Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 12
XII - Assepsias




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AGONIAVA, se debatendo! Não enxergava nada, vozes ao seu redor, talvez seu próprio cheiro a repulsasse, confusão mental... Rubem, Sergio e o doutor Plácido a observavam, afastados. Medo e pena.

                Sergio queria ajudar, mas o veterinário, experiente em reações de animais em tratamento, entendeu além; ora, ela era humana, mas fora do comum! Enorme como era, poderia machucar o garoto com um golpe! Ainda mais naquele estado. Disse aos rapazes:

                - Não quero vocês perto, ouviram? – E para Sergio – Desculpe, mas preciso acalma-la para socorrer. Não posso esperar que relaxe! Terei que conte-la de algum modo.

                - De que jeito, tio? Ela deve ser muito forte. – Disse o menino.

                - Um animal quando ferido fica acuado, defensivo, certo? Nestas situações, eu geralmente aplico anestésico. Apliquei adrenalina direta no peito agora. Os dois não são concomitantes, mas não podemos ficar aqui assistindo-a sofrer!  - Disse o médico, procurando em sua valise algum medicamento que servisse. Os rosnados da garota os assustavam... Mas ela se acomodava no carrinho de jardinagem. Plácido percebeu então a asa com a tipoia:

                - Pelo amor de Deus... – Chocado, o veterinário meneou a cabeça. O curativo era desastroso!

                Rubem acanhou:

                - Desculpe tio. Não tinha outra coisa que servisse.... Está feio mesmo.

                - Está sim. Mas você tentou. – Consolou o médico – Agora, desse jeito não pode ficar mais; é um quadro avançando para infecção. Vou ter que dar um jeito aqui...

                Na verdade, o pobre veterinário nem sabia por onde começar!  Limpou mãos e braços com álcool puro, não havia muito que esterilizar ali, naquela circunstância. Observou a moça: altura maior que dois metros. Devia pesar mais de noventa quilos...?  Pele grossa, mas muito arranhada, o sangue ressecado e a sujeira atrapalhavam a visão do real estado. Felizmente, parecia que os cortes eram superficiais. Mas a ferida na asa escorria sangue, ainda. E numa tipoia de lona velha com um graveto...!

                - Bem, pior é na guerra... – Resmungou, calçando luvas de látex. Conferiu o interno das narinas.

                - Estavam sujos de sangue. Eu limpei.... Fiz mal? – Perguntou Rubem.

                Em silêncio, para não assustar a moça, o médico disse não e sinalizou um “ok” para o rapaz. A ideia do veterinário era tentar narcotizar a “paciente” com clorofórmio. Isso talvez não a dopasse totalmente, mas daria tempo de aplicar ao menos um anestésico mais forte, injetando numa veia. Aliás, ela tinha veias na dobra dos braços?

                Tinha, mas sua pele era resistente, grossa como couro de boi. Um problema atrás do outro, a mente do veterinário buscava soluções, ele não parava de pensar. Mas era tudo confuso demais ali.

Devagar, Sergio se aproximou dela e foi tentando acalma-la mais uma vez:

                - Tudo bem.... Tudo bem. Vai passar. – Olhou para o veterinário, que o encarava, com o clorofórmio já em compressa nas mãos. Tentaria fazê-la aspirar aos poucos até desacordar. Em silêncio, da sala, Olivia os observava. Se aquela giganta reagisse, o que faria?

                Mas ao mesmo tempo, todos tinham tanta pena; a jovem soluçava, chorando seco, baixinho. Não falava, só gemia. Ela estava com medo. Devia doer muito. E do que mais ela já havia passado?

                Plácido encarou a esposa. Olivia aproximou-se devagar, limpou e enluvou mãos. Aprontou uma seringa de anestésico. O veterinário aproximou a compressa à face da garota. Ela inspirou por boca, nariz...

                .... Apagou aos poucos. Injetaram-lhe a anestesia. Partiriam à assepsia dos ferimentos.

                                              ***

No primeiro andar da casa, Ricky escutava a movimentação vinda da garagem. Terminara o banho e já descia, quando encontrou os bichinhos de estimação, acuados e escondidos embaixo de um aparador perto da escada. Quis brincar, mas tia Oli talvez reclamasse, pois ele já havia limpado os ferimentos para que ela pudesse medica-lo. Aproximou-se lentamente, chamou:

— Ei, fofinhos. Que foi? Não tenham medo, não.... Venham aqui.

E Eartha, a gatinha, foi se chegando, enroscando em suas pernas. Corto ainda ficou quietinho, só olhando.

— Fiquem aqui, tá? A mãe de vocês sobe já, já. Não desçam! – Deu ordem como a duas crianças. E os bichinhos obedeceram, vendo-o descer a escada. O garoto espantou-se com a cena na sala: os médicos e seus amigos haviam removido a jovem e a deitado no chão, sobre lençóis. Ali, tiveram noção de como ela era grande! Suas asas estavam estendidas abertas e ela de barriga para cima. A longa cabeleira havia sido enrolada por baixo de sua cabeça, como um apoio. Sofás e móveis afastados para dar espaço. Vendo-o descer, Plácido brincou, apreensivo:

— Olá, reforço! Hora do trabalho pesado... – E trocando para novas luvas, foi até o lavabo lavar-se. Nova higiene. Novas luvas. Olivia indagou:

— Então, vamos ver esses arranhões, mocinho? Lavou-se direito?

— Acho eu. – Disse o rapaz, mostrando à pediatra o braço machucado. Ela examinou a pele, avermelhada e irritando. Com o antebraço, checa a testa dele, se tem febre; esquentando. – Bom, hora de medicar na pele e você tomar antitérmico. Se a febre teimar, partimos para o antibiótico.

— Tia, posso ajudar aqui? – Perguntou Ricky.

— Só com alguma coisa que não seja carregar peso.... Os cortes não devem ser forçados. Precisam curar sem correr risco de abrir mais, você arranhou em espinho de mato. – Disse a médica, aplicando algodão com anti-inflamatório. Se ardeu? Pense na careta que você faria, leitor. E olhe que Ricky nem reclamou tanto, mesmo sendo frouxo para dor assumido. O que o impressionava era a jovem, desacordada no chão da sala.

— Como que ela dormiu? – Perguntou.

— Tio Plácido aplicou sedativo nela, não teve jeito. Estava ficando brava! – Explicou Sergio. Agora, até ele não queria chegar muito perto. A menina parecia dormir, mas não tinham certeza de seu sono. Mas o semblante dela parecia mais sereno ali; como se tivesse finalmente relaxado.

Plácido retornava, calçava novas luvas, assim como Olivia. Como limpar aquela pele diferente, tão cheia de arranhões? Para a primeira remoção das impurezas, os médicos, Sergio e Rubem foram tentando devagar. Ricky preparava os chumaços de algodão, primeiro umedecidos com água mesmo (àquela altura, nem dava para pensar em algo mais adequado. Temiam que usar álcool puro a despertasse) e depois outros chumaços, com soro fisiológico. Tudo em silêncio, uns atentos aos outros, cochichavam se precisassem falar. Tudo para não agitar a jovem, não sabiam quanto tempo o sedativo faria efeito.

Uma nova surpresa: alguns arranhões já pareciam quase cicatrizados! Por baixo da sujeira, a pele antes ferida já estava fechada e fina, renovando. Era sensível, mas ela não era albina...? Albinos têm a pele e cabelo totalmente vulneráveis. Não têm qualquer defesa contra sol, por exemplo. A pele é naturalmente fina e delicada. Como aqueles cortes estavam fechando tão rápido?

Olivia, vendo o ferimento na asa, retirou a tipoia e conferiu; o sangue parara de escorrer! Aproveitou e higienizou o ferimento. Lentamente, fez nova redução e tala. O maior cuidado do mundo...! E outra curiosidade: o ossinho da falange, partido, estava sem sinal de exposição nervosa, seco e liso! Bastou juntar na posição correta e curativar.... Como aquela recuperação acontecia daquele jeito, se ela teve uma parada cardiorrespiratória?

Tentou medir a temperatura da jovem. Se o termômetro podia ser considerado, ela estava com trinta e sete.... Quase normal? Ricky tinha só os cortes no braço e estava mais febril que ela?

Descobriram, limpando a pele, que seus pés e mãos não tinham unhas. Os dedos eram lisos. Ela não tinha impressão digital. E embora tivesse poros e suasse, não tinha pelos no corpo. Em suas virilhas, dois pequenos queloides.... Os rapazes não entenderam o que seriam, mas os médicos pensaram. Aquelas marcas eram de que?

A jovem permanecia dormindo. Sergio, sem que os outros o notassem, procurou os olhares deles.

Todos pensativos. Ele também. E sua intuição agindo de novo.

O que era aquela criatura, afinal?


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