Eternal escrita por Rausch


Capítulo 7
Capítulo 6 - In a land of gods and monsters


Notas iniciais do capítulo

"O espírito sem limites é o maior tesouro do homem." - Harry Potter e as Relíquias da Morte



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O vento balançou os cabelos de Malika ao máximo, estava tão forte naquela tarde que desconfiava ser obra de alguma divindade revolta. A troca do sari elegante da última noite pelas confortáveis roupas casuais lhe proporcionavam maior conforte e não precisava se preocupar com o peso das joias que usava no evento passado da família. Normalmente em todas as comemorações de família, os membros paravam para que a menina pudesse demonstrar seus dotes com a dança e a voz. Bem, era melhor do que ela a falar sobre anatomia humana e de como a ortopedia seria sua futura área de estudo.

Aquilo havia sido tão estranho, pois sabia um pouco de inglês, mas não na fluência com a qual sua pronúncia se deu durante a dança primordial. Além do mais, a assustava o fato de mudar o que entoava, passando a cantar algo de cunho pop e ocidental. A mãe tentara acalmar seus nervos e dizia que normais eram lapsos de memória e aquilo não a tornava estranha, assim com, pensou anteriormente a menina. Da mesma forma com a qual sentiu uma tristeza repentina enquanto se prepara para a festa, da mesma forma, sentiu a alegria que a preencheu durante a noite. Uma felicidade semelhante a que Malika tinha quando seus pais a levavam para passear quando criança.

A separação de Kala e Rajan a afetara no sentido de laço afetuoso e par a amenina foi difícil ver ambos separados e acostumar com a situação de que a família tivesse chegado ao fim. Tinha para si a responsabilidade de ser o exemplo, era a filha mais velha dos pais, via-se como o karma que deveria servir de um bom subsídio para os mais novos, Raj e Ramal. Quando Rajan anunciou que se casaria com Shanti, uma outra mulher, já foi mais fácil de aceitar, no entanto, Malika sabia da realidade e que ela estaria até mesmo à frente dela. Era assim, ligada demais tanto a mãe quanto ao pai. Como haviam combinado, Rajan a levaria para dar uma volta às margens do rio mais famoso da cidade. Faziam isso quando necessitavam de conversas sérias, ou apenas da companhia um do outro.

Desceu as escadas e encontrou os dois mais novos se estapeando no térreo de casa:

– Eu liguei primeiro! – Raj segurava o controle e tentava esconder para Ramal não o pegar.

– Mas eu disse que eu ia assistir o desenho antes, sai! – Ramal investia contra o gêmeo.

– Vocês dois, parem – Malika se intrometeu em meio aos menores – A mamãe pode estar na farmácia, mas se quiserem eu a chamo e esta TV será removida da sala. Ganharão mais lições para fazer, querem?

– Não, Lika, não. A gente para, por favor, não fala para a mamãe. – Ramal, o mais medroso, logo se defendeu.

– É, Mama, não faz isso. Vamos assistir igual. – Raj sorriu.

– Eu acho bom, pois estou saíndo e quando voltar, se eu souber que fizeram isso novamente, as coisas ficarão ruins. A vovó está lá em cima, logo ela desce. – Malika passou um olhar ameaçador para os irmãos e puxou um pouco a saia de tecido leve ao cruzar os degraus que davam para fora da residência.

Cruzou boa parte daquela cidade num ônibus quase vazio, e enquanto o fazia, a menina pensava sobre tantas coisas. O futuro a assustava em massa, o orgulho que pretendia dar aos pais era o mesmo que esperava ter visto nos olhos um do outro se estivessem juntos. Autoproclamava-se como um cabo condutor de incertezas, mas com um destino certo. Tendo descido do veículo, o pai a esperava próximo à uma pequena praça lotada de crianças a brincar.

– Olá, pai. – Malika abraçou Rajan, que depositou um beijo no topo da sua cabeça.

– Flor de Lotús. – Deixou os braços a envolver e protegeu a sua menina, como sempre o faria.

– Como está?

– Ficando velho? – Ele riu com a pergunta e mais ainda com a resposta que deu a filha.

– É uma possibilidade inevitável do ser humano, pai. Não se espante se os meus cabelos brancos vierem logo – Ao soltar do abraço, Lika ficou a encarar seu pai – E os preparativos para o casamento?

– Estão indo bem, mas diferentemente da sua mãe, Shanti é uma noiva que sobrevive de calmantes. Ela é muito nervosa sobre tudo.

Rajan segurou no braço da filha e indicou que deveria iniciar uma caminhada. Malika agarrou-se ao pai e ambos rumaram na direção do rio.

– Devemos pedir a Ganesh para que ela não desmaie também, certo? – A menina não conseguiu conter a risada que escapou pelos lábios ao lembrar do trágico momento no casamento dos pais, que virou uma das histórias mais contadas da família Dandekar.

– Se isto acontecer, começarei achando que o problema é com o noivo, Malika.

– Ela quer se casar com o senhor, e se isso tiver a ver com um problema, ela deve aceitar também, não acha? – A sabedoria de Malika deleitava os olhos do progenitor.

– És tão sábia em tuas palavras, às vezes creio que seja uma profeta enviada por uma divindade, Lika. – Rajan disse enquanto caminhavam pelo grande muro, o grande rio se encontrava abaixo.

– Acho que o vovô se incomoda um pouco com garotas sábias, ele não se conforma com o fato de eu não querer um casamento antes da faculdade. É engraçado.

– Eu deveria me preocupar com isso, mas os tempos nos quais vivemos me fazem refletir mais do que quando casei com vossa mãe. Se você quer isso, tem de pegar isso. – O pai tocou a ponta do nariz da filha com o dedo.

Alguns becos entre residências de pequeno porte ficavam à sua esquerda, alguns completamente desertos. Havia quem dissesse que não era o tipo bom de lugar para estar, no entanto, nunca acontecera nada a nenhum dos dois enquanto ali estavam. O fluxo ínfimo de pessoas no ambiente era notável. Ao cruzarem mais da metade do percurso, a moça olhou para trás e percebeu que a quantidade de pessoas havia diminuído ainda mais. Não deixou isto a incomodar e deitou a cabeça no braço do pai ao admirarem a bela paisagem do sol que se punha e alaranjava os céus, que não tardariam a abraçar o negro. Ouviram o primeiro barulho no momento em que passavam perto de uma das aberturas ente construções. Depois outro. Os tiros iniciaram suas rajadas e vinham de lugares que não sabiam.

– O que é isso? – Lika alarmou-se.

– Tiros, filha. – Rajan abraçou o corpo da menina e a guiou dificilmente até uns tonéis vazios de algo ali. Ouviram alguns gritos de pessoas.

Malika abaixou-se onde o pai indicara e ficaram juntos a ouvir os tiros que ecoavam pelo lugar. Pelo pequeno espaço entre os dois tonéis, Lika contemplou três figuras desfalecidas e com tiros pelo corpo à alguns metros de distância. Lágrimas lhe percorreram a face.

– Não vai acontecer nada com você, filha.

– A gente tem de sair daqui papai. Vão nos achar. – Na segunda olhada que a menina deu, viu os cinco homens que trajavam vestes típicas do seu povo, no entanto, diferenciando-se na forma de falar. Pronunciavam a mesma língua que ela entoara na canção na noite anterior.

Malika segurou firme na mão do pai e foi ela quem o puxou par ao beco, um dos tonéis balançou. Começaram a correr e o pai olhou para trás a tempo de ver um dos vultos os percebendo. Não sabiam quem eram e o que queriam, todavia, só desejavam correr. Lika virou primeiramente à esquerda e os tiros irrompiam de dentro daquele labirinto urbano. Rajan tentava ficar em proteção do corpo da filha e ao virarem numa direita próxima, os olhos de Malika se fecharam e fez uma prece silenciosa ao seu deus.

– Uma menina fugitiva, ela não deveria ter motivos para fugir. Ou teria? – Gritou um dos homens de maneira série, mesclando-se com uma ironia. Queriam eles algo dela? Do seu pai? Aquilo não era explicável.

Os pés já começavam a cansar e Malika e Rajan agarram fortes os braços um do outro, o medo de estar perdida dominou totalmente a garota. Iria fazer uma outra prece ao sentir que o corpo se revigorou e os sentidos se aguçaram mais. “Siga os raios poentes do sol nas paredes” – A voz lhe soou aos ouvidos. A língua não era sua, no entanto, ela conseguiu entender em meio ao tipo de voz que entoava algo como uma linguagem em Mandarin. Os olhos de Lee passaram a analisar as paredes e a forma com a qual os raios de sol se afastavam para se pôr em sua fatídica direção. O menino guiou o corpo se aproximando cada vez mais da saída que não sabia se encontraria. E a resposta veio no momento em que apenas um filete do raio de sol, surgiu no final do maior dos becos. O centro da cidade se materializou diante deles, da mesma forma como uma rajada forte de tiros atrás. Lee derrubou algumas grandes latas de lixo e espalhou seus resíduos a fim de retardar seus perseguidores. Teriam saído ilesos, caso a derradeira bala não houvesse raspado a perna do pai. Rajan gritou ao saírem do beco e caiu ao chão, porém, a grande quantidade de pessoas que correram ao cenário, fez por retardar os criminosos.

– Socorro! – Gritou Malika ao ver o pai se debatendo em dor. Logo o auxílio lhe veio, enquanto que a menina rasgava parte da saia para tentar estancar o sangue do ferimento dele. Sua primeira tentativa de primeiros – socorros.

(...)

Lee respirava sem manter o fôlego normal e Kim parou junto a ele. Os grandes arcos da praça central do condomínio se faziam por mostrar à frente deles. A namorada segurou a garrafa com água e estendeu na direção do rapaz:

– O que foi, Lee? Parece até que viu assombração. – A voz de Kim era tão assustada quanto a reação do rapaz ao se ver naquele beco desconhecido.

– Foi apenas um lapso, reflexo da noite mal dormida, da briga com a minha mãe. Aqueles dias quando nada pode piorar, e piora. – Lee segurou a garrafa e jogou um pouco do líquido incolor na boca.

Enquanto hidratava seu corpo, Lee sentiu algo vibrar dentro do casaco e não demorou para pegar o celular de dentro do mesmo. Ao ver o nome da mãe no visor pensou em não atender a ligação, mas levando em conta do clima ruim que já havia se instalado em sua casa após a descoberta de sua inscrição secreta na Universidade Tokio. Obviamente ele teria de recusar a proposta de Sun para estudar e elevar suas habilidades para que quando pronto, pudesse assumir os negócios que do avô haviam passado para sua progenitora. Queria especializar-se em criação de games, ou em algum tipo de produção gráfica, pois não queria estar rodeado aos cálculos, no entanto, na mente de Sun, ele deveria ocupar a mente e fazer a carreira num modo de vida que o proporcionasse uma melhor realidade futura.

A figura imponente da mãe o causara medo quando menor, mas conforme foi crescendo, enxergou que ela era uma pessoa de condições. Era alguém com a qual deveria aprender a conviver moldando seus anseios e tendo de aceitar a forma totalitária com a qual dirigia sua vida. Assim como o fazia no banco, Sun imitava o profissional na educação do filho. O começo do namoro com Kim foi apontado como distração e algo que tiraria Lee do seu foco, todavia, a mãe acostumou com a ideia e com as provas claras em notas escolares que o filho a deu após o início do relacionamento.

– Tem andado tão estranho ultimamente, acho que esses jogos vão corroer sua mente. Vai virar zumbi. – Kim passou a mão no rosto do namorado em cuidado.

– Não é para tanto, Kim – Lee se recompôs. Tendo encarado o rosto da amada, passou cuidadosamente os dedos por seus finos lábios – Eu vou para Tokio, não importa o que aconteça, e vou sentir sua falta mais do que os problemas que poderei aguentar.

– Logo darei um jeito de estar lá também. – Kim beijou os lábios de Lee. E o abraçou.

– Kim, já teve a sensação de estar num lugar que não está de fato, e ser outra pessoa que não era você? – Lee perguntou ao banhar-se nos delírios de sua mente.

– Na verdade, não. Isso é estranho. Você já?

– Não, não. – E mentiu, mesmo não conseguindo tirar as imagens daquele lugar cheio de becos nos quais correu e viu o homem ser baleado há poucos momentos.

(...)

Diante daquela atitude do filho, Riley resumia-se apenas a observa-lo em sua cara mais lavada possível. Não bastasse a cena a qual fora obrigada a assistir na última noite, ainda ter de viver para ver a ação seguinte de John era demais para a mãe.

– Ligou para o marginal do seu pai para contar e aumentar o que eu fiz? O que está pretendendo, John? Me colocar na cadeia? Eu vou te avisar, isso não vai acontecer, e no máximo o que pode ocorrer é você ir morar com ele, o que não me parece uma ideia ruim. – A mulher dizia ao olhar para o rapaz sentado no sofá.

– O que fez comigo foi sacanagem, mãe. – Disse o menino desgostoso.

– Sacanagem, John Blue? Sacanagem era o que você estava fazendo na minha casa, enquanto eu estava trabalhando, e achou pouco e trouxe aquele seu amigo tão marginal quanto você. – Riley apontou o dedo no rosto do filho.

– Todo mundo faz isso, mãe. E poderia ter me dado uma segunda chance, pessoas erram.

– Pois você está errando desde o dia em que precisei parar na escola porque agrediu um colega. O que você pensa da sua vida, John? Acabou o ensino médio, não tem uma universidade. O que acha que está fazendo? Acha que vai viver comigo a vida toda? Porque se valesse à pena eu estaria calada, mas eu estou cansada, literalmente, de você pisando na bola.

Desgostoso com a situação e com o que a mãe o fez passar, John terminou por ligar para o pai na esperança de que aquilo mudasse algo no ocorrido. Se bem que não adiantaria muito, levando em conta que Riley não escutava o homem, que em sua cabeça era o maior culpado na forma como o filho agia. Por conta da revolta um com o outro, certamente era um motivo para que o homem tentasse incriminar a mulher, e até coisa pior. Riley não se intimidava com tal tipo de coisa, e cogitava seriamente enviar John para que o seu maior provedor o aguentasse. Tocar pelo mundo lhe proporcionava um bom capital, no entanto, estar distante da sua casa não seria mais viável enquanto o rapaz estivesse ali sozinho.

O que não pôde fazer por Luna, tentou fazer por John. Todos os dias ela pensava em como seria a realidade da filha que outrora perdeu.

– Mãe, eu só conversei com o meu pai. Ele precisa saber da minha vida. – John disse ao se levantar do sofá e explicava.

– Seu pai está pouco se lixando para você – A mãe o jogou a verdade na cara, mesmo sabendo que seria ignorada – Se ele quisesse você por perto, estaria indo visita-lo na luxuosa casa dele em Cardiff. Quantas vezes você foi lá, John? Nenhuma! E vai continuar não indo, sabe por que? Seu pai não se preocupa. Eu me preocupo com você, eu sempre fui a única.

– Você sempre jogou a mim contra o meu pai e ele também, ele me falou.

– Seu pai é um mentiroso, me traiu com mais de duas, e eu acreditando nele. – Ao lembrar da bomba que explodiu sua relação, Riley ficou mais irritada.

– O meu pai se importa comigo.

– Ah é? Pois vai morar com ele. Pega as suas cosias, vai, John.

– Eu vou sim. Pode deixar. – O rapaz bateu na quina da parede e derrubou um quadro ao passar para o corredor na direção do seu quarto.

Ao abrir a porta do seu quarto, John percebeu que a janela estava aberta e o vento balançava as cortinas da mesma. O rapaz nunca deixava a janela aberta e aquilo o fez parar abruptamente. Olhou para o quarto e depois adentrou indo na direção da janela. Não havia vestígio algum de nada, o quarto estava do mesmo jeito. Lembrou-se do computador da mãe que estava a usar emprestado há alguns dias pela perda do seu, e foi justamente este objeto o único faltoso na composição original do lugar. Haviam levado o computador de Riley.


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Notas finais do capítulo

As flores dizem adeus. Tudo começou a mudar, nada mais será seguro. Espero que tenham gostado. Deixem seus reviews e até logo.



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