A Perdida do Rei escrita por CutiePumpkin


Capítulo 6
O avanço de França




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Capítulo 5 – O Avanço de França

–O rei precisa falar com a prisioneira. - Foi o que podia ouvir em meio a balbucias no outro idioma que ainda desconhecia. Era evidente que ela era o assunto.

A porta da cela foi aberta, e Victoria foi puxada para fora, sendo acompanhada pelo caminho de volta por dois homens, mas, dessa vez, entraram na sala do trono, onde o vento ainda fazia a chama das velas dançarem, e o ouro reluzia pela luz do pôr-do-sol. Ela foi posta no centro do lugar, as mãos fortemente amarradas com cordas, além da expressão um tanto abatida estar evidente em si. O homem levantou-se e se aproximou, era alto, pouco forte, cheirava a vinho e a lírio. Riu, enquanto andava de um lado para o outro a frente do trono.

–Mas olhe só a ótima provisão que Deus nos trouxe, senhores. - Ficou próximo a ela, e segurou seu rosto pelas bochechas, o levantando. - Ainda fresca de França.

–Não sou nenhum alimento que ingeres. Tampouco faço parte de teu jantar. - Moveu a cabeça, tentando se soltar da mão do homem, mas acabou por não ser solta.

–É uma ótima ideia... Victoria? - Ficou tão próximo que o cheiro de vinho predominou. Suas mãos suavam, o sangue corria tão rápido quanto lebres assustadas. Queria se soltar, por instinto, no entanto isso machucava mais sua pele. -Pode ser seu destino se continuar com tal raiva. Será nosso troféu a partir de agora.

Sentiu a outra mão do homem passar da cintura para uma extensão da perna que ainda não precisasse se abaixar. O arrepio lhe subiu por todo corpo e engoliu em seco. Sentia como se fosse explodir em sangue e membros.

–Com certeza tenho irmãs. Por que esperar por uma que estava sumida?

–De certa forma me perguntava isso, mas tendo em vista que à medida que avançássemos pela Normandia, mais sua família fugia, pude observar o que as filhas eram sem seus pais: totalmente nada. Ao contrário do que você seria, comigo ou não.

+++

Chovia perigosamente aquela noite, os trovões e relâmpagos marcavam sua presença no céu escuro de Paris, tudo enquanto um parto acontecia, e a rainha dava a luz à outra princesa.

–É uma menina! – A parteira anunciou para Maria, depois de um dificultoso e demorado parto. A criança berrava em alto som, indicando força nos pulmões.

–Anastasia, dê-me ela aqui. – Depois de limpa, a criança foi entregue à mãe, que tremia e desabava em aflição, ainda mais quando ouvia disparos de canhão não muito longe dali. –Estão aqui. Precisamos correr.

Já vestidas, tanto ela, a menina e a criada, estavam prontas para sair e livrar a menor da escravidão. Levaria as outras crianças, mas eram mais velhas, e conseguiriam fugir se preciso, além de atrair muita atenção pela quantidade. Beijou o marido, quem sabe pela última vez, acomodando a criança já quieta em cobertores.

–Sabes que não era necessário. – Ele diz, beijando a testa da filha antes que saíssem.

–Sim, era sim. – Olhou para trás, queria se despedir dos filhos, mas outra explosão deu o sinal de largada para que corressem. O rei voltou para dentro, e levou os filhos para o abrigo no porão antes de se juntar aos soldados na defesa.

–Anastasia, acha que foi premeditado?

–Não, minha senhora. Era sua única escolha.

+++

O primeiro dos soldados mortos estava do lado de fora do forte improvisado. Poucos perceberam, e estes, antes que pudesse soar qualquer tipo de alarme, também foram atingidos pelas flechas de Felix. Iniciou-se então a investida, começando pelos dois canhões que o exército francês possuía. Os ingleses ficaram em parte atordoados, pelo fato de não verem arqueiro algum, – o que já era incomum – e seus aliados sendo mortos por flechas.

Logo depois de Joana D’arc unificar o exército, e vencer as batalhas que comandou, a Inglaterra recrutava como loucos, não importasse a idade, não importasse força ou profissão. Repetindo o mesmo erro das cruzadas.

Dois canhões franceses surgiram em meio a horda de homens. Os mais de três mil arqueiros ingleses iniciaram seus ataques, sendo também atingidos. Felix, repudiado, recolhia as flechas dos companheiros caídos, e as usava a seu favor, e vingava as mortes que aconteciam do seu lado.

A batalha de Formigny foi um grande sucesso para os franceses, mais uma província recuperada, enquanto os soldados remanescentes corriam para as bases mais próximas.

Surgiu de trás dos arbustos, sem um arranhão sequer – o que o fez sentir um pouco mal, em relação aos outros – e o arco preso no ombro. A França podia ter seus arqueiros, mas nenhum seria tão bom quanto ele. Tinha também a aljava vazia nas mãos. Felix recebeu praticamente uma festa para si naquele momento, ainda que insistisse que não tinha ganho sozinho, quase todos diziam basicamente a mesma coisa.

–Nunca um arqueiro com tanta precisão salvou minha pele daquele jeito. – Johan bebeu um generoso gole da cerveja que lhe foi entregue. – Essa guerra será nossa!

–Vive la France! – Todos gritaram, num brinde coletivo e um grito de guerra.

+++

Victoria foi guiada por um dos criados, que de alguma forma lhe mostraria o castelo. O rapaz era louro, e tinha os braços fortes pelo trabalho, e um olhar sereno, de coloração castanha. Por mais que seu trabalho não oferecesse a melhor vida, ele parecia feliz, ou então, em paz.

–É você mesmo... majesté? – Sussurrou, e abriu mais uma porta, percebendo depois o olhar confuso da moça, e apenas abriu um sorriso discreto –Sou francês. Chermont, plaisir.

–Prazer. – Apenas disse, seguindo para dentro do cômodo, que identificou como sendo a cozinha. – Acho que já deva saber meu nome.

–Sim, praticamente os dois países inteiros sabem sua história.

Era um cômodo largo, extenso, coberto de estantes e fornalhas, que seguiam a extensão das paredes laterais. Bancadas no centro, e algumas cadeiras para os criados ao lado de uma comprida mesa de madeira. Duas mulheres estavam sentadas à mesa, apenas conversando, e assim que o perceberam, admitiram faces amargas, e cobertas de rancor.

–Vá embora, Chermont. – Foi o que entendeu apenas, mas elas falaram mais, e provavelmente não em palavras muito bonitas. O garoto deu de ombros, e logo os dois saíram. Ele ainda parecia extremamente contente e satisfeito.

Pourquoi... porque parece tão feliz? Pareciam ter te tratado muito mal.

–Ah, você não soube? – Seus olhos brilhavam, ele parecia acreditar que tudo fosse possível, até mesmo voar (vê se pode!). Abaixou o tom, e continuou falando com um leve sussurro. – Temos Formigny de volta. O rei já tem sua mira em quem aparenta ser o melhor arqueiro que a França já teve. Como era seu nome... Alex? Telix? Alguma coisa assim. Temos enfim alguma esperança.

–Espera, o quê?! – Segurou o braço do rapaz, o fazendo parar. – Quando foi isso?

–A batalha? Há duas semanas, se não me engano. Me preocupo com aquele arqueiro, você o conhece?

–E como conheço. – Continuou andando, mas encarava o chão. Ainda não conseguia acreditar que Felix tinha se juntado àquela loucura, podendo estar morto nesse exato momento. Segurou o pingente com firmeza, desejando que não fosse verdade.

+++

Felix não treinou mais com arma alguma que usasse pólvora. Usava o arco, e por vezes a espada. Recebeu flechas de todos os tamanhos e jeitos, com a ponta diferente, mais pontiaguda, mais resistente. Quase sempre treinava sozinho, mas existiam os novatos no exército, que não lutavam ainda. Além disso, ele e Johan já tinham nutrido uma amizade como se conhecessem há anos. Naquele dia em especial estava sozinho, e ouviu uma movimentação, num volume tão baixo que poderia pensar que estava pirando, mas para todos os efeitos, puxou a corda com uma flecha inserida, mirando para a direção do som.

–Quem quer que esteja aí, mostre-se! – Gritou, e um homem moreno surgiu detrás do arbusto. Usava as cores da Inglaterra no uniforme, e pouca armadura. Aplaudiu algumas vezes.

–Muito bem, muito bem. Fez jus ao seu nome. – Parecia querer lembrar aquelas palavras no francês, e ainda com sotaque e alguma pronúncia tosca, conseguiu. – Estou aqui a serviço do rei, vossa Majestade Henrique VI. Na verdade, nós estamos.

Surgiram então mais cinco homens, a corda permanecia tensionada, com a flecha apontada para o primeiro. Todos eles usavam as mesmas vestes, com o vermelho inglês predominante, com espadas nas bainhas e objetivo gravado na mente. Henrique queria a cabeça daquele arqueiro. Ele apenas sorriu, sarcástico:

Six? Então serão seis contra um. Se superaram, achei que estariam com menos homens rondando Formigny, mas parece que não. Parece que sei rei gosta de desperdiçar homens.

Foi rápido, soltou a corda, atingindo o primeiro no peito, e logo girou o corpo e já cortou a garganta do homem à sua direita com sua própria faca. Pegou a espada do que acabara de matar, e se defendeu a tempo de uma investida de um terceiro homem. Os dois ficaram empatados por alguns segundos, mas uma rasteira definiu a morte de mais um inglês. O quarto correu até o moreno, e teve seu braço puxado para trás. Enquanto gritava pelo braço quebrado, sentia a voz falhar depois de atingido pela lâmina.

Sentiu uma dor aguda no braço, e a manga da camisa umedecer com seu sangue. Grunhiu, e com aquela mesma mão continuou a manejar a espada. Lutou com dificuldade a partir daí, mas depois de alguns ferimentos no abdômen, conseguiu matar o quinto homem. O último tinha fugido, e Felix não fazia ideia de onde ele estava. Cambaleando, e com sangue escorrendo pelo seu corpo, voltou ao centro da base, a fim de tratar seus ferimentos.

–Você se supera a cada dia, eram seis? – Ria satisfeito Johan. Felix tinha conseguido medicação, e agora só enrolava panos nos cortes, os amarrando com um nó em seguida.

–Eu diria cinco. O último fugiu.

–Assim não tem graça, deixe um pouco para nós na próxima batalha. – Continuou a rir, a barba espessa seguia o contorno do seu rosto, e os olhos escuros se espremiam. Felix ria junto.

+++

Espadas de madeira repousavam recostadas na parede, aguardando os pequenos Felix e Victoria, enquanto os dois já tinham sua contribuição na lavoura. Assim que tomaram a sua em mãos, correram para perto do bosque, e simularam uma luta. Nestas, os dois se rodeavam, até que um se cansasse e correr desesperado para o ataque – sendo, na maioria das vezes, a garotinha.

–Por que não vem, Victoria? – Ele olha em seus olhos profundamente, desafiador.

–Não caio mais em seus truques, Felix. Pode ser um pouquinho mais velho, mas não caio.

–Ei, dois anos é um tempo considerável... – Abaixou a guarda pronto para discutir isso. Nesse instante, Victoria logo avançou e rebateu a espada da mão do garoto, que voou para o outro lado, e apontou a sua para ele, sorrindo presunçosa. Felix só riu cabisbaixo e ergueu as mãos. – Certo você venceu.

–Já era hora. – Recolheu a espada do chão, e a devolveu ao amigo, se sentando ao lado de uma pedra logo após. Girou a espada no chão, apoiando a ponta no dedo. – Quanto tempo faz que seu pai está lutando mesmo?

–Hum... – O garoto pôs a mão no queixo, querendo fazer as contas, ou se lembrar. Se encostou na pedra, ao lado da menina. – Alguns meses, próximo de um ano.

Felix mantinha seu orgulho e sonhos no pai, um homem forte e capacitado, mas que ainda assim foi para a guerra contra sua vontade. A mãe rezava arduamente todos os dias, enquanto o filho acalmava o pequeno Raul, para que o bebê dormisse nas horas de preces. E foi nesse dia de verão do ano de 1444, enquanto os dois jovens passavam a tarde recebendo o calor do raro sol naquela área, uma carta era entregue na casa do soldado:

Cara Sra. Durand,

Nós, da Garde Royale française, temos o pesar de lhe informar que, mesmo lutando bravamente ao lado de seus companheiros em prol da nação durante o período de huit (8) meses, o soldado Petit Durand não conseguiu sobreviver para que regressasse.

Com todos os pêsames,

O exército do rei Carlos VII de França.

Continua no capítulo 6


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Notas finais do capítulo

Queria considerar uma coisa: 'six' também é francês, e lê-se 'siss' :]



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