Segredos de vida escrita por Lana Talita


Capítulo 11
Capítulo onze


Notas iniciais do capítulo

Ooolá meus amores! Mais um capítulo para vocês, esse é um dos meus favoritos até agora e escrevi com muito carinho. Boa leitura!



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Acordei no sábado com mamãe gritando em algum canto da casa, senti minha cabeça doer assim que escutei a voz dela, portanto levantei da cama, troquei de roupa e me dirigi à origem do som para ver o que estava acontecendo. Desci as escadas e fui até uma sala em que ficava um piano no centro e uma estante de livros encostada na parede perto da janela, não entrava naquela sala desde os nove anos de idade.

Mamãe estava sentada no banquinho em frente ao piano encarando as teclas brancas e pretas, o grito dela não eram coisas sem sentido, mas sim uma melodia que não ouvia há anos. Ela cantarolava as notas de forma exageradamente alta, tirando a beleza da música, mas mesmo assim meus olhos se encheram de lágrimas e uma emoção incomum arrebatou-me. Minha mãe costumava cantar aquela canção quando eu era criança nas vezes em que brigávamos, em que eu cismava que já era grande para cuidar de mim, quando eu insistia para ela cantar porque amava a música e a voz dela.

No dia que conversei com o paparazzo e tudo mudou entre mim e mamãe meus ouvidos não foram mais presenteados com aquela música, por muito tempo pedi para mamãe cantar para mim, porém ela se recusava e dizia que eu não merecia a atenção dela nem com uma simples canção, que ela jamais cantaria perto de mim novamente. No entanto ela estava sentada em um banquinho cantando outra vez, como se o tempo não tivesse passado. Eu era aquela criança no colo da mãe e ela uma mulher que ainda não sabia o que era estar perdida. Sentei-me no chão a observando repetir o refrão mais vezes do que deveria, mentalmente agradeci por parecer que minha mãe não havia notado minha presença, pois se notasse ia me mandar sair da sala. Eu não podia sair, não queria sair, minha mãe estava tão perto de mim e ao mesmo tempo tão longe, e isso ainda era melhor do que não tê-la.

Ela acabou a canção sem mudar a expressão raivosa que carregava no rosto, colocou os dedos em cima das teclas e recomeçou a música, mas dessa vez de uma forma mais baixa e serena. Os olhos estavam fechados e o corpo balançava para frente e para trás lentamente, parecia que estava em transe, que estava sendo levada ao passado. Fechei os olhos também e me permiti vagar pelas lembranças de quando eu era criança até o dia em que mamãe destruiu o noivado do meu pai. Não senti raiva de pensar nesse acontecimento, senti tristeza pelo precipício que existia entre eu e minha mãe ter aumentado, por termos nos tornado duas estranhas. Tristeza e saudade da época em que ainda éramos mãe e filha. Assim que mamãe acabou novamente de cantar voltei a abrir os olhos, ela levantou e passou por mim sem ao menos olhar-me, suspirei e levantei do chão, fui até meu quarto pegar meu celular e desci para cozinha tomar café da manhã.

Sentei na cadeira e esperei Vidal me servir enquanto desbloqueava o celular, vi duas chamadas perdidas de Rafael e uma mensagem de texto dele perguntando se tinha problema passar meu número para o Carlos e se íamos ao cinema à noite, respondi que não tinha problema e que íamos assistir “Quando eu me for” às vinte horas no cinema do Shopping Leblon. Depois do café da manhã pedi para o motorista me levar para casa do meu pai, já estava na hora de vê-lo novamente. Passado um pouco mais de trinta minutos estava entrando na sala de estar do apartamento do papai, assim que fechei a porta atrás de mim olhei, atentamente, o ambiente que estava mudado. A janela estava fechada e a cortina a tampando completamente deixando o local mais escuro, várias pastas estavam espalhados pelo sofá e pela mesinha de centro, a televisão estava com fios soltos e pedaços de papéis cortados e amassados estavam em cima do tapete.

Fui até o quarto do papai ver se ele estava lá, mas o local estava vazio e mais bagunçado que o comodo anterior. Sentei em cima da cama e suspirei, precisava vê-lo, saber como estava lidando com a separação e fazer algumas perguntas. Passei o olho em alguns papéis que estavam perto do travesseiro até ver uma foto, era Vidal, Helena, papai e um bebê. Peguei a foto e sorri, meu pai sempre gostou muito de Vidal e Helena, era como se fossem amigos de longa data. Deitei na cama me perguntando se papai sabia em que um de seus poucos amigos estava metido, e se soubesse se seria honesto como um advogado deveria ser ou se fingiria não saber. Após alguns minutos ouvi a porta se abrir e fechar, sentei na cama rapidamente e respirei fundo ouvindo passos se aproximarem, a luz do quarto ligou e os olhos vermelhos e inchados de papai caírem em mim.

– Oi querida, aconteceu algo? – Perguntou.

– Na verdade não, vim te ver. Como está?

– Já estive melhor, e você?

– Eu estou bem. – Falei abrindo um sorriso amarelo.

Ele me olhou de cima a abaixo e parou na foto em minhas mãos, a pegou e seus olhos brilharam de uma forma que nunca tinha visto antes, um brilho nostálgico e feliz. Abriu um grande sorriso e em seguida falou:

– Eu me lembro desse dia, Helena estava grávida e a bolsa havia estourado, na época Vidal não tinha carro então levei os dois para o hospital no meu carro. Acho que nunca corri tanto na vida igual aquele dia. Então tiramos essa foto assim que Helena recebeu alta. Depois de uns dias eu e sua mãe visitamos Helena, sua mãe pegou o bebê e ficou tão encantada que decidiu que estava na hora de termos um filho. Dois anos depois você nasceu.

– Meio estranho você ver um bebê e resolver ter um. Eu conheci o filho deles outro dia, ele está passando um tempo na casa da tia Fernanda. Mas não sabia, antes disso, que Vidal tinha um filho, por que não me contou? E por quê não contou que Vidal trabalha pra você a noite?

– Mas eu contei querida, contei essas duas coisas, mas você tem uma mania de escutar o que digo só quando te interessa. Eu começo a falar e imediatamente você desliga do mundo.

– Ah… desculpe, não faço de propósito. Nem tinha notado que faço isso.

Ele sorriu e me abraçou, um abraço confortante que ele provavelmente precisava mais do que eu. Percebi que meu pai estava tentando lidar com a rejeição de Juliana da melhor maneira possível, afinal, ele podia ser um adulto em várias questões, mas para relacionamentos amorosos não passava de um adolescente metido que nunca era rejeitado.

– Pai, outro dia estava mexendo na gaveta da mesa do escritório. Por curiosidade, queria saber se ainda tinha alguma coisa lá dentro. E eu acabei achando os relatórios sobre Vidal e Helena, eu sei que você sempre faz isso, a tia Fernanda até me disse que temos que conhecer a fundo quem colocamos dentro de casa. Mas o senhor relatou coisas bobas como aonde ele e a esposa almoçam nos domingos, por que isso? – Perguntei.

– Porque a uns anos ele e Helena andavam muito estranhos, viviam cochichando e aparentavam sempre estarem tensos. Estavam com um comportamento atípico. Então desconfiei e fiz o que qualquer bom advogado faria, paguei alguém para investigar, mas não deu em nada e concluí que era só coisa da minha cabeça. Eles são boas pessoas, honestas.

Não o respondi, apenas sorri e o abracei com mais força. Depois de alguns minutos ele levantou dizendo que ia tomar banho, deitei em sua cama de novo me sentindo péssima pelo que ele disse sobre mim. Eu realmente não escutava o que dizia, mas achava que não era perceptível, que ele acreditava nas minhas respostas vagas e falhas tentativas de mostrar interesse no que estava contando. Fechei os olhos decidida a tirar aquilo da mente, tinha coisas mais importantes a pensar, como a razão de Vidal e Helena trabalharem sendo que prostituição dá muito dinheiro e meu encontro com Rafael.

***

O relógio na escrivaninha do meu quarto marcava dezoito horas e quarenta minutos e eu estava enrolada na toalha em frente ao armário olhando as roupas. Geralmente não demorava para me arrumar, com outros garotos que saí eu simplesmente pegava uma roupa qualquer e vestia. Mas com Rafael uma vontade de ficar mais arrumada, de que ele me achasse bonita, me acometia. Portanto as roupas no cabide e gavetas, de repente não pareciam adequadas para ir a algum lugar, muito menos a um encontro. Bufei e peguei um short jeans e uma blusa azul clara, vesti e olhei-me no espelho com reprovação. Tirei a roupa e coloquei uma calça leg preta com uma blusa branca que ia até a bunda, fui até a o espelho e novamente não gostei do que vi.

Depois de tirar a roupa de novo enrolei-me na toalha e deitei na cama irritada. Meu celular vibrou repetidamente deixando-me mais irritada, o peguei e abri nas mensagens de texto, havia três mensagens de um número desconhecido. Uma dizia que era o Carlos, outra era uma foto de Vidal e Helena conversando com uma moça morena, corpuda e altura mediana que provavelmente tinha minha idade e a última era uma mensagem de Marcela falando para eu contar depois como foi no cinema. Respondi a mensagem de Carlos dizendo apenas que salvei seu número, não queria me preocupar com Vidal naquele momento, e depois respondi Marcela. Olhei para o relógio novamente e já era dezenove e dez, pulei da cama e peguei uma saia azul escuro florida que ia até metade da coxa e uma blusinha branca lisa. Me maquiei, coloquei um cordão prata em formato de gota e deixei meu cabelo solto.

Peguei minha bolsa e joguei dinheiro, carteirinha de estudante, batom, chave de casa e meu celular nela, fechei toda a casa e fui até o chofer que já me esperava, pois no dia anterior tínhamos combinado de que ele faria hora extra para me levar e buscar do cinema. Quarenta minutos depois o motorista parou em frente ao shopping, andei depressa até o cinema e vi Rafael parado olhando de um lado para o outro, ele usava uma calça jeans preta e uma blusa salmão com o nome de uma banda que não conhecia, nas mãos segurava duas pipocas e duas latinhas de refrigerante. Respirei fundo e fui até ele.

– Oi, desculpe o atraso. – Falei.

Ele abriu um sorriso de orelha a orelha ao me ver fazendo meu coração acelerar, seu sorriso o deixava com um ar infantil, o que era adorável.

– Tudo bem, acontece. Comprei a comida, achei melhor adiantar porque que já começou a sessão. Ia comprar os ingressos também, mas eu não tenho a sua carteirinha estudante. – Respondeu-me sem tirar o sorriso do rosto.

– Beleza, obrigada pela pipoca e o refrigerante.

Fomos até a fila do filme que por sorte estava vazia, havia apenas três pessoas na nossa frente. Quando chegou a nossa vez escolhemos sentar no único lugar livre, o canto direito duas fileiras antes da última fila, Rafael falou que ia pagar meu ingresso, mas disse que não precisava e paguei antes que ele pudesse insistir. Ele franziu a testa e balançou a cabeça em negação, pagando o próprio ingresso em seguida. Entramos na sala e estava passando o trailer de um filme nacional com um comediante. O lugar que escolhemos era horrível, tinha dois homens muito altos na nossa frente e duas adolescentes atrás conversando em uma voz estridente. “Quando eu me for” era um romance sobre dois amigos de infâncias que se apaixonam na adolescência, mas todas as circunstâncias conspiravam contra o amor deles, estava querendo ver esse filme a semanas e quando ele começou a passar na tela percebi que era melhor não ter ido ver, pois as adolescentes passaram a falar mais alto e os homens da frente começaram a se remexer na cadeira.

Depois de vinte minutos de filme finalmente houve silêncio ao meu redor, as meninas não mais falavam e os homens que faziam barulhos irritantes com o arrastar das roupas no banco escolheram uma posição. Passei meus olhos das pessoas pra tela e depois para Rafael, ele estava novamente com a testa franzida e mordia o lábio, provavelmente não estava prestando atenção no filme. De repente ele se virou para mim, sorriu e começou a passar o dedo no meu pulso em um movimento circular. Voltei minha atenção para a cena da protagonista comparando o amor com um doença, uma gripe que você pega de repente e demora a passar, causando cansaço e dor. Uma gripe extremamente indesejada. A protagonista do filme não tinha motivos para ser descrente no amor, a vida dela era boa e feliz, ela tinha tudo o que queria e o amor de todos seus familiares, mas mesmo assim matinha seu discurso cínico de que entre o amor e o nada, ela sempre escolheria o nada.

– Não me leve a mal, mas a próxima vez eu escolherei o filme. – Rafael sussurrou.

– Por quê?

– Porque esse é muito… romântico.

Ri mais alto do que deveria fazendo uma moça que estava do lado de Rafael encarar-me. Respirei fundo e voltei a falar.

– É um romance, esperava que fosse o quê?

– Eu sabia que ia ser romântico, mas não esperava que fosse tão meloso e clichê.

– Eu gosto de clichês.

– Eu também, mas em filmes de terror, ação, guerra.

– Você não gosta é do gênero romance mesmo.

Rafael balançou a cabeça em sinal positivo, voltei a olhar para a tela e senti seus braços passarem ao redor do meu ombros, olhei para ele com o canto do olho e segurei um sorriso. No final do filme fomos para a praça de alimentação, ele foi até a fila e eu peguei uma mesa com lugar só para dois, depois de um tempo ele voltou com uma bandeja com x-bacon com salada, refrigerante e batata frita para mim e outra bandeja com batata frita, hambúrguer com quatro queijos e suco.

– Está bom o hambúrguer? – Perguntei.

– Uma delícia. Ainda bem que viemos comer, só aquela pipoca e o refrigerante não iam matar minha fome.

– Você come demais.

– Estou em fase de crescimento.

– Até parece… Eu estava pensando, você sabe bastante sobre mim, mas eu não sei muito sobre você.

– O que quer saber?

– Ah, não sei, o que quiser falar.

– Bom, quando eu tinha quinze anos eu tinha um amigo imaginário, eu tinha muitos amigos de verdade, mas preferia meu amigo imaginário. Claro que ninguém sabia que eu passava horas conversando com ele, se soubessem iam me mandar para um psicologo.

– Isso é meio...estranho. Você era um adolescente muito estranho. – Ri enquanto falava.

Rafael fez uma expressão indignada e depois emburrada, semicerrou os olhos e fez bico fazendo-me rir. Por fim ele riu e disse “ era mesmo, mas isso já passou”. Ele continuou contando que quando era criança e apanhava dos pais ele saía no dia seguinte contando para todos os amigos o que os pais tinham feito com ele, como os pais eram terríveis e ele sofria muito. Falou que aprendeu a nadar com treze anos, pois tinha medo d'água do mar, contou sobre o sonho de montar sua própria empresa de informática e viajar pelo país. Disse sobre as perdas de entes queridos e sobre a época em que ele e Vidal brigavam ao ponto de passarem meses sem se falar, e depois de como os dois aprenderam a lidar um com o outro. Depois de comermos liguei para o motorista para me buscar.

– Eu vou para casa com você, sei que o motorista vai junto, mas quero ter certeza que vai chegar bem. – Falou.

– Não precisa, depois vai ficar muito tarde pra você ir pra casa.

– Eu sei, mas não me importo. Vou ficar bem.

– Tudo bem então.

Ele pegou minha mão e me levou para a rua aonde esperamos o chofer por trinta minutos. Quando cheguei na minha casa Rafael desceu do carro insistindo em me acompanhar até a porta, mas antes pedi para o chofer deixar Rafael na casa da minha tia e disse que no dia seguinte era para acertar o pagamento da hora extra com mamãe.

– Bom, chegamos. – Rafael falou.

– É o que parece.

Rafael riu e me encarou por alguns segundos, pegou minha mão e depositou um beijo nela e disse:

– Sabe… eu gosto muito de você.

Ficou olhando-me a espera de uma resposta, mas tudo o que consegui fazer foi olhá-lo de volta e depois forçar um sorriso, minha respiração ficou mais pesada e parecia que a noite tinha ficado ainda mais quente. Ele se aproximou de mim devagar sem deixar de mirar meus olhos, parou a poucos centímetros e encostou sua testa na minha.

– Vai ser muito bom se sentir o mesmo por mim. – Falou.

Antes que eu pudesse pensar em responder senti seus lábios nos meus e em seguida sua língua pedindo passagem, dei um passo para frente e coloquei minhas mãos ao redor de seu pescoço enquanto ele colocava a mão na minha cintura. Sua hálito era da pastilha de hortelã que comeu no carro e sua boca e língua tinham um gosto indescritível, diferente da boca de outros garotos, muito melhor. Imediatamente pensei que nunca cansaria da boca dele na minha. De repente comecei a ser empurrada para trás e senti a parede atrás de mim, Rafael apertou seu corpo contra o meu e me beijou com mais urgência, coloquei uma mão na sua nuca e a outra no seu braço correspondendo a altura. Depois de um tempo me afastei dele um pouco para respirar, mas em seguida ele me apertou em um abraço.

– Você beija muito melhor do que imaginei. – Sussurrou no meu ouvido e depositou um beijo em meu pescoço.

– Obrigada. Eu preciso entrar agora.

– Mas está cedo.

– São mais de onze horas da noite, não tá cedo. Depois a gente se fala, boa noite. – Falei ainda com o coração acelerado e sem tirar o sorriso do rosto.

Ele sorriu e me deu mais um beijo, um beijo mais calmo e sem pressa enquanto mexia no meu cabelo. Se afastou novamente e começou a distribuir vários beijinhos pelo meu rosto, ri e o empurrei de leve para fazê-lo entender que estava na hora de ir.

– Boa noite ruivinha.

Dito isso ele se foi, mas antes de entrar no carro olhou-me uma última vez. Entrei dentro de casa e fui direto para o banheiro tomar banho, escovar os dentes e colocar o pijama. Depois joguei um edredom na cama e deitei ainda sentindo os lábios de Rafael em cima dos meus e a mão dele em minha cintura.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Qualquer coisa só me falar. A música que o inicio do capítulo se refere é essa aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ge-OQ5-0oXg
Até o próximo. Beijinhos.



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