Infinite escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 3
Pesadelos




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– Camas de terra abastecidas com nutrientes. Cobertor automático de folhas. Teto que emana luz solar noturna. Janela de vidro com vista para fora. Parede configurável. Maravilhas do dormitório Nyah.

A descrição de Anne me deixou muito animada com o dormitório. Ela subiu na cama e segurou uma das nuvens que voavam em sua parede. Na estante, pegou um dos seus livros tecnológicos. Em seguida, a nuvem continuou voando normalmente, enquanto os passarinhos de sua árvore piavam.

– Ande, Amy. Escolha seu papel de parede.

Olho para a parede branca e vazia e tento fazer o que Anne sugere. Toco na parede e aparecem várias opções de imagem com e sem movimento. Uma me atrai a atenção: Um laboratório branco cheio béqueres com líquidos espumantes coloridos. Toco nele, e a imagem inunda a parede do quarto. É tão real que sinto que posso passar para o outro lado.

– É sério isso?

O comentário de Anne me surpreende e me deixa confusa.

– Anne? O que houve?

– Desculpa a intromissão, mas... Eu realmente não acho que esse seja o papel de parede mais adequado para você.

Penso no que Anne disse. Durante toda a minha vida, o laboratório foi minha segunda casa. Mas olhando para a figura, tenho um sentimento diferente.

– Eu sei que você gosta disso e tal... Mas você não tem mais acesso a isso. Sua vida é outra agora, Amy. Eu sei que o laboratório não te toca mais como antes.

Olho para Amy. Como ela pode saber disso? Talvez ela tenha vivido uma mudança semelhante ao se tornar infinite.

– Eu viajei para Tóquio por um grande objetivo, que acabei alcançando. Mas agora, não sei mais qual o sentido do laboratório.

– É porque não há. Não se engane quanto a isso, Amy. Mesmo que tente fingir para você mesma que o laboratório ainda está em seu coração, ele não está mais. Você precisa abrir sua mente para a nova vida que vem pela frente – diz ela, enquanto eu a encaro.

– Você tem razão, Anne. - Toco na parede, e as opções aparecem novamente. – Alguma ideia?

– Tente isso. - Amy toca na imagem de uma floresta, que toma conta da parede. – Se sente mais à vontade com isso?

– Sim – decido não mentir.

– Agora, é só abrir a mente e deixar essa floresta do seu jeitinho.

Depois de alguns segundos, entendo o que ela quer dizer. A imagem é controlada por mim. A primeira coisa que faço é mudar a luz. Faço uma faixa de luz solar passar por entre as folhas e bater no chão. Ali no chão, crio um riacho com pedras cintilantes. O barulho de água ecoa no dormitório. No chão, faço as mais belas flores desabrocharem. Um cervo sai de trás de uma árvore e fica observando. Na árvore mais à frente, surge um oco, onde é possível ver um esquilo e suas nozes. No topo da árvore, pássaros. Para completar, borboletas, azul, rosa, amarelo, laranja. Elas saem voando pelo quarto. Anne olha, impressionada.

– Que incrível. Menina, você tem talento!

– Obrigada.

Passo o restante do dia treinando minha armadura. Anne é gentil e não se incomoda. Parece compenetrada em seu livro. Decido perguntar algo que me deixou curiosa.

– Anne...

– Sim?

– Você mudou muito depois que virou infinite? Quero dizer... Tem algo que gostava e não gosta mais?

– Sim – ela deixa o livro de lado. – Eu gostava muito de jogo. Video game, portátil, computador, celular... Não interessava. Eu poderia ficar o dia todo jogando. Quando vim para a Nave Nyah, conheci a biblioteca e os livros.

– E decidiu trocar. Mas... A realidade dos jogos não é muito mais... Real?

– Exatamente. Nos jogos, era só viver. Tava tudo pronto. Nos livros, temos que imaginar. Por isso eles são especiais.

Fico pensando no que Anne disse.

Treino por mais meia hora, e uma tela de vidro surge na parede branca. Anne deixa o livro de lado.
– O que é isso? - Pergunto, achando que há algo errado.

– Pronunciamento do toque de recolher. Fique tranquila.

Logo, a figura de Seiji e Kori Hime aparece. Eles estão na sala de controle.

– Boa noite, tripulantes da Nave Nyah – diz Seije.

– Boa noite, caros infinites – a voz de Kori Hime é sempre doce.

– Está quase na hora de descansarmos. Mas antes, as notícias do dia. Kori?

– Hoje, finalmente, o Sr. Liam Henz concluiu sua missão em busca da primeira infinite.

– A Srta. Amanda Cole já foi resgatada e está a bordo da Nave Nyah. Esperamos que ela se adapte bem.

Fico um pouco constrangida por ter meu nome no pronunciamento que está sendo assistido por todos na nave. Por sorte, Anne não percebe minha reação.

– A Comandante Kaline Bogard anunciou que estão abertas as incrições para preenchimento das vagas da Divisão 7. - Quando Kori Hime diz isso, tenho vontade de perguntar o que é a Divisão 7, mas me contenho.

– A maioria sabe que a Divisão 7 ficou desfalcada por causa da terrível colisão durante o último ataque humano – explica Seiji. - Sentimos muito pelos que se foram, mas precisamos substituí-los em seus cargos.

– Faltam apenas 5 dias para a reinauguração da biblioteca. - Não preciso olhar para Anne para descobrir como ela está animada com a notícia de Kori.

– A nova instalação conta com mais de nossas tecnologias. Acessibilidade. Interatividade e praticidade. É o que aguarda vocês nesta inauguração.

– Por hoje, é apenas isso – diz Kori. - Esperamos que vocês tenham uma boa noite de sono.

– Até amanhã, caros infinites.

– Estou tão ansiosa pela nova biblioteca! Não que a antiga fosse ruim, mas biblioteca renovada é sempre bom.

– Imagino como está feliz – digo.

De repente, lembro-me de uma coisa. Algo que guardei comigo. Abro um vão na casca da barriga. As raízes interiores se contorcem, e eu recupero a pequena foto que encontrei. Subo na cama e coloco a foto no topo da árvore, próxima ao ninho dos passarinhos.

– O que é isso? - Pergunta Anne, curiosa.

– Uma foto. Eu encontrei quando acordei hoje.

– Quem é esse?

– Um dos ajudantes do laboratório. Eu não sei muito sobre ele, mas acho que não tinha permissão para ir até mim durante meu sono.

– E como isso foi parar lá?

– É o que preciso descobrir.

– Espero que consiga. Bom... Hoje foi um dia cheio pra você, Amy. Eu sugiro que descanse, temos muito mais para amanhã.

Sorrio para ela.

– Farei isso. Embora tenha dormido por anos.

Desço da cama e deito nela. Na extremidade da cama, a terra forma uma espécie de travesseiro. Em outras circunstâncias, eu sentiria nojo de deitar na terra, mas agora ela é parte de mim. Fecho os olhos e tento esquecer as preocupações. De repente, sinto algo deslizando sobre mim. Abro os olhos para ver um manto de folhas. Anne está deitada com o dela, e aparentemente controlou o meu.

– Boa noite, Amy.

– Boa noite, Anne.

A luz se apaga, e eu demoro a adormecer, como medo de demorar a acordar de novo.

– Você vai acordar logo, querida.

– É só um instante.

– Durma, durma.

– Silêncio, silêncio.

– Até amanhã!

– Nos vemos logo, anjo querido.

– Você é mais, mais, mais do que pensa ser!

– A garota infinita.

– Ela dorme, dorme para sempre.

– Lute, lute.

– Não pode acordar!

– Está presa! No infinito!

– Socorro, socorro!

– Grite, grite!

– Não pode, só dorme!

– Sono, o poderoso sono.

– Sono profundo, profundo sono.

– Presa, em você mesma. Não pode se soltar.

– Nunca vai se libertar!

– Sonho e pesadelo. Quando vai acabar?

– Nunca, nunca!

– Por que, Senhor? Por quê?

– Ora, afinal de contas... Você é infinita.

Acordo sobressaltada. Não imaginei que fosse ter um pesadelo em minha primeira noite de sono após o sono de anos. Confesso que não sei o que pensar. Não sei se tenho medo de dormir. Acho que deveria. Fosse por causa dos pesadelos, fosse por causa do último sono, que pareceu nunca terminar. Acho que não chego a ter medo disso, mesmo assim. Não sei por quê. Talvez eu tenha me acostumado tanto ao sono que nada nele consegue me assustar.

O dormitório está iluminado em um lindo tom de laranja. Olho para a parede de vidro e não resisto. Tiro a coberta de folhas e ando até lá. Atrás das montanhas, o sol está nascendo e produzindo belos raios. Abro um pouco os braços para senti-los em minha pele. Respiro. É excepcionalmente bom.

– Já de pé?

Anne está sentada em sua cama, esfregando os olhos.

– Anne. Bom dia. Eu... Tive um pesadelo.

– Pesadelo? - Anne boceja. - Deve ter sido horrível dormir por tanto tempo. Mas, acredite. As coisas não estavam boas aqui fora.

– Sei disso – sento-me ao lado de Anne na cama dela.

– Quer me contar sobre seu pesadelo?

Olho para a floresta na parede oposta.

– Bem... Não sei se posso defini-lo. A única imagem que aparece é minha, na cápsula. Mas... O que realmente atormenta no pesadelo são as vozes.

– Que vozes?

– Vozes aleatórias, conhecidas e desconhecidas, que sussurram coisas sobre meu sono. Dizem que não vou acordar.

– Isso deve ser horrível.

– Só enquanto dura.

– Teve pesadelos na cápsula.

– Na verdade, não. Por isso estranhei o pesadelo. Mas eu não costumo passar o dia lembrando ou pensando nos meus pesadelos.

Percebo um movimento na parede. Uma flauta doce aparece e toca uma música suave.

– Despertador – explica Anne.

– Muito bem projetado, por sinal.

– Vamos, Amy. Está na hora da reunião matinal.

Anne me leva para os andares superiores. Quanto mais subimos as escadas, mais cheias de gente elas ficam. Mas ninguém fica parando no caminho, e o fluxo é rápido. Que bom, os infinites são educados. Junto a eles, eu e Anne chegamos a uma grande sala redonda, e incrivelmente impressionante. Era praticamente feita de água. As paredes e o teto formavam uma semisfera de vidro com armação de ferro, que me fez lembrar da estufa do laboratório. A não ser, claro, a água que escorria pela parte exterior do vidro. O chão também era de vidro, e tinha água embaixo dele. Formava pequenas ondinhas ao pisarmos. No centro da sala havia uma queda de água uniforme, que partia do ponto mais alto do teto. Junto com a água, caíam... Luzes. Pequenos pontinhos brancos e brilhantes. Estavam em toda a parte, como se um salão feito de água não fosse bonito o suficiente.

As pessoas ao meu redor começam a sentar no chão. Observo as primeiras sentando do outro lado da queda de água. Parecem organizadas demais, como se houvessem bancos simetricamente espalhados. Entendi que os infinite são disciplinados, mas não consigo entender como conseguem se organizar perifericamente bem.

Anne senta aleatoriamente no chão. Ah, acho que descobri. Não é aleatório. Muito levemente inscritas no chão, posso ver marcas. Linhas partem da queda em direção às paredes, e grandes círculos que ficam menores ao se aproximarem da queda. Percebo que esse desenho parece algo que eu conheço: o mapa mundi na visão polar. Os desenhos criam formas semelhantes a trapézios. Lugares para sentar.

Percebo que a maioria já está sentada, então decido me apressar. Sento-me no espaço ao lado de Anne, mas meu outro lado fica vazio. Quando as últimas pessoas estão chegando, Liam finalmente aparece. Logo, ele me localiza e vem ao meu encontro.

– Bom dia, moças – ele diz, enquando se senta.

– Bom dia, senhor Henz – digo. - Como dormiu?

– Bem, como de costume. E você?

– Também.

– Ela está mentindo – intromete-se Anne, deixando-me com raiva. - Bom dia, Liam.

– Não dormiu bem? - Liam parece seriamente preocupado comigo.

– Dormi, sim. Ao contrário do que pensa a senhorita Liberton, meus pesadelos não me atrapalham a ter uma boa noite de sono.

– Como ela consegue fazer isso, eu não sei – diz Anne, dando de ombros.

Liam abre a boca para falar algo, mas desiste quando um som de flauta começa a preencher a sala. Liam leva o dedo indicador à boca, me mostrando que devo fazer silêncio.

De cada lado do salão abra-se uma porta que eu não tinha notado. A água para de cair nesses dois pontos onde as portas se abrem. Pela porta direita, entra Seiji, e pela esquerda a Kori Hime. Eles percorrem na mesma e lenta velocidade o caminho até a queda.

Cada um de seu lado, os dois se aproximam da queda e usam a mão direita para sentir a água. Em seguida, o casal pronuncia, em uníssono.

Agradecemos pelo novo dia que se inicia.

Pela luz que o sol nos dá a cada dia.– Todos os que estão sentados dizem juntos, inclusive Liam e Anne. Eu sinto que quero falar, mas eu não sei o que estão dizendo.

Pela terra nutrida que nos alimenta – o casal fala novamente, retirando a mão da água.

E pelo ar que ao redor nos acalenta. - O casal e os que estão sentados falam juntos. Esses aplaudem com fé. Ao menos isso, posso fazer.

– Agradecimento matinal – sussurra Liam em meu ouvido, gerando um ar quente e gostoso.

No centro, o casal que comanda a Nave Nyah começa a falar. Percebo que Kori Hime é mais responsabilizada com essa parte comunicativa. Suponho que Seiji esteja encarregado com o verdadeiro controle da nave.

– Bom dia a todos – diz Kori Hime, com a voz doce de sempre. - Nosso agradecimento matinal fala por si só. Ultimamente, só temos a agradecer por nossas vitórias.

Kori Hime e Seiji continuaram o pronunciamento, falando sobre coisas boas, conquistas e valores como amizade, perseverança e união. Depois de tudo, eles desejaram um excelente dia, e saíram por onde entraram.

Enquanto Kori falava, eu não consegui evitar pensar nos humanos. Enquanto os infinites só tem a agradecer pelas vitórias, como os humanos estarão?

Cada vez mais sinto que a Nave Nyah esconde alguma coisa que não sabemos.


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Notas finais do capítulo

Até agora não falei nada, a não ser respondendo os comentários. Mas quero saber de vocês o que estão achando da história, e uma coisa em especial... Como vocês pronunciam INFINITE? No próximo capítulo, a pronúncia correta.



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