O Garoto da Lua escrita por Ryskalla


Capítulo 1
Capítulo 1 - Cecille


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mais saiu c-c E juro que vou responder todo mundo ç_ç Mas é que tava inspirada demais hoje e precisava postar. Estou num dia feliz *u* Espero que gostem >—>



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Através do fio que os unia, os Thecilles criaram o mundo, sendo assim todas as criaturas e homens um só. Um só tecido.
O Livro dos Thecilles, versículo I.



Ódio, vingança, destruição, medo. Eu já conheci as piores partes da humanidade. Eu senti. Quando uma mãe abandona sua criança, quando castigam alguém por ser diferente ou apenas quando você simplesmente não aceita não ser amado e crê que isso lhe dá o direito de matar. No entanto, fui apresentada a esses males humanos com olhos inocentes. Não direi infantis, afinal mesmo crianças podem ser cruéis.

Agora sozinha, eu contemplo a humanidade com olhos que já sofreram o bastante, porém que ainda assim transbordam de esperança. A risada de um bebê, o som de homens trabalhando, o barulho melódico das notas de um piano, o brilho translúcido da honestidade... é por isso que luto. Humanos são tal qual nosso próprio mundo. São cruéis como um tornado e amáveis como o orvalho pela manhã.

E eu não irei deixar que Moros destrua isso.

Meu mestre e irmão acreditavam que os homens eram livres e eu de nada entendia de suas filosofias. Meu irmão cresceu como um humano, meu mestre é um humano... Eu, por outro lado, cresci sendo a boneca que sou. Uma boneca que almejava a humanidade e suas lágrimas. Porque tecido não se molha sozinho e portanto bonecas não conseguem chorar.

O caminho que percorri até me tornar uma deusa está gravado nessas velhas páginas. Leharuin jamais saberia que, ao recusar O Chamado das Borboletas, daria a todos uma chance de se alcançar a liberdade.

Eu devo ter lido esse livro centenas de vezes.

E ainda assim não sou capaz de dizer, com absoluta certeza, se admiro ou não o escrivão anterior.

Porque de certo ele sabia o que aconteceria, mesmo não sendo possível… aos olhos dele éramos sacrifícios para ajudar a humanidade e nada parecia machucar mais o seu coração... ele confiou em mim, uma singela boneca, para lutar.

Até onde ele era capaz de ver?

Minha visão só se tornou ampla agora, mesmo após ver o corpo de meu irmão em chamas e um corpo desfigurado saindo das páginas do livro… mesmo após fugir daquela ilha e acabar perdida aqui. Foi somente agora que uma pergunta passou pela minha mente: E se não existir um final feliz?

Em meu passado, eu apenas exclamaria “Pobre Cecille”, no entanto o choque roubou minhas palavras. Eu certamente não teria trazido O Chamado das Borboletas comigo se eu não o tivesse nos braços na hora. Júlio, isso seria o mais próximo de destino que eu poderia ter?

E encerrando minhas ponderações, eu iniciarei minha história, não há tempo a se perder quando existe uma guerra para vencer.

—:-:-

Eu me encontrava bem ao Sul de Themaesth, isso era algo que eu poderia dizer, pois havia uma floresta próxima à praia e certamente aquilo não poderia ser próximo às Ruínas. Levei três dias para absorver o acontecimento, sabia que o corpo de meu mestre estava caído no chão logo acima de uma poça do seu próprio sangue, sabia que Thierry ardia em chamas e eu sabia que alguém estava saindo do livro.

O que me fez correr foi aquela coisa, um monstro de papel, ao menos foi o que pensei na hora. No momento em que parei para recordar, eu pude identificar algo de humano naquele ser.

Talvez Moros fosse o livro e talvez o livro quisesse ser humano e, obviamente, eu não poderia culpá-lo por isso.

No quarto dia, eu me senti sozinha.

O Chamado das Borboletas era meu único amigo, eu lia suas páginas avidamente, tamanho era meu desespero por companhia que demorei a notar que ainda era capaz de ver o destino daqueles personagens.

Bom, ao menos daqueles que permaneciam vivos.

No quinto dia eu ainda me sentia sozinha, mas minha cabecinha de vento continuava sem perceber algo fundamental. De uma maneira meio absurda, eu resolvi criar companhia. Peguei um galho seco e corri até a última folha, havia uma roseira nas proximidades e, de algum modo, eu gostaria que aquela rosa se tornasse mais humana, porém não completamente humana. Eu desejava alguém que se sentisse do mesmo modo que eu: deslocada.

E foi esse meu primeiro ato de guerra contra Moros.

Rosa era miúda, pouco maior que a minha mão, imagino que seu corpo não poderia ser igual ao meu, sendo sua origem tão pequena… sua pele era meio esverdeada e seus cabelos eram rosados, o mesmo tom das pétalas que lhe deram origem. Seus olhos eram tão verdes que não pude não me encantar por eles. Suas orelhas eram pontudas como espinhos. Dei a ela a capacidade de falar.

— Olá  — saudei, a pobre criatura parecia confusa. Aos poucos a noção de mundo ia invadindo sua mente.

— Oi — respondeu, timidamente. Suas mãos miúdas seguravam firmemente um dos galhos da roseira, um espinho servia de apoio para um de seus pés, o outro repousava graciosamente sobre seu joelho. — Meu nome é Rosa.

— Ora, mas é muito educada! — Aquele comentário a fez corar ligeiramente, suas bochechas agora estavam em um tom de verde um pouco mais escuro. — Eu me chamo Cecille, sabe por que está aqui?

— Porque você se sente sozinha. — Dei um breve aceno positivo. Seus olhos brilhantes olhavam ao redor, havia uma bela flor de coloração amarela e cheia de pétalas que chamou sua atenção. — Talvez ela possa nos fazer companhia também.

— É uma excelente ideia! — exclamei e me coloquei de pé. Imagino que a antiga Cecille estaria devastada com o estado atual de seu vestido. Sorri, ao pensar nisso. O mundo com tantos problemas e eu focando em meu estado de beleza… ao menos fui feliz assim e ainda sou hoje, por conseguir lembrar de tamanhas tolices. Há tanta coisa pior que um vestido rasgado…

Passei a tarde daquele dia criando um povo que chamei de fada. Tudo era pelo destino, mas certamente destino não seria um bom nome. Fado, aquela era a palavra que meu mestre falou certa vez… fado. Fado nada mais era que um jeito diferente de se referir ao destino. E fadas seriam minha forma de modificá-lo.

Foi quando comecei a ler O Chamado das Borboletas para elas que percebi algo fundamental… Não. Mais que isso, eu percebi a angústia de alguém.

Corri em direção ao oceano, em desespero e somente quando vi aquelas águas revoltas foi que me dei conta de minha inutilidade. Porque uma boneca certamente não poderia mergulhar. Nem mesmo fadas. Cai na areia quente, pois de nada ela me incomodava.

— O que aconteceu? — A voz de Cravo me questionou. Balancei a cabeça negativamente, em meu olho incolor (pois o espelhado eu mantinha escondido em uma atitude completamente sensata) havia a mais pura forma de infelicidade.

— Preciso salvá-lo… mas não posso mergulhar!

— Crie alguém que possa — Rosa sugeriu, enquanto apontava para o livro, e eu pensei a respeito.

— Mas a partir do que eu irei criar? — Ninguém sabia responder aquela pergunta, pois obviamente era preciso ter o tamanho de um humano, do contrário seria quase impossível carregar Aubrey de volta à superfície.  

— Areia! Areia! — Crisântemo gritou enquanto voava ao meu redor. Ele era um dos poucos que possuíam asas. — Vamos construir uma boneca de areia e então você dá vida a ela para que possa salvar seu amigo.

Eu comprimi meus lábios, não tinha certeza se aquilo daria certo, entretanto o que custava tentar?

No sexto dia eu criei Coraline.

Ela não poderia ser vista como uma sereia, nem como mulher, ainda assim pertenceria tanto ao mar quanto à terra. A sua aparência humana se resumia ao formato de seu corpo, era como se usasse um vestido com tentáculos. Ela não possuía pernas e seu rosto era dono de uma beleza solitária.

A alvorada preguiçosamente iluminou seus cachos escuros, revelando que não eram negros e sim arroxeados. Se eu fosse humana, estaria exausta com toda aquela criação. As fadas olhavam espantadas para a nova existência, absorviam cada detalhe: o corpo esguio, as três aberturas existentes na altura dos pulmões, os ombros tão morenos como o de uma antiga amiga… e, finalmente, os olhos. Eles eram do mesmo tom grená que seus tentáculos e a pele que revestia seu busto… ora, eu não poderia permitir que ela vagasse nua pelo mundo.

Coraline nos encarou, ligeiramente confusa. As fadas se dirigiram para perto dela, maravilhadas, no entanto aquilo parecia incomodar a criatura ligeiramente.

— Por favor… afastem-se, deixe que ela tenha espaço para compreender melhor o mundo onde está. — Coraline me lançou um olhar agradecido e suas admiradoras se afastaram, envergonhadas. — Sabe por qual motivo foi criada?

— Existe alguém que você precisa salvar… — murmurou com o cenho franzido. Diferentemente das fadas, Coraline questionaria bem mais sua existência e talvez até mesmo sofresse com ela. Aquele, era um futuro que eu não desejaria ver… ao menos não ainda.

— Sim e também foi criada com outros objetivos. Ajude-o e então tudo ficará claro.

— Como poderei encontrá-lo sozinha? — questionou e eu lhe sorri.

— Coraline, você nunca estará sozinha enquanto eu existir. Irei guiá-la e farei de tudo para protegê-la — deixei-me sentar na areia fofa e apoiei o livro em minhas pernas. Naquele momento eu percebi dois fatos:

O primeiro: eu não era capaz de observar meu próprio destino. Nem Moros. E era por isso que eu ainda existia.

O segundo: em meu colo havia a esperança de tão sonhada liberdade. Enquanto aquele deus injusto existisse, todos os humanos não seriam diferentes de mim… porque no fundo todos éramos bonecas controladas por alguém.

Eu já não lia O Chamado das Borboletas como um meio de apaziguar a saudade que sentia de meus amigos, nem para compreender os objetivos do antigo escrivão… Agora eu buscava, buscava sobreviventes que ainda desejassem lutar.

No sétimo dia, Aubrey parou de se afogar.


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Notas finais do capítulo

Qualquer erro avisar, fazendo favor ;n;



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