O Caminho da Expressão escrita por GMarques


Capítulo 3
A História em Si.




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Nunca.

Nunca.

Nunca.

Nunca mesmo! Desobedeça o sistema!

Por mais que as ordem que lhe foram dadas sejam as mais impossíveis dentro do que você imaginava, se o governo mandar você fazer uma coisa, faça. Eles podem te dizer que está tudo bem, mas lembre-se: nada está bem para o sistema se não for do jeito deles!

Eu fiquei com essa dica dentro de mim mesmo desde que eu presenciei mais um dos ataques de inibição do governo.

Era segunda-feira, o telefone da mesa ao lado tocou. Eu ia atendê-lo pois a mesa estava vazia, mas outro atendeu, era Pedro Búliver, não o conhecia muito bem, mas ainda bem que não foi eu quem atendeu o telefone.

—Sim?

—Precisamos de uma ficha para dois dias. Anote os nomes e da... —Pedro interrompe.

—No momento não posso... Mas eu posso passar para outra pessoa, está bem? —Ele acabara de marcar a data e hora de sua morte.

—Está tudo bem. Você é livre, e Konets é o país da liberdade! Konets não é o país da liberdade?

O telefone desligou antes de que Búliver pudesse respondê-lo. E o dia continuou, como qualquer outro num país sem liberdade. Konets não é um país sem liberdade?

No outro dia Búliver não se apresentou e em mais nenhum. Acontece, que quando alguém some, as pessoas fingem que a pessoa nunca existiu para evitar problemas com A Guarda da Verdade.

Esse é motivo para o qual eu nunca digo "não" ao governo, eu não posso morrer, minha irmã precisa de mim e eu preciso dela, não posso dar motivos ao sistema para que tirem-na de mim. Não importa qual a ordem que for dada, somente abaixe a cabeça e diga "sim".

~~~

O telefone toca e dessa vez ele está na minha mesa. O que eu faço? O que qualquer um faria quando um telefone toca, atende? Não! Eu fico o observando, e analisando o som assombroso de seu toque e imaginando qual será a ordem dada.

—Atenda logo Sr. Merk! Seu lerdo! Está dormindo?

Uma ordem! E não veio do telefone! Que ironia, uma ordem para eu atender o telefone e receber outra ordem!

—Alô. —Atendo.

—Centro Educacional. Gostaríamos de falar com o responsável por Júlia Mariana Merk. Seu nome é Marcos Merk.

—Sou eu. —Algo aconteceu com minha irmã, estão ligando me procurando. —O que aconteceu com a minha irmã?

—Precisamos que você venha buscá-la. Você tem uma hora. O sistema irá liberar sua saída daí dentro de cinco minutos.

E o telefone se desliga. E o silêncio ecoa dentro de minha cabeça.

Eu recolho minhas coisas e me retiro. A porta abre para mim com o meu cartão de identificação exatamente em cinco minutos após o telefone desligar.

Agora tudo que me basta é imaginar. Imaginar o que minha irmã fez para que me ligassem. Será que estão me chamando simplesmente para eu recolher o seu corpo? Isso já aconteceu com outro. E eu quero que fique somente com o outro. Como eu já disse, tudo que tenho é ela, e sem ela não teria motivos para continuar.

A rua está vazia, todos estão no trabalho ou na escola, e se não tiverem em um destes lugares estão em casa. As pessoas não gostam de ficar na rua, ela é muito perigosa. Mas as próprias pessoas não percebem que é o governo que as torna perigosas. A Guarda da Verdade não liga se um ladrão te roubar ou se alguém invadir a sua casa e te assassinar, talvez para eles isso seja uma certa maneira de controle de natalidade. A Guarda da Verdade só existe para aniquilar aqueles que talvez possam contar a verdade.

De imaginar que aqui passavam há mais ou menos três horas, milhares e milhares de pessoas, num único rumo e para um propósito. Não há nenhum contrário aqui.

Quando finalmente chego eu me dirijo para a direção e logo sou guiado por seguranças para uma sala de espera. Eles me deixam lá sentado, sem me dar uma informação.

Um silêncio enorme tem conta da sala. Tudo que tem aqui são duas portas(uma pela qual eu entrei), uma parede azul-enjoativo, e cadeiras azul-marinho intenso. Com certeza estão me vigiando, talvez para saberem minha reação diante de uma situação crítica, mas eu mantenho o controle.

O silêncio é quebrado por uma voz feminina, que entra pela porta contrária a qual entrei, sua aparência é sadia e jovial, ela tem olhos castanhos e cabelos ruivos muito convincentes.

—Sua irmã sofreu um pequeno acidente enquanto estava na aula de defesa pessoal... —Sua voz é roca para a aparência, talvez pelo cansaço.

Pronto, estão treinando ela para a GDV!

—Ela está bem?

—Só se feriu um pouco. O médico deu ordens para que ela volte para casa. Sua ida já está autorizada no sistema.

Sistema, sistema e sistema! Por que tudo se baseia no sistema?!

—E onde ela está? —Pergunto.

—Está vindo. Sente-se. —Ela dá as costas e sai pela mesma porta que entrou.

E a sala volta ao silêncio. A porta, a parede e as cadeiras. Até minha irmã entrar pela porta por onde saíra minutos antes a mulher ruiva.

—Marcos?

—Ah! Oi Julia. Você quebrou o braço?! —Observo bem a faixa enrolada em sua mão.

—Eu só machuquei o pulso. Logo vou estar bem. Vamos?

—Vamos... Vamos para casa.

~~~

A rua logo volta à tona na nossa volta, e nós seguimos o seu curso até o nosso destino. Nossa casa não é lá essas coisas. Moramos no subúrbio, num bairro muito pobre e esquecido. Aqui as construções são bem diferentes dos prédios e dos casarões encontrados no centro da cidade. Dizem que o centro de Konets é dez vezes maior, mas para falar a verdade eu nunca tive vontade de conhecê-lo mesmo.

Nossa casa é simples. Um pequeno banheiro simples e um cômodo com uma pia e alguns colchões velhos. A comida aqui não falta, mas nós temos consciência de que um dia ela pode fazer muita falta, por isso sempre economizamos. Contas? São o que não faltam! Eu diria que uns setenta por cento de tudo que eu ganho vai para o sistema, quem sabe até mais...

Todos os dias, eu fico do lado de fora, olhando as estrelas, mas hoje saímos cedo, então só terei esta vista daqui a algumas horas. Sem falar que ainda tenho que ir a esco...Centro educacional. E ter minhas típicas horas de tédio. Por lá nada de interessante se é falado.


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