Brazilian Batman escrita por Goldfield


Capítulo 6
Capítulos 10 e 11




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Capítulo 10

Ódio e rancor.

Seis e quinze. Princípio de noite.

A agência do banco San Andreas, no coração do Rio, prepara-se para fechar. Os últimos clientes saem pela porta de vidro ao mesmo tempo em que os tranqüilos seguranças batem papo, já combinando a cervejinha que tomarão num boteco próximo dentro de pouco tempo. Os funcionários estão prontos para ir embora, arrumando suas coisas e desligando os computadores...

De repente, uma caminhonete rompe violentamente pelo vidro da entrada, lançando estilhaços para todos os lados. O veículo avança alguns metros dentro do estabelecimento, freando diante das pessoas assustadas. Totalmente surpreendidos, os seguranças correm e apontam suas armas para o transporte invasor.

–         Parados! – brada um deles, dedo pronto no gatilho.

A resposta que ouvem é uma risada debochada.

Alguém desce da caminhonete pelo lado do motorista. Os espantados guardas vêem se aproximar um indivíduo de rosto branco, uma grande lágrima preta pintada sob um dos olhos, trajando vestes alvas com um babado ao redor do pescoço e uma boina também negra na cabeça. Sorrindo de forma malévola, retira uma submetralhadora Uzi das costas e, efetuando uma rápida rajada em leque contra as pernas dos seguranças, incapacita-os. Depois dispara para cima e, alucinado, canta em alta voz:

–         Hei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí! Não vai dar? Não vai dar não? Você vai ver que grande confusão!

Os cinco capangas do maníaco, vestindo roupas coloridas dignas dos antigos carnavais, deixam também a caminhonete, munidos de pistolas e escopetas. O grupo de assaltantes, passando pelos seguranças que gemem de dor no chão, avança até a área dos caixas, onde os funcionários, temendo por suas vidas, começam a entregar o dinheiro aos bandidos sem hesitação. Observando tudo euforicamente, o líder do bando, autodenominado “Pierrô”, exclama:

–         Com todo esse jabaculê, poderei montar minha própria escola de samba!

–         Errado! – diz uma áspera voz masculina vinda da entrada do banco. – Esta algazarra termina aqui!

Os criminosos se voltam para o Homem-Morcego, que tinha os braços cruzados e a capa tremulando devido ao vento que entrava pela fachada quebrada. Pierrô, vendo-se mais uma vez frente a frente com o homem, ou criatura, que mergulhara sua face no solvente, fala entre gargalhadas:

–         Ora, se não é o morcego gigante! Eu pensei que os roedores alados tivessem hábitos noturnos, porém é horário de verão, e ainda está claro!

–         Chefe! – chama um dos capangas, erguendo a mão.

–         Fale! – o louco lança um olhar aterrador sobre seu comandado.

–         Hã... Acho que morcegos não são roedores!

Em réplica, Pierrô aperta o gatilho da Uzi, as balas penetrando no peito do infeliz assecla, que tomba morto com as vestes salpicadas de sangue. Soprando o cano da arma, os demais capangas fitando-o com extremo temor, o assassino murmura:

–         Odeio quando atrapalham meus argumentos!

Buscando evitar mais mortes, o Homem-Morcego resolve aproveitar a distração dos inimigos para agir nesse momento. Primeiramente salta sobre um dos bandidos, levando-o ao chão e desacordando-o sumariamente com dois socos no queixo. Logo depois, o herói faz uso de seus aguçados reflexos para escapar dos tiros efetuados contra si, pulando para trás do balcão de um dos caixas, atrás do qual um funcionário já se esconde. Olhando para o justiceiro, ele não resiste e pergunta:

–         Vocês estão gravando alguma novela para a TV Global?

Bruno ignora o inocente e tira do cinto uma espécie de bumerangue em forma de morcego. Erguendo-se rapidamente, ele o atira contra os meliantes. O artefato, numa trajetória quase circular, acerta dois deles em cheio na cabeça, derrubando-os. O vigilante, que voltara a se abaixar atrás do balcão para evitar as balas, ergue a mão direita no momento certo e apanha o projétil no ar quando este voltava em sua direção.

Esplêndido. Agora precisava dar cabo apenas do Pierrô e seu último capanga de pé.

–         Saia daí, morceguinho! – ri o primeiro. – Será que precisarei forçá-lo a fazer isso?

Logo após dizer tal coisa, o psicopata apanha um saquinho de confetes de um dos bolsos e, retirando alguns de dentro dele, os arremessa até o local em que o Homem-Morcego se encontra refugiado. Observando a trajetória dos pequenos pontinhos, acaba por estranhar eles conseguirem ir tão longe, já que se fossem realmente de papel não teriam o peso que aparentavam... A não ser que...

Movido pelos instintos, Vale saltou o mais rápido que pôde para frente. A bola de fogo atrás de si, que chegou a chamuscar sua capa, confirmara sua suspeita: os confetes eram na verdade minúsculos explosivos químicos. Pierrô tinha muitas cartas na manga e seria preciso muito cuidado para lidar com ele.

–         Chega! – rosnou o justiceiro, dando uma voadora no comandado do chefe de quadrilha, tirando-o de ação antes que os disparos da arma pudessem defendê-lo.

–         Opa, hora de dar no pé! – gritou Pierrô, aturdido.

O maluco pôs-se a correr para fora do banco. Vendo que perderia muito tempo tentando escapar na caminhonete, simplesmente atravessou os vidros espatifados e seguiu pela rua exigindo o máximo de suas pernas ligeiras. Quando o Homem-Morcego deu o primeiro passo para persegui-lo, todavia, o comunicador que trazia em seu ouvido tocou. Pressionou um pequeno botão e imediatamente ouviu a voz de seu mordomo:

–         Patrão Bruno!

–         Fale, Alfredo!

–         O senhor precisa voltar para a mansão sem demora. Há um assunto que exige urgentemente sua atenção.

–         Agora não posso, um criminoso está fugindo e...

–         Venha, patrão Bruno. Confie em mim, é um assunto de vida ou morte!

Assustado, o vigilante acabou se conformando, e de uma forma ou de outra, já havia perdido Pierrô de vista. Bruno respondeu um “Está bem!” e encerrou a comunicação, caminhando até seu carro estacionado ali perto. Era bom mesmo que fosse algo urgente.

Ele atirou a moeda. Enquanto seu contorno circular dançava no ar, ansiou pelo resultado. A sorte e o acaso constituíam a verdadeira justiça, e Deus falaria com ele através da face que caísse voltada para cima na palma de sua mão...

Deu cara. Ele alegrou-se.

O plano poderia ser colocado em prática.

Vale guiava o Morcego-Móvel a toda velocidade em direção à caverna. A noite já caíra por completo e a ausência de estrelas revelava o tempo nublado. Penetrando no túnel de acesso, indagou-se mais uma vez mentalmente a respeito do que Alfredo se referia como “um assunto de vida ou morte”. O que poderia ser tão grave?

Ele chegou ao esconderijo e brecou. Saindo do carro, caminhou olhando ao redor, e logo avistou o mordomo sentado diante da bancada onde os computadores estavam sendo instalados. Entretanto, ele não se encontrava sozinho. Havia com o empregado uma morena divina, mas que, apesar de sua beleza, era a última pessoa que Bruno esperava encontrar ali. Foi tomado por um misto de fúria e frustração. Seu segredo fora revelado.

–         O que ela está fazendo aqui? – inquiriu o recém-chegado, apontando ameaçadoramente para Vilma Vinhedo.

–         Ela descobriu sozinha, senhor, eu não pude fazer nada... – justificou-se Alfredo, cabisbaixo.

–         Permitam que eu me explique! – pediu a repórter, temendo até não sair viva dali. – Confesso que de início estava disposta a mostrar ao mundo quem é o homem por trás do morcego, até tirei fotos com essa meta, porém me arrependi profundamente do que quase concretizei! Destruí o chip da câmera e, para me redimir, eu trouxe isto!

A jovem entregou uma pasta preta repleta de papéis ao milionário. Apanhando-a e folheando-a, ele perguntou:

–         O que é isto?

–         Eu andei pesquisando sobre você... Seu passado, sua personalidade, sua viagem... Aos poucos tudo se encaixou, e agora que você se tornou um vingador noturno, descobri algo que pode finalmente aliviar o peso em seu coração!

Vilma não precisou nem indicar o que era. Depois de poucos segundos examinando o material, Bruno encontrou um relatório policial datado de 1986. Era sobre o trágico assassinato de seus pais. Ele não fazia idéia de que algo como aquilo existia, e pior de tudo, a polícia sempre tivera uma suspeita de quem havia sido o assaltante autor dos disparos...

–         Sales Medeiros, residente no Morro do Polonês, procurado por arrombamento e assalto a mão armada... – leu em voz alta o órfão. – Sales Medeiros... Maranhão!

Sim. Na época ele ainda era um ladrãozinho mequetrefe que nem sonhava em se tornar chefe do tráfico no Rio. Mas sim, fora Maranhão quem matara o casal Vale a sangue frio dentro daquele ônibus. Finalmente o homem que tirara de Bruno aqueles que mais amava ganhara uma face, uma identidade... Sales Medeiros, Maranhão!

–         Senhor... – chamou Alfredo, preocupado com o patrão.

–         Alfredo, leve a senhorita Vinhedo lá para cima! Eu tenho trabalho a fazer!

–         Senhor! Apenas lembre-se de tudo que seus pais ensinaram! Matar Maranhão não vai fazer a dor passar!

–         Eu trilharei meu próprio caminho, Alfredo... Agora vão!

O mordomo retirou-se com a jornalista rumo à mansão e, antes que o Homem-Morcego voltasse a entrar em seu veículo, ela acenou para ele, exclamando:

–         Boa sorte, Bruno!

O justiceiro apenas encarou-a sem nada responder, e partiu.

O tiroteio começou do nada dentro do 12º DP. Alguém havia entrado no local atirando ferozmente e os policiais não estavam conseguindo deter a ameaça. O delegado Gonçalves abriu uma das gavetas de sua mesa e dela retirou um revólver Magnum personalizado. Nisso, o detetive Bueno refugiou-se dentro da sala do superior, enquanto o provável invasor gritava para que todos no prédio ouvissem:

–         Nós não somos mais Haroldo Dias, agora nós somos Duas-Caras!

–         Duas-Caras? – riu Heitor, colocando munição em sua arma. – Isso pra mim é novela das oito!

Os disparos foram ficando cada vez mais próximos. Suado, Jaime ficou em dúvida se ouvira bem. Haroldo Dias? Teria o tão nobre procurador municipal do Rio de Janeiro enlouquecido? A resposta veio quando a porta do escritório foi aberta com um chute e Bueno, antes de conseguir reagir, foi imobilizado com um tiro a queima-roupa no braço esquerdo. O detetive caiu sentado mordendo os lábios de tanta dor, e o delegado pôde contemplar o criminoso: era mesmo Haroldo, só que agora com a parte esquerda do rosto totalmente deformada. Trajava seu impecável terno de trabalho e tinha uma pistola numa mão e um revólver na outra.

–         Você vem conosco, Jaime! – ordenou o ensandecido promotor para o amigo que, sem coragem de atirar e ainda confuso em relação ao que ocorria, deixou que o bandido apontasse uma das armas para sua cabeça. – Vamos!

O Homem-Morcego trafegava pelas ruas centrais da cidade. Mil pensamentos passavam por sua cabeça, e ele ainda não sabia ao certo o que fazer. Súbito, a freqüência da polícia transmitida pelo rádio do carro forneceu a resposta:

–         Atenção, um promotor identificado como Haroldo Dias seqüestrou o delegado Jaime Gonçalves, do 12º DP de Copacabana, e partiu com ele num carro de placa...

Bruno digitou e salvou rapidamente a identificação do veículo num pequeno computador embutido no painel. Mas... Haroldo Dias? Era um absurdo, aquilo não podia estar certo! Em seguida ouviu o policial que falava agitado com seus colegas complementar:

–         O carro do Dias está seguindo velozmente na direção do Túnel Rebouças!

O herói checou a tela de cristal líquido que fornecia a localização de seu carro num mapa do Rio através de GPS (Sistema de Posicionamento Global). Se ele contornasse rápido alguns quarteirões, poderia encurralar o veículo perseguido na saída do túnel. E era exatamente isso que faria.

Haroldo não amarrara os membros do delegado Gonçalves, nem o amordaçara. Se ele colaborasse, simplesmente se livraria de levar uma bala na testa. Justo, ainda mais vindo do psicopata assassino que o procurador municipal do Rio se tornara.

–         O que pretende com isto, Haroldo? – desejou saber Jaime, temendo ser morto.

–         Você é nosso convidado especial esta noite, delegado! – respondeu o maníaco, atento à direção. – Ganhou o privilégio de testemunhar a justiça verdadeira agindo contra o traficante Maranhão!

–         Justiça verdadeira? Você enlouqueceu? Do que está falando?

–         Nada mais de tribunais, processos ou defesas elaboradas, delegado! O jogar da moeda! Essa é a justiça legítima, e ela será aplicada hoje!

Gonçalves suspirou. Estava mesmo em maus lençóis.

Bruno chegara a tempo. Quase por milagre não havia muito movimento no túnel naquele momento. Posicionou o Morcego-Móvel de modo a bloquear a saída para o lado do qual viera. A polícia ficara para trás, e instantes depois o milionário avistou o carro de Haroldo se aproximando pela pista. A placa confirmava ser mesmo o veículo do procurador. Pacientemente, o Homem-Morcego saiu de dentro de seu meio de transporte. Seria melhor mesmo abordar o amigo sozinho e descobrir o que estava acontecendo. Precisaria apenas ter cuidado para não revelar seu segredo a mais uma pessoa.

O carro de Dias freou quando se encontrava prestes a colidir com o Morcego-Móvel e seu dono. Um enlouquecido Haroldo saiu do veículo gritando como um bêbado, e sem pestanejar apontou uma pistola para o justiceiro, ameaçando:

–         Saia do nosso caminho ou iremos te transformar em amianto!

–         Dias, você perdeu o controle! – replicou Bruno, surpreso por ver metade da face do velho colega desfigurada. – Se entregue ou serei obrigado a fazer uso da força!

–         Olhe para nossas caras, morcego! – bradou o promotor num sombrio tom de voz. – Maranhão fez isto conosco! E agora ele vai pagar! Justiça deve ser feita!

–         Não é assim que nós fazemos justiça, Haroldo! Morte não pode ser paga com mais morte! Você perdeu totalmente a razão!

Aparentemente afetado por aquelas palavras, Dias, com os olhos marejados, caminhou lentamente até o vigilante. Por um momento pareceu uma criança arrependida de alguma travessura. Certo de que o amigo voltara a si, Vale deixou que se jogasse em seus braços, porém não percebeu que ele sacara discretamente um canivete e o enterrara dolorosamente na armadura que revestia o abdômen do rapaz.

–         Ah! – este berrou, repelindo imediatamente o adversário.

Haroldo ria, enquanto o Homem-Morcego retirava de si a arma cuja lâmina agora estava banhada em sangue. Enfraquecido pela dor, tombou no asfalto, observando impotente o procurador voltar para o carro e partir em alta velocidade com Gonçalves ainda refém, sem antes gritar para o ludibriado justiceiro:

–         Você acredita demais nas pessoas, morcego! Por isso o direito de aplicar a justiça é nosso!

Bruno fechou os olhos, passando a se conformar. Aquele homem não era mais Haroldo Dias, seu amigo. Era apenas mais um bandido louco a ser detido, infelizmente...

Capítulo 11

Fazendo o que é certo.

E lá estava ele, sozinho. Refletindo no alto da torre da Central do Brasil.

Tontura, vista embaçada, cansaço, dor muito incômoda. Porém decidiu continuar. Maranhão matara seus pais e transformara seu melhor amigo num monstro. Era hora de fazer justiça. Ele não saberia se conseguiria resistir a não matar o traficante quando o confrontasse. Porém essa era uma estrada que ele teria de percorrer, uma batalha da qual não poderia fugir. Agora compreendia tudo. Esse sim era seu último teste, e não a prova da caverna preparada por Ducard.

Determinado, pôs-se de pé apesar do ferimento no abdômen e, procurando canalizar seus sentidos para que ignorassem o máximo possível a dor, saltou da construção, planando com sua capa até a rua, onde parara o carro. O último ato estava para começar. E ele faria de tudo para que arrancasse aplausos do público.

Uma casa aparentemente abandonada no alto do Morro do Polonês.

Em seu centro de operações, o traficante Maranhão jantava com alguns comparsas numa mesa próxima daquela onde Haroldo Dias fora torturado. Súbito, alguém bateu à entrada do local. Os capangas imediatamente apanharam seus fuzis, e o líder fez um gesto para que um deles fosse ver quem era. Cauteloso, o guarda-costas andou até a porta e, girando a maçaneta com uma mão e apontando a arma com a outra, abriu passagem...

–         Boa noite! – uma voz insana saudou.

Os presentes na casa se depararam com o diretor da escola de samba de Maranhão, a Unidos do Polonês, adentrar o lugar junto com um sujeito vestido e aparentemente maquiado como Pierrô apontando-lhe uma Uzi para a cabeça. Todos surpresos, com exceção talvez do chefe do bando, que permaneceu calmo, escutaram o invasor cantarolar:

–         Vai, com jeito vai, senão um dia, a casa cai!

O diretor da escola de samba foi empurrado para dentro do recinto, sem, no entanto, sair da mira de seu algoz. Os capangas já apontavam os fuzis para o inimigo, porém Maranhão tranqüilizou-os:

–         Acalmem-se, homens, acalmem-se... Vamos ver o que esse alegre senhor veio fazer aqui!

–         Se dependesse de mim, já teria mandado os miolos desse cretino para o espaço, Amazonas, mas preciso de uma barganha! – riu Pierrô, sem tirar sua atenção do refém.

–         É uma tática antiga e eficiente, meu amigo carnavalesco. E meu nome é Maranhão!

–         Está bem, está bem, Pernambuco!

O psicopata puxou o baixinho até a mesa em que Maranhão e seus homens comiam e, usando uma mão para pressionar a arma contra a têmpora do pobre diretor, com a outra apanhou um garfo sujo e provou um pedaço de bife. Mastigou, fez uma careta e por fim exclamou:

–         Está sem sal!

–         Diga logo o que quer! – ordenou o maior traficante do Rio sacando uma pistola. – Estou começando a perder a paciência!

–         Ora, é melhor se controlar se não quiser que o homem por trás da sua escola de samba dance no bloco dos coveiros no próximo carnaval!

–         Fale! – Maranhão insistiu.

–         A questão não é o que vim fazer aqui, meu chapa. É o que vim reivindicar!

Sales franziu as sobrancelhas. Aquele maluco não dava o mínimo valor à própria vida, mas era dotado de muita coragem, isso ele tinha de admitir.

O Morcego-Móvel já tomava uma das vias que levavam à favela onde estava situado o reduto do nêmesis de seu motorista. Desviando de alguns pedestres pelo caminho, os potentes faróis do carro iluminando o caminho à frente, Bruno contatou seu mordomo pelo comunicador:

–         Alfredo!

–         Sim, senhor?

–         Avise a polícia. Peça que eles enviem o máximo possível de unidades para o alto do Morro do Polonês. Maranhão será preso esta noite!

–         Como quiser, patrão Bruno.

Vale voltou a fitar a pista. A hora se aproximava.

Maranhão não acreditava em tamanha ousadia. Aquele indivíduo perdera mesmo a sanidade.

–         Você quer se tornar diretor da minha escola de samba?

–         Sim, além de responsável pelo samba-enredo! – respondeu Pierrô. – O que acha? Imagine só, Pierrô barbarizando em pleno carnaval! Eu mato, eu mato, quem roubou minha cueca pra fazer pano de...

O maníaco sentiu o cano da arma do traficante tocar sua nuca. Precisava pensar rápido em algo ou não viveria para compor mais nenhum samba-enredo. Foi quando a porta da casa voltou a se abrir e seu salvador, ou pelo menos aquele que proporcionaria breve distração, entrou atirando com uma pistola e um revólver sem fazer qualquer pergunta antes.

Dois comparsas caíram na hora. Um outro teve tempo de revidar, porém o novo invasor protegeu-se dos tiros buscando abrigo atrás da parede externa. Logo depois tornou a disparar, derrubando o capanga. Agora só havia o misterioso intruso, Pierrô, Maranhão e o infeliz diretor. O primeiro logo se revelou, penetrando no centro de operações:

–         A vingança é nossa! – gritou Duas-Caras, apontando seu par de armas para o traficante.

–         Hei, amigo, você visitou a Tunísia, ou a Argélia? – sorriu o carnavalesco.

–         Do que está falando? – estranhou Haroldo.

–         Não conhece a marchinha? Estávamos perdidos no deserto do Saara, o sol estava quente e queimou a nossa cara...

Insultado por aquela referência ao lado deformado de seu rosto, Dias apontou o revólver para Pierrô, mantendo a pistola na mira de Maranhão. Irritado, murmurou mal abrindo a boca:

–         Vai se arrepender dessa brincadeira, palhaço!

Súbito, parte do teto de zinco da casa despencou. A imponente e ameaçadora figura do Cavaleiro das Trevas surgiu para encher de medo os corações dos criminosos. Disposto a terminar depressa com tudo aquilo, o Homem-Morcego não estava para brincadeiras. Principalmente por parte do Pierrô.

–         Fiquem longe de Maranhão! – exclamou.

–         Você não nos deterá, morcego! – disse Duas-Caras.

Bruno avançou sobre o amigo. Com um chute giratório, arrancou as armas de suas mãos. Depois investiu com uma seqüência de socos, lançando-o para fora da casa. Todas aquelas ações fizeram o ferimento causado pelo canivete pulsar de dor, porém permaneceu de pé. Vale dirigiu-se até Pierrô, que ainda mantinha o diretor da escola de samba sob sua mira e por sua vez ainda era ameaçado pela pistola de Maranhão.

–         O que vai fazer, morceguinho? – provocou o compositor viúvo. – Não pode impedir que um dos três acabe morrendo!

Nisso, Haroldo, do lado de fora, já se levantara e atirou sua moeda para cima. Quando ela caiu na palma de sua mão, constatou que o resultado havia sido cara. Poderia continuar com o ataque. A verdadeira justiça estava consigo.

Correndo como um touro raivoso para dentro da casa, Duas-Caras se jogou na direção do Homem-Morcego buscando derrubá-lo. Todavia, o vigilante se esquivou saltando para o lado, e o procurador, deslizando pelo áspero chão do local, acabou derrubando Maranhão no chão. Este, pego desprevenido, disparou sua arma, mas a bala atravessou o teto. Vendo-se livre da mira inimiga, Pierrô voltou a agarrar o diretor e, levando-o até a porta com a Uzi em sua testa, berrou para Bruno:

–         Quem não chora, não mama! Segura meu bem a chupeta...

E saiu com o refém. Antes de partir em seu encalço, Vale desacordou Dias, que já se preparava para uma terceira investida, com um soco bem dado no queixo. Aturdido, Maranhão tentou atirar na direção do herói, porém foi agarrado pela camiseta, teve a arma arrancada e, fitando profundamente os olhos atrás da máscara, notou que o oponente hesitava, não sabendo ao certo o que fazer.

Ali estava ele, sob seu poder. O homem que lhe tirara os pais. O pior bandido do Rio. Um homem sem escrúpulos, cruel e sádico. Bruno podia terminar tudo ali mesmo, arrancando-lhe a miserável vida. Quebrar aqueles ossos, moer sua carne como uma fera selvagem... Finalmente vingar-se de tudo que aquele crápula fizera-o passar desde os oito anos de idade...

Mas não. Não fora para isso que ele se tornara o Homem-Morcego. Ele não era um carrasco, e tinha de fazer o que é certo.

–         Você vai para a cadeia! – falou para o traficante, antes de tirar-lhe os sentidos com uma cabeçada.

O corpo desmaiado desfaleceu em suas mãos. A polícia estava chegando.

Passara no teste.

Do lado de fora, Pierrô tivera seus planos frustrados quando foi rendido pelo delegado Gonçalves. Duas-Caras deixara-o solto dentro de seu carro e depois de alguns minutos, ao encontrar uma espingarda embaixo do banco traseiro, tratou de apanhá-la para perseguir o bandido. Vale já havia cuidado de Haroldo, porém Jaime teve o prazer de colocar o “bandido da cara branca” sob custódia.

Logo um destacamento da polícia comandado pelo detetive Bueno, com um curativo no braço, chegou ao topo do morro em várias viaturas. Cantando versos tristes de carnaval aos prantos, Pierrô foi levado algemado para dentro de um camburão. Gonçalves, intrigado, adentrou a casa junto com alguns comandados. Encontraram apenas Dias e Medeiros inconscientes, além dos capangas mortos. Não havia sinal algum do responsável por entregar os criminosos de bandeja daquela maneira. Entretanto, o delegado, ao olhar para a abertura no telhado de zinco, deduziu imediatamente quem os auxiliara aquela noite...

Continua... 


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