Johnny tinha uma arma. escrita por Fehliz
Notas iniciais do capítulo
Mais pressão psicológica. E não, não estou descartando personagens.
Segunda-feira, 8:46
– O que você está fazendo? – disse a menina na cadeira da frente com um tom de mãe cansada que acabou de pegar o filho com a mão na massa.
Johnny, que antes tentava, estupidamente, limpar as unhas com o cano da arma, procurou-a com o olhar e quando achou deu um sorriso e abriu os braços:
– Ana! Finalmente você disse algo! – disse animadamente com uma expressão aparentemente genuína de vivacidade – Estava aguardando a sua reação.
A face da garota endureceu com a visão, nada daquilo tinha graça, pensou. Qual era o objetivo? O que Johnny queria com toda aquela armação? A única resposta plausível seria quebrar algum recorde relacionado ao número de estupidezes realizadas por um único ser humano. É, isso encaixava assustadoramente bem com a personalidade e histórico de Johnny.
Ela nunca entendeu essa necessidade que os meninos nem geral têm de chamar a atenção por coisas imbecis e pouco produtivas. Não era daquele dia que se via presa numa situação ridícula provocada por um adolescente sedento por olhares em sua direção. Todavia, entendia a necessidade de chamar a atenção.
Desde pequena se esforçava para ser reconhecida pelos professores e pelos alunos. Lia grossos livros, assistia todo o tipo de documentário e sempre procurava aumentar o número de assuntos abordáveis numa conversação. Sentia prazer em deixar os outros sem palavras, e esse era o tipo de atenção que mais prezava. Pra ela não bastava o reconhecimento, ela queria a unanimidade.
Johnny sabia disso e sabia o que teria que fazer com isso.
– Você não respondeu a minha pergunta – disse Ana, seca.
O rapaz a sua frente riu largamente e deu alguns passos em sua direção, sentando-se em sua cadeira.
Ele achava engraçado como a menina tinha um comportamento fora do padrão, ou melhor, ligeiramente fora do padrão. De alguma forma, aquilo era esperado para ele, considerando toda a pose de menina culta e esnobe, sua habilidade de ignorar o perigo era admirável, tolamente admirável. Ela tinha uma grande tendência a levar as coisas muito a sério, mas Johnny era a sua exceção.
– Você realmente não sabe como se divertir, não é? – disse ele colocando uma das mechas dos cabelos escuros da garota atrás de sua orelha.
Ela retirou a mão dele de suas proximidades com nojo e ele saiu de cima da carteira rindo com gosto.
– Não acho que balançar uma arma por aí seja uma brincadeira saudável. – ela espanou a carteira com a mão de maneira esnobe. Não tinha medo de um rapaz incapaz de usar a razão, pensou consigo mesma. – Não acho que seja uma brincadeira, na verdade.
–Sério? – o menino pareceu desapontado. Caminhou em direção ao quadro, ainda sujo com a aula dada por Miguel. Ele parou em frente a ele e subitamente virou-se e, antes que qualquer um pudesse raciocinar, tinha o revólver fortemente pressionado a bochecha de Ana. – Eu também acho que isso não é uma brincadeira.
A menina engoliu em seco e segurou qualquer lágrima que pudesse sair de seus olhos assustados. O rapaz sorria desafiadoramente e ela sentia-se humilhada. Sabia que ele a estava testando. Ele queria saber se seu medo era maior que sua língua.
Tinha uma arma para lembrar-se do perigo, mas aquele ainda era Johnny. Ele não atiraria, pensou ela. O maior dano que poderia fazer seria a sua autoestima e a sua reputação. Ele queria a fazer leva-lo a sério, e assim que conseguisse mostrar que tudo não passava de uma pegadinha. Ele não atiraria. Havia gasto muitos anos de sua vida cultivando o conhecimento para se acovardar diante de um perigo encenado, um blefe, ela repetia mentalmente como um mantra.
O que ela não percebera é que obviamente não cultivara a sabedoria.
A caneta é mais forte que a espada, pensou ela. Pensamento ironicamente tolo para uma pessoa que tinha um revólver literalmente sob o alcance de seus olhos. Ele não atiraria. Aposto que nem sabe usar esse negócio, pensou.
– Ana! – gritou um rapaz a algumas carteiras de distância, visivelmente desconcertado. Ele ofegava em pé, apoiando-se fortemente a carteira. Gotas de suor molhavam a testa achocolatada do rapaz chamado Leonardo.
Que reação atrasada fora essa? Ela pensou enquanto olhou para ele assustada. Ele, estático, tinha o olhar em sua direção, mas não era ela o alvo. Foi apenas quando viu o sorriso sádico e os olhos vazios de Johnny que percebeu que havia dito a última frase em voz alta. Lágrimas correram por sua face molhando a magnum 44. Ela temia a morte afinal e talvez não fosse mais capaz de encarar o perigo com aqueles olhos destemidos.
Johnny recolheu a arma com desgosto fingido. Ele sabia o que aquilo significava e tentou ignorar o sofrimento de Ana. Sofrimento esse causado pela percepção, da forma mais cruel, de sua própria mortalidade.
– Talvez sim, talvez não. – disse sem sentimentos – Não vou te dar o prazer de descobrir isso agora. – Virou as costas para a menina que chorava copiosamente enquanto o menino de pele morena correu ao seu encontro. Ele fingiu não reparar e permitiu que Leonardo a confortasse.
Ele olhou o relógio e suspirou. Era sempre assim, era sempre ele o mais afetado.
– É realmente uma pena – disse para ninguém, e os alunos olharam-no confusos e apreensivos. Johnny olhou Ana compreensivamente e ela podia jurar que lágrimas brotavam no canto de seus olhos – É uma pena que essa lição de humildade não possa ser útil a você futuramente.
Demorou alguns segundos até que ela percebesse o que ele quis dizer com isso.
– Já que a partir daqui não existe futuro.
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Espero que gostem *-*