Brazilian Batman escrita por Goldfield


Capítulo 5
Capítulos 8 e 9




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Capítulo 8

Aliança e fatalidade.

Alfredo abriu as cortinas do quarto, e os intensos raios de sol penetraram no aposento. Incomodado, Bruno abriu os olhos, rolou umas duas vezes pela cama e por fim fitou o relógio em cima da mesinha num dos lados, sentando-se irritado em meio aos travesseiros enquanto indagava ao mordomo:

– Não sabe que fiquei perseguindo criminosos madrugada afora e só deitei para dormir pouco antes de nascer o dia?

– Tenho plena consciência disso, senhor – replicou o dedicado empregado, tirando o pó do cômodo com um espanador.

– Então por que diabos me acordou às nove da manhã?

– Um justiceiro precisa abrir mão de seu próprio repouso se quiser estar preparado para qualquer tipo de urgência, patrão Bruno. E além do mais, o senhor tem visita.

– Visita? – estranhou o milionário, levantando-se sonolento da cama.

– Sim. Troque de roupa e desça, ela o está aguardando na sala de estar.

Resmungando, o órfão caminhou até o guarda-roupa com o intuito de vestir-se, e Alfredo prosseguiu com sua tarefa de todos os dias.

Usando trajes apropriados, Vale desceu a escadaria do saguão após ter lavado apressadamente o rosto no banheiro. Seus passos ainda eram preguiçosos quando ele entrou na sala de estar feito alguém que não pregava o olho há semanas. Todavia, a imagem que viu ao voltar-se para uma das poltronas fez com ele imediatamente despertasse: uma estonteante morena, lindas pernas cruzadas à mostra, estava acomodada no móvel, sem ter notado ainda a presença do empresário por estar distraída mexendo na câmera fotográfica em seu colo.

– Hã... Bom dia, senhorita?

– Oh, perdoe minha distração! – sorriu a moça, erguendo-se da poltrona e cumprimentando Bruno com um aperto de mão. – Sou Vilma Vinhedo, repórter fotográfica!

– Vilma Vinhedo... Já ouvi esse nome... Ah, você já trabalhou para grandes revistas como a “Faces”, “Olhe” e “Aquilo É”, não é verdade?

– Sim, sim! Fico feliz em ter lembrado de mim devido a meus empregos anteriores... Agora estou trabalhando num jornal aqui do Rio, e vim aqui porque gostaria de entrevistá-lo!

– Entrevistar-me? – riu o rapaz, sentando-se numa outra poltrona de frente para a jornalista. – Há dezenas de ricaços mais interessantes do que eu por aí, senhorita Vinhedo. Basta abrir a revista Faces ou a coluna social de qualquer jornal!

– Depende do que nossos leitores definem como “interessante”, senhor Vale. E tenho plena certeza que nenhum dos outros milionários dispostos a conceder uma entrevista passaram dez anos longe de casa fazendo sabe-se lá o quê. Há muita gente curiosa quanto a isso!

Xeque-mate. É, ela sabia como conversar, e tinha excelentes argumentos. Rendendo-se ao charme e à sagacidade da repórter, Vale deu um ligeiro suspiro e, sorrindo levemente, decidiu cooperar. Afinal, seria melhor manter as aparências para que ninguém suspeitasse ser ele o misterioso Cavaleiro das Trevas que agira pela cidade na noite anterior.

– Pois bem, Vilma... O que deseja saber?

Tiozinho ainda não se conformara. O plano tinha tudo para ter dado certo. Se não fosse pela aparição daquele abominável “morcego-humano”, eles estariam em seu cortiço contando o dinheiro roubado ou fazendo ligações para os proprietários da Cazrio com fins de chantagem. Porém, com o fracasso de seus propósitos, encontrava-se encarcerado numa feia e suja cela do 12º DP, em Copacabana. E estava fora de cogitação poder apreciar a praia.

– Você tem visita, Lopes! – exclamou o detetive Bueno, surgindo no corredor e fitado com ódio pelos demais detentos. – Seu primo!

– Primo?

A porta da cela foi aberta, e um sujeito todo encapuzado, que com certeza não possuía parentesco algum com Tiozinho, adentrou-a devagar. Heitor fechou a entrada atrás do recém-chegado e afastou-se assoviando.

– Quem é tu? – quis saber o bandido, sem que pudesse ver parte alguma do rosto do sujeito além dos olhos.

– Não se lembra de mim, meu amigo? – a voz do personagem envolto em mistério era fria e atordoante.

– Eu, eu... – Tiozinho já suava.

– Bandeira branca, amor! – riu o indivíduo, cantando. – Não posso mais! Pela saudade que me invade eu peço paz!

– Quê?

Os outros presos começaram a olhar intrigados para a cela em que o estranho diálogo era travado. Com seu riso se transformando numa gargalhada, o visitante retirou o capuz, revelando uma bizarra face branca com uma lágrima preta pintada sob um dos olhos, exatamente como um Pierrô.

– Que isso? – sobressaltou-se Tiozinho, recuando para junto de uma parede.

O insano voltou a cantarolar uma marchinha de carnaval:

– Ta-hí, eu fiz tudo pra você gostar de mim, ai meu bem não faz assim comigo não, você tem, você tem que me dar seu coração!

Logo após dizer isso, o louco tirou um frasco de lança-perfume do bolso de seu casaco e liberou um janto do líquido nele contido contra a face do meliante. Este, instantaneamente afetado, caiu sentado e passou a se debater tossindo, a risada do agressor persistindo mais alta e apavorante...

Devido ao alarde dos encarcerados, uma dupla de policiais foi averiguar o que ocorria apenas três minutos depois. Tudo que encontraram foi a cela de Tiozinho escancarada e o criminoso, cujo coração não mais pulsava, inerte no piso com ambos os olhos extremamente irritados, dos quais ainda escorriam muitas lágrimas...

Alegre, Vilma Vinhedo saiu pela porta de entrada da Mansão Vale após o término da entrevista. Bruno acompanhou-a até seu carro, sorrindo com as mãos unidas atrás da cintura. Enquanto a jovem entrava no veículo, o milionário disse:

– Espero que minhas respostas tenham atendido às suas expectativas, senhorita!

– Oh, sim, atenderam sim, estou satisfeita! – a repórter respondeu com simpatia. – Aposto que suas palavras atrairão muitos leitores!

– Fico contente em saber!

A moça acenou e pisou no acelerador, manobrando o carro para fora do jardim ao mesmo tempo em que Bruno voltava para dentro da casa. Vilma tivera que mentir, mesmo odiando fazer isso. Detestara a entrevista com o herdeiro dos Vale, e ela percebeu que ele conseguira se esquivar das perguntas do início ao fim. Dando desculpas esfarrapadas como que “viajara ao redor do mundo para tentar encontrar a si mesmo” e que “ser playboy era um estilo de vida”, o empresário pensava ter ludibriado a jornalista... Mas não! Ela sabia perfeitamente que ele não fora sincero e que havia algo de muito misterioso nele... Seja lá o que fosse, ela descobriria. Agora era questão de honra.

Gonçalves entrou furioso em sua sala e por pouco não bateu a porta bem na cara de Bueno, que o acompanhava. Sentando-se em sua mesa, ele gritou para o detetive, com a cabeça a mil:

– Descubram qual foi a causa da morte do Lopes, parece que há um doido varrido à solta e quanto antes descobrirmos seus métodos, menos vidas estarão ameaçadas! Vá até o IML e veja como anda o progresso do pessoal! Ah, procure saber também se foram encontradas pistas daquele maluco fantasiado na fábrica ontem!

– Sim, “delega” – assentiu Heitor. – Ah, chegou...

– Correspondência para mim? – perguntou Jaime, apanhando um envelope bege que estava em cima do móvel.

– Era isso que eu ia dizer!

Bueno foi embora fumando, e o delegado abriu a fina capa de papel. Dentro havia o que aparentava ser uma carta, evidentemente feita em computador devido às letras e com um estranho símbolo carimbado num dos cantos: um losango com um morcego dentro. Sem compreender, Gonçalves iniciou a leitura do documento:

Prezado Delegado Jaime Gonçalves, do 12º DP da Polícia Civil,

Estou enviando esta carta porque minhas ações da noite de ontem podem ter assustado o senhor e seus homens. Saiba que não sou um bandido ou alguém de má índole. Apenas utilizo meus próprios métodos para lidar com os criminosos e levá-los à justiça, como durante o confronto na fábrica da Cazrio.

Dirijo-me ao senhor porque busco aliados, e infelizmente poucas autoridades nesta cidade são realmente confiáveis. O senhor tem uma carreira brilhante e honesta; sei que juntos poderíamos fazer ainda mais pelos cidadãos cariocas. Desejo auxiliar as atividades da polícia, não atrapalhá-las; ser um reforço, não uma ameaça. Sei que é complicado depositar sua confiança num sujeito mascarado que nem conhece, mas, se quiser dar-me uma chance, encontre-me no telhado do 12º DP esta noite, às nove e meia. Aí poderemos conversar melhor.

“Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros” – Ernesto “Che” Guevara.

Homem-Morcego,

Rio de Janeiro, dezembro de 2007.

Jaime suspirou. Será que, além dos traficantes, agora eles também teriam de lidar com loucos no Rio? Era difícil pensar se um homem que se vestia de morcego para combater o crime não passava de um maluco ou se realmente possuía propósitos sólidos e nobres. Dobrando a carta e guardando-a numa gaveta, o delegado levou uma mão ao queixo.

Ninguém desejava acabar com a violência no Rio mais do que ele. Ele já pensara até em ações extremas, passar por cima da lei, porém era um policial, e era obrigado a cumpri-la à risca. Entretanto, num país onde tantas vezes a impunidade imperava, uma pessoa que resolvesse desobedecer às regras para fazer justiça sem tirar vidas humanas não deveria receber apoio? Será que, ao menos uma vez, alguém que quisesse reagir às agressões provocadas pelas falhas do sistema pudesse contar com auxílio em sua luta?

Eu vivo sem saber até quando ainda estou vivo

Sem saber o calibre do perigo

Eu não sei

Da onde vem o tiro

O som do radinho na sala ao lado chegava até ali devido à porta aberta. A letra do Paralamas pareceu clarear os pensamentos de Gonçalves. Decidido, ele apanhou o telefone e digitou rapidamente um número. Havia alguém mais que deveria saber a respeito daquela carta...

A noite chega.

O delegado Gonçalves andava inquieto pelo telhado do 12º DP. A noite estava quente e era até agradável permanecer ali ao ar livre, onde o clima era mais fresco. Encontrava-se sozinho, com exceção de um único homem que o acompanhava. Este parecia mais calmo que o policial, pois, parado com as mãos nos bolsos do terno, disse ao amigo despreocupadamente:

– Se ele for mesmo o que afirma ser na carta, com certeza virá!

Jaime concordou com a cabeça, e repentinamente uma soturna figura alada pousou sobre o topo do prédio, planando de algum lugar desconhecido. Os dois homens ficaram alarmados e até passou pela cabeça do delegado sacar sua arma e dar voz de prisão àquele provável louco, porém controlou-se. Antes deveriam conversar.

– Quem é você? – indagou Gonçalves, aproximando-se junto com o outro sujeito.

– Um amigo – respondeu o teatral personagem com uma voz grossa, o fato de estar perto e imóvel permitindo que os outros dois presentes examinassem seu arrojado uniforme, o qual praticamente transformava-o mesmo num morcego.

– Encontrou uma forma interessante de assustar criminosos sem ser do BOTE ou do Exército! – observou o indivíduo acompanhando Jaime, sendo que só então o recém-chegado voltou-se para ele.

O homem por trás da máscara azul ficou surpreso, mas conseguiu disfarçar isso bem. Era interpelado pelo promotor Haroldo Dias, e temeu que o velho amigo de Bruno Vale acabasse reconhecendo-o por baixo do uniforme. Todavia, o órfão utilizava um tom de voz distinto quando assumia a capa do Homem-Morcego e deixava prevalecer um lado de sua personalidade quase completamente desconhecido por outras pessoas. Isso seria suficiente para proteger sua identidade.

– Eu quero que conheça alguém, justiceiro! – sorriu Gonçalves, apontando para o conhecido de Bruno. – Este é Haroldo Dias, procurador municipal do Rio. Um homem de ideais tão fortes quanto os seus, acredito!

– Muito prazer, Homem-Morcego! – saudou Haroldo, apertando uma das mãos do sombrio herói. – Sua ação na fábrica ontem causou notável repercussão! Não esperava que acabássemos contando com tão feroz apoio no combate ao crime!

– Situações extremas exigem reforços extremos, senhor Dias – disse o Homem-Morcego. – Quero fazer uma aliança com a polícia e as autoridades. Trabalhando juntos, poderemos livrar o Rio do banditismo!

– Nunca estivemos piores... O traficante Maranhão enche as ruas, favelas e raves de drogas. Protegido física e judicialmente no alto do Morro do Polonês, ninguém pode tocá-lo. A situação não vai mudar enquanto alguém não fizer algo quanto a isso, e é o que venho tentando no tribunal!

– Eu o tocarei... E não serei nada delicado!

– Sei que prefere usar seus próprios métodos, colega, mas lembre-se que ninguém aqui está acima da lei! – alertou Gonçalves, o mais politicamente correto do grupo.

– Enquanto algum criminoso achar-se acima dela, delegado, eu não posso prometer nada! Agora preciso ir ao trabalho!

Movimentando-se agilmente, o vigilante desapareceu na noite como que por encanto. Sentindo um arrepio na espinha, o procurador Dias comentou com Jaime:

– Esse cara me assusta... Mas acho que será um grande auxílio para todos nós!

– Assim espero, prezado Haroldo... – murmurou o policial, fitando o tráfego numa das ruas ao lado do DP. – Assim espero...

Logo após o encontro com o novo justiceiro do Rio no telhado da delegacia, Haroldo Dias deixou o prédio confiante. Com o apoio do Homem-Morcego, Maranhão finalmente seria colocado atrás das grades. Sorrindo enquanto andava por uma calçada, o promotor tirou de um dos bolsos a moeda de prata espanhola que Bruno Vale lhe dera de presente. O artefato vinha servindo ao procurador como uma espécie de amuleto da sorte, e acreditava que, enquanto o carregasse, as coisas continuariam a dar certo...

Infelizmente, não era bem assim.

Distraído, ouviu os passos atrás de si quando já era tarde demais. Mal se virou e recebeu uma violenta coronhada na testa. Desmaiado, foi levado rapidamente por dois homens encapuzados para dentro de um carro que parou junto a eles e desapareceu em alta velocidade pela rua tão veloz quanto chegara. Haroldo fora seqüestrado e seu triste destino acabava de ser selado.

Capítulo 9

Escalada para o caos.

Haroldo despertou agitado. Tentou imediatamente mover-se e levantar-se, mas logo percebeu que seus braços e pernas se encontravam firmemente presos ao que parecia uma velha mesa de madeira. Apesar da reduzida mobilidade conferida a sua cabeça, o procurador pôde notar manchas de sangue sobre o móvel, as quais indicavam que outras pessoas já haviam estado ali... E provavelmente foram torturadas.

O ambiente era parcamente iluminado por uma lâmpada fraca e oscilante no teto. Consternado, Dias insultou-se mentalmente por sua imbecilidade. Abaixara a guarda e, num piscar de olhos, acabara por cair nas garras de seu maior inimigo. Esse descuido lhe custaria muito caro.

– Boa noite, procurador! – disse alguém atrás do prisioneiro, e este conseqüentemente não conseguia ver quem era, porém deduzira. – Vejo que finalmente acordou! Talvez preferisse continuar dormindo e ter alguns pesadelos... Certamente eles seriam bem mais leves do que está prestes a viver!

Apesar de ser um traficante de drogas, Sales Medeiros, o Maranhão, moreno alto de barba rala, era um homem relativamente culto. Natural do nordeste brasileiro, imigrara para o sudeste, assim como tantas outras pessoas, em busca de melhores condições de vida. Todavia, conseguira ascender apenas ilegalmente. E não podia afirmar estar insatisfeito com sua atual posição.

– O que você quer? – apesar de tudo, Haroldo não perdera a coragem.

– E ainda pergunta, senhor Dias? – o tom de voz do criminoso revelava que ele se divertia. – Isto é uma guerra. Não entre bem e mal, eu não penso de forma tão maniqueísta. É um confronto entre as autoridades e um poder paralelo que, vocês queiram ou não, cresce mais e mais. Os combates envolvem a mídia, a opinião pública e, para seu infortúnio, a justiça. Está na hora de pagar por sua língua, procurador.

Dias engoliu seco. Estava realmente perdido. Com suor escorrendo por sua pele, viu um dos capangas do traficante inserir sobre sua cabeça uma máscara de ferro parcial que, terminando acima do nariz, cobria perfeitamente metade de seu rosto, mais precisamente seu lado direito. Com o coração aos pulos, ouviu Maranhão falar:

– Por enquanto desfigurarei apenas metade de sua face. Se persistir no conflito com minha organização nos tribunais, o senhor voltará aqui para que o serviço seja terminado!

– Não... Não!

– Lamento, procurador. É o preço a ser pago. Acredito que não seja um homem dedicado ao jogo, não é mesmo? Pois bem, hoje a sorte o abandonou!

Nisso, um outro capanga surgiu e, rindo, despejou um frasco de ácido sobre a parte descoberta do rosto de Haroldo, ou seja, a esquerda. Berrando devido à dor infernal, Dias se debatia violentamente, a substância queimando-lhe o semblante e corroendo-lhe a carne. O promotor desejou morrer, porém não foi feliz nisso. Não suportando o sofrimento, apenas perdeu a consciência, enquanto o líquido concluía seu trabalho. Foi uma visão demasiadamente forte até para os asseclas de Maranhão. Este, sorrindo diabolicamente, ordenou instantes depois:

– Levem-no daqui!

Foi prontamente obedecido.

Madrugada.

Numa rua nas imediações do Morro do Polonês, três oficiais do BOTE, trajando seus tradicionais uniformes negros e tendo boinas na cabeça, interrogavam um jovem morador da favela. Na verdade, “interrogar” talvez não fosse o verbo mais apropriado. Eles se encontravam era quase torturando o pobre rapaz.

– Você está trabalhando para o Maranhão? – exclamou o líder do trio, um certo capitão Ressurreição, com enorme agressividade.

– N-não... – negou o ladrãozinho, gaguejando. – Fui contratado por um outro cara... Um que usa maquiagem branca e paga bem... Está recrutando gente... E parece não bater muito bem da cuca!

– Você é que não vai bater bem da cuca depois da surra que a gente te der, moleque!

O capitão apanhou o cassetete, ao mesmo tempo em que o jovem se protegia com os braços, pronto para receber os duros golpes. No entanto, eles não vieram, pois alguém atrás deles gritou, quase rugindo:

– Basta!

Os três policiais se voltaram, vendo a assustadora imagem do morcego-humano que vinha criando tantos boatos na cidade. Os dois comandados de Ressurreição pareceram intimidados, porém este nem recuou. Colocando-se em posição de defesa, ele provocou:

– Ah, o Homem-Morcego... Vem me pegar, fanfarrão!

O capitão foi o primeiro a atacar, erguendo o cassetete no ar. Mas o justiceiro agarrou o pulso do adversário e torceu-o. Enquanto o líder se contorcia de dor no chão, os dois outros integrantes do BOTE partiram para a ofensiva. O primeiro tombou rapidamente após levar três chutes no estômago. O segundo foi derrubado por um bonito “rabo de arraia” aplicado pelo herói, que já dominava como poucos a arte da capoeira.

A dupla levantou-se rapidamente e correu para longe dali, deixando Ressurreição à sua própria sorte. Recuperando-se da investida anterior, atacou o oponente com uma voadora. Bruno esquivou-se abaixando, e logo depois fez o capitão cair pela segunda vez com uma rasteira. Ele odiava muito policiais como aquele, que se achavam onipotentes apenas por vestirem uma farda. Furioso, agarrou-o pelo colarinho e rosnou, fazendo com que gotas de saliva voassem sobre a face do oficial:

– Tira essa roupa preta que tu é moleque!

– Está bem... – choramingou Ressurreição, humilhado.

Cheio de medo, o capitão despiu-se do uniforme, ficando apenas de cueca. Saiu correndo dessa forma pela ladeira, e só não foi exposto ao ridículo porque todos os moradores dormiam naquele momento. O Homem-Morcego deu um leve sorriso. Ele tivera sua merecida lição.

Em seguida voltou-se para o rapaz antes interrogado, que assistira à luta estupefato. Arregalando os olhos, viu o vigilante se aproximar de si, mas tranqüilizou-se assim que ele disse:

– Não se preocupe, não irei machucá-lo!

– Obrigado por me salvar daqueles caras...

– Não é preciso agradecer! Ouvi você mencionar que está trabalhando para um novo bandido... Citou que ele usa maquiagem branca?

– Sim... Não nos revelou o nome, apenas que está tramando assaltar algum banco do centro...

– Um banco... – murmurou o justiceiro, afastando-se.

Vale desapareceu na noite sem muitas certezas. Precisaria investigar mais a fundo o que estava havendo para tentar ficar um passo à frente de seus inimigos. E, desde pouco depois do encontro com Gonçalves e Dias no 12º DP, ele sentia algo estranho em relação ao segundo... Não sabia a razão, porém suspeitava que o amigo passava por apuros.

Amanhecia o dia.

Haroldo Dias recobrou os sentidos e percebeu estar jogado numa sarjeta. Os capangas de Maranhão provavelmente o haviam deixado ali. Levantando-se e limpando o terno em petição de miséria, o promotor, confuso, percebeu estar na frente do prédio em que morava no Leblon. Menos mal. Cambaleando, dirigiu-se até a entrada, sem antes ter seu rosto fitado com horror por uma socialite que passeava pela calçada com seu cachorrinho.

Sem encontrar ninguém pelo caminho, o procurador passou pelos corredores, subindo através do elevador até o nono andar. Ainda aturdido e lembrando-se apenas parcialmente dos acontecimentos das últimas horas, entrou trôpego em seu confortável apartamento. Pensou em deitar-se no sofá e dormir o dia todo, mas algo o impeliu até o banheiro. Nele entrando, a primeira coisa que fez foi contemplar-se no espelho...

A visão foi terrível. O lado esquerdo da face de Dias estava totalmente deformado, a pele transformada numa massa pastosa avermelhada e repugnante. Desesperado, o promotor soltou um berro e começou a arrancar os cabelos. Não, não podia ser verdade! Estava irreparavelmente cicatrizado. Mesmo se seu rosto pudesse algum dia ser consertado por uma cirurgia plástica, sua alma jamais seria a mesma...

Tudo culpa de Maranhão...

Súbito, Haroldo foi tomado por uma bizarra tranqüilidade. Seguindo vagarosamente até a cozinha, tirou uma faca afiada de uma gaveta e colocou a moeda prateada dada por Bruno sobre a mesa. Com os dentes cerrados, gravou usando a lâmina as letras “H” e “D” num dos lados do artefato e, arremessando-o como alguém jogando cara-coroa, murmurou soturnamente:

– Nós teremos nossa vingança!

O Homem-Morcego guiava seu veloz carro, já apelidado por alguns de “Morcego-Móvel”, pela estrada de terra que levava ao seu esconderijo naquele princípio de dia. A noite fora árdua em busca de informações, e ele nada mais descobrira além do suposto plano do “bandido da cara branca” de assaltar algum banco. Após algumas necessárias horas de descanso, poderia prosseguir com as investigações.

Pisando fundo no acelerador, Bruno ganhou o túnel que terminava na caverna, porém, ao contrário do que pensava, havia àquela hora da manhã alguém para testemunhar a chegada do veículo. Escondida atrás de alguns arbustos perto da entrada da passagem, a astuta repórter fotográfica Vilma Vinhedo observara tudo e já tinha certeza de qual era a real identidade do vigilante noturno.

– O senhor não me engana, Bruno Vale! – sorriu ela, checando as fotos que tirara com sua câmera. – Vamos ver como me impedirá de publicar isto!

Discreta, ela desapareceu em meio às árvores próximas.

– Bem, o que nós temos sobre esse cara? – indagou o delegado Gonçalves, examinando as fotografias em cima de sua mesa.

– Ele está formando uma quadrilha, recrutando gente nos morros! – respondeu o detetive Bueno. – Alguns caras abordados por ele disseram que fala usando quase somente marchinhas de carnaval!

– Mais um desequilibrado... – suspirou Jaime, recostando-se em sua cadeira. – Esta cidade está ficando de pernas pro ar, e ainda por cima perto das festas de fim de ano...

Heitor deixou a sala balançando a cabeça.

O leal mordomo Alfredo servia um farto café da manhã para Bruno na sala de jantar. O milionário acabara optando por se alimentar antes de dormir um pouco. Enquanto enchia o copo do rapaz com uma jarra de limonada, o empregado perguntou polidamente:

– O que descobriu até o momento sobre esse novo meliante, senhor?

– Muito pouco... – replicou Vale depois de tomar um gole da bebida. – E se eu não ampliar logo meus conhecimentos quanto a isso, ele agirá sem que possa impedi-lo!

– É melhor planejar muito bem seu movimento antes de executá-lo, patrão Bruno.

Ele tinha razão. Mas antes de voltar a trabalhar, o combatente do crime precisava repousar, pois era apenas humano e fazia justiça com as próprias mãos sem ter nenhum superpoder.

Quem parte Leva saudades De alguém Que fica chorando de dor Por isso eu não quero lembrar Quando partiu Meu grande amor Ai, ai, ai, ai Está chegando a hora O dia já vem raiando meu bem E eu tenho que ir embora

O criminoso de face alva cantarolava alegremente dentro do galpão que servia de reduto a si e sua quadrilha em formação. Saltando de cima de uma caixa, começou a ensaiar passos de dança desvairados, fitado por seus atônitos capangas. Se ele não os estivesse pagando bem, certamente não continuariam sob as ordens daquele biruta.

Vilma Vinhedo caminhava agitada pela redação do jornal em que trabalhava. Após tanto esforço para pegar Bruno Vale no flagra voltando de sua atividade noturna, não sabia o que fazer. As fotografias que tirara poderiam levantar sua carreira até a estratosfera, mas seria ético? Seria mesmo o certo? Pensou por um instante em sua antiga colega Lais Lima, que trabalhava para um jornal paulistano chamado “País Diário”. Ela, que pensava apenas em si própria, não pensaria duas vezes antes de entregar aquele material para publicação. Todavia, Vilma preocupava-se com Bruno Vale e, principalmente, em relação aos cariocas indefesos que o Homem-Morcego defendia. Não, não seria justo entregá-lo dessa maneira.

A jovem abriu sua câmera digital, tirou de dentro dela o chip de memória e, lançando-o ao chão, pisoteou-o decididamente sob os olhares espantados de alguns companheiros de trabalho. Em seguida apanhou os restos do pequeno artefato e atirou-os numa lixeira. É, sua boa índole prevalecera. Ao invés de desmascarar Vale, ela faria uma pesquisa sobre ele com o intuito de auxiliá-lo de alguma forma. Era como pretendia se redimir.

Uma hora da tarde. Sentado diante da escrivaninha de seu quarto, Bruno examinava uma lista de todos os bancos do Rio de Janeiro com informações sobre seus funcionários. Ele as cruzava com outros dados obtidos através da Internet num computador ligado. Quando o milionário já se encontrava há algum tempo trabalhando, Alfredo entrou no recinto e questionou:

– Conseguiu precisar o alvo do assalto, senhor?

– De acordo com estes papéis, o gerente de uma agência do banco espanhol San Andreas, no centro da cidade, é camarada de Maranhão e volta e meia cumpre favores a ele – explicou Vale. – Se esse novo bandido está compondo uma quadrilha e pretende se afirmar, atacar o local de trabalho de um aliado do traficante seria uma boa maneira de se impor.

– Sua inteligência me surpreende cada vez mais, patrão Bruno. Mas deve estar ciente de que se trata apenas de uma suspeita!

– Eu sei, mas terei de arriscar. De acordo com estas informações, a segurança do banco é mais leve ao entardecer, entre seis e sete da noite, quando está quase fechando. Acredito que os bandidos atacarão nesse período!

Bruno esticou-se na cadeira. Estava gostando cada vez mais do ofício de detetive. Porém, assim que o sol se ocultasse no horizonte, o investigador daria lugar ao guerreiro.

Continua...


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