Visionária escrita por Jafs


Capítulo 1
Reencontro




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“A esperança é o pior dos males, pois prolonga os tormentos do homem.” Friedrich Nietzsche

 

A música intensa ecoava pelo ambiente, um anfiteatro em forma de domo, aonde os assentos vermelhos vazios chegavam até o teto.

Fortissimo. O maestro regia a orquestra de violinistas com consciência. A situação presente exigia tal performance.

No meio do anfiteatro se encontrava uma garota. De cabelos loiros curtos e olhos verdes. Usava uma armadura com saia completamente rosa. Em sua armadura peitoral, jazia uma gema de cor verde brilhante em forma de cruz. Aquilo a identificava como sendo uma garota mágica.

Suas duas mãos empunhavam uma longa espada, feita de pura luz branca. Ela fitou por um momento aquela orquestra, onde os músicos tinham forma humana, mas eram compostos unicamente por uma tinta azulada clara. Foi só por um momento, pois ela não podia tirar os olhos da dona daquele lugar.

“IIIIAAAAAHHHH!” Sayaka, com suas vestimentas de garota mágica e armada com dois sabres, pulou em direção à sua adversária.

A garota de armadura ergueu sua longa espada, posicionando de forma horizontal acima da linha cabeça, pronta para absorver o golpe.

Mesmo que a lâmina da sua oponente fosse de luz, Sayaka sentiu o impacto como se tivesse golpeado o mais duro metal. Ela sentiu o forte vibrar das lâminas em suas mãos. Ela acreditava que o golpe, aliado ao peso de todo seu corpo, poderia baixar a guarda da outra espadachim, mas no fim só havia restado o gosto amargo do engano.

A outra garota, sem demonstrar esforço, empurra Sayaka com a ajuda da sua espada e logo se preparava para dar uma estocada.

Desequilibrada, Sayaka arregalou os olhos ao concluir que jamais conseguiria defender aquele golpe. Então ela desviou para o lado, fazendo um giro com o corpo. A lâmina passou perto o suficiente para furar e rasgar a sua capa branca.

Não oferecendo trégua, a garota brandiu sua longa espada de luz, visando o corpo da Sayaka.

A garota mágica de cabelos azuis evitou ser cortada em duas partes fazendo um pequeno salto para trás.

Com um olhar determinado, garota de armadura se preparava para um novo ataque. Sua saia balançava enquanto avançava para desferi-lo.

O último ataque tinha deixado ela exposta, tenho que aproveitar a nova chance. Sayaka ajeitou a posição dos seus pés, com anseio em explorar um contra ataque. Assim que sua oponente começou a mover a espada, ela partiu para cima.

No entanto, a garota de armadura interrompeu o movimento.

Já era tarde quando Sayaka percebeu a intenção nos olhos verdes da outra garota. Ainda assim, ela procurou utilizar uma vantagem que ela tinha para atacar: ela tinha duas lâminas, sua oponente, somente uma.

A garota de armadura, como se já esperava por isso, liberou uma das mãos que segurava a espada e aparou uma das lâminas da Sayaka com a sua manopla.

Grande foi espanto da garota mágica de capa e espada quando viu sua outra lâmina sendo aparada pela a da sua oponente de forma elegante, mesmo que estivesse agora empunhando com apenas uma mão. Sayaka estava com os braços abertos e exposta. Em resposta, instintiva, ela desferiu um forte chute no abdômen da loira.

Com a força do impacto, garota de armadura foi jogada para trás, arrastando a sola da sua botina por vários metros. Contudo, ela não expressou surpresa e sim contentamento. Enquanto voltava a empunhar a espada com as duas mãos, ela disse. “Muito bem mademoiselle Sayaka. Notei também que está empunhando suas espadas com mais firmeza do que da última vez.”

“É que eu não pretendo perder desta vez, Tart-san.” Sayaka se cobriu com a sua capa e, ao se revelar, lançou inúmeras espadas contra a sua oponente.

Tart bloqueou uma parte com a sua espada. Para o resto, a sua armadura foi mais do que suficiente para resistir.

Sayaka deu um salto e, em pleno ar com os braços abertos, invocou pequenos portais circulares de cor azul fosforescente.

Tart se posicionava, aguardando para o que estava por vir.

Fechando os braços, apontando as espadas nas suas mãos em direção a Tart, Sayaka fez com que através dos portais surgisse uma torrente de lâminas.

Com aquele turbilhão de metal vindo ao seu encontro, Tart colocou a sua espada à frente e se concentrou. Sua lâmina de luz se desfez e ganhou uma nova forma: um imenso escudo, que era mais do que suficiente para cobrir ela por inteiro.

As espadas não resistiam ao entrar em contato com a luz e se estilhaçavam. Tart não expressava nenhum esforço para manter aquela defesa, mas ela não deixaria continuar assim. Usando os braços, ela empurrou o escudo contra a corrente. Ele avançou um pouco antes de parar, antes que Tart fizesse um gesto. Como se a luz do escudo fosse um fio, a garota mágica puxou de volta e começou a juntar na sua mão. Estava ganhando uma nova forma, de uma grande lança.

Sayaka arregalou os olhos. Aquela lança devia ter dez metros de comprimento e irradiava uma luz muito forte.

“AAAAHHHHH!” Com um grito que saiu do fundo de seus pulmões, Tart arremessou a lança contra o turbilhão. Ela desintegrava tudo que estava em sua trajetória, deixando apenas um rastro de luz para trás.

Sayaka, sem hesitar, saiu do caminho da destruição, voltando ao chão. Com um estrondo, a lança atingiu o domo do anfiteatro, criando um rombo com vários metros de raio.

Mesmo com parte do teto desabando, o maestro mantinha a performance. A música não podia parar.

Observando o estrago que causara, Tart levou a mão à boca. “Je suis navrée!” Percebendo o que acabara de pronunciar, ela se corrigiu. “Eu sinto muito! Sinto muito mesmo! Eu exagerei.”

“Ah... haha.” Com uma curta risada para esconder o espanto, Sayaka olhou para o buraco no teto. “Sem problema. Isso tem conserto.”

“Eu poderia ter acertado você.” Tart respondeu.

“Mas não acertou. Fique tranqüila.” Sayaka procurou acalmar a outra, lembrando-se que ela era uma garota estrangeira. Inúmeras garotas mágicas, de várias épocas e lugares diferentes, conviviam na Lei dos Ciclos. Contudo, graças a linguagem comum das bruxas, era quase possível esquecer desse detalhe.

Tart questionou ainda apreensiva. “Você ainda quer continuar?”

“Sim.” Sayaka cruzou seu dois sabres.

“Pois muito bem.” Tart, erguendo manopla em seu braço esquerdo, fez surgir uma nova espada de luz, que flutuava até ela empunhar com a mão direita. “Ficarei aguardando por sua próxima investida.”

Ela é muito forte e experiente. Sayaka semicerrou os olhos, uma aura azulada apareceu sob seus pés. Mas eu sou mais rápida. Deixando um rastro azulado no ar, Sayaka disparou em direção à Tart.

Agora segurando a espada com as duas mãos, Tart se preparava para o encontro das lâminas.

De repente, porém, quando chegou perto o bastante, Sayaka parou.

Por um breve momento, Tart ficou confusa com as intenções da outra, mas logo viu Sayaka aplicando uma estocada com seus sabres. Não querendo apostar que as lâminas não a alcançariam naquela distância, ela deu um passo para trás.

Era justamente isso que Sayaka estava esperando. Enquanto sua oponente fazia o movimento, ela partiu em direção a uma das laterais com a intenção de flanqueá-la.

Tart em resposta girou o corpo, carregando sua espada consigo.

Sayaka tinha consciência que jamais conseguiria aparar um golpe daqueles. Ao invés disso, ela inclinou o corpo para trás, deixando aquela afiada espada de luz passar a poucos centímetros.

Tart, vendo que errara o golpe, procurou brandir novamente a espada, agora na direção contrária.

No entanto, Sayaka impediu o movimento usando um de seus sabres e avançou. Faíscas saíam onde as duas lâminas se tocavam.

Ao notar Sayaka desferindo um golpe com o outro sabre, Tart recuou e deixou sua espada rente a face, na posição vertical para se defender. Sem tardar, logo após o impacto, ela empurrou com a espada.

“Guh!” Aquilo fora inesperado para Sayaka. Recebeu de forma rude a face daquela espada iluminada em seu rosto. Aquilo a fez fechar os olhos, um grave erro que ela sabia que precisava corrigir de imediato. Então viu que sua oponente, aproveitando aquele instante, havia erguido a espada para um golpe definitivo.

Antes que lâmina descesse, trazendo o seu fim consigo, Sayaka conseguiu dar um passo para o lado. Foi o suficiente para escapar ilesa por pouco, mas não se poderia dizer o mesmo para um de seus sabres: a espada de luz o quebrou, deixando apenas um pequeno toco de metal afiado próximo da base.

Tart pressionou a vantagem com um novo golpe, seu olhar não trazia nenhuma expressão de pena ou clemência.

Sayaka usou o outro sabre que ainda tinha para barrar o ataque, mas ele também não resistiu e acabou em vários pedaços. Então ela se abaixou e a espada passou rente ao seu cabelo azulado.

Era tudo ou nada.

Com uma cambalhota pelo chão, Sayaka se aproximou de uma Tart surpresa. Ela se levantou rapidamente, ficando face a face, e enfiou o que havia restado da base do seu sabre no espaço entre armadura peitoral e o braço, perfurando a grossa malha rosa e a carne embaixo dela.

A face de Tart tencionou, mas logo veio acompanhado de um leve sorriso. “Excelente. Você agiu como se suas espadas fossem parte de você e você como parte delas.” E depois ela segurou o braço que Sayaka havia usado para feri-la.

Sayaka tentou puxar o braço para escapar, mas em vão.

“Contudo...” Tart continuou. “...há uma diferença entre manejar uma lâmina e lutar.”

Sayaka ergueu o queixo ao sentir aquela lâmina de luz tocando o seu pescoço.

“Eu não diria que essa foi uma boa troca, mademoiselle Sayaka.”

“É... tenho que conceder novamente a você.” Sayaka removeu o sabre.

Tart liberou Sayaka e desfez sua espada de luz. Ao recuar, ergueu o braço olhou para a sua ferida. Um filete de sangue escorria sobre a armadura.

“Tudo bem?”

“É apenas um ferimento leve.” Disse Tart enquanto abaixava o braço. “Você evoluiu muito. Continua treinando arduamente, não?”

“Com certeza.” Os sabres da Sayaka evaporaram em uma nuvem de pequenas notas musicais brilhantes.

O maestro, vendo aquilo como um sinal, regeu a orquestra para uma melodia mais lenta e suave.

“Eu me lembro das nossas primeiras sessões.” Falou Tart, em tom de nostalgia. “Quando a Santa incumbiu você em acompanhá-la em sua sagrada missão.”

Sayaka sorriu, mas não antes de franzir a testa. “Ah sim... hehe... eu jamais esqueceria.”

“Vocês ficaram um bom tempo ausentes.” Tart continuou. “É lamentável que a garota que vocês iriam resgatar recusou a salvação.”

“Pois é.” Sayaka desviou o olhar.

“Felizmente vocês retornaram a salvo. Foi uma grande honra em estar tão próxima Dela e protegê-lA.”

Ouvindo a afirmação de Tart, Sayaka respondeu em um tom mais sério. “Não é verdade. Não mereço nada disso.” Olhou para as próprias mãos. “Eu sou uma pessoa horrível. Eu cometi muitas coisas ruins.”

“Se você se vê assim.” Tart pousou a mão sobre a sua gema da alma em forma de cruz. “Eu entendo porque a Santa confia em tu.”

Sayaka olhou de relance para Tart.

“Ao vir para este lugar, sob os cuidados Dela, o Senhor me iluminou com uma nova missão.” Tart olhou para cima, como se ali estivesse alguém para ser visto. “Assim como seu Filho curou os enfermos, eu devo guiar as bruxas para o caminho da luz.” Depois voltou a olhar para Sayaka. “Não é uma tarefa fácil, pois muitas se corromperam com o poder com o qual elas receberam e vivem em seus devaneios megalômanos ou deprimentes. Há muitas almas ainda perdidas aqui, mas você não é uma delas mademoiselle Sayaka.”

“Talvez.” Sayaka virou-se para Tart, com um leve sorriso. “Mas eu acredito que preciso me redimir. Eu deveria acompanhar você.”

“Eu ficaria lisonjeada, porém você já tem uma função importante.” Tart juntou as mãos, que estavam tensas. “Quando soube que a nossa Santa havia se ausentado novamente e, dessa vez, sozinha, a primeira idéia que me veio foi de vir para cá. Se alguém sabe algo sobre Ela, seria você.”

“E respondo novamente diante da sua preocupação.” Sayaka levantou levemente o queixo e respirou fundo. “Está tudo bem.”

“Mas Ela não deu detalhes?” Tart inquiriu.

“Eu somente sei que é uma missão importante...” Sayaka fez uma pausa e apertou os lábios antes de prosseguir. “Eu sei que não vai gostar do que vou pedir, mas eu preciso que a situação aqui continue calma.”

Tart contraiu as sobrancelhas, um movimento quase imperceptível. “Entendo. Eu devo evitar o pecado, mas vou procurar a melhor forma para que essa informação não aflija o espírito das garotas.”

“Faça isso.” Sayaka afirmou.

Tart ficou com uma postura mais relaxada. “Bem... então eu me despeço.”

“Obrigada pela luta. Eu ainda preciso melhorar muito.” Sayaka deu uma piscadela.

“Você já luta bem, mas continue a treinar, pois sempre existe um dia onde poderá precisar erguer sua arma.” Respondeu Tart.

Duas grandes portas de madeiras se abriram lentamente, emitindo um longo rangido.

Sayaka fez um gesto em direção a passagem que surgiu. “É só seguir reto e sairá daqui sem dificuldade.”

“Eu vou rezar pela nossa Santa.” Disse Tart. “E por você também. Aguardarei por notícias.”

“Se eu tiver algo de novidade, você será a primeira a saber.”

“Obrigada.” Tart seguiu até a saída. Logo que ela passou, as enormes portas de madeira se fecharam.

Sayaka, ainda no centro do anfiteatro, pensou alto. “Será que ela sempre vai chamar Madoka dessa forma?” Olhou para o alto, aonde estava o buraco no teto que Tart havia criado. Lá estavam alguns de seus lacaios, garotas de cabelos verdes compridos e de pele alaranjada. Seus uniformes traziam lembranças da escola. Já as lágrimas delas, enquanto trabalhavam no reparo do local, faziam emergir sentimentos que ela não gostaria de cultivar.

A música parou.

Sayaka virou-se para a orquestra. O maestro e seus violinistas aguardavam a ordem de sua mestra. As faces deles se contorciam, mudavam de forma, algumas vezes ganhavam as feições familiares de um garoto...

“sAiaM.”

O maestro inclinou-se, em sinal de obediência, e se desfez em uma poça de líquido viscoso azulado. O mesmo aconteceu com os outros músicos.

Então Sayaka se aproximou da estante para partituras, composta de madeira envernizada. Nela havia um pequeno compartimento por onde ela colocou a mão e retirou um objeto. Por um momento ela prendeu a respiração enquanto contemplava aquilo que cabia na palma da sua mão: a esfera negra, com adornos e um pino metálico, com um laço rosa amarrado em seu topo.

A semente de uma deusa caída.

/人 ‿‿ 人\

Sob um céu noturno nublado, o porto do canal de Mitakihara dependia dos seus poucos postes para a iluminação. Não que fosse necessário, pois não havia muito movimento, ainda menos na área onde estavam sendo construídos os novos e modernos terminais portuários.

“Aonde vocês se esconderam?”

Para Kyouko Sakura, essa não era o melhor lugar para caçar, mas seria o suficiente para a ocasião.

“Ahá!”

Após passar sobre um conjunto de contêineres, ela avistou um solitário demônio.

A figura que vestia um manto branco devia ter três metros de altura. Quando notou a presença da garota mágica, ele virou sua cabeça em um movimento errático, revelando sua face mascarada sob um véu de miasma.

Com a sua lança em riste, Kyouko avançou. “Aaahhh!!!” Porém, quando estava prestes a perfurar seu alvo, ele desapareceu em um piscar de olhos.

Como se alguém tivesse trocado o canal de uma televisão, o demônio reapareceu atrás da Kyouko em uma cortina de estática. Ele revelou sua mão branca por debaixo do manto, as pontas do dedo brilhavam.

Com sorriso, Kyouko nem se deu ao trabalho de olhar. Ela apenas apertou com mais força o bastão da sua lança, fazendo disparar a outra ponteira que ficava na base da mesma como um arpão, acompanhada por uma corrente. A única diferença que havia em relação à ponteira original é que o detalhe na base da lâmina estava pintado de amarelo.

Antes que o demônio pudesse apontar seus dedos em direção a Kyouko, a ponta da lança atravessou seu peito. O que se sucedeu era algo que garota já havia presenciado incontáveis vezes. A partir do ferimento, o demônio começou a rachar como se fosse feito de casca de ovo. Das rachaduras saía um líquido negro que se agarrava na superfície da criatura. O demônio escancarou a sua boca em completo silêncio e seu corpo se contorcia enquanto aquela camada viscosa negra tomava ele por completo. Por fim, ele perdia a sua forma humanóide, reduzindo de tamanho. Tudo começava a se aglutinar em um único e pequeno ponto, formando um cubo, que caiu e quicou pelo chão.

De repente, vários demônios surgiram envolta da garota de longos cabelos vermelhos.

“Heh.” Com um gesto com a lança, Kyouko trouxe a ponteira de volta ao bastão através da corrente. “Acham que me emboscaram com uma isca tão óbvia? Vocês gostam de sacrifícios, hein? Por que não vem se sacrificar comigo?”

Os demônios, alguns dos quais não chegavam a dois metros de altura enquanto outros passavam de cinco, revelaram as suas mãos.

Kyouko saltou em direção aos contêineres. Logo ela se tornou alvo de concentrados feixes de luz branca, que saíam da ponta dos dedos das criaturas.

Kyouko escapara, mas um dos contêineres não teve a mesma sorte. Os feixes derreteram e cortaram o metal como se fosse manteiga, oferecendo uma clara prévia do que aconteceria com uma vítima de carne e osso.

Usando a lateral de um dos contêineres, Kyouko apoiou o pé e deu um novo salto. Rodopiando no ar, ela pairou a mais de uma dezena de metros sobre aquele grupo de demônios. Durante o movimento, o bastão da sua lança se subdividiu em várias partes, conectadas com correntes. Uma das ponteiras, como se tivesse vida própria, serpenteou em volta da garota, envolvendo a garota em um campo de proteção composto pelas subdivisões do bastão.

Enquanto isso, a outra ponteira mergulhou em direção ao chão, abrindo uma cratera. Kyouko sorriu. O estrago que cometera teria criado um atraso na construção e muitas perguntas se ela não estivesse dentro de um grande miasma.

O miasma é a forma que os demônios encontraram para se esconder das suas vítimas. Apesar de que uma garota mágica naturalmente consiga enxergar através do uso da magia, alguém inexperiente facilmente se confundiria com uma neblina. Porém a verdade é que tudo estava desbotado, as cores davam lugar a tons mais pálidos, brancos.

Já uma garota experiente sabia que esse artifício dos demônios era bem útil...

A gema da alma de Kyouko brilhou com intensidade. Várias lanças brotaram do chão e empalaram os demônios que ali estavam, mas não todos. O ataque não fora rápido o suficiente.

Alguns demônios conseguiram se esquivar, teleportando próximo da garota mágica, flutuando em pleno ar.

Então Kyouko abriu os braços, o gesto fez com que o campo de correntes envolta dela se expandisse, chicoteando os demônios pelo caminho. Enquanto isso, a ponteira perseguia e eliminava um por um.

Até que ela foi bloqueada por uma grande mão.

Kyouko semicerrou o olhar. Quando se trata de demônios, tamanho é poder e aquele que restara era o maior do grupo. As palmas da mão emanavam uma forte luz, até que ele desapareceu.

Sentindo a presença da magia através da gema da alma, Kyouko descobriu que ele havia retornado para o solo. O demônio puxou seus braços para trás.

Kyouko fez com que as a subdivisões de seu bastão se reconectassem novamente, fazendo suas ponteiras retornarem e sua lança voltar para forma original.

O demônio deu um soco com as duas mãos abertas. Das suas palmas, ele disparou um grande raio. Senão fosse o miasma, talvez aquela coluna de luz pudesse ser vista em Tóquio.

O raio foi perdendo sua força e intensidade. Então o demônio notou que no meio daquela luz branca havia outra cor.

“AAAAHHHHH!!!” Kyouko desceu vertiginosamente com sua lança, onde da ponta emanava uma aura vermelha que tremulava como uma chama e protegia a garota da morte certa.

O demônio testemunhou a garota atravessando o seu raio. Quando ela chegou perto, ele parou com o ataque e se teleportou em uma distância suficiente para escapar da lança.

Esse fora seu último erro.

Quando Kyouko atingiu o solo, sua aura explodiu em uma onda que varreu a área. O demônio desintegrou-se instantaneamente.

Enquanto o novo cubo da aflição tocava o chão, Kyouko relaxou e passou a mão em sua gema. “Tch... Que mancada. Eu ter que usar tanta magia contra um traste desses.”

Então Kyouko ouviu um som contínuo, um mantra. Logo abaixo dela uma grande aura luminosa se formou.

“Merda.”

A garota mágica se jogou o mais rápido que pôde e rolou pelo chão. Uma erupção luminosa ocorreu aonde estava a aura. Ela se levantou e viu quem havia atacado.

Era um gigante, um demônio com mais de dez metros de altura. Ele flutuava em uma posição de lótus.

Kyouko ajeitou sua lança. “Hmmm... Você deve ser o responsável por todo esse miasma. Veio se juntar aos seus amigos?”

O demônio levantou uma das mãos, com a palma para cima. Sobre a palma surgiu uma esfera luminosa que começou a ganhar tamanho.

Kyouko suspirou. “Um suicida... Que saco.” Com um gesto, uma grande lança saiu debaixo da terra, arruinando de vez com o chão concretado. Então, com a lança em sua mão, ela deu uma estocada no ar. A grande lança, imitando, fez o mesmo em direção ao demônio.

O demônio estendeu a outra mão, gerando um campo de força luminoso a sua frente. A ponta da lança derreteu ao chegar perto. A esfera estava cada vez maior, parecia com um pequeno sol.

“Tch...” Kyouko sentia toda aquela energia acumulando. “Se ele continuar, esse lugar inteiro vai fritar.” Sua gema voltou a brilhar, consciente que dessa vez não tinha escolha a respeito de gastar sua magia.

Contudo, ela parou ao ouvir o som distante de estampidos. Como estrelas cadentes, uma saraiva de balas buscava seu alvo.

O demônio novamente fez um gesto com sua mão livre. O seu campo de força fez as balas explodirem sem que o ferisse, criando uma nuvem de fumaça. Ele então recolheu sua mão, que acabou sendo perfurada por uma azagaia.

Não era exatamente uma azagaia e sim um mosquete. Através da fumaça, inúmeros mosquetes com baionetas vieram e atingiram o demônio surpreendido. Eles então brilharam em uma luz amarela e se transformaram em laços, que amarraram e aplicaram uma constrição na criatura. O demônio, nessa situação, não conseguia manter sua mão estabilizada. A grande esfera de luz começou a oscilar...

“Ih! Ferrou.” Kyouko ergueu a lança e uma muralha feita de correntes vermelhas entrelaçadas se formou entre o demônio e ela. As correntes ‘queimavam’ em uma aura avermelhada.

Um flash luminoso que passou sobre o topo da muralha anunciava que a esfera tinha explodido. Kyouko testemunhou um dos guindastes do terminal derreter da base a ponta. Quando o pior já havia passado, ela desfez sua muralha. Aonde estava o demônio apenas havia restado uma larga porção de solo esturricado.

Ouvindo o som da sola de botas tocando o chão, Kyouko virou-se. “Nada mal, mas achei meio perigoso. Da próxima vez é melhor me avisar quando vai fazer isso.”

“Avisar?!” Mami Tomoe estava tensa. “Você vem me dizer sobre avisar quando decide me deixar para trás sem cerimônias?”

“Ah... relaxa. Você estava dando conta daqueles demônios lá de boa.” Kyouko deu sorrisinho de lado. “E vê? Eles nem tocaram em mim.”

Mami golpeou o chão com força, com a coronha de seu mosquete. “ELES SÓ PRECISAM ACERTAR UMA VEZ!”

“Eu sei! Eu sei!” Kyouko ergueu sua lança de duas pontas. “Só que eu tinha que testar esse novo brinquedinho e nada melhor que uma situação extrema, né?”

Mami estendeu uma mão e lança de Kyouko começou a emitir um brilho amarelado.

“Ei!” Kyouko exclamou.

A ponteira, pintado em amarelo, se desfez em um laço, que voou e foi absorvido pelo uniforme da Mami. “Essas melhorias...” A loira olhou para a baioneta em seu mosquete. “...são para que nossas caçadas sejam mais eficientes e seguras, não o contrário.”

O mundo envolta delas começou a ficar borrado, a paisagem oscilou até que as cores começaram a ganhar mais vida. Quando terminou não havia mais crateras, o solo não estava esturricado e os contêineres, assim como o guindaste, não estavam mais derretidos.

O miasma havia se dissipado.

Mami respirou fundo. “Entende? Isso é necessário diante da nossa atual situação.”

“Ok. Ok...” Kyouko acenou com a cabeça.

Olhando envolta, Mami continuou. “Vamos pegar os cubos antes que alguém possa aparecer.”

As duas procuraram e coletaram os cubos da aflição que estavam no chão. Mami colocou todos em uma pequena bolsa feita de laços que ficava amarrada em sua coxa direita, embaixo da saia.

“Quantos têm aí?” Kyouko indagou.

“Pela minha contagem, 42.”

“Heh.” Kyouko ficou mordiscando o lábio. “Cubos fresquinhos para nossa grande coleção.”

Mami balançou a cabeça negativamente. “Não diga isso Kyouko, sabe que isso não é bom.”

Kyouko colocou a lança deitada atrás dela, na altura na nuca e alongou as costas. “Hmmm... Faz quanto tempo, hein? Já fez um mês?”

“Ainda não, faltam dois dias.” Mami respondeu.

“Então vai fazer nesse domingo? Devíamos comemorar.”

“Não.” Mami proferiu secamente. “Não há nada a comemorar. O que vamos fazer nesse fim de semana serão duas faxinas.”

Kyouko notou o intenso olhar que Mami dirigia a ela. ”Ei... pode deixar, não vou fugir não.”

Mami suspirou, relaxando sua postura. “Desculpe... eu... é que eu estou preocupada.”

“É...” Kyouko concordou. “...por mais que eu odeie aquele safado, tenho que...” Então ela subitamente parou e colocou a mão sobre a sua gema.

“Sentiu isso também?” Mami segurou seu mosquete com firmeza redobrada.

“Sim, a magia. São pelo menos três.” Kyouko virou-se para onde originava aquela sensação. “Mas não tem mais miasma, né?”

“Uhum.” Mami confirmou, já sabendo o que significava aquilo.

Atravessando a fronteira entre o breu da noite e a iluminação dos postes, uma garota mágica surgiu com o seu opulento vestido branco com detalhes azulados. Sobre seu cabelo cor palha ela usava uma mitra. “Boa noite Mami Tomoe-san,...” Os olhos verde oliva da garota se direcionaram para Kyouko. “...Sakura-san.”

“Hum? Sabe nossos nomes?” Disse Mami, surpresa.

Diferente da sua colega, a expressão da Kyouko era bem mais hostil. “Oriko...”

Mami ficou curiosa. “V-Você a conhece?”

Caindo e pousando logo ao lado da Oriko, outra garota mágica se revelou. Ela tinha cabelo castanho-escuro curto e usava um tapa-olho no lado direito. O olho exposto revelava uma íris que mais parecia uma brasa viva. Seu uniforme, ao contrário da sua companheira, era mais curto e justo, sendo composto por uma jaqueta preta sobre uma camisa branca com uma gravata vermelha. Suas mangas compridas terminavam em longos babados brancos, que cobriam suas mãos quase que por completo. A jaqueta tinha uma cauda e dois longos cintos soltos que saíam das costas, na altura da cintura. Combinando com o visual, usava botas pretas com uma meia calça branca, que chegava na altura da coxa. Era possível ver partes do que seria uma micro saia preta por debaixo da camisa.

A garota ficou olhando para Kyouko. “Oieee, cabeça quente.”

“Ah merdaaaa...” Kyouko apontou a lança. [Lascou, Mami. Lascou!]

Mami deu um pequeno pulo de susto com a súbita mensagem telepática. [O que significa isso?]

Antes que Kyouko formulasse uma resposta, a terceira garota se revelou. Na verdade uma menina, que veio correndo e parou na frente da Mami. Ela tinha um cabelo verde volumoso, que chegava na altura do ombro. Usava uma touca branca com orelhas de gato falsas. Sua indumentária era um tanto espalhafatosa, cheio de babados, inclusive em seu calçado e luvas. As cores predominantes eram branco e verde, com adornos dourados, em especial um de formato esférico que ficava junto a um laço amarrado ao seu pescoço. Outro laço, grande e verde, formava um nó borboleta nas costas.

Mami deu um passo para trás.

“Ué?! Quem é essa fedelha?” Falou Kyouko, confusa.

Oriko franziu a testa “Yuma?”

Os olhos azuis da menina brilhavam e ela abriu um largo sorrio. “Aiiiin! Estou tão feliz de poder vê-la tão de perto. A grande heroína de Mitakihara!”

“Grande heroína?” Mami ficou perplexa.

“Eu sou Yuma Chitose, aspirante a garota mágica e guardiã de Kazamino!” Yuma fez uma pose. “Posso chamá-la de senpai, siiiimmm?”

“É... ummm...” Mami abriu a boca, mas as palavras não saíam.

“Acalme-se Yuma!” Oriko repreendeu. “Você terá tempo para conversar com ela.”

“Ah...” Yuma esmoreceu. “Desculpa mama.”

“Mama?” Kyouko estranhou.

Com as atenções voltadas para ela, Oriko continuou. “Primeiramente quero dizer que viemos aqui com nenhuma intenção hostil em mente. Eu me chamo Oriko Mikuni.”

“Mikuni...” Mami balbuciou.

“A pessoa ao meu lado é Kirika Kure e... bem...” Oriko sorriu. “...a minha querida Yuma já se apresentou. Estamos aqui, pois nós temos um problema em comum e eu tenho algo para compartilhar que é de extrema urgência e interesse para vocês.”

“Hã?” Kyouko recolheu sua lança. “Um problema em comum?”

Mami questionou. “Você está se referindo...”

“Sim.” A expressão de Oriko ficou mais séria, como se uma sombra estivesse caindo sobre suas feições.

“Kyuubey.”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Novos amigos, velhos inimigos



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