No final da música, leio o pensamento de Liam. Ele está completamente envolvido com a dança, sentindo coisas inexplicáveis. Mas eu consigo enxergar um desejo forte e completamente definido. E decido atendê-lo.

Liam franze o cenho quando eu tiro minha cabeça de seu ombro.

— O que foi?

— Desculpa. Eu não pude evitar. Eu vi o seu desejo. — Liam começa a corar, mas eu não dou tempo para isso. — Esse também é meu desejo, Liam Henz.

Ainda confuso, ele sorri. E nós nos beijamos. Um beijo longo, intenso e verdadeiro. Noto um pensamento forte vindo dele, algo que ele quer passar para mim. Eu consigo captá-lo.

— Eu te amo.

— Eu também te amo, Liam Henz. E seu beijo tem sabor de margarita.


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