– Shhh ... - Sinto seu dedo sobre meus lábios, sua mão estava por baixo na longa capa que cobria meu corpo, fazendo com que meu coração dispare simplesmente por sua aproximação, este gesto faz com que eu me cale.

Ouso seus passos, e permaneço em silencio. Algumas vozes podem ser ouvidas distante de mim, porém não a como entender o que esta sendo dito. Me seguro em seu corpo como se apenas por este gesto, algo dentro de mim afirmasse que estou segura. Poderia eu estar diante a um assassino. Um desconhecido que por fim, acaba de me salvar ... estando novamente no mesmo local que eu. Poderia isso ser algo do destino?

– Onde está a garota? - Ouso uma voz masculina tendo seu tom de voz grosso, arranhando as palavras ao saírem de seus lábios. Não entendo o que está acontecendo, porém tenho a confirmação que essa pessoa que me salvou sabe muito bem a razão disto. Talvez até da morte de meus pais...

– Antoni teve que matá-la. - Finalmente ouso sua voz, apenas agora percebo o quão eu esperei para saber algo real sobre ele. Isto confunde minha mente. A amargura é visível ao disser tais palavras, estas somente mentiras.

Fico em silencio diante a tensa situação, porém continuo a respirar e rapidamente sinto sua mão mais uma vez em meus lábios, tampando minha boca, impedindo que eu possa respirar. O ar é cortado rapidamente, porém não sinto como se fosse sufocar.

– Hum... Vamos ter problema.

– Por isso estou sumindo com o corpo. - Ainda com sua mão em meus lábios ele corta a fala do outro homem a sua frente, grosseiramente. - Agora se me der licença gostaria de prosseguir.

“Sumindo” ... sinto que tenho muitas perguntas, e há respostas para serem ditas. Apenas não sei quem as dirá...

Ainda não esqueci do bilhete guardado em segurança no meu bolso. Adam ... seria um conhecido de meu falecido pai? Um perigo para nossa família? ... Bem, isto não faria sentido se apenas restou a mim, há apenas eu para carregar este peso, este mistério que faz parte de minha realidade agora, tão inesperado ... porém não há nada de injusto, vivi intensamente sabendo que cada momento poderia ser o ultimo, que após anos, e anos eu iria poder olhar para traz, vendo que tudo apenas se tornou lembranças. Fragmentos de pessoas que conheci, ou lugares em que estive em minha vida. Cenários de meu passado.

O silencio tomou conta do local, relembro que permaneço sem saber onde estou. Ou o porque. E agora posso ouvir o som de seus passos se afastando de nós dois. Seguindo um outro caminho.

Percebo que lentamente meus olhos se fecham, sem forças para que permaneça acordada. Entretanto antes que eu mergulhe em um profundo sono vejo que a longa capa que cobria meu corpo, e minha visão. É afastada suavemente de meu rosto, fazendo com que eu finalmente possa ver ao meu redor.

Vejo por fim seu rosto, posso perceber um fino sorriso desenhado em seus belos lábios. De certa forma isto faz meu coração acelerar, sem motivo algum, numa sensação desconhecida. Seus cabelos são vermelhos, como a chama ardente de um fogo, este que descia até o final de seu pescoço. Seus olhos eram negros, não demonstrando nada sobre ele. Pude encarar sua face por longos minutos, esta poderia ser a ultima vez que faria isto. Sua pele era branca, marcando intensamente seus cortes e cicatrizes.

Olho em seus olhos, vendo que nossos olhares se encontram em um breve momento, e antes que eu perceba o sono toma conta de meu corpo, como uma leve brisa que trás consigo a sensação de paz, envolvendo minha alma. Acalmando a dor em meu peito. Ergo minha mão em direção ao seu rosto, ao menos penso no que fazer a seguir, apenas continuo

olhando pra o rosto desta pessoa que a pouco tempo era desconhecida para mim, vejo o profundo corte visível em seus lábios. O sangue parece escorrer ainda, seu ferimento é a marca do soco que levou em sua boca.

Seus olhos arregalam em resposta ao meu gesto, ele parece surpreso... talvez por ver que não sinto medo em toca-lo. Não consigo pensar que a voz que pude ouvir a poucos minutos vinham desta pessoa. Não há olhar assassino, ao algo que mostro sua face como um assassino.

Antes mesmo que eu possa ouvir as palavras sendo ditas por ele acabo por mergulhar em um sonho, fechando meus olhos deixando com que o profundo negro da escuridão tome conta de minha visão. Me limitando ao grande vazio em minha mente.

O alto som dá risada de minha mãe invade meus ouvidos, tão familiar fazendo com que eu lembre de minha infância. Finalmente abro novamente meus olhos, estes que permaneciam fechados por medo. Estou novamente em minha casa porém não a nada que indique que um dia está poderia ser somente mais a cena medonha de um cruel assassinado.

Vejo o cenário de uma família feliz, junta em uma noite de domingo. Como sempre fui filha única isto tornava as coisas solitárias para mim, nesta casa tão imensa. Não entendia o por que tantos quartos em um andar. Sorria ao ver meu pai entrando pela porta depois de um dia de trabalho, muitas vezes apenas dormia no sofá a sua espera. Lembro-me da sensação de acordar com seu beijo em minha testa.

Seu semblante cansado, após abraçar carinhosamente minha mãe era tão comum, coisas tão simples que são como joias valiosas para mim nesta fase de minha vida. Tantas lembranças que como páginas foram rasgadas, porém continuaram junto a mim, os pequenos fragmentos de meu passado.

Posso andar livremente pela minha antiga casa, o sorriso inocente estampado em meus lábios torna o ambiente algo confortável e belo. Enchendo a casa de alegria, dando um motivo para que todos rissem, em um único som. formando a melodia. Posso ver de perto, o meu eu tão pequenino isso me faz rir, esquecendo por um segundo que tudo não passa de um sonho, e que ao acordar... Poderia nem mais ver o mundo

Acompanhando meu eu até o grande quarto em que sempre passei as noites, encarando o apagar das luzes como a coisa mais assustadora em que poderia ver deste mundo.

Meus pais seguem seu caminho indo diretamente ao quarto, suas coisas... a cama em que tanto desejei dormir, sinto meus olhos se encherem de lagrimas. E ao ver meus pais se deitarem sussurro apenas para mim, sabendo que de nada adiantaria.

– Boa noite...

Porém sou surpreendida pela fala que nunca pude ouvir.

– Querido, não há como aceitarmos isto, não posso deixar nossa filha.

– Não vamos concordar com nada, não é justo ela ter que pagar por um erro meu. - Sua voz é fraca, um tom desconhecido por mim. - Durma, querida.

Arregalo meus olhos ansiando por saber algo a mais, ou apenas que estas falas tenham sentindo para mim, porém... por mais que eu pense, nada vem em minha mente. Nenhuma explicação neste momento.

E como se fossem um frágil vidro, vejo esta cena de despedaçar ao sentir alguém tocar em meu corpo sacudindo levemente, como se tentasse me chamar.

– Ei, ei... acorde. - Suas palavras me trazem de volta a realidade, fazendo com que eu desperte deste sonho vendo depois de alguns segundos onde estou.

Me encontro deitada, sobre algum tipo de cama ou sofá. Vejo um rosto desconhecido, alguém ajoelhado em minha frente. Seus cabelos loiros trazem até mim um cheiro agradável, muito diferente do cheiro que pude sentir do sangue, este que impregnava a grossa jaqueta de couro que o garoto que me salvou usava sobre meu corpo. Seus olhos dourados brilhavam ao me ver acordada, e percebo agora que sua mão se mantinha apertando firme em meu ombro.

– M-Me desculpe! - Responde ele se afastando de mim em um impulso, se pondo em pé em minha frente. Seu rosto ganha um leve coloração avermelhada, corando. Presto mais a atenção, vendo o loiro alto que se curva em um cumprimento para mim. Sua roupa um tanto formal, para alguém que parece ser aproximadamente da minha idade.

Não posso deixar de pensar no porque... me afastei pela segunda vez dos seus braços.