Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 7
Sete


Notas iniciais do capítulo

Sobre esse capítulo: x3



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A pequena cafeteria era localizada há meio caminho da casa de Maura para a estação. Embora fosse modesta, ela era confortável e o gosto do café era divino. Era o preferido de Jane, e sempre que podia ela parava para comprar seu desjejum. A pequena porta de entrada não era um mal para a iluminação. Na parede frontal à rua haviam duas janelas grandes de vidro que tomavam praticamente parte de toda frente. Um logo da loja estava colocado nas duas, e através do vidro Jane notou o movimento habitual daquela hora do dia; algumas pessoas, mas não exatamente lotado.

As duas mulheres entraram no lugar e um sino tocou em cima de suas cabeças. Com Maura aos seus pés, ela entrou na fila e cruzou os braços em espera.

'Redecoraram a parede à esquerda.' Maura logo observou, apontando discretamente o dedo para o lado. 'A cor deixou o ambiente mais caloroso. Gostei da combinação triádica das cores.'

'Oh, sim.' Jane suspirou. 'Ficou lindo.' Ela nem fez questão de olhar, o que lhe interessava era o café e nada mais.

Maura estava prestes a abrir a boca para lhe perguntar um pensamento que havia cruzado a sua mente, mas quando a atendente disse 'próximo', ela se calou e andou um passo a frente.

'Um expresso, por favor, e um descafeinado com um por cento de leite.' Ela apertou os olhos e olhou para Maura com um sorriso de quem dizia eu sei o que estou fazendo.

A loira piscou os olhos, impressionada e sorriu-lhe de volta.

'Onze dólares.' A mulher estendeu a mão e Jane lhe passou o dinheiro.

'Eu também sou uma boa observadora.' Jane voltou a atenção para Maura, apenas para provocá-la.

'Não é um dos requisitos para ser uma boa detetive?' A médica replicou e Jane sorriu ligeiramente.

'Eu sempre soube que você nunca duvidou de mim.' Ela brincou e apertou o braço da loira de leve, puxando-a para frente quando um homem vestindo uma jaqueta preta de couro pediu passagem.

A loira se aproximou dela e arqueou as sobrancelhas. 'Infelizmente, você não pode dizer o mesmo sobre suas habilidades de organização. E não é como se eu esperasse alguma mudança.' Ela suspirou e Jane fez uma careta.

'Ah qual é, Maura. Não é todo mundo que guarda seus sapatos por cor e estilo. Aliás, desconfio que só você faça isso. E eu nem tenho tantos sapatos assim.' Ela rodou o ombro, ainda incomodada com a pequena discussão da noite anterior. Maura tinha uma obsessão por organização e limpeza, e Deus, como Jane tinha que ser paciente.

'Bom, isso facilitaria sua vida. Foi só uma sugestão.' A loira se defendeu e esticou a mão para pegar seu copo de café.

'Obrigada.' As duas disseram em uníssono e se viraram para sair do lugar.

Jane tomou ar para responder Maura. O café quente esquentava agradavelmente suas mãos. As palavras estavam se formando em seus lábios quando um barulho alto a assustou. O vidro, uma daquelas imensas janelas à esquerda, tinha se partido em estilhaços. Por instinto, sua primeira reação foi passar os braços em volta de Maura e empurrá-la ao chão. Pessoas se agachavam e protegiam as cabeças. Alguém gritou. Na confusão e desespero, Jane não sentiu a dor nos braços quando seu peso somado ao de Maura pressionou-os furiosamente. A cabeça da médica bateu em sua mão que por sua vez bateu ao chão; isso ela sentiu, doeu e ela fechou os olhos em agonia.

Maura gritou amedrontada, pega desprevenida pelo empurrão, mas perdeu sua voz logo que o corpo de Jane caiu sobre o dela e expulsou o ar de seus pulmões. Apavorada, ela agarrou as mãos na jaqueta da morena e tentou empurrá-la, ou ela estava tentando abraçá-la? Ela não sabia. A gritaria, o desespero das pessoas misturado com o seu, e a colisão com o chão a deixavam desorientada.

'Jane.' Ela tentou falar. 'Machucada?' Ela precisava de ar. Quando a morena se afastou foi apenas para analisá-la.

'Maura, você tá bem? Olha para mim, ei!' Ela segurou o rosto da médica com as duas mãos, ela estava tremendo. Ela correu os olhos pelo rosto da mulher, e apoiou o joelho no chão mas não saiu de cima dela. 'Maura, querida, você tá bem?'

A médica apenas balançava a cabeça em sim, e os olhos assustados carregavam a pergunta que Jane estava se fazendo também. O que tinha acabado de acontecer? Ela olhou para os lados tentando entender o que estava acontecendo.

A morena inclinou o corpo para o lado, para checar o de Maura. Uma mão junto com o olhar correu pela sua cintura, depois para a barriga da médica. Deus, ela estava grávida, aquele tombo teria machucado o bebê? Ela deslizou a mão por cima da barriga como se para conferir e se certificar de que não havia sangue ali, nenhum corte ou machucado.

'Você tá bem?' Ela voltou com a mão para o rosto da mulher e esperou pela confirmação. Quando Maura balançou a cabeça em sim, ela quase implorou. 'Pelo amor de Deus, fale comigo.'

'Bem. Bem.' Ela repetiu, agora aliviada com ar novo nos pulmões já que a morena não estava pesando sobre ela. 'Jane.'

Ela tentou mexer a cabeça mas Jane a manteve no lugar. Certa de que Maura estava ok, ela lançou a cabeça para cima e gritou em pleno pulmões.

'Todos no chão!' Ela gritou a ordem.

A voz foi abafada pelo quebrar da segunda janela. Tinham atirado novamente. Instantaneamente a morena puxou a jaqueta para cima da cabeça e se inclinou sobre Maura, protegendo-a dos cacos - eles agora estavam voando em sua direção. As pessoas estavam gritando de novo, e ela sentiu Maura se tensionar sob seu corpo.

'O que é isso?' A loira murmurou, a voz tremendo por conta da adrenalina, do medo.

'Alguém está atirando, Maura.' Ela disso o óbvio porque ela não sabia de mais nada senão isso. Ela fixou seu olhar com o da loira, seus rostos estavam a um centímetro de distância e Jane podia sentir a respiração da mulher batendo em seu próprio rosto, os olhos bem abertos em estado de alerta, de medo. 'Você tá bem, estamos bem.' Ela murmurou para a médica e a cabeça da outra se moveu lentamente, como se ainda estivesse analisando as palavras.

A detetive esperou por um minuto. As pessoas estavam encolhidas no chão, murmurando seus lamentos. Antes de olhar para o ambiente, Jane fitou Maura mais uma vez. Ela ainda estava respirando pesado mas estava mais calma, segurando em sua cintura. Satisfeita com o estado dela, Jane lançou o olhar ao seu redor. Cacos de vidro estavam espalhados por todo o lado. Os copos de café que uma vez foram delas agora jaziam jogados bem longe, o conteúdo derramado ao chão. Homens e mulheres pareciam assustados como pequenas crianças em noites de pesadelo. Seus olhares se dividiam em dois pontos: um homem morto caído ao canto do balcão de atendimento, e o mesmo homem com jaqueta de couro, espatifado ao chão com um tiro certeiro no peito.

Jane não tinha a mínima idéia da razão de eles terem sido alvos, ou se eles tinham sido escolhidos previamente. Até onde ela sabia poderia ser disparos feitos às cegas para acertar qualquer pessoa. Um atentado. Se fosse isso, ela ou Maura poderiam estar no lugar deles, mortas. Ela sentiu o ódio crescendo dentro do peito. Que tipo de animal fazia isso?

Tomando conta da situação, ela agarrou o distintivo e mostrou para todos, ainda deitada. 'BPD. Todos ao chão, ninguém se levanta. Ninguém sabe se os tiros acabaram. Todos no chão fora de vista, vocês ouviram?' Ela olhou ao redor enquanto algumas pessoas balançavam a cabeça em sim. Ótimo. Ela sacou o celular e com uma única mão conseguiu ligar para Korsak. 'Ei Vince, tô com um pequeno problema aqui.' Ela disse e esperou a resposta do homem. 'Uma cafeteria foi alvo de disparos. Eu tô com Maura aqui e... Sim, Korsak, eu estou aqui!' Ela bufou, mau humorada. 'Manda reforços, eu não sei se o maluco pretende mandar mais bala.' Ela esperou de novo pela resposta e sentiu as mãos de Maura se fechando na sua jaqueta. Rapidamente ela ergueu a cabeça e se abaixou de novo. 'Um prédio não muito alto. Os tiros vieram daquele direção, do norte.'

'Jane.' Maura murmurou, os olhos se arregalando de medo. Ela podia ver cada pensamento da morena.

Jane abaixou a cabeça para olhá-la e acariciou-lhe o rosto com o polegar. 'Você precisa ficar abaixada, ok?'

'Korsak, mande ambulâncias também.' Ela suspirou ao ouvir a pergunta do outro lado da linha. 'Não. Nós estamos bem. Certo, Maura?' A loira meneou a cabeça, mas não disse nada.

Quando Jane desligou o celular, as mãos da morena foram parar ao lado de sua cabeça, e os polegares acariciam a linha de seu cabelo, percorrendo delicadamente sobre a pele. 'Eu sinto muito, Maura, eu poderia ter machucado você.' A médica se remexeu, querendo falar, querendo mudar da posição que estava inconfortável. A voz de Jane veio de novo. 'Ei... Aqui é mais seguro, ok?' Ela concordou com a cabeça. Quando os olhos negros de Jane desviaram-se do dela e a morena lambeu os lábios, ela sabia que a detetive estava hesitando.

'Jane.'

'Maura, você precisa ficar deitada, me ouviu? Eu não quero correr o risco de machucarem você.'

E ela sabia. Apavorada, Maura agarrou com força a roupa dela. 'Não. Não. Você não vai.' Ela sentiu um tremor precorrer o corpo com a simples sugestão de Jane sair correndo atrás do culpado, deixando-a ali.

Carros de polícia agora berravam à distância e Jane sabia que ela tinha que ir logo, antes que perdesse a chance. 'Maura, eu preciso, ok? A pessoa pode estar fugindo agora.'

'Jane, por favor. Não vá sozinha. Alguém vai encontrá-lo de qualquer jeito. Apenas fique.' Ela implorou, os olhos se marejando.

'Maur... Escuta.' Ela tentou se livrar do aperto da loira. 'Eu preciso.'

'Não!' Maura levantou a voz quando Jane conseguiu se livrar das mãos dela. 'Jane, não é teu...' Departamento. Era o que ela iria dizer. Mas agora tinham duas pessoas mortas ali, assassinadas. Era definitivamente um caso para a homicídios.

Jane se ajoelhou ao lado dela, e agora Maura estava se sentando, descansando as costas em um dos bancos. 'Não saia daqui.' Ela apertou a mão da loira e se levantou, a princípio relutante, mas quando nada mais foi disparado, ela saiu correndo em direção ao prédio.

Maura apoiou as mãos no chão e se levantou rapidamente, ainda tentando impedi-la. O corpo dolorido atrasou seus movimentos e quando ela chegou à porta, Jane já havia sumido de vista. Ela olhou para todos os lado, procurando pela figura familiar da detetive no meio da multidão que estava se formando ali, mas nenhuma delas era sua... amiga. Ela sentiu a garganta apertar, o corpo vacilar levemente. Os olhos se encheram de lágrimas e quando os carros de polícia chegaram ali, ela se sentia totalmente desamparada.

O policial a sair de um dos carros correu até ela. Os olhos afiados e inteligentes se suavizaram ao estudá-la. Disposto a ajudar, ele apontou o dedo para a pequena loja de café enquanto lhe dirigia a palavra. 'Você estava aqui dentro?'

'Sim.' Ela respondeu com a voz fraca, os olhos ainda perdidos na multidão.

'Senhora...' Ele pareceu hesitar e só então Maura olhou para ele. 'Você está sangrando.'

Oh Deus, meu bebê. Seu estômago embrulhou. Ela acompanhou o olhar do homem para baixo temendo encontrar sua roupa manchada de vermelho, mas o sangue que encontrou estavam em suas mãos. Ela se sobressaltou e só então notou a dor que pulsava delas. Ela tinha se cortado nos cacos quando se levantou na tentativa de perseguir Jane. 'Oh.' Ela disse quando ergueu as mãos para estudá-las.

'Você precisa de cuidados.' Ele amparou a mulher pelo ombro, apontando a primeira ambulância a chegar. 'Ouvi dizer que uma policial estava aqui?'

A imagem de Jane partindo cruzou sua mente de novo. O estômago se apertou novamente e ela balançou a cabeça em sim. 'Ela foi...' Ela respirou fundo e colocou a mão em sobre a barriga. 'O prédio.' Ela apontou para o local e se curvou para frente, vomitando o pouco que tinha comido antes de sair de casa.

Uma mão foi parar nas suas costas e Maura se levantou envergonhada. O nervosismo tremia seu corpo inteiro e ela se sentia fraca. Tudo estava errado, era para Jane estar ali com ela. O susto por causa do sangue, o pensamento inevitável de que alguém iria machucar a morena... Ela queria chorar, mas já se sentia humilhada o suficiente para fazer isso ali. Transtornada, ela sentiu-se sendo guiada para uma ambulância.

'A senhora foi atingida? Onde conseguiu esses ferimentos?' O enfermeiro que a recebeu fazia tantas perguntas que deixou Maura ainda mais abalada.

'Eu estou grávida.' E sem saber o porquê, foram essas palavras que saíram de sua boca.

O homem se calou imediatamente. Encarou-a por um instante e apontou para uma maca dentro do carro. 'Por que não se deita ali e me deixa examiná-la?'

...

O barulho tinha aumentado consideravelmente lá fora.

Suas mãos arderam ligeiramente quando o anti-séptico encontrou a pele. Em seguida o enfermeiro gentilmente pressionou uma gaze na palma de sua mão, prendendo-a ali. Repetiu o mesmo procedimento com a outra. Ela observou enquanto ele descartou gazes sujas de sangue que tinham sido usadas previamente para limparem os cortes. Eles não eram grandes nem profundos, mas os cacos de vidro fizeram estrago suficiente para que ela sentisse dor ao abrir e fechar as mãos. Voltando sua atenção para a loira, o jovem se sentou na frente dela.

'Você precisa trocar isso pelo menos três vezes ao dia, até que os cortes se fechem. É apenas para evitar uma infecção, não é grave.' Ele sorriu gentilmente. 'Você me disse que está grávida e imagino que tenha passado por um susto terrível. Você se sente bem? Alguma dor no abdômen?'

'Não.' Ela murmurou controlando a voz, reprimindo a vontade de chorar. 'Eu sou médica.' Ela ofereceu em seguida porque queria se poupar de todas as recomendações que ele daria.

'Oh, certo.' Ele se remexeu no lugar. 'Você está sozinha? Precisa ligar para alguém?'

Agora era sua vez de se remexer no lugar. Ela não estava ali sozinha, entretanto ela não tinha idéia de onde Jane estava. Ela suspirou e abaixou os olhos. Ela poderia simplesmente se levantar e andar para seu carro, mas em contraponto ela queria ficar ali, esperando a morena voltar. Para sua sorte, a voz de Korsak quebrou o silêncio que tinha se prolongado demais.

'Dra. Isles?' Ele apoiou uma mão na parte traseira da ambulância. 'Você se machucou?' Ele parecia desconfiado. Jane tinha dito que elas estavam bem, afinal de contas.

'Nada sério. Apenas pequenos cortes.' Ela se levantou e se dirigiu ao enfermeiro antes de andar até Korsak. 'Muito obrigada.' Depois ela se voltou para Korsak, ansiosa por saber da detetive. 'Jane saiu correndo na direção... não sei em qual direção!' Ela exclamou irritada, descendo da ambulância. Os olhos vagaram mais uma vez pela multidão de pessoas, repórteres, policiais. Onde a morena estaria? Jane teria encontrado algo, alguém? Alguém teria encontrado ela? Um arrepio correu em sua espinha.

'Vou pedir para enviarem Susie.' Korsak disse olhando para as mãos de Maura e sacando o celular do bolso.

'Não. Eu mesma posso fazer - ' Ela começou o protesto mas o homem já estava balançando a cabeça.

'Sem chances. Você não conseguiria segurar um instrumento com suas mãos. Conseguiria?' Ele a cortou.

Ela abaixou a cabeça e olhou para as gazes. 'Não. Não assim. Mas eu ainda posso olhá-los.'

'Jane não concordaria.' O mais velho adicionou.

Maura apertou os olhos em irritação. 'Jane nem está aqui.' Ela respondeu duramente.

Korsak respirou fundo e olhou ao redor. A morena não estava em lugar nenhum, realmente. Uma faixa amarela já tinha sido levantada em torno do restaurante e em volta dela vários repórteres e curiosos já estavam se aglomerando ali. Uns tiravam fotos, outros filmavam. Ele odiava esse tipo de mídia como todo policial. Enquanto seu olhar passava por todas aquelas pessoas, ele ouvira uma voz pairando de algum lugar. Aquela não é a Doutora Isles? Ele fechou a cara. Ninguém precisava saber que a médica legista e uma policial estavam presentes na cena do crime. Ele tocou discretamente as costas de Maura e indicou com a cabeça o lugar de onde viera.

'É melhor se a gente voltar lá para dentro. Você sabe como eles gostam de fazer especulações.'

Maura concordou com a cabeça e o acompanhou.

Do lado de dentro as coisas não estavam mais calmas do que de fora. Pessoas estavam machucadas e o local por si só gritava terror. Era perturbante olhar para os corpos dos dois homens ali, como se tivessem sido descartados como carne estragada. O sangue escorria pelo chão e quando Maura se aproximou de um dos corpos, os policiais automaticamente se afastaram para dar-lhe espaço. Ela abriu um sorriso triste em agradecimento e balançou a cabeça em negativo. Dessa vez não seria ela a responsável por eles. Do outro lado da cafeteria Korsak fazia uma ligação e Susie estaria ali logo. Ela se aproximou do lugar onde Jane e ela estavam deitadas no chão minutos atrás. Mais uma vez pensando na morena, ela abraçou o corpo e continuou encarando o piso. A cada minuto que passava e Jane não aparecia, ela sentia a agonia crescente dentro do peito quase sufocando-a. Algo imprevisível podeira acontecer-lhe, como tinha acabado de acontecer ali com elas, e Maura temia não vê-la novamente. Por que é que Jane tinha que se enfiar em situações assim?

Como se prevendo seus temores, Korsak se aproximou e depositou a mão fofa e gorda em seu ombro. 'Não se preocupe com ela. Ela já está voltando.'

Maura quase não levantou os olhos, envergonhada por ter sido pega tão facilmente pensando na detetive, mas curiosa por tamanha certeza na voz do homem, seus olhos se encontraram com o dele. 'Como você sabe, Korsak?'

Ele deu uma risadinha e indicou com o queixo um ponto do lado de fora. 'Algo me diz, pelo andar dela, que ela não encontrou ninguém.'

Maura sentiu um alívio imediato e ao mesmo tempo um ódio crescer dentro do seu peito ao ver a figura de Jane caminhando de volta em sua direção. Não querendo expor seus sentimentos, ela apertou os dentes e balançou a cabeça concordando com o homem. O olhar afiado acompanhava a morena em seu caminhar, e seria melhor, tão indiscutivelmente melhor se Jane não a rodeasse agora.

...

É claro que Jane não queria abandonar o local do crime antes de todo mundo. Ela ficou o máximo que pôde, mas no final das contas não havia muito sobrando para ela fazer. Depois de voltar frustrada para o local, praticamente com as mãos abanando, ela esperava no mínimo poder colaborar com algo ali. Entretanto, Korsak dificultava tudo. Primeiro chamando Susie para analisar os corpos, deixando Maura de lado. Depois, tentando colocar Jane na mesma situação. Não é como se ela fosse obedecer, ou acatar ordens, que seja. Ela estivera ali, ela saberia descrever o acontecido como ninguém. Ainda assim, o local estava cheio de policiais e todos eles estavam colaborando com o recolhimento de evidências e materiais. Os detetives mais novos tinham sido designados para recolher depoimentos dos clientes, das pessoas ao redor do prédio. Com tantas tarefas divididas, ela se viu encarando Susie enquanto a médica examinava um dos corpos.

Maura estava esperando sentada em um dos bancos, silenciosamente. Não havia nada que ela pudesse fazer, não com suas mãos naquele estado. A loira mal tinha lhe dirigido a palavra desde que ela retornara para a cafeteria, e Jane interpretou sua atitude como uma de alguém que estava abalada. Ela queria dar atenção à médica, mas toda vez que lançava um olhar para a loira, ela desviava os olhos e encarava as próprias mãos que estavam em cima da mesa. Quando Susie afirmou o que já era óbvio - a bala tinha matado imediatamente os dois homens - a detetive se decidira. Ela lançou um olhar para Korsak e os dois se afastaram em um canto.

'Eu preciso levar Maura de volta, você viu como ela tá.' Ela não queria dar a informação adicional de que a loira estava grávida.

'Você sabe que a gente cuida de tudo, Jane. E não é como se eu esperasse, mas... Tudo bem se você ficar em casa por hoje. Dada as circunstâncias, eu digo.'

'Obrigada, Korsak, mas vou passar na delegacia mais tarde.' Ela bateu no ombro dele e se dirigiu para a médica. É claro que ela não tinha intenção nenhuma em ficar em casa. Quanto a Maura, ela não saberia dizer. A loira parecia abalada, mas se fechara em um silêncio indecifrável, um que ela não queria quebrar agora.

'Ei, vamos embora. Não há mais nada para se recolher aqui.' Ela disse e se surpreendeu quando Maura se levantou e se afastou sem hesitar dali.

Jane trocou um olhar com Korsak e ergueu as sobrancelhas, incrédula. Depois ela seguiu a trajetória da mulher, sumindo da vista do homem.

Maura já estava no carro quando Jane abriu a porta e entrou. 'Pronta para ir para casa? Desculpa se me levou mais tempo do que previ.' Ela fechou a porta, e Maura soube que ela estava a estudando, mas ela se recusou e encará-la. Ela não queria lidar com Jane nesse momento. Em vez disso, ela apenas balançou a cabeça em sim e apertou os braços em torno do corpo.

A volta para casa tinha sido menos turbulenta do que ela esperava. As ruas mais próximas à cafeteria estavam congestionadas, mas fora isso o tráfego estava tranquilo. Quando ela estacionou em frente a casa, Maura foi a primeira a sair. Ela dava passadas firmes e abriu, sem olhar para trás, a porta da sala. Ela jogou as chaves em cima da mesa e apressou o trajeto até a cozinha. Ela precisava de água. Talvez um copo de suco para tirar o gosto amargo da boca. Sim, era isso. Rapidamente ele encheu um copo e tomou o primeiro gole. O gosto da laranja se espalhou pela boca e ela fechou os olhos agradecida. A voz de Jane implicando com Bass - ela tinha tropeçado nele - a irritou.

Ela lançou um olhar afiado para a morena depois de colocar o copo em cima da pia. Jane a fitou ligeiramente assustada, sabendo que estava com um problema.

'O que você estava pensando, Jane?' A voz saiu baixa, ameaçadora.

Jane corrigiu a postura, mas ainda lhe faltava a confiança diária. Ela sabia que não deveria ter deixado Maura sozinha, mas ela precisava também tentar encontrar o atirador. 'Eu não deveria ter ido, eu...'

'Você deveria ter ficado.' A voz da loira soou tremida e ela estava prestes a perder o controle. Ela engoliu seco, tentando recobrar a calma, prometendo a si mesma que não iria fazer uma cena.

'Maura, eu sei. Não era seguro ir sozinha, mas mesmo assim eu precisava. Alguém precisava tentar encontrá-lo antes que pudesse fugir.' Ela argumentou.

A médica andou até ela e colocou as mãos na cintura. 'Você não encontrou, encontrou?'

'Não. Não... Maur, eu só fui porque te deixei em segurança.' Ela tentou se aproximar da loira, mas a médica deu um passo para trás.

'Em minha segurança? Foi isso tudo o que você pensou, Jane?' A voz dela soava mais aguda agora.

'Você acha mesmo que eu sairia de lá sem saber que você estava a salvo?' Ela quase se sentiu ofendida. Como Maura podia pensar isso dela sendo que ela sempre visou e deixou claro o quanto se importava com a segurança da médica?

'Que tal a tua segurança?' Ela apontou um dedo para Jane, e a morena recuou. Maura nunca tinha apontado um dedo em ameaça para ela, ou para qualquer outra pessoa.

'Eu sou uma policial, Maura. Eu sei que faço.' Ela respondeu calmamente. Se Maura fosse perder o controle, ela tinha que manter o dela.

'Você não é feita de aço, Jane. Você não é um super herói.' O dedo da médica bateu no ombro de Jane como se para lembrá-la do que ela era feita. 'Você não pode sair correndo por aí como se não fosse feita de carne e osso.'

'Eu nunca...' Ela tentou falar mas Maura a cortou de novo.

'Você nunca o que, Jane?' Ela apertou os dentes antes de falar novamente. 'Você nunca pensou que em alguma dessas vezes você poderia se machucar gravemente? Você nunca pensou que por acaso um sujeito com uma arma na mão poderia atirar em você? Ou que entrar sem reforço numa casa onde um serial killer foi localizado poderia te levar à morte?' Tinha sido golpe baixo, mas ela já não se importava. Jane tinha que ser mais cuidadosa, mais responsável.

A morena arregalou os olhos com a acusação, mas não se sentiu ofendida nem brava. 'Eu faço o que eu preciso para...' Mas Maura já estava interrompendo-a mais uma vez.

'Você não pode atirar em você mesma para salvar outra pessoa. Você não pode pular de uma ponte, Jane, esperando não morrer afogada, esperando ser a heroína do dia seguinte.' A voz dela tinha aumentado consideravelmente e Jane agradeceu que sua mãe não estava mais morando na casa de hóspedes, caso contrário já estaria lá, especulando.

'Eu não quero ser a heroína...'

'E você não pode, principalmente, correr atrás de alguém que atirou em uma cafeteria cheia de pessoas, correndo o risco de ser alvo dele, Jane! Porque você poderia estar morta agora, e você disse que ficaria!' Ela jogou as mãos para cima, claramente irritada. E lá estava ela fazendo uma cena, mas agora pouco importava. A atitude de Jane tinha sido tudo, menos responsável.

'Maura, se acalma, ok? Eu tô bem.'

'Como você espera que eu reaja? Você não pode ser imprudente desse jeito. Cada vez que você resolve bancar a super policial sou eu quem fica esperando sem saber se você volta viva.' A voz tremeu de raiva, de fragilidade.

'É o meu trabalho, Maura!' Mas qualquer argumento que ela usasse parecia pobre. Ela suspirou quando viu Maura tomar ar de novo, esperando por mais uma onda de ataque.

'Não é o seu trabalho tentar se matar. Você testa teus limites e tua sorte. Eu sei que você não é egoísta Jane, e que só pensa em ajudar os outros, mas você realmente deveria começar a pensar em nós antes de agir por impulso. Você não soube como foi ficar naquele hospital com você entre a vida e a morte quando você decidiu atirar em você. Foram noites sem dormir, Jane. Foram dias angustiantes em que eu não sabia se você acordaria.'

Jane sentiu um nó na garganta. Maura nunca tinha lhe falado sobre isso, e já faziam alguns anos... Ela nunca soube das aflições da loira enquanto estivera inconsciente no hospital. Ela deu um passo a frente e tentou segurar o braço da médica, mas de novo ela se afastou erguendo as mãos.

'E você não sabe como foi passar a noite em claro, olhando nas águas escuras do mar esperando ver você de volta. E como eu me senti mal por não ter impedido que você pulasse, porque eu estava lá, e eu vi acontecendo.' Ela estava respirando pesado e levou a mão ao peito para controlar a respiração.

'Não havia nada que você pudesse ter feito, eu já te disse, Maur.' Ela tentou acalmá-la mais uma vez. E mais outra, não funcionou.

'Eu carregaria essa culpa comigo pelo resto da vida! E você pulando para a morte seria minha última lembrança de você.' Ela levou a mão na boca para conter um soluço.

'Eu sinto muito, Maura. Você nunca me disse...'

'Não.' E foi duro. 'Não diga que sente muito, porque você só sente pelo que já passou, mas faria de novo. Mas me ouça, Jane. Você não pode entrar na minha casa e me pedir em casamento, dizer que quer criar uma criança comigo e morrer antes mesmo que ela nasça! O plano é que você faça isso comigo, eu preciso de você viva!'

Oh... Oh. Jane se remexeu e piscou os olhos.

'Você disse que ficaria.' Ela disse em voz baixa e os lábios tremeram. O ódio havia passado e agora só sobrara a fragilidade.

'Você vai ter o bebê.' Jane murmurou a conclusão. Agora fazia todo o sentido Maura ter perdido a cabeça desse jeito.

'Por que você está sorrindo?' Ela perguntou, irritada novamente. Não era para Jane sorrir, ela não tinha ouvido nada do que ela tinha acabado de dizer?

'Você vai ter o bebê.' Jane disse mais alto dessa vez.

Maura se remexeu em seu lugar, e abaixou a cabeça. Depois de lamber os lábios ela olhou de novo para Jane. 'Aparentemente. Isso é... Se você decidir que a vontade de tê-lo comigo é maior do que a necessidade de se enfiar em situações de risco.'

'Maura...' Agora era a vez de Jane levar uma mão a boca e sorrir, e sentir os olhos marejarem. 'Isso é ótimo, Deus isso é maravilhoso.'

E talvez tenha sido o jeito que Jane sorria, ou como seus olhos brilhavam, mas quando a morena se aproximou dela dessa vez e jogou os braços em torno de seu corpo, Maura não a afastou. Ela ainda estava brava com a morena, mas o sentimento foi se dissipando lentamente enquanto Jane a abraçava.

'Por que você não me disse antes?' Ela segurou os ombros de Maura e fixou seu olhar.

'Eu não... Eu...' A loira encolheu os ombros. Ela não havia parado para pensar, de fato. Não havia um momento específico em que ela tinha decidido tê-lo. Não... Tinha acontecido aos poucos, com a presença de Jane ao seu lado no dia-a-dia, e ao passo de que Maura se familiarizava com sua situação. O bebê parecia tão real para Jane, que ela já o tratava como alguém. A mão da morena correndo por sua barriga enquanto ela estava no chão da cafeteria era a prova daquilo. Ela estava checando Maura, mas estava checando a ele também. E a quem Maura queria enganar? A primeira coisa que dissera para o paramédico foi que estava grávida. Ela nem mesmo sentira a dor nas mãos machucadas, mas o primeiro pensamento entre toda aquela confusão foi seu bebê.

Seu bebê. Era assim que o chamaria agora. Soava bem e ela abriu um sorriso delicado. Naquele momento, pensando nele, ela encontrou algum tipo de paz entre toda a confusão daquele dia. Ela não sabia o que tinha acontecido ao certo, mas admitir em voz alta que queria aquela criança tinha disparado um tipo de prazer por todo seu corpo. Ela colocou uma mão sobre a barriga e olhou timidamente para Jane. 'Bem... Ele está crescendo entre nós, não está?'

'Tecnicamente você como médica deveria saber que ele está crescendo dentro de você desde o dia que você me contou, e acho que não preciso dizer, mas ele vem crescendo entre nós desde então.' Jane disse com um sorriso que logo entregou sua provocação.

A médica ergueu as sobrancelhas em uma expressão que dizia claramente 'sério, Jane?', e desatou a rir em seguida, desacreditada.

'Sim!' Jane disse, sorrindo o máximo que conseguia. Ela colocou a própria mão em cima da de Maura e acariciou. 'Você vai ter o bebê. Nós vamos ter um bebê!' A voz animada cortou o ar e ela riu em seguida, depois ela abraçou Maura mais uma vez e deu pulinhos de alegria. Como se lembrasse de algo importante, ela a soltou de repente e esticou os braços para frente. 'Certo. Eu preciso tomar mais cuidado com o que faço com você.'

Maura riu de leve com o gesto da morena. Jane às vezes conseguia ser tão infantil. 'Tudo bem se você me abraçar. Agora quanto a me jogar no chão, você está definitivamente proibida. Grávida ou não.' Ela colocou uma mão na cintura e ergueu uma sobrancelha para a morena.

'Certo.' A morena disse seriamente e logo depois seu rosto se iluminou com um sorriso. 'Eu só estou feliz que vocês estão bem. E que... você finalmente decidiu tê-lo, Maur. E eu prometo que vou ser mais cuidadosa, ok?' Ela segurou as mãos da loira ao adicionar a última parte, evitando de apertá-las.

'Nós vamos ter muitas coisas para resolver, Jane.' Ela murmurou, sentindo a pressão de mil decisões a serem feitas pesando sobre si.

'Eu sei, eu sei. Uma coisa de cada vez, certo?' A detetive acariciou seus braços e sorriu para tranquilizá-la.

'Tem a sua família, e a minha, e o trabalho. Jane... Eu não sei o que fazer quanto à Jack, e...'

'Maura. Escuta, não perde a cabeça agora, ok? Nós vamos resolver isso. Tudo isso.'

Ela balançou a cabeça em sim, e segurou a cintura da morena com as duas mãos. Isso pegou totalmente a atenção da mulher mais alta, e agora olhos negros estavam pairando sobre os seus, esperando por algo.

'E eu preciso de você. Entre todas as coisas, o que eu mais preciso é de você.'

A morena sorriu e beijou sua bochecha. 'Até onde eu sei, eu te devo um anel de casamento.'

Maura riu delicadamente e fechou os olhos quando a mão de Jane passeou livremente por sua barriga. O outro braço da morena abraçou sua cintura e outro beijo foi plantado em sua bochecha. Era um momento íntimo que poderia ser interpretado de outra forma por espectadores, mas Maura não podia se importar menos. A irritação há muito esquecida, tudo em que ela conseguia se focar era nos lábios de Jane se curvando em um sorriso, ainda pressionados contra seu rosto, revelando a genuína felicidade da morena por saber do bebê que estava a caminho. Ela ergueu o rosto para estudar a morena. Era assim que o futuro deveria soar? Carregado de promessas e expectativas? Porque era exatamente isso que ela estava sentindo; o futuro agora parecia promissor, e ela estava ansiosa por cada passar de dia. Não querendo se livrar da sensação, sabendo que Jane era a fonte dela, Maura colocou seus braços sobre os da morena, esperando que o gesto mantivesse a mulher ali por pelo menos mais um minuto. E agora era sua vez de pousar a mão sobre a de Jane e de apertá-la em seu ventre. Lá estava o bebê. E lá estavam ela e Jane, embarcando numa espera que ela rezava para que fosse doce.


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