Cachinhos castanhos e os três negros escrita por Belle17
Finalmente chega o dia 22 de março. Um dia triste para Benedito, dia em que precisaria deixar para trás todas as pessoas que o amavam independente de sua cor.
No quarto dos garotos, os colegas do negrinho se amontoavam ao seu redor.
– Parabéns, Bene!
– É! Meus parabéns!
– Desejo tudo de bom!
– Eu também!
– Feliz aniversário!
– 18 anos? Já tá idoso, hein?
– Cuidado para não ser preso!
– Boa sorte na vida!
Benedito, entretanto, não estava muito contente com as saudações. Sentado em sua cama, corcunda, respondeu:
– Obrigado, pessoal... mas...
Seus olhos revelavam uma preocupação imensa.
– O que houve, Benedito? - indagou Roberto, com seus óculos redondos enormes - deveria estar feliz por ter completado 18 anos. Agora você pode fazer tudo! Sabe o que significa tudo? Com 18 anos, a pessoa já pode até atravessar a rua sem dar as mãos a um adulto! Isso é demais, cara!
– A vida não é tão simples assim, Roberto...
– Como assim?
– Ah... você só tem 10 anos. Um dia vai entender.
Cristiano, menino de treze anos, se aproximou do aniversariante e disse:
– Eu te entendo, Benedito. Sei como você deve estar se sentindo. Mas agradeça, afinal, você teve sorte. Se tivesse completado dezoito ano passado, estaria debaixo da ponte, agora. Mas o destino fez com que o senhor Abnego viesse e apresentasse sua escola. Fique contente por isso! Em vez de ir pras ruas, você vai morar numa república e estudar pra ser alguém na vida! E com certeza as aulas daquele lugar devem ser melhores que as da senhorita Ivo...
– Eu sei, Cristiano. Já pensei em tudo isso. Mas é que... aqui, no orfanato, eu fiz amizade com todo mundo. Tanto com vocês, meninos, como com as meninas. E também tem a Hannah... a Mia... principalmente a Mia, mulher que me acolheu desde que me encontrou no lixo... não queria deixar vocês...
Naquele momento, o quarto silenciou. Ninguém mais teve coragem de dizer qualquer palavra.
Ouve-se então, alguém bater na porta de leve. Uma mulher loira aparece, com um sorriso no rosto e carregando um embrulho nas mãos.
– Mia! - exclamou Benedito.
A moça caminhou elegantemente até sua cama e abraçou o aniversariante. Sem perceber, deixou lágrimas escaparem de seus olhos.
– Benedito, meu querido...
O rapaz também se emocionou.
– Mia... eu não queria ir...
– Benedito, preste muita atenção no que eu vou te falar...
Enxugando as lágrimas, o aniversariante ergueu a cabeça e olhou no fundo dos olhos da mulher, que continuava:
– Você infelizmente não tem escolhas. A vida é assim: ou estuda ou vai pra rua. Você precisa ir com o senhor Abnego. Ele parece ser um homem muito gentil e cavalheiro. Até conseguiu arrancar um sorriso da senhorita Ivone... falso, mas era um sorriso...
Benedito deixou escapar uma risada abafada.
– Vamos tomar café - prosseguiu Mia - o Abnego disse que viria hoje bem cedo, então é melhor você se apressar. Já fez as malas?
– Já - respondeu o jovem, apontando para uma velha maleta.
– Ótimo. Ah... quero que fique com isto - disse a doce mulher, colocando o embrulho no colo de Benedito.
– O que é isto?
– Não abra agora. Quero que veja só quando chegar na República, está bem?
O garoto olhou novamente em seus olhos e respondeu:
– Está bem.
– Bom. Agora venham, meninos. Desçam todos! O café está na mesa!
A criançada pôs-se a correr escada abaixo, ansiosos pela deliciosa refeição preparada por Hannah e Mia.
Na sala destinada à refeição, toda a garotada, meninos e meninas, cantaram "parabéns a você" para o novo homenzinho do orfanato. Dona Ivone, porém, nada dissera.
Às oito e meia da manhã, ouve-se a campainha tocar. A proprietária do orfanato correu imediatamente até a porta, imaginando ser a tão esperada visita.
– Bom dia, senhorita Ivone! - cumprimentou Abnego, outra vez trajando roupas impecavelmente arrumadas e apresentando uma postura formal.
– Bom dia, senhor! - respondeu a mulher, apertando a mão do homem.
Em seguida, virou-se para as crianças e gritou:
– BENEDITOOOOOOOOOO! VAI LOGO EMBORA!!!
O menino pegou sua pequena maleta e o presente de Mia, que estavam em cima da mesa onde tomara seu último café da manhã no orfanato Éden.
Antes de se dirigir à porta, porém, todas as crianças correram até Benedito para o abraçarem. Inclusive, claro, Mia e Hannah.
– Vamos sentir sua falta, Bene! - disse Roberto.
– Nunca se esqueça de nós! - exclamou Cristiano.
– Te amamos, cara! Vai com Deus - falou Rogério, seu amigo.
– Não vamos esquecer de você - disse Clementina, com voz tímida.
Todos se despediram do jovem, que, antes de partir, andou até Laura, que estava em um carrinho de bebê próximo a criançada.
Agachando-se, Benedito sussurrou para a garota, olhando em seus olhos:
– Adeus, Laurinha! Você só tem um mês de vida, mas vou sentir sua falta. Boa sorte nesta vida... negrinha!
Em seguida, beijou a testa da menininha e levantou-se.
Ao lado do senhor Abnego, deu o último aceno para a turma do orfanato e entrou num táxi.
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