Lucila escrita por Nucha Rangel Braga


Capítulo 10
X - "Tenham todos uma boa noite."


Notas iniciais do capítulo

Olá, não sei se alguém tem lido os capítulos, ficarei grata se comentarem. Gosto de opiniões! Bom, neste capítulo, alguns trechos mencionam procedimentos médicos de urgência, como RCP. Sobre estes e sobre procedimento de urgência veterinário, ainda não estou certa sobre se o que está escrito é correto; portanto, está em pesquisa e pode vir a ser editado, ok?
Grata a todos.



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OLHAVAM ao redor, para ter certeza de que nenhum vizinho teria notado a agitação na rua. Mas as casas, felizmente, eram um tanto afastadas e como quase nenhuma delas tivesse muros, era comum os moradores permanecerem dentro de casa. Se ouviram alguma coisa, nem arriscaram.

Plácido teve o cuidado de apagar a luz da garagem e da varanda. Haviam cortinas no espaço das duas, que formavam um “L” na casa, fechou todas. Ricky estacionou o carrinho ao lado do fusquinha de Plácido; mesmo a garagem sendo espaçosa, seria complicado retirar a jovem e leva-la.... Para onde, ali dentro da casa? Na sala? Como, se ela não tinha força para andar...?

— Precisamos removê-la. – Disse Olivia - Não pode ser nessa lona imunda. Ela já está suja, os ferimentos irão piorar se a usarmos.

— É que.... Nós usamos essa lona da nossa garagem. – Disse Sergio, acanhado – Na hora, não achamos nada maior.

— É. Arrastamos a menina devagar para cima da lona e suspendemos no carrinho. – Completou Ruben.

— Não sei se parabenizo pelo escotismo ou castigo os três...! Mas vocês não são médicos, não tinham como fazer melhor... – Ralhou Olivia. – Andem; vamos tirar a moça daqui. Sergio, você consegue falar com ela, diga para ficar calma e não reagir. Rubem, me ajude aqui a levanta-la.

— Tia Oli, preciso avisar; ela é muito pesada.

— Ei, menina. – Disse Sergio para a jovem – Não se mexe, tá bem? A gente já vai tirar você daqui. Deixe a gente te levantar, tá? Fique bem quietinha.

Ela agoniava, tentava se mover, mas sentia os objetos dentro do carrinho e sem conseguir abrir os olhos, se encolhia. Rubem e Olivia tentaram entrar um de cada lado, mas o carrinho, muito apertado, cheio dos objetos de jardinagem, a lona avolumando, tudo atrapalhava. Finalmente, Olivia agachada atrás da cabeça da jovem e Rubem agachado de frente para ela.

— Preciso sentir as costelas, antes de a levantarmos. Eu sei que vocês a fizeram se sentar para carrega-la, mas ela está fraca e temo que entre em choque.

— Oli, pegue isso. – Disse Plácido, entregando à esposa um estetoscópio. A médica, tentando manter a calma, observa sinais fisiológicos. Sudorese, não. Pele fria, sim. Respiração ofegante, muito baixa e diminuindo. A jovem sendo muito alta, talvez estivesse com volume sanguíneo drasticamente reduzido... E sem um aparelho de Raio X, não havia como conferir se havia fraturas internas. Os ferimentos não eram graves na pele, mas sujos, eram risco de infecção. A jovem se movia sem estanques, o que talvez indicasse os ossos inteiros. Interroga os meninos:

— Onde a acharam?

Eles se entreolham...

— Onde a acharam? – Insiste Plácido.

— No matagal atrás de casa. – Responde Ricky. – Sentimos um cheiro muito forte ontem, que atiçou os cachorros. Fomos até lá e a achamos caída nos espinheiros.

— A posição dela? – Pergunta Olivia, e ordena a Sergio: - Fique perto dela. Vou tentar auscultar o coração.

— Deitada, barriga para cima. A asa virada embaixo das costas. – Respondeu Rubem.

— Falem tudo o que lembram. Plácido, precisamos imobilizar o pescoço de algum jeito! O coração está muito fraco, ela não pode ficar aqui dentro.

— Vocês dois, venham comigo! – Ordenou o médico a Ricky e Ruben. – Preciso de lençóis, água e outras coisas para tira-la daí, vamos tipoiar o pescoço.

Entraram na casa com ele.

A moça, sentindo a agitação em torno, abre a boca, puxando ar. Tenta se mover, mas Sergio a contém:

— Oi. Tudo bem. Tudo bem. É ajuda, só ajuda.

— Pulso espaçando... Temperatura baixa.... Acalme a menina, eu tenho que examina-la. Sim; viu se haviam fezes ou urina perto dela?

— Não. Quer dizer, não tinha nada, só sangue.

— Débito urinário.... Não puxa ar pelo nariz. Sinais de choque. – Olivia ouvia Sergio, pensava alto e olhava em volta, procurando alguma coisa para imobilizar a moça. Mas numa garagem? Pensou. Lembrou de quando estagiou na rede pública, como socorrista. Ia em ambulâncias e resgatava feridos em acidentes e coisas do tipo. Nem sempre havia o equipamento ideal e era necessário improvisar. Havia uma escada de alumínio num canto da garagem.

— Me dê um instante. – Disse a Sergio e pulou do carrinho. Pegou a escadinha e a forçou nas junções, arrancando parafusos, soltando duas hastes. Mesmo assim, eram longas demais e não dava tempo de tentar serrar. Sergio entendeu:

— Passe uma delas.

Forte para a idade, ele forçou um pouquinho a haste; envergou. Em cima dum tecido ali perto, pôs a haste sob os joelhos e fez peso. Agora sim, amassada e dobrada. Chegavam Plácido e os dois meninos, trazendo lençóis brancos, uma bacia com água, a mala de primeiros socorros, as valises dos médicos. Plácido deixou um desfibrilador ligado, numa extensão. Arriscado, mas não dava para pensar em ambulância. Livrando-se do roupão, Olivia passou álcool nos braços e mãos, ordenando:

— Sem tempo; Plácido, me ajude com ela, batimentos fracos! Meninos, tirem essas camisas sujas, passem álcool nas mãos e rasguem um lençol desses em tiras! Continuem me dizendo tudo o que houve!

Auscultou novamente a moça, o coração mais lento! No peito, a jovem não tinha arranhões; e que tivesse! Olivia começou a massagem cardíaca, mas o corpo da moça parecia mais rijo que o comum, os músculos mal cediam! Os meninos só olhavam, assustados, rasgando o lençol. Nem conseguiam falar.

— Olivia; peso dela...? – Perguntou Plácido, procurando nas valises.

— Menos de oitenta não tem! Ela é muito grande! – E ainda massageando – Por que?

— Injetar adrenalina. – E calçando luvas, tratou de adequar uma seringa.

— Agulha? – Perguntou a médica.

— Dois milímetros?

— Não, pele grossa e não vimos a veia, ainda! – Auscultou novamente. Nada! Largou o estetoscópio e continuou a massagem, sem adiantar. Juntou as mãos e esmurrou o peito da menina, tentando impactar o coração e a jovem deu só um leve puxo de ar pela boca, urrou fraco! Olivia deu outro murro, mais outro! Somente uivos baixos...! Sergio largou o lençol e correu de volta para eles:

— O quê que eu faço?! – Perguntou o garoto.

— Traga algumas daquelas tiras! E me ajude aqui, vou aplicar a dosagem! – Ordenou o veterinário. Que na verdade, estava com tanto medo como sua esposa. Medo de ser atacado, afinal uma moça com asas?! Medo de agir errado como médico. Não era um animal, era uma pessoa. Diferente demais, mas era gente! Pensou no parto que realizara aquela tarde: ora, a elefanta tinha cinco toneladas e para o processo normal, injetou com agulha de doze milímetros... Anestesia. Mas adrenalina é imediato e pode taquicardiar o paciente. Mudou de ideia:

— Oli, desfibrilador!

A médica pulou do carrinho e levou o equipamento para o marido. Lembrou-lhe:

— Os ferimentos dela, amor...!

— Eu sei. Mas tem que tentar! – Disse ele, ajustando as pás do equipamento no tórax da jovem. Sergio ia subir no carrinho, mas Ricky o impediu:

— Não, cara! Não pode ficar perto!

— Dispare, Oli! – Ordenou Plácido.

A médica acionou o desfibrilador, o choque ergueu a moça! Nada. Mais dois minutos de reanimação cardiopulmonar sem reação.

— De novo! – Ordenou Plácido.

Outro choque! A garota arqueia, cai pesada no carrinho!

Novo disparo e reanimação. Outra vez! Era demais, o veterinário gritou:

— Adrenalina!!

A seringa de dez milímetros, impossível para um humano, entrou com força no peito da menina; Plácido apontou no peito e a empurrou como uma faca, quase caindo sobre a moça, mas a agulha alcançou o coração... E o médico, exausto, caiu sentado ao lado dela. Tentaram tudo... E a jovem rugiu. Respirou! Puxou ar pelas narinas e boca, fortemente! O peito finalmente erguia, ela começou a chorar baixinho.

Estava viva!

Na sala, a tevê esquecida ligada.

O âncora do telejornal: “Tenham todos uma boa noite.”.

O telefone tocando. Passando das onze horas.


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