O Garoto da Lua escrita por Ryskalla


Capítulo 2
Capítulo 2 - Moros


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora pra esse sair ;-; Terminei ele no trabalho hu3, qualquer erro me avisem por favor porque fiz na moita weo UHDSHUHSDAHUASDUHSDAUHADSUHSADUHDS



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Primeiro eu não acreditei. A dor nunca foi bem-vinda, mas aquela era gloriosa. Eu quase me esqueci da vida amaldiçoada que vivi.

Foi então que vi a boneca.

Ela me encarava assustada, com um livro velho e meio acabado em mãos. O corpo daquele que ela chamava de irmão queimava lentamente no chão. Seu mestre estava morto e imagino se eu, naquele momento, parecia com um monstro.

Uma página.

Tudo o que precisei foi de uma página. Uma página e um boneco burro o suficiente para me colocar como personagem.

Ah, sua vadia, não esperava por isso…

Não consegui parar de rir pelas primeiras horas, mesmo que a boneca tenha fugido. Eu não ligava pra ela, que se afogasse no mar. Depois eu cuidaria dela… depois.

Olhei para o livro que se originou de meu corpo. As visões estavam diferentes agora…

No fim você só me deu mais poder…

Respirei fundo, como era boa aquela sensação. Procurei pelo destino dela, desejando que mais um plano houvesse dado certo.

Seria uma procura difícil, de algum modo eu esperava, obviamente ela nunca se colocou como personagem… entretanto ainda havia alguém para me dar a resposta.

Mas o destino de Leharuin não estava no livro, nem de seus amigos.

Havia seu filho, é claro…

Ele não teria a resposta que eu queria.

Nenhum guarda real, apenas uma vaga lembrança de um homem. Leharuin voltou à rua da filha do pianista... e a parte fundamental estava faltando.

Ele matou a feiticeira?

Por mais que eu procurasse, não havia destino algum para me informar. Senti meu corpo arder, primeiro julguei que era raiva.

Só agora eu havia percebido as palavras…

Era uma sorte que uma das bonecas fosse vaidosa. Havia um espelho na torre, assim como diversos potes com tinta e pincel. Pela primeira vez, eu observei melhor o ambiente. Diversos quadros decoravam o lugar, eram muito belos, de fato. A única coisa horrível naquele lugar era o reflexo no espelho.

Ela me arruinara.

Por todo o meu corpo, palavras vermelhas contavam histórias. Ao menos, de algum modo, o meu rosto havia sido poupado. Ergui meu braço, observando o destino final do boneco Thierry… as palavras alteradas, a forma como eu destruí sua existência…

Onde estava a outra boneca?

Ao contrário de Leharuin, eu podia encontrá-la. O vidro em seu rosto foi a maldição que dei àqueles que escreviam em minha pele. Aquele vidro me pertencia…

E, no entanto, ela não estava em parte alguma.

Berrei, um berro carregado de pura frustração. E então veio o medo…

Eles não poderiam me encontrar.

Não iriam, certamente que não.

Eu mataria qualquer um que tentasse se aproximar de mim.

Olhei pela janela, já não estava quebrada como deveria. O Alquimista deve tê-la arrumado. Eles queriam um lar, os tolos… mas quem desejaria viver naquele inferno?

O lugar era quente, úmido, o cheiro do mar era o único conforto. Percebi que estava gritando novamente. Minhas feridas ardiam e o sangue escorria, num belo tom carmesim, assim como as palavras que enchiam aquelas páginas.

— Se Leharuin não a matou, ela virá me matar… se a boneca contar… — murmurei, mas logo depois ri. — Ela não irá me matar… irá me transformar em livro de novo… eu que irei matá-la. Sim, morte e todos aqueles que tentarem me atingir cairão também.

A dor passou. Claro, por que não passaria? Eu estava acostumado com ela, era parte de mim… foi apenas uma reação ao meu antigo corpo. Meu antigo corpo não era acostumado a dor…

Eu teria que começar pelo filho de Leharuin.

Não, não mataria o garoto, ele iria me informar se a mulher estava morta. Não devia ser um trabalho difícil, estava velha… muito velha… seus poderes deviam ter perdido a força. Sim, ela estava velha e eu jovem.

Olhei novamente para meu reflexo no espelho. Aquele era um estranho… como pude me esquecer da minha aparência? Eu era a Lua, era o que minha mãe dizia…

Meu garoto da Lua…

Estava chorando. Os olhos prateados olhavam pasmos para as lágrimas que desciam… meu cabelo branco batia na minha cintura.

Eu parecia com minha mãe.

Tornei a focar minha atenção no lugar. Precisava de algo afiado, meu cabelo não poderia ficar daquele jeito.

E roupas…

Estava um calor infernal, mas eu precisava de roupas.

De noite faria frio, não faria?

Não consigo lembrar.

Havia diversas espadas guardadas em um baú. Estava tudo tão organizado. Eu sabia onde tudo fora guardado e ainda assim havia aquele sentimento de desorientação. As diversas lembranças daquele lugar me afetavam.

Deixei meu cabelo o mais curto que consegui, não queria raspá-lo, apenas diminuir o calor.

E diminuiu.

Sentei em frente ao livro, ainda consciente de que minha mente tinha dificuldade em se concentrar nas coisas. Fechei meus olhos e ignorei as visões… eram tantas agora! Só havia uma visão que eu queria…

Arkell D’Anankes.

Seis meses…

Seis meses desde a morte da sua mãe.

Dois anos desde a morte de seu pai.

E sua irmã ainda parecia preocupada com ele.

A morte do pai não o afetou tanto, não por não gostar dele. Arkell realmente o amava. Mas ele não era como sua mãe.

Os guardas sempre diziam: Arkell era da rainha enquanto Clara era do rei. Havia histórias que seu pai não permitia que circulassem, histórias tristes como as notas de um piano sobre uma garota falecida…

Diziam que o rei Leharuin amou aquela garota tão profundamente que deu o nome a sua filha.

Mas foi a rainha quem escolheu o nome da princesa.

E Arkell não via sentido naqueles sussurros.

Desde a morte de sua mãe, o jovem desenvolveu o estranho hábito de fugir do castelo. Era uma tarefa difícil, considerando que precisava pegar um barco para chegar a cidade, mas sempre havia um guarda que cedia.

Seu pai de certa forma sempre foi um mistério, sabia que ele era filho de uma sereia, sabia porque ele parecia atrair as borboletas.

Ele só não sabia o motivo dele ser tão sério.

Sua mãe contava que seu pai já foi um homem diferente, sempre havia um ar divertido em seu rosto. Até o dia que algo mudou.

O quê?, o príncipe se perguntava, porém ela nunca respondeu. Talvez nem ela soubesse, apesar dele ter a impressão de que, de algum modo, ela sabia… o que ela não queria era aceitar.

Clara tinha lembranças dessa época, de quando seu pai ainda sorria. Era onze anos mais velha que Arkell e possuía oito quando a mudança ocorreu. Ainda assim, não era como se seu pai não sorrisse nunca… às vezes a rainha conseguia tal façanha. O príncipe a admirava por isso. Era impossível resistir ao seu jeito doce.

O barco finalmente parou, estavam na base do Gancho. O guarda insistia em acompanhá-lo e o garoto insistia em sumir da sua vista. Era uma mentira que ambos sustentavam, porque Arkell sabia que Pierre era como uma sombra. Ele estava sempre vigiando-o de perto e cuidava para que o garoto não o visse. Era o gosto mais próximo da liberdade que conseguia provar.

Apreciava sentir o cheiro do mercado, ouvir o barulho… era um som muito diferente do castelo. Por vezes o jovem príncipe apenas passeava pelo porto, por vezes tudo o que ele queria era sentir o aroma de um lugar distinto, ouvir vozes que ele não conhecia. Tais passeios não levavam mais que duas horas.

Contudo, naquele dia, havia alguém que ele gostaria de visitar. Avançou rumo à cidade, invisível com suas roupas de plebeu. O rapaz se lembrava das histórias de sua mãe, de quando ela fugia e de como era terrível em se camuflar. Naquele quesito, Pierre era de grande ajuda, sempre arrumava roupas de baixa qualidade. Arkell se perguntava se o guarda gostava da sensação de um desafio, afinal, aquilo só atrapalhava ainda mais o seu trabalho.

Não havia tanto movimento àquela hora pelo centro. Todas as crianças estavam nas Instituições, sendo educadas e aprendendo a religião recente. Seu instrutor contou a ele sobre a época em que todos eram comandados por um deus injusto e terrível, mas falso. Os deuses verdadeiros demonstraram seu poder e seus ensinamentos agora deveriam ser passado pelas gerações seguintes até que o nome de Moros fosse esquecido.

O pobre homem provavelmente ainda o esperava no castelo.

Em Anankes existia apenas uma Praça Principal, o que era esperado por ser o menor reino das Agulhas. Sua mãe uma vez contou que em Herse, reino onde ela cresceu, existiam três Praças Principais, cada uma com um nome e grau de importância diferente.

Mas na pequena praça de Anankes, haviam poucas coisas gloriosas. A família anterior mais se preocupava com o castelo real do que com as necessidades do povo. Com a Rainha Analiese foi diferente, aquela praça foi o primeiro ponto de restauração do reino e devido a isso havia uma grande estátua de prata em seu centro. Sua mãe erguia-se grandiosa e jovem a sua frente. Arkell sentiu-se insignificante.

As ruínas do antigo castelo serviram como base para a Grande Instituição, foi lá que sua prima, Oceanique estudou. Agora a moça trabalhava para os Grupos de Inteligência e era para lá que o jovem príncipe se dirigia. Naquele dia, Arkell não desejava se passar por um plebeu, apenas estava com saudades da família.

— Não deveria estar na instituição, moleque? — Um homem corpulento e mal-humorado perguntou. O príncipe não o culpava, sabia que os Inomináveis estavam dando cada vez mais trabalho. Arkell apenas abaixou seu capuz e o homem quase engasgou com o charuto que fumava. — Desculpe-me, vossa alteza. Não o esperava com vestes tão… incomuns.

— Não quis fazer muita balbúrdia… Oceanique está? — O homem acenou, nervoso. Resmungou alguma coisa para um rapaz que passava com uma pilha de papel e depois deu um fraco sorriso.

— Em breve ela irá recebê-lo. — O príncipe nada disse, limitou-se a um aceno silencioso e a se afastar. Odiava o cheiro de tabaco.

Levaram dez minutos para que sua prima o buscasse e o jovem ficou espantado com a mudança. A última vez que a vira, ela ainda não havia se formado. Agora seus longos cabelos ruivos ficavam presos em um coque rígido que nada combinava com ela, apesar daquilo, seus olhos violetas ainda exibiam aquele calor que sempre encantara o garoto. Ela o guiou até sua pequena sala e lhe deu um abraço apertado.

— Eu devia te dar uma bronca daquelas se não estivesse com tantas saudades! — exclamou, com seu tom jovial. Arkell deu um singelo sorriso e olhou ao redor. A imagem de Johann podia ser vista em diversos locais e na mesa havia diversas anotações. Ela ainda não desistira. — Como está Clara?

— Reinando graciosamente, assim como mamãe. Ela parece ter mais talento que eu para isso. — Não sentia inveja da irmã, de maneira alguma. Não conseguia se imaginar como rei, talvez aquele fosse um traço de Leharuin que herdara.  — Nenhum sucesso?

A expressão da ruiva nublou, seus olhos procuraram instantâneamente a imagem do Alquimista mais odiado das Agulhas, Arkell se perguntava se ele era odiado mesmo entre os seus… afinal, foi graças a ele que eles voltaram a serem caçados.

— Nenhum… — O rosto fino do garoto a assombrava. O desenhista conseguiu representar com exatidão os ruivos cabelos cacheados, o olho rosado e o olho castanho. Aquilo era o que Arkell mais gostava na imagem: a diferença da cor dos olhos. Nunca chegou a conhecê-lo, Clara certa vez disse que era engraçado encará-lo. Ela, Johann e Oceanique brincavam muito quando crianças… até o ato imperdoável do Alquimista que despertou a fúria do rei. — Olhando assim, parece impossível acreditar que ele tenha feito o que fez…

O príncipe tinha suas suspeitas de que a prima fosse apaixonada pelo rapaz. Devia ser difícil, para ela, ter a missão de encontrá-lo e aprisioná-lo. Diferentemente de seu pai e sua mãe, aqueles dois não poderiam terminar juntos. Oceanique não possuía grande poder e influência e Johann não era algo simples como um ladrão. Era um assassino. O príncipe não era nascido na época. Durante anos ele cogitou que a razão da seriedade de seu pai fosse devido ao assassinato de Eruwin e Henry… porém o luto poderia durar tanto? Devia haver algo mais.

— Matar os pais para conseguir poder e conhecimento… ninguém conseguiria pensar em um filho capaz de fazer tal atrocidade. Mas ele o fez, deve ter isso como foco, Oceanique. — Em seus trinta e cinco anos, a ruiva mais parecia uma criança infeliz naquele momento.

— Ser duro não parece combinar com você — respondeu, cabisbaixa. Deu um longo suspiro e caminhou até a mesa bagunçada. — Do que precisa?

— De nada, na realidade. Apenas quis respirar um ar diferente e também estava com saudades — sorriu e ela lhe devolveu o sorriso de forma carinhosa.

— Imagino que fugir seja saudável, ainda assim… não o faça com muita frequência. — A mulher franziu o cenho, como se estivesse confusa. — Eu deveria dar o exemplo, não é?

Os dois caíram na gargalhada, felizes. O fantasma de Johann parecia ter sido banido daquela sala. Mas ele voltava. Ele sempre voltava.

— Há quem diga que ele está no nosso reino. Para alguém com uma aparência incomum, ele tem se mostrado incrivelmente difícil de se encontrar. — A frustração era quase palpável, Arkell desviou o olhar, talvez fosse hora de voltar.

— Não deveria se preocupar, sei que conseguirá capturá-lo. Sei também que fará o que é certo. — Se Johann era, de fato, o responsável pelo fim da alegria de Leharuin… bom, Arkell gostaria que ele fosse punido. Johann deveria ser punido por lhe privar de crescer com seu verdadeiro pai.

— Sim, tem razão. Há quanto tempo está desaparecido? — questionou com um tom acusador. Arkell soltou uma gargalhada inocente e deu de ombros.

— Tempo o suficiente, imagino. Melhor voltar, Pierre deve estar entediado lá fora.

— É um bom homem. — O príncipe deu um aceno em sinal de concordância.

 

Despediram-se e larguei a pena que outrora me torturava. Não havia nada que provasse que o ladrão havia feito seu trabalho. Nenhuma pista de que ela estava morta, nada que pudesse me tranquilizar.

E eu estava em fúria.

Minha vontade era rasgar o livro, destruir toda aquela torre. Mas eu não podia fazer nada daquilo. Eu podia sentir minha sanidade se esvaindo outra vez, todo o meu corpo tremia.

Porque, apesar de tudo, eu parecia vulnerável.

Ela tinha que estar morta.

Tinha que estar.


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