Infinite escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 5
Treinamento




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/628839/chapter/5

– Meus combatentes. O treinamento de hoje será um pouco diferente, tendo em vista que três novos combatentes chegaram para a Divisão. Como sabem, três de nossos companheiros desistiram da Tropa, por motivos pessoais. Embora saibamos qual seja. Enfim, três de vocês ficarão responsáveis por instruir os novatos durante o treinamento, e o restante treinará como de costume.

De trás do vidro escuro, observo Kaline Bogard falando, e escuto cada palavra. Estou em uma espécie de sala de espera. Outros dois infinites estão comigo, esperando sua chamada. Os combatentes tradicionais estão posicionados em fila, de frente para a comandante. Liam está entre eles, e não apresenta nenhuma expressão que eu consiga identificar com clareza. Kaline continua a falar.

– Enfim, é hora de vocês conhecerem os novos combatentes. Combatente Thompson, você está responsável pelo novato Jake Azevel. – Thompson dá um passo à frente, e Azevel se posiciona ao lado dele. – Combatente Evans, você é o responsável pelo novato Hector Bachelet. – Hector entra e se posiciona ao lado de Evans. – E, finalmente, combatente Henz, você é o responsável pela novata Amanda Cole.

Liam ergue os olhos para mim quando caminho. A expressão dele continua séria como a de todos os combatentes, mas posso apostar minha armadura que ele está querendo me matar por eu tê-lo desobedecido. Me posiciono ao lado dele.

– Então, agora estamos completos. Dez combatentes e uma comandante. Podemos começar o treino.

– Eu falei pra você não fazer isso. Eu fui bem claro! Que coisa!

– Por que quer tanto me ver longe daqui?

– Olha bem pra esse lugar, Amy. Não foi feito pra você. Só tem você e a Kaline de menina...

– Ah, então é questão de machismo? Você sabe que a Kaline tá no comando pra provar que isso não existe, não sabe?

– A Kaline está aqui porque é o lugar dela. As vagas são abertas a quem quer, e mesmo assim, há muito mais meninos. Por que será que isso acontece? Isso não é um lugar apropriado para a maioria das meninas.

– Já pensou que eu posso não ser a maioria? Quer que eu continue trancada no quarto lendo livrinhos e fingindo que não tem nada lá fora? Eu não passei metade da vida tentando descobrir a fórmula para o que somos... Para virarmos uma sociedade escondida numa nave!

– Acha que é isso o que queremos? Queremos viver lá fora, Amy, mas não é seguro. Você não entende isso?

– Quero ir lá fora ajudar a torna-lo seguro. Por isso estou aqui.

– Você está se fazendo de corajosa porque não viu o que tem lá fora.

– Eu vi. Quando você me trouxe.

– Não, não. Aquilo ali é só uma folhinha comparada à grande árvore de perigos. Você não ouviu o que eu disse ontem, não é?

– Sobre meus pais? Ouvi. E pesquisei. E descobri.

– E isso não te convenceu a ficar longe deles.

– Me deu mais forças, Liam. Quero fazer justiça.

– Com as próprias mãos?

– Se for necessário...

– Já estamos fazendo isso, Amy. Por que tem que ser tão teimosa?

– Liam, eu preciso fazer parte da Tropa. Por que você não entende isso e me ajuda?

Liam me encara. Estamos do lado de fora de uma esfera simuladora, ou seja, ela simula uma viagem na esfera. Quero que Liam me ensine, mas ele prefere continuar tentando me convencer a desistir.

– Bom, não tem volta mesmo.

– Não.

– E você não vai desistir.

– De jeito nenhum.

– Então entra nisso logo.

Entro na esfera, e ele entra e se senta ao meu lado, como ontem. Mas estamos com as posições invertidas, para que ele me ensine.

– Aprendeu a dirigir carros?

– Apesar de nunca ter precisado... Sim. Aprendi.

– Meio caminho andado.

Liam me ensina a ligar a esfera e todos os seus comandos. Pilotar uma esfera é um pouco mais difícil, considerando todas as dimensões que podemos utilizar. Uma coisa bem interessante quanto a isso, segundo o que explica, é que nunca teremos que virar, pois a esfera, que nos abriga, e o anel metálico, que controla o movimento, são independentes. Por isso, podemos fazer manobras muito loucas sem mudar de ângulo.

O painel de controle da esfera é bem grande e tem várias opções, mas Liam diz que apenas os do meio são essenciais e começa a explicar.

– Primeiro, você ativa a nave, apertando esse botão. Ele vai fechar a esfera e ativar os jatos no modo estabilidade. Esse botão girador controla o tipo de jato. Seriam como uma marcha. Os jatos são estabilidade, velocidade e turbo. A estabilidade é para manter a esfera parada, esteja ela em solo ou no ar. Nesse modo, os jatos estão sempre direcionados para baixo. Velocidade é movimento normal. Turbo é para... Digamos... Emergência. Nesses dois minivolantes, você controla as direções. Esse é o lateral, esquerda e direita. E esse, é o diagonal, que controla o seu ângulo em modo diagonal. Esse botão de girar controla a velocidade no jato velocidade. Para frear, é só diminuir até zero. Entendeu tudo?

– Mais ou menos.

– Interessante. Isso é o básico. Depois vamos ver sinalizadores e configurações avançadas.

– Que ótimo – Ironizo. – Ah, não tem como andar para trás?

– Não tem por que ter. É só virar a nave toda e andar para a frente. Agora, exercício. Vou colocar você no campo livre, para aprender.

Liam sai da esfera e liga o simulador. O vidro em volta de mim ganha um papel de parede muito real, que faz a sala de treinamento parecer um jardim sem fim. Tento lembrar de tudo o que Liam disse e testo. O papel de parede muda conforme tudo o que eu faço. No final, ainda estou tentando me acostumar aos primeiros botões. Depois, Liam me tira da esfera, e começamos a treinar corrida com obstáculo e coisas do gênero. Ele resolve fingir para Kaline que ainda não me ensinou a atirar. No final do treino, nos posicionamos em frente a Kaline, como no começo.

– Foi um excelente treino, combatentes. Os novatos estão de parabéns. Estão todos dispensados, com exceção do combatente Henz e da combatente Cole.

Estranho o fato de Kaline querer falar com todos, mas vamos até ela após todos saírem da sala.

– Você foi muito bem hoje, combatente Cole. – Aceno com a cabeça em agradecimento. E você, combatente Henz, se saiu um professor melhor do que eu imaginava.

– Obrigado, comandante – diz ele.

– Coloquei os dois juntos por ter idealizado que já se conheciam, por conta da missão. – Eu e Liam olhamos um para o outro. – E, por causa disso, lembrei que temos uma vitória que não foi comemorada. Mas ainda há tempo. O que acham de nos encontrarmos hoje à noite no Festplace?

– Acho que é uma excelente ideia, comandante – diz Liam. Por não saber o que é o Festplace, permaneço calada. Mas Kaline é muito inteligente e pensa em tudo.

– Creio que nossa novata não esteja tão familiarizada com a Nave Nyah, e por isso não saiba o que é ou onde é o Festplace.

Antes que eu concorde, Liam responde por mim.

– Isso não é problema, comandante. Eu me encontrarei com ela antes de ir.

– Vejo que estão se dando bem, combatentes. Isso é ótimo. Mas quero que se lembrem que não vamos em treinamento hoje à noite. Então serei apenas Kaline, e não comandante. Espero que tenha a mesma liberdade com vocês.

–Certamente, comandante, – digo, antes que Liam tome meu lugar de novo – será um prazer criarmos um laço de amizade fora do Salão.

– Então vejo vocês hoje à noite, Liam e Amanda.

– Amy.

Kaline ri.

– Ok, Amy. Até lá.

– Até, senhora.

– Posso entender isso como uma tentativa de pacificação?

Liam me olha, enquanto andamos até meu quarto. Ele estranha a pergunta.

– Não é necessária pacificação quando não há guerra. Opinião divergente não significa nada.

– Então... Não está com raiva de mim? Por ter entrado para a Divisão 7?

– Você é dona das próprias escolhas, Amy. Eu não estou com raiva, eu fiquei com raiva. Já passou. Agora, tenho que ir resolver umas coisas. Te vejo às sete.

Liam me dá um beijo na bochecha que esquenta minha face. Fico tão atordoada com a atitude repentina que nem me despeço direito antes de ele ir. Entro no quarto, encontrando uma Anne bem animada. Ela larga o livro e começa a mexer as pernas com afobação.

– E então, como foi, como foi, como foi?

– Calma, Anne, está agitada demais!

– Claro, ora, quero saber o que aconteceu!

– Não aconteceu nada demais, foi só um treinamento.

– Está feliz demais para quem saiu de um simples treinamento, Amy.

– Ah, é que... Bom, a comandante Kaline nos convidou para ir ao Festplace hoje à noite, sabe, para comemorar a vitória do combatente Henz em sua missão.

– Nos convidou? Convidou quem?

– Eu e o Liam, mas tenho certeza que você pode ir.

– Ah, obrigada, mas eu não gosto muito de festas. Mas quero que se divirta.

– Tudo bem, então. Mas pode me ajudar com a roupa, não pode?

– Claro, claro. Sou ótima com isso, você vai ficar linda. Mas... A propósito... Você sabe onde é o Festplace, não sabe?

– Vou descobrir quando chegar lá. – Anne faz cara de que não entendeu, então explico. – O Liam vem me buscar mais tarde.

– Wooooooow! – Penso em me esconder embaixo da cama, mas esse espaço não existe. Anne simplesmente saiu correndo e pulando pelo quarto todo, até parar atrás de mim. – Isso é incrível! Precisamos caprichar muito mais nessa sua roupinha.

– Para com isso, Anne. – Digo, me sentando na cama dela. - Não é nada demais. Ele só vai me acompanhar até lá.

– Tá bom, vou fingir que não tô vendo nada acontecendo. Vamos pensar na sua roupa. Tem que ser algo simples, mas que deixe você... Amy, não!

Quando percebo, já estou caindo.

Enquanto Amy falava, encostei na parede dela, mas simplesmente não havia parede. Ora, eu podia jurar que tinha visto aquela parede exatamente como antes. Tento me estabilizar na queda, mas continuo caindo igual a uma Alice no País das Maravilhas. Quando olho ao redor, só vejo azul claro e nuvens brancas que se movem, como o que eu via quando olhava para a parede de Anne. Céus, entrei na parede dela?

Tento proteger o rosto ao me aproximar de uma nuvem, mas passo direto por ela. Começo a pensar que eu nunca vou parar de cair, mas lembro de como usei o poder da imaginação para criar me papel de parede. Penso firmemente que as nuvens são sólidas, e que uma delas vai me pegar.

Na mosca! Uma nuvem passa por baixo de mim. Ela me leva para onde eu quero. Dou voltas e mais voltas em cima da nuvenzinha, até notar uma grande janela no meio do nada. Anne está do outro lado, tendo nosso quarto como cenário. Ela está completamente preocupada. Decido ir até ela, voando na minha nuvem.

– Anne! Vem!

– Como? – Pergunta ela, aflita. Ela encosta a mão na parede, mas não consegue ultrapassar. Não sei como isso acontece, só que mais importante do que descobrir o motivo é dar um jeito para a Anne vir. Passo a mão pela parede e peço para a Anne segurar. Com calma, tento passar a mão dela pela parede, e consigo. Sem hesitar, puxo e faço-a cair. Pouco depois, projeto uma nuvem embaixo dela e a trago para perto.

– Tem que usar sua imaginação, Amy. Imagine!

Volto à me concentrar em voar, e percebo que Anne começa a se dar bem com isso. Curtimos durante alguns minutos, até Anne me trazer de volta à realidade.

– A diversão tá boa, - diz ela ao meu lado – mas temos uma coisa importante a fazer.

– Ah, é. Minha roupa.

– Vem comigo.

Anne voa em sua nuvem. O espaço onde estamos é um vazio azul, com nuvens que passam voando rápido, algumas com livros. Uma delas, próxima à janela, é o solo de uma árvore, a árvore que aparece no canto da parede de Anne.

Sigo Anne para o lado da janela, onde não poderíamos ser vistas por alguém que estivesse nela. Uma nuvem grande começa a se formar, com uma parede que apara o vento. A nuvem parece um chão. Percebo que foi Anne quem a fez, pois desce da nuvem que estava para essa nova e grande nuvem. Eu desço também. Ao nosso redor, brotam dois sofás de nuvem e um manequim, também de nuvem. Eu me sento em um sofá, mas Anne anda pela nuvem, pensando. Depois de algum tempo, ela para e olha para o manequim.

– Eu pensei em algo assim.

Ela aponta para o manequim, que automaticamente se veste por um vestido de folhas. Ele é marcado na cintura e vai até pouco abaixo do joelho. Tem duas alças largas. Expresso minha opinião.

– Ele é lindo, Anne, mas parece mais adequado para uma criancinha na igreja do que para uma garota no Festplace.

– Hum... Tem razão – Com um pequeno gesto de Anne, o vestido evapora. Literalmente.

– Antes de decidirmos a roupa perfeita para eu ir no Festplace, temos que pensar em uma questão: que tipo de roupa as pessoas usam lá?

– Bem, as pessoas vão ao Festplace para se divertir, então eu diria que o visual perfeito seria prático, porém sofisticado.

– Fale a minha língua.

Anne fecha os olhos e coloca os indicadores na cabeça.

– Vamos lá, Anne – diz para si mesma. – Temos que lembrar que nossa amiguinha é a Bela Adormecida. – Ela abre os olhos e recobra a postura. – Então, pegando pelo ponto de vista de quando éramos humanas, o prático sofisticado seria mais ou menos o que se usava para ir nos shows das boates dos anos 2010.

– Algo em mente?

– Não. E você?

– Que tal um cropped ombro caído?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Lê mais um pouquinho, vai? Não vai querer perder a comemoração no Festplace. Vai rolar barraco...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Infinite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.