O Garoto da Lua escrita por Ryskalla


Capítulo 3
Capítulo 3 - Cecille


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora, povo, trabalho, revisão de MdB pra publicar e respondendo os reviews atrasados... enfim c_c Espero que gostem, qualquer erro avisem, por favor D:



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A cada ser vivente, os Thecilles deram uma função, sendo todos igualmente importantes na construção do bordado da vida.

O Livro dos Thecilles, versículo II.

 

Ele estava horrível. A lua brilhava solitária na escuridão e ainda assim era possível ver a agonia que ele sentia. Mesmo a luz fraca parecia cegá-lo. Seu corpo inteiro tremia e pela primeira vez sua pele tinha a aparência da idade que deveria ter.

— Moros… Moros… — ele sussurrava, mal era possível ouvir sua voz rouca.

— Não… Cecille. Você está seguro agora, Aubrey — busquei tranquilizá-lo. Algumas fadas voavam ao seu redor, curiosas. Coraline observava a tudo com um olhar soturno, seus tentáculos cheios da areia da praia.

— A luz... — As lágrimas corriam pelo seu rosto, sua respiração já não era ofegante. Parecia que ele havia se convencido de que o ar sempre estaria ali por ele. Eu tentava pensar em como poderia carregá-lo, onde poderia escondê-lo… Coraline certamente não poderia fazer aquele trabalho, não ali.

— Aubrey, consegue ficar em pé? — perguntei, preocupada. O rapaz balançou a cabeça negativamente. Ele estava diferente, mais calmo… senti vontade de abraçá-lo, mas não o fiz. Todos esses anos se afogando no escuro haviam despedaçado a esperança que ele possuía. No fim, ele acreditava que aquilo era apenas um sonho… — Encontrem um lugar que ofereça abrigo, um lugar escuro.

As fadas prontamente obedeceram. Aubrey agora era apenas um corpo encolhido na areia, sentei ao seu lado e Coraline se arrastou para perto. Ela não conseguia compreendê-lo e ainda assim parecia interessada por sua aparência. Era o primeiro humano que conhecia.

— Ceci… Cecille… — Eu o ouvia me chamar. A sensação tão conhecida de vazio pareceu me preencher. Sempre achei engraçado o fato de alguém ser capaz de estar cheia de vazio. Mas era o que eu sentia naquele momento, um vazio crescente que me engoliria a qualquer momento.

— Sim?

— Isso é um sonho?

— Não, Aubrey.

— Eu não quero mais… não quero lutar… — passei a mão em seus cabelos quebradiços e molhados. Ele dormiria por um longo tempo até conseguir se recuperar e ainda assim não seria o suficiente. Aquela ferida jamais sararia.

— Coraline — chamei, apesar dela estar tão próxima. Tinha consciência de que sua mente se encontrava perdida nos mais profundos pensamentos.

— Chamou? — indagou, distraída. Aquele belo tom grená que pertencia aos seus olhos encaravam o oceano sem fim.

— Está feliz em existir? — Era uma dúvida constante que permeava meus pensamentos. Nenhum deles havia pedido por isso e ainda assim…

— Imagino… que eu não sei qual seria a sensação de não existir. Mas gosto da aparência do mar. Não estou infeliz. — De algum modo, aquelas palavras me deixavam triste, embora aliviada. Coraline não sabia ainda as coisas boas que a vida era capaz de proporcionar, contudo… tinha consciência de que com o tempo iria descobrir. Era dona de uma sinceridade tocante e era capaz de observar o mundo de forma tão atenta… que eu temia pela sua felicidade.

— Preciso de sua ajuda novamente, mas não há motivo de pressa, ainda. Tem o tempo da recuperação de Aubrey para começar. Deve levar dois dias, pode usar esse período da maneira que desejar — ela acenou, porém seu olhar continuava fixado em mim. Ela gostaria de saber a missão que a aguardava antes de decidir.

— Moros é alguém antigo, tão antigo que os humanos não se lembram de como eram suas vidas antes dele. Mesmo Aubrey é jovem demais se comparado a ele… nem eu vivi tanto. — comecei, eu já vinha pensando nisso há algum tempo. Precisava de respostas antes de realizar qualquer movimento brusco. Eu precisava saber com quem estava lidando. — Só há uma criatura capaz de se lembrar…

— E qual seria?

— Uma sereia. Creio que elas sejam as criaturas mais antigas que se tem notícia, são nossa única chance de encontrar qualquer pista que seja sobre Moros. — Coraline permaneceu em silêncio por longos minutos, cogitando, avaliando… ou talvez apenas quisesse apreciar o marulho.

— Qual a aparência de uma sereia? — questionou. Suas perguntas eram objetivas e, por algum motivo, aquilo me lembrou de como eu era antigamente. A boneca que parecia incapaz de manter sua boca fechada… imagino se Coraline odiaria meu jeito de ser do passado.

— Isso varia… Elas geralmente assumem a aparência que acreditam ser capaz de encantar alguém. Ninguém sabe sua verdadeira forma… eu não sei como elas se apresentariam para você. — Ela acenou, em sinal positivo. O que ela estaria pensando? Por vezes me sinto tentada a ver pelo outro olho, mas o mantenho trancado. Thierry não era capaz de bloquear aquelas imagens… talvez porque ele era o encarregado de escrever no livro. Minha tarefa era apenas desenhar.

— Onde posso encontrá-las? — Penso nunca ter achado alguém tão objetivo! Coraline certamente não tinha consciência de como aquilo me incomodava. Talvez eu mesma não tenha certeza de porque me perturba. Creio que seja porque vivi perdida durante muitos anos da minha vida… tinha um objetivo definido, porém minhas atitudes eram tão vacilantes! Distraía-me com tanta facilidade que me envergonho. Entretanto desta vez será diferente, a imagem daquele ser me apavora o suficientemente para me dar o foco necessário.

— É uma longa jornada… vivem bem ao norte, habitam as proximidades de uma ilha chamada Delfinos. — levantei e olhei ao redor. Não havia nenhum galho próximo que eu pudesse usar. Afastei minha franja e olhei para Aubrey por um momento, buscando nos localizar, estávamos mais ao sul do que imaginei. Tornei a arrumar meu cabelo e me ajoelhei no chão e iniciei meu desenho com o dedo indicador. — Nós estamos aqui… Essa parte não consta nos mapas atuais, ainda. Imagino que os themaesthianos conheciam essas terras, mas como a cultura deles foi destruída, não há como ter certeza. Aqui é a Ilha de Moros…

Desenhei os quatro reinos, as ilhas habitadas e desabitadas. Havia a ilha do pequeno Enzo… mas agora ela estava vazia. Um ataque pirata comandado pelo temido Capitão Vinccenzo Faísca havia sido o responsável por isso. A cada lugar que eu desenhava, uma lembrança diferente me assolava… Anankes trazia a memória de Rick, um rapaz castigado pelo passado. E Herse… a morte de Leharuin ainda me abalava. A vingança nublou sua visão por tanto tempo, que talvez tenha sido seu castigo. E a pobre Liese não resistiu por muito mais tempo…

— Está triste? — Coraline questionou, confusa. Talvez por não entender sua tristeza, talvez por só compreender o conceito de tal sentimento naquela hora.

— Estou lembrando… você não tem muitas memórias agora, no entanto, quando viver o suficiente, terá memórias que lhe deixarão triste.

— E por que eu gostaria disso? — Era uma pergunta válida, não pude deixar de sorrir.

— Porque essas lembranças lhe trarão ensinamentos, porque provando a tristeza… você saberá reconhecer a alegria. Contudo, não deve se entregar a ela. A tristeza é importante, mas não vale a pena ser infeliz. — Ela caiu em silêncio novamente e eu pouco depois terminei o mapa. Fiz uma marca na Ilha de Delfinos e avaliei a viagem por um momento. — Está vendo? É até aqui que deverá ir… talvez encontre algumas sereias pelo caminho, seria bom, porque elas poderiam te ajudar. Porém, de todos os modos, poderei te guiar durante a maior parte do tempo, só precisa chamar meu nome.

— Cecille! Cecille! — As fadas haviam voltado. Aubrey se moveu ligeiramente, eu temia que o Sol nascesse e sua situação apenas piorasse. — Achamos um lugar, mas é um pouco distante...

— Aubrey… consegue levantar? — perguntei, insegura. Ele soltou um resmungo e temi que ele sequer tentasse. Todavia, ele sabia tanto quanto eu que seria pior caso ele não levantasse. O Sol logo nasceria e com ele viria mais sofrimento. Com muito esforço, ele apoiou seus braços na areia fofa. Eles tremiam tanto que acreditei que tudo seria em vão, e que no fim ele apenas desabaria ali mesmo e eu não conseguiria pensar a tempo em um meio para transportá-lo.

Nunca fiquei tão feliz em estar enganada.

A força dele voltou e apesar de seu corpo ainda tremer, ele conseguiu controlá-lo melhor. Sua respiração voltou a ficar ofegante, imagino que um misto de desespero e exaustão.

— Cecille. — Coraline me chamou, desviei o olhar para ela por um momento, porém logo depois tornei a focar Aubrey. Tinha medo de que ele se machucasse. — Posso partir agora?

— Para onde? — questionei, desorientada.

— Em busca das sereias... — respondeu com doçura. Tornei a encará-la, era a primeira vez que ela usava aquele tom.

— Se desejar… terei que levar Aubrey para um refúgio agora. Não esqueça, só precisa chamar pelo meu nome. — Coraline acenou e antes que eu percebesse, desapareceu nas águas escuras do mar. Aubrey estava parado, me encarando. Algo dentro dele ainda não acreditava, algo dentro dele teimava em acreditar que tudo aquilo era um sonho e mesmo sendo capaz de sentir meu tecido macio o apoiando, mesmo sendo capaz de sentir seus pés doloridos pela caminhada… nada aquilo parecia lhe servir de prova.

Quando Aubrey dormiu, eu olhei seu destino em O Chamado das Borboletas. Seria um longo caminho, para nós dois… mas eu já sabia a missão que ele receberia.

Era sutil, mas havia um destino que eu poderia usar ao meu favor.

— Nebulus Faísca… — sussurrei. Permiti que aquele olho amaldiçoado visualizasse o livro… deveria haver algum modo de fazer com que Aubrey o encontrasse.


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