Infinite escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 4
Divisão 7




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– O que é a Divisão 7, Liam?

– O quê?

Eu e Liam estamos andando pelos corredores da nave, em direção ao Salão de Treinamento. Se tudo der certo, hoje começarei a desenvolver habilidades mais... Interessantes.

– Ontem no pronunciamento noturno, Seiji e Kori falaram sobre as vagas na Divisão 7. O que é isso?

– Bom... Divisões, em geral, são grupos específicos, treinados para atuar em combate.

– Contra os humanos.

– São os únicos inimigos que temos. Enfim, o conjunto de Divisões é chamado de Tropa. Quem luta na Tropa é chamado de combatente. Kaline comanda a Divisão 7, além da Sala de Ejeção. E essa Divisão, bom... É a minha Divisão.

– O quê? Você é um combatente?

– Sim. - Disse ele, de forma natural. - Por quê está surpresa? Teria outro motivo para eu ser responsável por resgatá-la?

– Oh, é verdade. Você foi mandado em missão, não é?

– Isso.

– Eu não entendo como a cápsula só quebrou agora.

– Ah, é mesmo, eu não te contei sobre isso.

– Isso o quê?

– Amy, talvez você esteja pensando que minha missão é antiga, e que eu a procurei por muito tempo. Mas ela é bem recente, na verdade. Como eu disse ontem, sempre tentamos rastreá-la, e a cápsula impediu isso. Ninguém sabia que você estava na estufa. Nem mesmo os humanos, que desde o ataque ao laboratório estão sob controle do mesmo. Eles não deixavam ninguém entrar, mas não sabiam que estavam tão perto de você.

– Os humanos também estavam me procurando?

– Mas é claro! Você é a razão disso tudo, Amy. O início. O maior desejo dos humanos e destruir a todos nós, mas você pode ter certeza que está no topo da lista deles.

– Entendi. Espere. Você disse que os humanos estavam no controle do prédio? Quer dizer que ele não...

– Isso aí, Amy. Até pouquíssimo tempo, o prédio do laboratório estava intacto. Há três dias, nossos rastreadores identificaram alta movimentação humana no laboratório. A Divisão 3 foi mandada para investigar secretamente. Eles descobriram que os humanos planejavam implodir o prédio. E foi o que eles fizeram, no dia seguinte. Nossas câmeras registraram a implosão. Foi aí que o prédio caiu. Logo depois, começamos a receber sinal de presença infinite nos escombros, e supomos que fosse você. Eu fui mandado para procurá-la, e só a encontrei de noite. Tentei acordá-la, mas o sonífero estava muito forte, ainda. De manhã, fui buscar comida, e quando voltei, você não estava mais lá. Tive medo de que os humanos a tivessem encontrado. Então procurei, e encontrei você naquela confusão.

– Agora faz sentido.

Chegamos ao Salão. Assim como ontem, há grande movimentação na sala de vidro, que Liam chama de simulador. Como antes, vamos para uma das saletas.

– Vamos lá – diz ele, confiante. - Mostre o que sabe fazer.

Concentro-me. Lembro da noite inteira que passei treinando para esse momento. Penso em todas as coisas que preciso fazer na hora da transição. Relaxo.

Com um movimento rápido, abro os braços e todas as minhas camadas se ativam. Tronco, braços, rosto, todos protegidos. Sinto que há algumas falhas, quase imperceptíveis, e as conserto devagar. Liam anda ao meu redor, analisando meu trabalho. Continuo parada com os braços abertos.

– Quanto tempo treinou?

– A noite toda.

– Hum. Está quase perfeito. Você precisa treinar um pouco mais, ainda dá para melhorar. Mas já avançou muito.

Abaixo os braços.

– Quanto tempo você demorou para aprender isso.

– A verdade? Uma semana. Talvez amanhã ou depois de amanhã você consiga fazer perfeito. Mas fazer perfeito não significa nada. Você precisa continuar praticando. Precisa fazer essa transformação se tornar natural, é como andar. - Faço uma careta, demonstrando minha insatisfação. Liam repara. - Ah, não desanima. Não é uma coisa que se aprende de um dia para o outro. É gradativo. E, justamente por isso, podemos treinar outra coisa enquanto você desenvolve sua primeira habilidade.

– Que outra coisa? - Digo, desmontando a armadura devagar.

– Espere aqui.

Liam sai da saleta e vai até o balcão. Volta trazendo uma daquelas armas, parecida com a que ele usava no dia que nos conhecemos, mas um pouco menor. Ele me entrega. Fico animada, mas ele estraga minha felicidade.

– Essa não é de verdade. É para treinamento. Quando você estiver boa nisso, talvez eu te dê uma verdadeira.

Isso me deixa um pouco otimista. Fico extremamente interessada em aprender a atirar.

– Como ela funciona?

– Essa daí é equipada com um dispositivo de segurança. Ela só dispara se for em direção a aquele painel. - Liam aponta para a parede do fundo da saleta. Ela é preta, como as outras, e não parece ter nenhum diferencial. - Vou ativar.

Não entendo muito bem o que Liam quer dizer com “ativar”. Ativar o quê? Então ele mexe em um pequeno computador controlador na parede esquerda, próximo ao vão de entrada. Ele tecla algumas vezes, e um alvo luminoso aparece na parede de fundo. Ele é vermelho, e a segunda cor é, na verdade, uma transparência, que deixa aparecer o preto da parede. Acho que isso é o que Liam chama de “ativar”. Penso em empunhar a arma, mas espero que Liam me instrua.

– Empunhe, mas não atire.

Empunho a arma como me parece confortável. Liam anda ao meu redor, concertando minha postura com pequenos toques que indicam o que está errado, como o cotovelo.

– Acerte seus pés. Esquerdo na frente, direito atrás. Mantenha-se firme neles. Olhe na sua mira, e tente colocar o ponto central dela no ponto central do alvo. Isso, um olho fechado. Pode atirar.

Atiro. Um ponto branco luminoso se projeta no terceiro círculo. Saio da postura e encaro o que fiz.

– Ah, você não esperava acertar de primeira, esperava.

– Não seria nada mal.

– Tudo a seu tempo, moça. Quer tentar de novo?

– Eu quero entrar na Divisão 7 – digo, enquanto me arrumo novamente.

– O quê? - Liam fica tão atordoado que não se preocupa em me consertar. Atiro, acertando o segundo círculo.

– Você ouviu. Não tente fazer eu mudar de ideia.

– Que parte de “você está no topo da lista deles” você não entendeu?

Saio da postura e olho para Liam.

– Eu não tenho nada a perder, Liam. Somos muito mais fortes do que os humanos, somos imunes a todas as suas armas. Por que ter medo disso?

– Procure saber sobre seus pais e decida se quer mesmo enfrentar os humanos. - Liam se vira para ir embora. Mas antes, deixa ordens. - Treine o quanto quiser e depois deixe a arma no balcão. - Assim, ele vai.

Não sei por que Liam ficou tão irritado com isso. Mas ele citou meus pais. O que aconteceu com eles? Sinto-me culpada por ainda não ter tido tempo de me preocupar com isso, apesar de ouvir suas vozes em meus pesadelos.

Treino por mais alguns minutos, até conseguir acertar o círculo central. Contento-me em acertá-lo bem na borda. Assim como Liam pediu, deixo a arma no balcão e vou em direção à porta. Antes de sair, olho para o simulador e penso em me arriscar, mas decido que ainda não estou pronta. Vou até o quarto, mas Anne não está. Lembro que ela disse que iria para o Jardim Musical.

Pergunto a várias pessoas pelo corredor para onde fica o Jardim Musical, até finalmente achá-lo. É um lugar bem agradável, com chão feito de grama e algumas árvores pequenas e estranhas. Percebo que, na verdade, são cadeiras e estantes de partituras. Apesar de não estarmos em um andar muito alto, estamos sob um céu aberto. As pessoas parecem felizes em tocar. No meio delas, lá está Anne, fazendo um belo solo de flauta transversa, feita de madeira. Fico parada assistindo até que ela nota minha presença e para de tocar.

– Não era pra parar só porque estou aqui.

– Agora já era – diz ela rindo. - O que achou desse lugar?

– Bem bonito e interessante, principalmente o fato de estarmos no céu aberto. - Quando eu digo isso, Anne ri, e eu não entendo. - O que foi?

– Amy, estamos a uns mil metros de altitude. Se estivéssemos no céu aberto, estaríamos expostos a muito, muito vento.

Olho para as nuvens que passam e percebo um padrão.

– É como a sua parede – percebo.

– É bem parecida. Não, não peguei inspiração daqui. Eu já tinha feito quando conheci esse lugar. Então, Amy, que tal tentar aprender algum instrumento?

Observo ao redor, procurando algum balcão de distribuição. Pouco depois, percebo que as árvores normais, que não são estantes, estão dando belos frutos, como trompetes e clarinetas. Vou até uma delas, e alcanço um violino e um arco. Outra árvore dá pedaços de papel... Partituras. A primeira que pego é Minuet para primeiro violino. Sento em uma cadeira próxima de Anne e coloco a partitura na árvore-estante. Percebo que o violino já tem espaleira, e o coloco no ombro. Olhando para a partitura, toco as notas de Minuet, uma das mais belas músicas que eu conheço. Percebo Anne parar de tocar de novo e olhar para mim. Quando acabo a primeira parte, ela me pergunta, espantada.

– Então você toca violino?

– Era um de meus hobbies.

Continuamos tocando por mais alguns minutos, antes que eu finalmente pergunte.

– Anne, sabe alguma coisa sobre meus pais?

– Não, mas isso não é problema. Podemos descobrir agora mesmo. O que quer saber?

– Se eles viraram infininites, e o que aconteceu com eles.

Depois de guardar as partituras e os instrumentos, eu e Anne estamos andando pelos corredores. Anne me leva para uma sala escura, com vários quadrados de luz espalhados pelas paredes. Anne se aproxima de um e o toca. Quem diria, é uma tela.

– Aqui, vamos ver... Pais de Amanda Cole – ela diz enquanto digita. Logo, aparecem algumas notícias. Anne as examina com habilidade. Fico na expectativa, na esperança de que ela diga que meus pais estejam em algum lugar da nave. - Bom, aqui diz que eles ficaram lá nos Estados Unidos quando você veio, mas vieram quando souberam do sucesso no experimento.

– Essa é a parte que eu sei, Anne. Eu me despedi deles. Procure alguma coisa depois de eu entrar na cápsula.

– Vamos lá... Aqui diz alguma coisa sobre “após o adormecimento de Amanda Cole”.

– O que diz?

– Logo depois que você foi colocada na cápsula, seus pais entraram como voluntários do laboratório. Eles foram os únicos autorizados a fazer isso, por serem seus pais. Fizeram isso para ficar mais perto de você. Quando o pessoal do laboratório se transformou, eles também se transformaram em infinites. - Minhas esperanças se acendem.

– Então estão aqui?

– Não sei... Achei alguma coisa! Ah... - O tom de voz de Anne me deixa preocupada.

– O que foi?

– Amy... Parece que seus pais estavam no laboratório durante a invasão dos humanos. Eles também foram capturados.

Sinto meus ombros caírem.

– Então... Eles estão mortos?

– É provável que sim. A maioria foi morta, alguns estão desaparecidos.

– Ainda há esperança.

– Sinto muito, mas não, não há. Acabei de achar um arquivo da lista de mortos. Meus sentimentos, Amy.

Começo a lacrimejar, o que é estranho. As lágrimas estão diferentes.

– Está tudo bem. - Enxugo as lágrimas antes que caiam. - Eu meio que esperava por isso, mas...

– Eu sei. Fique calma, Amy. - Anne me abraça. Mas eu estou muito bem. Liam quis usar a morte dos meus pais como argumento para que eu não me juntasse à Tropa. Mas isso só meu deu mais certeza do que quero fazer.

– Anne... Eu vou me inscrever para a Divisão 7.

– Mesmo?

Olho para Anne, completamente decidida.

– Sim.

– Queria ter sua coragem, minha amiga. Vamos, vamos falar com Kaline.

– Acho que eu estava errada quanto ao meu pressentimento. Não achei que te veria aqui tão cedo, senhorita Cole.

– Comandante Kaline, a Amanda veio aqui porque quer entrar na Divisão 7.

Kaline olha para mim, aparentemente contente.

– Olha só! Mal chegou e já quer fazer história. Bom... Eu deveria esperar isso da primeira infinite.

– Não gosto quando me dão destaque por isso - confesso. - Eu não fiz nada demais.

– Você não fez, - diz Anne – você, Amy.

Olho de volta para Kaline, tentando não pensar no que Anne acabou de dizer.

– Quero entrar para a Divisão 7, Comandante.

– Então assim será. As portas estão abertas para você, Amanda Cole. Você acaba de preencher a última vaga da Divisão 7. Agora, as instruções. Preste atenção à minha roupa, terá que usar uma igual hoje, no treinamento.

Olho para o uniforme de Kaline. Ela está vestida de defesa tipo casca dos pés até o decote tomara-que-caia. A partir dele, a defesa começa a ser formada por várias camadas de folha, que cobrem os braços, o dorso da mão, o colo e o pescoço. Mudo minha armadura para ficar como ela, e Kaline aprova.

– Ótimo. O treino é às duas horas da tarde, na no Campo 7.

– Como encontro esse lugar?

– Já conheceu o Salão de Treinamento?

– Na verdade, já. Mas não vi nada de Campo 7...

– A parte que você conheceu é a área livre. Atrás do Salão de Treinamento, existem campos específicos, onde acontecem os treinamentos das Divisões. São restritos aos seus combatentes, obviamente. Você será apresentada como novata. Te vejo lá, combatente Cole.


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Notas finais do capítulo

Pronuncia-se Infínite
Continue acompanhando!



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