Shoot into the sky escrita por SilenceMaker


Capítulo 1
Pensando em um nome


Notas iniciais do capítulo

Yoo minna! Pois é, primeiro capítulo. Não sei se apressei demais as coisas mas estou satisfeita com o resultado. Revisei, mas pode ser que tenha deixado passar alguma coisa. Obrigada por lerem!!!



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Havia um campo de grama alta, verde e vistoso, que se estendia até se perder de vista. O céu era azul, com algumas nuvens alvas decorando-o aqui e ali, o sol brilhando forte e quente. Haviam flores espalhadas, todas coloridas, vibrantes, vivas. Pulando entre essas flores estavam bolinhas brancas de pelo. Não dava para se ver nada além das pontas das suas longas orelhas. Era bom, a brisa soprando-lhe no rosto, o cheiro das flores — a paz naquele lugar.

Mas claro que ele estava sonhando.

Ele nunca tinha estado em um campo de flores na vida.

E, como de praxe, Eli acordou.

Ele abriu os olhos lentamente, acostumando-se com a luz do sol que entrava em seu quarto pelas persianas meio abertas. Se revirou um pouco, chutou as cobertas até ficarem enroscadas em seus pés, e se espreguiçou. Um bocejo lhe escapou. Eli sentou-se, passando a mão pelo cabelo castanho escuro e ondulado e o bagunçando ainda mais. Levantou.

Enquanto andava em direção ao banheiro, que não era um caminho muito longo, lembrou-se vagamente que naquela tarde ele precisava entregar o vacinador automático para o hospital (um pequeno favor que ele devia).

Estava prestes a sair quando se deu conta de que não havia calçado os sapatos, e que não fazia a mínima ideia de onde estavam. Depois de procurar por dois minutos, cansou e até cogitou sair descalço. Não seria a primeira vez que faria isso. Mas por fim encontrou-os inexplicavelmente pendurados em um cabide dentro de seu armário.

Eli saiu do quarto. Sentiu o cheiro de café preenchendo o corredor largo de piso e paredes de cimento. Mais gente saía de seus quartos em direção ao refeitório, estômagos roncando. A maior parte dessas pessoas usavam as roupas cinzas militares.

Ele não era um civil da área urbana, que usufruía das lojas e utilizava os meios de transporte ultrarrápidos para chegar no trabalho. Ele era o mecânico do exército. Era ele quem fazia armas e novos equipamentos para os soldados, vez ou outra montava mechas gigantes quando tinha vontade. Com 23 anos, com certeza era o mecânico mais jovem que Hust já tivera (afinal, antes dele só uma pessoa ocupara essa mesma posição).

Quando Eli chegou no refeitório, seus ouvidos foram invadidos com a conversa alta de seus colegas. O refeitório tinha um teto imensamente alto e era amplo, com cadeiras fixas ao chão e grandes mesas circulares. As mesas estavam quase todas ocupadas, com vários corpos andando de um lado para o outro carregando as bandejas com comida.

Eli pegou qualquer coisa para o café da manhã e se juntou a um grupo, no meio da multidão.

— Acordou tarde — foi a primeira coisa que escutou, seguido de uma risada alta. — Bebeu muito ontem?

Ainda sonolento, Eli murmurou algo sobre coelhos e sentou-se, quase derrubando sua bandeja. O outro rapaz, Tain, ainda rindo, começou a contar-lhe sobre a noite anterior. Aparentemente ele testara um protótipo de simulação para treino que Eli havia construído.

Mas ele não escutava nada. Mordiscava distraidamente em um pedaço de pão, enquanto sua mente captava fragmentos aleatórios de conversas ao seu redor. Alguém quebrou um par de óculos noturnos dias antes, alguém se engasgou com a comida, a cozinheira gritava alguma coisa da cozinha, o governante de Bayston estava se encrencando com eles, o cachorro de algum soldado estava doente, e algo sobre Tain quase ter sido decapitado no simulador.

Eli foi repentinamente trazido de volta a realidade quando ouviu o som de uma bandeja caindo no chão. Todas as conversas do refeitório silenciaram, a atenção voltada para a mesa ao lado da que ele estava.

Era uma moça, alta, de cabelos curtos. Ela estava parada, suas mãos deixaram a bandeja para pressionar o pequeno aparelho que tinha no ouvido. Parecia escutar algo, concentrada, até se dar conta de que todos no refeitório olhavam para ela. Ela pareceu desconcertada. Recolheu sua bandeja e rapidamente sumiu de vista. Em alguns minutos todos agiam como se o incidente não tivesse ocorrido.

— O que houve com a Janna? — Eli perguntou, a testa ligeiramente franzida.

— Nem sei — um outro rapaz em sua mesa respondeu, dando de ombros. — Deve ter alguma coisa a ver com as notícias da manhã. Talvez algo relacionado com a cidade que o irmão dela está servindo ou qualquer coisa do tipo.

Ninguém parecia muito interessado, então Eli apenas assentiu.

… …

Depois que terminou de comer, Eli deixou a bandeja junto com as outras sujas e fez seu caminho para sua oficina. Ela ficava longe das áreas comuns dos dormitórios, mais perto da área de treino dos soldados de combate. Ele precisava de espaço caso fosse retirar algo grande como um veículo, afinal.

Quando saiu para o ar livre, Eli piscou para se acostumar à luz pálida do sol e continuou andando.

Diziam que a luz do sol costumava ser mais forte, antes de toda a bagunça nuclear e toda a industrialização absurda que seguiu. A atmosfera estava mais densa, pelo que parecia.

Algumas cidades se safaram do dano radioativo da guerra, devido à tecnologia, escondida dos civis, que o governo havia guardado. Toda a radiação foi "sugada" por vários dispositivos espalhados em cantos estratégicos (ninguém nunca realmente entendeu como isso funciona) e apenas as pessoas expostas a ela no início dos ataques foram afetadas. Agora até mesmo as cidades mais infestadas não teriam radiação suficiente para fazer mal a algum ser humano.

A vida continuou normal.

Isso é, tão normal quanto possível. Se alguém pegasse um dos inúmeros trens magnéticos para outra cidade veria muitas, muitas áreas inteiras em ruínas. Prédios antigos reduzidos a montanhas de pedras, a natureza tomando conta do que antes era ocupado apenas por pessoas. Sem falar que, com a existência de armas cada vez mais destrutivas não mais ocultada, o pensamento de uma guerra virou uma coisa muito menos absurda.

Os exércitos receberam mais investimento e tecnologia que muitos outros setores. Tanto que, para manusear tal tecnologia, mecânicos engenhosos foram contratados. Coisas que — Eli ouviu os idosos, sobreviventes da Guerra Nuclear, comentando — existiam apenas em ficção, agora eram facilmente alcançadas.

A primeira vez que deu na telha de Eli construir um mecha gigante, transformar seu protótipo de um metro em uma máquina de quinze, ele foi testado a plena vista dos civis. Eli recebeu diversas visitas, principalmente dos idosos, que queriam admirar a máquina perfeitamente funcional e contar-lhe histórias sobre os filmes de suas épocas, que sempre sonharam com a existência de todo esse aparato tecnológico.

Aparato tecnológico o qual, aliás, influenciou enormemente na estrutura das cidades. Uma das coisas mais comuns agora era ver construções imensas, cujas alturas alcançavam a estratosfera — quase tudo feito de metais e vidro. Tudo para otimizar o espaço de uma civilização em extinção.

Eli ajeitou os óculos de proteção que escorregaram um pouco.

Jorge Hust fez um bom trabalho, Eli pensou, juntando os cacos de várias pessoas destruídas e amontoando tudo em um lugar só. Tanto que a cidade até ganhou seu nome. Assim foi com todas as outras cidades sobreviventes: um salvador e várias ovelhas perdidas — nada disso era novo. Nada mais era espetacular. Tantas coisas se tornaram tão incríveis que deixaram de ser incríveis.

Eli chegou em sua oficina, a porta reconhecendo o chip instalado entre suas costelas e abrindo a gigante porta de garagem. O espaço era grande demais para apenas uma pessoa trabalhar, mas se fosse menor não caberia nada. Por exemplo, Eli estava reparando o gerador de energia de uma das bases das forças aéreas, e apenas aquilo era mais alto que 14 Elis empilhados um em cima do outro.

E o gerador era pequeno se em comparação a outras coisas, ainda.

Eli deixou uma de suas máquinas empacotando o vacinador automático e decidiu começar o dia mexendo no motor de um dos tanques que construíra pouco tempo atrás. Queria deixá-lo mais potente. Um tanque que pudesse mover-se mais rapidamente poderia vir a calhar um dia.

Abriu sua caixa de ferramentas, tirou o que precisava e guardou nos bolsos de seu macacão. Calçou as luvas, arrumou os óculos no rosto e pôs-se a trabalhar.

Como acordou logo que o sol nasceu, teve tempo suficiente para completar o motor antes do almoço. Eli levantou os óculos, as mãos sujas de graxa, e olhou satisfeito para seu trabalho. Ele era bom naquilo, precisava admitir. Aquele tanque facilmente correria tanto quanto um daqueles carros dos vídeos antigos… como era o nome? Carro de fórmula 1.

Não era muito, mas certamente o suficiente.

Ele não se deu ao trabalho de tirar suas ferramentas dos bolsos e se encaminhou para o refeitório mais próximo. Lá, apenas os soldados de combate que estavam treinando (e Eli) comiam.

— Eli! — Janna exclamou e se aproximou correndo. Ela parecia animada. — Eli, e a minha arminha de braço? Já está pronta? Estou louca para testar!

— É só ir lá depois que eu te entrego. Mas não coloquei nenhum lançador de fogo naquilo, só avisando.

— Ah, por quê? — Ela fez cara de choro.

— Porque você é especializada em ataques noturnos, duuh. Imagine se você pega e ativa um lança-chamas no meio da noite.

— Mas eu estou te pedindo faz séculos o lança-chamas! Você disse que ia fazer!

— Eu menti. Você acha que sou louco? Nah, uma arma normal está mais que bom. Agora vai comer.

… …

Lá pelo fim do dia, quando Eli estava dando os toques finais no gerador, um beep começou a soar do painel de controle no canto da oficina. Alguém o estava contatando. Eli fez um sinal com o braço na direção do painel e o barulho parou, no lugar abrindo no ar uma espécie de holograma.

Apareceu a imagem de uma moça, com mais ou menos a mesma idade de Eli. Ela tinha os cabelos castanhos presos em um coque, suas roupas impecáveis. Mas seu sorriso jovial contradizia o ar sério do resto da imagem.

— E aí? — ela cumprimentou, sua voz aguda soando nítida. — Meu Deus, você parece um monstrinho. Mergulhou em uma piscina de graxa?

— E você parece uma bruxa… Não, pera.

Ela riu.

— Muito trabalho aí?

— Um pouco — Eli olhou em volta. — Mas posso fazer tudo no meu tempo, está tranquilo. E por aí?

— Ah, as coisas andam um estresse. — Ela suspirou. — Os carregamentos têxteis não chegaram aqui em Marshe e os comerciantes estão pulando em cima de mim como pragas. Às vezes eu odeio ser governante, sabia? Me pergunto porque sequer me candidatei para essa furada.

— Foi porque você não sabia mais o que fazer da vida, Nehe. Lembra que você disse que qualquer coisa era melhor do que ficar presa em um escritório de advocacia?

— Não que isso aqui seja melhor. Acho até que eu prefiro as loucuras da advocacia, como uma máquina de gás ilegal que matou alguém, do que essa porcaria de governo. Eu passo o dia inteiro lendo coisas e resolvendo um monte de assuntos que, de verdade, não me importam. Estou cansada. Preciso de férias.

— Férias que você provavelmente nunca vai ter?

— Exato.

Nehe abriu a boca para falar algo mais, mas seu nome foi chamado por um de seus empregados. Ela o escutou por alguns momentos e suspirou novamente.

— Preciso ir. Só queria dar um oi mesmo. Até mais.

— Até mais.

O holograma dela apagou-se.

Eli sentiu-se mal por sua amiga de infância. Não achava que já havia visto alguém tão cansado daquele jeito. Mas os resultados do trabalho duro a fariam feliz. Por isso ela ainda não havia caído fora.

— E… pronto — sussurrou Eli para si mesmo, terminando de vedar o gerador.

… …

No decorrer dos dias Eli foi ficando cada vez mais empilhado de serviço — novatos fazendo mau uso de equipamento, uma aeronave que decidiu pifar do nada, e mais tudo que não precisava dar errado mas deu — e, após admitir que talvez não conseguiria terminar aquilo tudo tão rápido quanto achava, decidiu ficar um dia além de seu horário normal. Ele precisava terminar pelo menos uma parte daquilo, ir adiantando, para não se arrepender depois de ter sido bunda mole.

Já fazia horas desde que anoitecera. Eli catou algo rápido do refeitório do campo de treinamento e deixou no canto para comer quando tivesse tempo.

Em um momento que Eli diria já ser madrugada, ele finalmente decidiu parar. Ele chutou para longe uma mão quebrada de um mecha e se jogou em sua cadeira, puxando para perto o prato de comida frio. Ele nem sabia o que era aquilo, podia ser uma barata que ele nem perceberia, mas colocou na boca de qualquer forma. Estava morto de fome.

Talvez tenha se empolgado demais. Sua boca estava muito cheia.

Eli tentou mastigar melhor, tentou engolir, quando a porta que ligava a oficina aos corredores internos se abriu. Eli levantou os olhos. Sentiu seu sangue gelar ao fixar o olhar na figura que entrava. Não ousou se mover.

Era visivelmente um soldado, mas suas roupas eram diferentes das dos soldados de Hust. Um invasor? Mas para ter chegado ali não poderia estar sozinho. O olhar de Eli se fixou na arma que o outro carregava, nas armas de punho presas a cintos nas pernas, e engoliu a comida. O que estava acontecendo?

O invasor não lhe deu tempo para pensar. Deu mais passos para dentro da oficina, em direção ao mecânico. Eli lentamente se pôs de pé, cauteloso. Seu olhar mudou por um instante para a porta, receoso de mais pessoas aparecerem.

Quando ele voltou para o invasor, este já estava em meio gesto de levantar a arma. Foi o suficiente para que Eli pulasse para o lado. Mas o invasor não atirou. Ao invés disso, olhou em volta, como se procurasse por alguma coisa.

Que se dane.

Eli foi rápido em pegar a primeira ferramenta de seu bolso (uma chave inglesa grande e pesada) e avançar. O intruso foi pego de surpresa, mas reagiu a tempo, mudando o ataque de direção. Eli usou a distração para, com um chute, jogar a arma do outro para longe.

Uma explosão soou ao fundo, não muito longe da oficina.


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Notas finais do capítulo

Yay. É isso aí. Se quiserem deixar opiniões, e tudo mais, são mais que bem vindos! Espero que tenham gostado. Próximo capítulo... sei lá quando vai sair. Um dia vai.



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