Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
Oito


Notas iniciais do capítulo

E aqui vamos nós! Ficou maior do que eu pretendia a princípio, mas acho que ficou melhor do que ficaria se eu escrevesse de outro jeito. Como sempre, gostaria de ouvir o que vocês acham. Obrigada por serem tão fiéis! Prometo que vou responder a todos e vir com um novo capítulo logo.



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'Maura, pára!' Jane disse irritada. Era a sexta vez, em menos de cinco minutos, que a loira tentava roubar um pouco de recheio da torta de maçã que Jane estava montando. Faltava um dia para o dia de Ação de Graças, e se a morena quisesse realmente ter uma sobremesa decente para oferecer na noite seguinte, ela teria que terminá-la agora. A parte difícil, aparentemente, era ter um recheio para colocar ali. Maura tinha desenvolvido um costume horrível de roubar sua comida - não importava qual fosse. E agora não era diferente: lá estava ela, dedos habilidosos tentando mais uma vez roubar uma pequena quantidade da mistura. Jane segurou sua mão e a afastou. 'Eu tô falando sério, Maura. Chega com isso.'

'Eu só quero experimentar!' Ela quase implorou.

'Você já experimentou umas... quatro vezes.' Jane rebateu e mudou a vasilha de lugar, colocando-a longe do alcance da loira.

'Jane, eu sei que você não gosta de repartir comida, mas você nem gosta tanto dessa torta assim. Você mesma disse que só está fazendo porque é a preferida da sua mãe.' Ela disse clinicamente, segurando a verdade contra a detetive.

Ela revirou os olhos. 'Você não pode estar com fome, Maura. Você comeu todos, e eu repito, todos os cookies que comprei no mercado hoje.' Ela apertou a massa na forma enquanto franzia o cenho. 'E eu nem mesmo comi um!'

Maura cruzou as mãos em frente do corpo e abaixou a cabeça. 'Eu já pedi desculpas, eu achei que você tinha comprado para mim.'

Jane lançou um olhar resignado para ela, chacoalhou levemente a cabeça e continuou montando a torta.

'Isso não é razão para você - ' A loira continuou, mas Jane a cortou imediatamente.

'Maura.' Ela lançou um olhar em advertência para a loira.

E então Maura usou o seu golpe mais baixo. 'Você sabe, é por causa do bebê... Todas essas minhas vontades.' Ela encolheu o ombro e pareceu inocente demais para o gosto de Jane.

A morena finalmente cedeu ao olhar de cachorro abandonado da loira, pegou uma colher e encheu com recheio. 'Espero que isso seja o suficiente para a vontade dele.' Ela enfatizou, apontando para a barriga da mulher que estava tão lisa agora quanto antes da gravidez. Maura estava de sete semanas, e as únicas manifestações de seu estado eram o cansaço e essa fome que parecia insaciável.

Satisfeita com sua vitória, a loira mordiscou apenas uma pequena porção e sorriu. 'Isso está ótimo.' Ela disse depois de engolir.

'Não me diga.' Jane suspirou e finalmente despejou o recheio na forma, apenas para voltar a cobri-la com o restante da massa.

'Você ainda tá brava por causa dos cookies?' Maura lambeu delicadamente um dedo e depositou a colher suja na pia. 'Eu posso comprar mais, mais tarde.'

Jane riu suavemente e balançou a cabeça. 'Não, não mais. Mas você certamente me deve uma.'

'Peça o que quiser.' Maura riu delicadamente e levou um dedo para a torta. 'Ai!' Ela disse quando Jane bateu em sua mão.

'O que eu disse sobre roubar comida, Maura?' Ela bravejou.

'Eu estava apenas tentando arrumar essa parte da massa que ficou mal colocada.' Ela se justificou e apontou o dedo para o lugar.

Jane bateu seu dedo lá, para se certificar de que agora tudo ficaria certo. Depois, ela pegou a forma e a colocou dentro do forno. Missão cumprida. Com a torta assando, ela tinha certeza de que Maura não se aventuraria mais em pegar qualquer parte dela que fosse. A questão era: uma vez assada, a torta duraria até o dia seguinte?

'Eu cozinhei, você lava.' Ela disse para a loira que estava a estudando.

'Nada disso, eu estou extremamente cansada.' Ela esticou as mãos em cima da cabeça, se espreguiçando.

'Você não fez nenhuma autópsia hoje, Maura.' Jane rebateu enquanto colocava a louça suja na pia.

'Não, mas eu elaborei alguns relatórios, e isso foi o suficiente. Além disso, todos aqueles resultados de exames do seu caso... Me deixaram cheia de trabalho.' Ela cruzou os braços em frente ao peito.

'Eu sinto falta da minha mãe morando aqui, se você quer saber. Tenho certeza de que se a louça ficasse na pia, no dia seguinte ela estaria milagrosamente limpa e guardada.' Jane disse com um sorriso provocador.

'Nem pense em cogitar essa idéia. Você sujou, você vai limpar. E eu tenho pena da sua mãe, você às vezes abusa muito dela.' Maura disse se retirando da cozinha, deixando Jane de queixo caído. Até onde a morena sabia, Maura sempre tinha ficado do seu lado com as pequenas picuinhas com sua mãe. Por que ela estava defendendo ela agora?

Jane fez um barulho com a boca em reprovação à Maura e se colocou a limpar o que tinha sujado. O trabalho não tinha durado mais do que vinte minutos, o que era pouco, considerando o tanto de panelas e pratos e talheres que ela tinha lavado e colocado no lugar. Depois de terminar, ela se dirigiu ao sofá e se sentou na ponta. Maura estava deitada, as mãos em baixo do rosto. Era bom vê-la relaxada depois de dias estressantes. Desde que ela decidira ter o bebê, desde o dia em que ela brigara com Jane por causa de sua atitude de sair correndo atrás do atirador, Maura parecia mais calma, até mesmo mais brincalhona. Aquilo certamente refletia em suas feições. O rosto estava mais corado, e o sorriso habitual tinha voltado. Elas estavam passando mais tempo juntas do que de costume - agora Jane mal passava em sua casa, Joe Friday tinha sido trazida para a casa da médica, e Jane tinha mais do que a metade do seu guarda roupa ali. Tudo andava relativamente bem, e Jane se permitiu relaxar com o pensamento. Ela lançou um olhar para Maura que estava extremamente concentrada na tv. Era um documentário sobre comportamento animal, relacionado aos lobos. Jane não estava realmente interessada. Ela simplesmente recolheu os pés de Maura que estavam calçados em meia, e os depositou em seu colo. A loira sorriu-lhe discretamente, mas Jane optou por ignorá-la. Ela continuou acariciando sutilmente a perna da médica enquanto esperava pelo tempo de tirar a torta do forno. Logo Maura estaria dormindo ali no sofá, e como em todas as noites Jane teria que acordá-la, lidar com a irritação e discursos desconexos e conduzi-la até a cama. Algumas noites a loira pedia para que Jane ficasse ali com ela, e em outras, ela simplesmente se deitava e em menos de segundos estava adormecida novamente. Jane adoraria aprender esse novo truque dela.

...

Jane acordou de repente, sem saber ao certo o que a tinha tirado de seu sono. Mais uma vez ela tinha dormindo na cama de Maura. Depois de ter acordado a loira no sofá, ela a acompanhou até o quarto, ouvindo uma palestra minuciosa sobre as razões pelas quais Napoleão Bonaparte e seus piratas - sim, ela tinha dito piratas, para o encanto de Jane - tinham falhado ao enfrentar a Inglaterra. Não fazia sentido algum, mas Jane nunca a corrigia. Ela ajudou Maura a se deitar e a cobriu, e sob o pedido da loira tinha ficado ali.

Agora ela apertava o travesseiro em seu rosto, tentando encontrar o sono de volta. Ela soube que demoraria a dormir novamente quando jogou o braço para o lado e sentiu falta de um corpo ali. Onde estaria Maura? Ela já estava em pé? E que horas eram? Ela jogou o travesseiro para o lado e notou que o dia ainda estava clareando. Um tanto quanto sonolenta ela franziu o cenho ao escutar Maura tossindo. No banheiro.

Ah, não.

Ela chutou as cobertas e estava imediatamente em pé, na porta de madeira. Ela bateu de leve, não querendo assustar a mulher. 'Maur, você tá bem?' Ela encostou a cabeça na porta quando a loira relutou em responder.

'É apenas um enjoo.' A voz da outra finalmente veio e Jane suspirou.

'Posso entrar?' Ela perguntou, a mão já na maçaneta.

'Jane, você não precisa. Volte a dormir.'

A morena revirou os olhos. Claro, como se ela simplesmente fosse dar as costas para Maura sabendo que ela não estava bem. Decidida, ela anunciou a entrada e abriu lentamente a porta. A imagem de Maura ajoelhada no chão, com uma mão no estômago tirou o ar de seus pulmões. Ela parecia cansada, miserável. Jane se sentiu mal por ela, mas ela sabia melhor do que ninguém que enjoos matinais estavam envolvidos durante a gravidez. Ela sorriu em compaixão e se aproximou da loira.

'Posso fazer algo por você?' Ela colocou a mão no ombro de Maura e a outra balançou a cabeça em não.

'Temo que nesse momento não há muito a ser feito.' Ela apertou os olhos quando uma nova onda de náusea a atingiu. 'Jane, eu não quero que você me veja assim. Você não precisa.' Ela respirou fundo, tentando não ceder ao enjoo mais uma vez.

Jane se agachou e acariciou suas costas. 'Qual é, Maur. Você já me viu pior.'

Maura tentou sorrir, sem nem mesmo olhar para a morena. Ela lutou bravamente contra a vontade de vomitar, mas foi vencida pela natureza do próprio corpo. Ela se curvou para frente, e as mãos de Jane em suas costas foi tudo o que ela sentiu. Quando terminou, ela levou uma mão para a boca e curvou o corpo para frente, dessa vez por conta do cansaço causado pelo esforço.

'Ei, tudo bem.' Ela estava constrangida, Jane podia dizer. 'Você tá fria, Maur. Você quer tentar e voltar para a cama?'

A loira balançou a cabeça e Jane soube que a sessão enjoo não tinha acabado ainda. Ela suspirou, caminhou até o quarto e pegou uma coberta. De volta ao banheiro, aninhou Maura nela e se agachou novamente ao seu lado. Maura se curvou e vomitou mais uma vez, e Jane segurou seu cabelo e acariciou suas costas novamente. Decidida a quebrar o gelo, ela sorriu e abraçou a cintura da médica.

'Quer saber? Eu me perguntou se isso é enjoo matinal... Ou se é apenas todos os cookies que você comeu ontem.'

Maura encostou a cabeça em seu ombro e olhou para ela. 'Eu odeio tanto você nesse momento, Jane Rizzoli.'

Jane riu brandamente e depositou um beijo demorado na testa da loira. 'Não, você não me odeia. Em todo caso, muito obrigada por ter me livrado dessa.' Ela provocou de novo e Maura apertou os olhos, cansada demais para rebater.

A loira não respondeu; apenas descansou sua testa no pescoço quente de Jane e fechou os olhos. De algum modo ela encontrou conforto ali, naquela posição. Ela respirou fundo diversas vezes e sentiu o cheiro da morena invadir seu nariz. Era uma essência de lavanda misturada com o próprio cheiro da morena, um cheiro doce e leve após uma noite de sono. Estranhamente, aquele perfume não a enjoava, em vez disso ela se sentia acomodada. Certa de que não iria mais vomitar, ela se remexeu e ergueu os olhos para a detetive.

'Acho que agora estou pronta para voltar para cama.'

Jane concordou com a cabeça e a ajudou a se levantar. Enquanto Maura escovava os dentes e lavava o rosto, Jane estendia novamente a cama. Não demorou muito para que as duas se aninhassem ali novamente. Uma se deitou virada de frente para a outra e Jane não resistiu e colocou uma mecha errante de cabelo dourado atrás da orelha de Maura. A loira fechou os olhos com o toque, e Jane correu a ponta dos dedos naturalmente pelo contorno do seu rosto, e quando chegou ao queixo apertou carinhosamente antes de afastar a mão. Com a ausência do toque, a médica abriu os olhos e um leve sorriso brotou em seus lábios. Jane descansou a mão em cima de sua cintura. O que era isso que ela não conseguia deixar de tocar Maura?

'Você sabe, é melhor que a gente dê um jeito de encontrar algo para melhorar seu enjoo, hoje. Só no caso de acontecer de novo.'

Maura sorriu com a disposição de Jane em ajudá-la. 'Certo. Algo cítrico para os cheiros e... frutas ácidas, como banana, sempre ajudam.'

É claro que Maura sendo Maura, ela já teria noção do que precisaria. 'Anotado. Ainda hoje vou vasculhar o mercado a procura disso.'

'Muito obrigada, por tudo.' Maura murmurou e segurou seu olhar.

'Achei que você me odiasse.' Jane abriu um sorriso brincalhão, cedendo sob o peso do significado da forma de como a loira a encarava. Não era algo que ela queria pensar sobre agora.

Maura franziu os lábios num bico, em pensamento. 'Ás vezes, nos seus melhores momentos, dá pra te amar.'

Jane abriu a boca em falsa indignação. 'Perdão?'

Maura riu e lambeu os lábios. 'É brincadeira. Ultimamente você tem sido... perfeita.' E então ela depositou o braço sobre o de Jane que estava em sua cintura.

A morena ergueu as sobrancelhas e pareceu divertida o suficiente. 'Oh, é mesmo? Eu gosto disso. Jane Perfeita Rizzoli, posso até me acostumar.'

Maura soltou um suspiro de irritação e beliscou o braço da outra.

'Maura! De novo com os beliscões? Olhe para minha pele perfeita. Se ficar roxa, adeus perfeição!'

E com isso Maura riu mais e, inconsciente do próprio gesto, acariciou o rosto da morena. 'Vamos parar com isso e voltar a dormir. O dia vai ser longo hoje.'

'Você não precisa me lembrar. Aguentar minha mãe durante todo dia aqui em casa. Argh.' A morena esticou o braço, um gesto que fluiu naturalmente, deixando a sugestão explícita para que Maura deitasse sua cabeça ali. Ela só se deu conta do ato quando a loira aceitou a oferta e se acomodou. Ela teria ficado constrangida, mas Maura não pareceu dar muita atenção e nem se sentiu incomodada. Por que ela deveria, então?

'Jane, sua mãe não pode saber. Sobre o bebê, eu quero dizer.' Ela mordeu os lábios. 'E se ela estiver aqui quando acordarmos? E se... eu enjoar de novo?'

'Maur, ela não vai saber, ok? E eu sei mentir como ninguém, se acontecer eu arrumo uma desculpa. Apenas volte a dormir.'

A médica suspirou e jogou a mão por cima da barriga da detetive. Ela se encolheu e as duas se ajeitaram na cama, de modo que seus corpos ficaram mais próximos, dividindo o calor e encontrando conforto um no outro. Antes que pegasse no sono, Jane beijou sua cabeça e encostou seu queixo no mesmo local em seguida. Nenhuma delas saberia dizer qual adormecera primeiro.

...

Elas tinham um segredo, Angela podia dizer. Entretanto, agora não era o momento para tentar descobrir qual era. Não. Agora ela tinha que terminar de rechear o peru para só então dar início aos outros pratos da noite. Mas ela não conseguia deixar de notar os toques, os sorrisos de cumplicidade e os olhares das duas. Se ela não conhece tão bem sua própria filha, ela desconfiaria que estava vendo coisas. E, se ela não tivesse presenciado Jane chorando e lhe contando por vontade própria que ela e Maura tinham um problema, há algum tempo atrás, ela não desconfiaria de que esse dito problema já estava resolvido. Talvez esses risos e olhares fossem, afinal de contas, o resultado de seu desfecho.

Ela franziu o nariz e focou em suas obrigações, era o que ela deveria fazer, afinal de contas. Jane parecera extremamente chateada, e por não dar nenhuma pista do que se referia o problema, ela concluiu que era diretamente relacionado à Maura. E, perdida em seus próprios pensamentos, ela chegou a conclusão de que não deveria se meter com a médica. Pelo menos não agora que ela estava bem de novo. Em outras circunstâncias ela teria tentado ajudar. Ou se intrometer, como Jane diria.

'Mãe! Eu tô morrendo de fome. Já são uma da tarde e nós não almoçamos ainda.' A morena reclamou, irritada.

'Faça a sua própria comida, eu estou ocupada aqui, Jane! Você não pode ver?' Angela rebateu de volta.

'Jane, sua mãe está certa. Você nem está ajudando.' Maura se aliou à italiana mais velha e ganhou um olhar repreensivo de Jane.

'É claro. Sanduíche de queijo, isso servirá.' Ela resmungou para si mesma enquanto abria a geladeira e para pegar os ingredientes.

Angela se voltou para Maura e sorriu-lhe. 'Como você tem andado, querida? Você parece diferente. De um jeito bom, eu quero dizer.'

Maura abaixou a cabeça e sorriu, se concentrando enquanto cortava as cenouras. 'Obrigada, Angela. Eu estou bem. Acho que finalmente depois de tudo, você sabe...' Ela lambeu os lábios e lançou um olhar para a mais velha. Ela não queria falar sobre Frost agora, nem sobre o bebê de Jane, e muito menos sobre Jack. Felizmente, Angela balançou a cabeça em compreensão e sorriu em simpatia. 'As coisas estão se ajeitando novamente.'

Era uma resposta genérica que englobava tudo e não especificava nada, mas Angela entendia os motivos de tais coisas não serem ditas, trazidas à tona. Elas ainda eram doloridas e esse era um dia dedicado ao que deveria ser agradecido, e não lamentado.

Com um barulho estridente, as duas se viraram para trás afim de procurar a fonte. Jane estava de olhos arregalados, parecendo uma criança sendo pega no mais castigável ato. Em sua pressa pela comida, ela tinha esbarrado o cotovelo numa das vasilhas cheia de batata picada.

'Ops.' Ela murmurou, claramente esperando pela reprimenda de uma das duas.

Angela balançou a cabeça em negativo e voltou a atenção para o que estava fazendo. 'Eu posso ver, as coisas realmente estão voltando ao normal.'

E embora a mãe não tenha dito nada, o olhar de Maura deixou claro que ela deveria arrumar aquela bagunça. E assim ela o fez.

E a tarde se arrastou para Jane. Ela foi obrigada a cozinhar. A lavar e a secar louça. Angela tinha ameaçado a bloquear o canal da TV que exibiria o jogo daquela noite, e a ameaça tinha funcionado perfeitamente bem, exceto pelo fato de que a morena passou o resto da tarde murmurando e reclamando em voz baixa sobre as tarefas que lhe foram designadas. Maura apenas ria, divertida, com a atitude infantil da outra. Quando o relógio marcou seis horas, Jane encontrou a desculpa perfeita para se retirar para o banho, com o pretexto de que os convidados poderiam chegar a qualquer hora. Claro, como se ela demorasse mais do que dez minutos em baixo do chuveiro. Sem contar que os convidados estavam marcados para as oito horas.

Torcendo os lábios, Angela deixou que ela fosse. Não havia muito o que ser feito, exceto a parte da limpeza. Frankie poderia colocar a mesa mais tarde, e tanto ela quanto Maura estavam cansadas. Elas poderiam dar um tempo nos afazeres depois de limpar. E foi assim que, minutos mais tarde, as duas acabaram no sofá. Angela sentada em uma das poltronas e Maura deitava no sofá maior.

'Você se importa se eu dormir um pouco, Angela? Eu estou bem cansada.' A loira murmurou, bocejando.

'Claro que não, querida. Descanse o quanto precisar. Eu tomo conta do forno.' Ela lançou-lhe um sorriso e Maura puxou a coberta para cima de si. Angela observou enquanto ela cedia ao sono, piscada após piscada dos olhos. Depois de um minuto, agarrou o livro que trouxera na bolsa e começara a lê-lo do ponto onde tinha parado. Agatha Christie sempre fazia o tempo voar.

'Cadê a Maura?' O furacão cheio de vida que era sua filha apareceu depois, a voz ecoando na sala. Ela havia colocado sua calça jeans azul desbotado e uma camiseta em V roxa. O cabelo estava solto e mais rebelde do que o normal, mas Angela achou melhor não comentar sobre isso.

Angela levou um dedo esticado até a boca, em sinal de silêncio, depois apontou para o sofá.

Jane arqueou as sobrancelhas e o contornou, estudou a loira e decidiu se acomodar ali. No outro canto ela sentou e depositou os pés da mulher em seu colo. Ela ignorava o olhar de Angela medindo seu comportamento enquanto ela ligava a TV e escolhia um canal, deixando o volume baixo. As mãos da morena acariciavam automaticamente os pés e canelas da médica por cima da coberta. Quando Maura se remexeu no sofá, Jane lançou a cabeça para visualizar seu rosto e notando que a loira ainda dormia, sorriu e deu tapinha de leves nos pés dela. Seu olhar se encontrou com o da mãe, e o sorriso nos lábios morreu imediatamente por ter sido pega.

'O que?' Ela perguntou, incomodada.

'Nada. Só acho curioso a forma como você cuida dela.' Angela devolveu e virou a página do livro.

Jane não perdeu a insinuação na voz da outra, mas ela não sabia o que significava exatamente. 'Me erra.' Ela disse e respirou fundo.

'Isso não é jeito de falar com sua mãe!' Angela devolveu num sussurro, irritada.

'Shh.' A italiana mais nova fez uma cara feia e apontou para Maura. Ela sabia que a mulher precisava desse sono se quisesse ficar acordada até tarde naquela noite, o que provavelmente aconteceria. Ela estava cansada por causa da gravidez, o que era normal no primeiro trimestre, e alguns dias ela aparentava estar mais disposta, em outros, menos.

Em trégua, apenas por razão de não quererem incomodar a médica, as duas se voltaram cada qual para sua atividade. A própria Jane se permitiu uns minutos de sono enquanto assistia um jogo na tv. Ela acordou com a mãe se levantando do sofá para checar o forno. Ela mesma se levantou e foi rodear a cozinha. Tudo parecia estar pronto, ou quase. O peru ainda estava assando, e a mesa precisava ser colocada. Ela estava prestes a sugerir que o fizesse quando a mãe virou-se para ela.

'É melhor acordar Maura, se ela quiser ficar pronta antes das pessoas chegarem. Já são sete e meia.'

Jane arregalou os olhos. 'O que?' Ela conferiu o relógio e saiu apressada. Ela tinha dormido apenas alguns minutos, e não mais de uma hora! Maura iria surtar quando descobrisse o quão pouco tempo ela tinha para ficar pronta.

'Ei, bela adormecida.' Ela acariciou o ombro da mulher.

'Hm?' Ela mal se mexeu.

'Tá na hora de se arrumar, você sabe, para o jantar.'

'Hoje é domingo?' Ela franziu o cenho, sem abrir os olhos.

Jane levou uma mão na boca para abafar a risada. 'Não, querida, hoje é dia de Ação de Graças. Se lembra?'

Com a nova informação a médica se sentou rapidamente no sofá e arregalou os olhos. 'Eu perdi a hora, não perdi?'

'Bem... Você ainda tem 27 minutos.' Jane disse, olhando no relógio de pulso.

'Oh meu Deus!' A loira se levantou mais do que depressa e se dirigiu as escadas.

Jane deu de ombros. Não tinha sido tão ruim assim. Ou na cabeça de Maura, ela mal tinha tempo para reclamar. De uma forma ou de outra, Jane tinha certeza que Maura aparecia tão arrumada e bela em menos de trinta minutos, quanto em duas horas. Era algo que só a loira conseguia fazer. Não muito depois, Jane começou a receber os irmãos. Frankie chegara primeiro, carregando um fardo de cerveja - a preferida de Jane. É claro que aquilo não era permitido perto de Tommy, considerando o histórico do irmão mais novo, mas fora justamente por isso que Frankie chegara mais cedo: ele e Jane iriam beber antes do irmão mais novo chegar. Ela o recebeu com um sorriso - mais feliz pela cerveja do que pelo fato de vê-lo - e tão logo eles se ajeitaram no sofá, começaram a beber e assistir ao jogo de baseball que começava. Vinte minutos mais tarde e todas latinhas consumidas, Frankie se levantou para ajudar com a mesa, e Jane descobriu que Maura estava pronta.

Indiscutivelmente estonteante em uma blusa vermelha de manga comprida, o cabelo loira e ondulado caindo em cascata sobre os ombros, uma saia cinza de tom escuro e salto alto. Salto alto? Jane franziu o cenho. Ela deveria estar usando salto alto? Ela espantou o pensamento com um sorriso e esticou a mão quando a loira alcançou o último degrau da escada.

'Uau, você tá linda.' Ela disse enquanto segurava a mão da médica e ela alcançava o piso.

Maura desviou o olhar e sorriu. 'Você já me viu vestindo algo parecido antes.'

Jane revirou os olhos. 'Você pode simplesmente aceitar o elogio?'

'Obrigada.' Maura apertou a mão dela antes de se soltar. 'Olá, Frankie. Como vai?'

'Hey Maura!' Ele acenou com a mão de onde estava - na beira da mesa, colocando os talheres em seus lugares. E então as pessoas começaram a chegar. Tommy e Lidia e TJ, depois Korsak e Susie. Maura recebeu cada um deles, aceitou vinhos e sorriu educadamente - alegremente - para cada convidado que chegava. Não havia muitas pessoas ali naquela noite, mas eram aqueles poucos rostos que importavam para ela. A noite só seria perfeita se os pais estivessem juntos, ali, mas infelizmente eles eram ocupados demais e poucas vezes conseguiram passar as três celebrações - Ação de Graças, Natal e Ano Novo - reunidos.

Todos se reuniram na mesa e antes de comerem, Angela limpou a garganta e se dirigiu a todos.

'Alguém quer começar a agradecer?' Era uma tradição dos Rizzolis, todos deveriam agradecer por algo, e mesmo que estivessem na casa de Maura, era um costume forte demais para ser colocado de lado. Olhares foram trocados e Tommy, que estava bem humorado, levantou a taça de suco e foi o primeiro a falar.

'Eu agradeço pela minha família, e pelo TJ.' Todos acenaram com a cabeça e Korsak tomou a palavra em seguida.

'Eu agradeço por vocês, que são minha família mais próxima. E Jane, que tem se provado a melhor paceira de todos os tempos.' Ele inclinou a taça para a morena e ela sorriu, um tanto quanto tímida.

'Agradeço a vocês que me acolheram - eu sempre vou ser grata a isso.' Lidia sorriu para todos da mesa, e recebeu sorrisos em troca.

'Agradeço pelo meu trabalho, e pela oportunidade de ajudar a quem precisa através da ciência, porque me sinto uma heroína quando ajudo pessoas. Quer dizer, aprendiz de heroína.' Susie virou a cabeça para Maura e sussurrou numa voz que soou alta demais. 'Você é minha heroína, Maura.' E todos riram.

'Ok. Eu agradeço porque finalmente consegui comprar meu apartamento esse ano.' Frankie disse orgulhoso. Ele olhou para Jane, considerando as palavras seguintes. 'Quer saber? Eu agradeço por ter conhecido Frost.' E a menção do nome o silêncio tinha se tornado absoluto. Até mesmo TJ pareceu sentir a tensão e abriu bem os olhos. 'Ele era um bom amigo, e eu me diverti muito com ele. Era um ótimo policial, amigo fiel e leal. Ele se preocupava em não decepcionar as pessoas e dava sempre o melhor de si. Ele é um bom exemplo de ser humano, e agradeço por tê-lo conhecido. As lembranças que tenho dele me inspiram de várias formas.' Ele abaixou os olhos depois de encarar Jane por vários segundos. Ela tinha o olhar carregado, mas um sorriso nos lábios. Frankie sabia que ele espelhava a mesma expressão e depois que todos na mesa concordaram com olhares simpáticos e balançar de cabeça, Maura sabia que era a sua deixa pra falar.

'Eu agradeço pelo companheirismo...' Ela suspirou e lançou um olhar discreto para Jane que estava ao seu lado da mesa e depois encarou o próprio prato. 'E por toda força que recebi durante esse ano que foi particularmente difícil, para todos nós, imagino... E... agradeço porque hoje tenho as pessoas certas ao meu lado. Vocês são minha fortaleza.' Ela sorriu timidamente e evitou os olhares na mesa para não sentir as bochechas corarem. Ela roçou os dedos nos de Jane, e a morena entrelaçou-os e segurou sua mão com força ao lado de seu corpo. Um gesto sutil que tinha sido despercebido pelos convidados.

'Oh, Maura. Isso é lindo.' Angela murmurou e apertou sua outra mão que descansava sobre a mesa.

'Bem...' Todos olhavam atentos para Jane agora, que tinha sido a última a falar. 'Vocês roubaram cada uma de minhas falas!' Ela exclamou e todos riram, mas depois ela balançou a cabeça, um sorriso no rosto e o olhar concentrado em algo. 'Eu agradeço ao novo, às nossas expectativas, e... nossa esperança pelo que está por vir. Eu sei que o futuro não nos é garantido, mas eu agradeço porque mesmo que não seja, nós podemos imaginar. E na minha imaginação há uma pequena promessa de algo bonito se desenvolvendo.'

Angela olhou admirada para a filha, e depois para Maura. 'Oh, Maura! Eu sabia que você podia ensinar algo de bom para minha Jane!' Mais uma vez a mesa inteira riu, e a detetive revirou os olhos.

'Os créditos são dela, Angela.' A médica respondeu a apertou a mão da detetive mais uma vez. Elas seguraram o olhar por um instante. Maura sabia muito bem o motivo de tais palavras, e ela tinha certeza que, em um momento mais íntimo, aquela mão teria parado em cima de sua barriga. Por um momento ela se sentiu culpada por não compartilhar com todas aquelas pessoas - seus amigos, sua família– sobre o bebê. Mas ela não podia. Era cedo demais, e ela sabia dos riscos dos primeiros meses de uma gravidez. Ela preferia esperar pelo terceiro ou quarto mês, e só então todos saberiam.

'Eu agradeço por essa noite, por todos aqui e pelos meus filhos e meu neto. Deus! Eu não poderia estar mais feliz. Ou poderia?' Ela olhou para a detetive. 'Talvez Jane tenha razão. Quem sabe há algo melhor vindo? Vamos agradecer a brindar ao futuro!'

'Ao futuro!' Todos levantaram as taças e brindaram.

E todos jantaram, conversaram e riram durante a ceia. Se não fosse pelo exagero incomum de comida, aquilo poderia ser qualquer outro jantar de domingo a noite... e, também, se não fosse por aquela atmosfera mágica que tinha envolvido a todas desde o momento de graças. Todos pareciam leves e felizes, e o semblante de cada um era marcado por mais vezes por sorrisos e risadas do que seriedade.

Ao final do jantar todos se reuniram em volta da lareira e Jane quase infartou quando descobriu que, por algum motivo desconhecido, o canal que exibia o jogo daquela noite estava fora do ar.

'Mãe!' Ela disparou e apontou um dedo para Angela. 'Faça voltar agora!' Ela disse mau humorada, os braços cruzados em frente ao peito.

Angela bateu o guardanapo na coxa e apontou um dedo para a filha. 'Eu não fiz isso, Jane Clementine Rizzoli!'

E pelo olhar severo - e o seu nome inteiro dito - ela soube que era verdade. Ela lançou um olhar desanimado para Frankie e deu de ombros.

'O que diabos aconteceu?' Ela tentou trocar de canal, mas nenhum estava de fato funcionando.

'Pode ser o receptor?' Frankie tentou.

'Droga.' Ela murmurou.

De repente uma música alta começou a tocar. 'Ei, pelo menos as estações de rádio funcionam!' Tommy exclamou e de repente pareceu entorpecido pela música que se iniciava. 'Frankie.' Ele disse e apontou um dedo para o irmão, um sorriso malandro no rosto.

O mais velho abriu um sorriso maroto e se levantou. Eles se posicionaram lado a lado e o cantor começou com a letra...

'I like big butts and I can not lie. You other brothers can't deny...' E os dois irmãos começaram a dançar.

Dançar passos de uma dança que tinha sido, sem dúvidas, elaborada por eles muito tempo atrás. Era o cúmulo do ridículo, e Jane olhou para os dois, primeiro escandalizada, e depois jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada alta. Aquilo pareceu divertir a todos, e até mesmo Maura estava rindo da situação. Jane olhou para a loira e apertou os olhos enquanto ria, e de repente todos estavam se deixando levar pela melodia do som e fazendo seus passos - embora, tímidos - em uma roda na sala.

'Ok.' Tommy disse ainda dançando. 'Eis um desafio. Dois a dois, eu escolho o som. E vocês tem que dançar, não importa qual seja!'

'Não mesmo!' Jane vociferou, mas suas palavras foram abafadas pela risada e exclamações de concordância do restante.

'Jane, até mesmo TJ está dançando.' Maura apontou para o bebê que estava todo sorrindo, batendo palmas no colo da mãe.

'Graças a Deus ele é novo demais para entender essa letra!'

Maura concordou e observou enquanto os novos escolhidos por Frankie - Korsak e Susie - se colocavam no meio da roda.

Ele mudou a estação e uma música dos anos 80 tocava animada.

'Wake me up, before you go go... Don't leave me hanging on like a yo-yo...' Os dois ao centro fizeram o seu melhor, e Maura não sabia que Susie podia dançar tão bem. Ela tinha de fato inventado rapidamente uma coreografia para a música.

Os dois escolheram o par seguinte, que aconteceu de ser Angela e Lidia. As mulheres esperaram enquanto Tommy escolhia a música e tão logo a melodia soou, todos levantaram as vozes em aprovação. Era uma canção atual e animada, e não precisou de muito para todos estarem dançando. TJ foi para os braços de Maura, e Jane não deixou de notar como seu rosto de iluminou com a criança no colo. Ela se balançava cuidadosamente por conta do menino. E ao som da letra - It's going down, I'm yelling timber, you better move, you better dance. Let's make a night, you won't remember, I'll be the one, you won't forget– Angela arriscava alguns passos.

Aquilo tudo tinha sido inesperado, não planejado e ainda assim arrancava risadas de todos. Jane tentou segurar o bebê e usá-lo como desculpa para não sair dali quando notou que seria a próxima a ser escolhida. Maura se afastou dela e entregou a criança para Lidia, e Angela obrigou - obrigou - a morena a ir ao centro. É claro que o que acabou a convencendo não foi a atitude da mãe, mas o olhar de Maura.

Facilmente desarmada, ela jogou os braços ao lado do corpo e esperou enquanto o som era escolhido. Uma melodia suave e lenta preencheu o ambiente e todos pareceram espantados e admirados com a música. Era antiga, mas conhecida por todos. O tipo de música que passa de geração a geração, e não há uma única pessoa que não tenha ouvido pelo menos uma vez.

Confusa - era uma música lenta - Jane não sabia ao certo o que fazer. Ela deveria pedir para trocarem o som? Deveria dançar com Maura? Ela olhou ao redor e viu, para seu desespero, que as pessoas estavam escolhendo seus pares. Tommy - TJ - e Lidia dançavam juntos. Do outro lado, Frankie e Susie, e ainda mais além, Angela e Korsak.

Ela deu de ombros e se aproximou de Maura. Era só uma música, afinal de contas. Qual era o problema naquilo? Nenhum. Então ela segurou - melhor dizendo, abraçou - a cintura da médica e os braços da outra foram parar em volta de seu pescoço. Elas dançavam lentamente em silêncio, e Jane passava a letra da música pela cabeça.

So why were you holding her hand? Is that the way we stand? Were you lying all the time? Was it just a game to you?

E nas primeiras linhas ela não conseguiu evitar o pensamento. De alguma forma tinha quebrado suas defesas e invadido seu íntimo. Ela se lembrou de quão chateada Maura tinha ficado quando terminara com Jack. De uma vez que vira o homem segurando sua mão, e Maura sorrindo para ele. A médica realmente gostara dele, e embora o fim do relacionamento não fosse necessariamente por culpa de Jack, ela o odiava. O odiava por tê-la feito chorar, por tê-la deixado desamparada e ferida. Jane o odiava porque ele tinha ido embora e tinha deixado Maura grávida para trás. Odiava o fato de que aquele bebê era dele, e de que ele havia beijado Maura, e de que as mãos dele tinham percorrido o corpo dela. Ela odiava o fato de Jack conhecer Maura de um jeito que ela não conhecia.

Do you have to let it linger?

Ele tinha que se demorar para partir? Por que não tinha feito antes de feri-la? Antes de colocá-la por uma tormenta tão grande pela qual estava passando? Ele tinha que deixar que os vestígios durassem? Torturassem Maura como tinha feito?

Ela apertou os braços na cintura da mulher involuntariamente, como se tentando protegê-la da dor que só existia em sua cabeça. Ela odiava Jack. Ele não merecia Maura, não merecia seu sorriso doce e seus toques. Não merecia seu corpo, não merecia o calor vindo dele, aquele mesmo calor que emanava dela e passava para agora Jane. Ele não merecia, tão pouco, aquela criança que ela estava carregando; o bebê que cresceria dentro dela, e Maura, apenas ela passaria pelo incomodo dos últimos meses, pela dor do parto. E ele nunca estaria ali ao lado dela para ajudá-la. A detetive sabia que essa era uma escolha da loira, mas se ela pudesse opinar, diria exatamente isso: que não envolvesse ele, que o deixasse de fora, porque Jane estaria lá por ela. E ela não queria repartir Maura em mais nada; nem seus olhares e sorrisos. Nada. Ela odiava a imagem de Jack tocando-a. Ela odiava o fato de ele estar ligado com ela pelo resto da vida por causa do bebê.

Mas Jane não odiava o bebê. Ela o amava. Amava simplesmente porque era de Maura, estava sendo gerado dentro dela, compartilhando passadas ritmadas de dois corações. Era tudo, e ao mesmo tempo apenas, o que Jane queria: Maura e o bebê, e nada mais. A mão da morena foi parar na nuca da médica e Maura afastou o rosto, o suficiente para encará-la. Jane queria dizer para ela que não deixaria que mais ninguém a machucasse, que ela e o bebê estariam em segurança, seriam amados. Agora os olhos claros de Maura estavam segurando o seu olhar, e ela não conseguia desviar os olhos mas tão pouco se sentia incomodada com a atitude. Ela apenas se perguntava por que a médica a encarava assim, se o olhar dela refletia a sensação de segurança que Jane lhe proporcionava ou se aquilo era apenas uma impressão sua projetada na mulher. Mas por que? Por que Maura continuava a encarando daquele jeito? E de repente um sorriso discreto brotou de seus lábios, como elas estivessem dividindo algo, indefinido mas particular, que dizia respeito somente às duas.

Elas estavam, não estavam?

Do you have to, do you have to, do you have to let it linger?

Maura tinha que fazer aquilo? Ler sua alma? Abrir a sua? Era isso que ela estava fazendo, não era?

Quando as últimas notas soaram, Jane sorriu e soltou a cintura da mulher. Ela estava confusa... O que exatamente estava acontecendo ali, entre elas? De repente ela sentiu a boca seca e deu um passo para trás.

'Obrigada pela dança.' Maura disse naturalmente.

Jane forçou um sorriso, mas não foi muito convincente. 'Não por isso.

'O que há de errado?' Os olhos preocupados - de novo, os olhos! - recaíram sobre a morena, estudando-a.

'Eu preciso de água. Dançar me deu sede e sinto um pouco de calor.' Ela disse, e no fim das contas não era mentira.

A médica observou enquanto Jane se afastava para a cozinha, a procura de água para se refrescar. Um murmurinho se fez atrás de si e ela se virou para dar atenção para os convidados.

Na cozinha, apesar de já estar bebendo o líquido, Jane não conseguia se livrar da sensação causada pela música - pela dança. Tudo o que passava em sua mente era a forma como a loira a olhava, e por Deus, Jane sentia tanta necessidade de envolvê-la nos braços. E era por isso que ela se perguntava. O que aqueles olhares significam, então? E por que eles eram tão duradouros?

Do you have to let it linger? O trecho da música soou na sua cabeça enquanto ela mesma deixava seu olhar perdurando sobre a figura de Maura.


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Notas finais do capítulo

Músicas desse capítulo (não necessariamente na ordem):

Pitbull ft. Ke$ha - Timber

Baby's Got Back (I Like Big Butts) - Sir Mix-a-Lot

Wake Me Up Before You Go Go - Wham!

Linger - The Cranberries



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