Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 17
Dezessete




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'No que você está pensando?' Maura a despertou do transe ao colocar a mão em seu ombro. Jane virou a cabeça e lançou-lhe um sorriso. Elas estavam a caminho do trabalho, no carro. Não é como se elas tivessem um caso para fechar ou uma autópsia para fazer, era só que elas precisavam cumprir as horas do dia. Entre o Natal e o Ano Novo quase nenhum crime acontecia. Quase. Com um pouco de sorte as duas retornariam para casa um pouco mais cedo.

'Em você.' Ela respondeu e segurou a mão de Maura na sua, apoiando-a então em sua perna.

Maura riu divertida e chacoalhou a cabeça. 'Isso não pode ser possível, eu estou bem aqui do teu lado.'

'Bem, na verdade eu estava pensando em algo que você disse ontem.' Ela reformulou e acelerou quando o sinal se tornou verde.

Oh, sim. Ontem... Apenas a lembrança iluminou o rosto de Maura. Elas tinham passado praticamente a maior parte do dia na cama, assim como tinham aspirado no dia anterior. Jane fizera o café da manhã e o levara para o quarto antes mesmo da médica despertar - propositalmente, porque Maura fora acordada com beijos carinhosos e gentis, duradouros, e carícias que só terminaram quando ela estava completamente desperta. Ainda assim, elas tinham se sentado lado a lado, embora fosse mais justo dizer que Maura estava mais em cima de Jane do que ao seu lado, para fazer o desjejum. Depois, a bandeja fora descartada e elas ficaram ali, abraçadas, conversando sobre as mudanças que já tinham ocorrido entre elas, e as que ainda iriam enfrentar. Conversando sobre o bebê, Alex, Annabelle e tantos outros, e outras coisas... Maura tinha se surpreendido - em segredo - em como Jane estava se esforçando para se abrir completamente com ela. A médica sabia como isso era difícil para a morena, e por isso reconheceu o quão valioso aquilo era. Logo se encontrou a razão então para que fosse ela a mimar a morena. Dedos se perderam entre cabelo, seu corpo fora pressionado no dela. Unhas roçaram leve mas exigentemente sobre roupa. Quando sua respiração se tornara pesada demais, ela recuou. Ela não estava pronta para o próximo passo, não ainda. Seu corpo havia sofrido mudanças as quais ela não estava ainda familiarizada. Poucos quilos a mais e os seios maiores tinham sido o suficiente para fazê-la hesitar. Por isso suas ações foram medidas. Ainda assim, por conta do dia anterior ela se sentia renovada, leve, mais disposta. Amada.

Ela soltou o ar lentamente ao sorrir com a recordação. 'Oh. E o que seria?' Ela perguntou em voz baixa, tentando adivinhar o assunto.

'Bem, você disse que gostaria de comprar as primeiras roupas para o bebê, e...' A detetive começou timidamente, o que despertou uma sensação deliciosa dentro de Maura. 'Eu estava pensando que talvez hoje ou amanhã seria um bom dia? Quer dizer, considerando que não estamos sobrecarregas com o trabalho.'

'Jane, seria perfeito. Que tal na saída? Assim podemos ir direto para casa. Eu não gostaria de enfrentar esse tempo frio no almoço e de novo depois para as compras.' Ela disse e apertou a mão na coxa da morena.

'Bem pensado. Não quero que você se transforme num picolé, de qualquer jeito.' Ela riu consigo mesma.

Jane manobrou o carro para estacioná-lo na parte interna do prédio - deixar o carro lá dentro era muito mais agradável do que estacioná-lo na rua nessa época do ano. Depois de desligá-lo e antes de sair, ela se virou no banco para falar com a médica.

'Olha Maura, é nosso primeiro dia de volta depois da nossa viagem. Pega leve, ok?' Ela disse no mesmo tom preocupado que usava quando o assunto era a segurança e bem-estar da médica.

'Jane, eu estou perfeitamente bem. Sem contar que é de meu conhecimento que o único trabalho que terei hoje será digitar relatórios e organizar papeladas, como você diz.' Ela se inclinou, deu um selinho na morena e abriu a porta do carro.

Jane revirou os olhos e saiu também. Ela esperou que Maura contornasse o veículo para poderem andarem juntas, e ao contrário do que tinha pensado, o assunto ainda não tinha sido encerrado.

'E eu já disse à você, Jane. Eu não estou doente. Eu não entendo porque você começou com essa mania logo agora. Já se foram três meses - o estágio mais crítico está prestes a ser encerrado e -' Ela dizia, claramente estudando o comportamento da outra.

'Então você está dizendo que eu deveria ter feito isso antes?' Jane provocou.

'Óbvio que não! Estou dizendo que é um tanto quanto exagerado... Não é engraçado, Jane.' Ela disse quando notou o sorriso da morena, claramente divertida por tê-la enganado com a provocação.

'Me desculpa se tenho agido assim. É só que... a medida que o tempo passa isso tudo se torna mais real. Eu e você, nós e o bebê. Eu não quero que isso mude.' Ela disse ao entrar no elevador, acompanhada da loira.

'Aw, Jane.' A médica inclinou-se e beijou seu pescoço. 'Isso não vai mudar.'

Jane sorriu para ela quase em êxtase por ter sido beijada em um lugar que não fosse sua casa - um lugar público, ainda que fosse fechado, mas que certamente tornava aquela relação ainda mais palpável. Ainda disposta a provocar Maura - apesar das borboletas no estômago - ela lambeu os lábios e cruzou as mãos na frente do corpo. 'Onde foi parar aquela coisa de que você disse ontem? De não demonstrar afeto no trabalho?'

Maura beliscou seu braço de leve e riu. 'Tecnicamente nós não iniciamos ainda nossa jornada. E o elevador não conta.'

Jane ergueu uma sobrancelha para ela, brincalhona. 'Oh, é mesmo? Vou manter isso em mente, doutora.'

...

Maura apertou o tecido macio e branco nas mãos e sorriu. Era pequeno e delicado, perfeito para um recém nascido - fosse menina ou menino. Ela decidiu por adicioná-lo junto com os outros que compraria e partiu para estudar um pequeno macacão branco e verde. Ela e Jane tinham optado por comprarem cores neutras - amarelo, verde, branco - e limitar as compras do dia apenas para macacões, calças e blusas. O que tinha ido por água abaixo, considerando que Jane já tinha empilhado algumas mantas e pares de meias. Maura não a repreendeu, como ela poderia de qualquer forma? Ela mesma estava empolgada por estar ali, e um ponto crucial na sua decisão de não implicar com a morena era que Jane, aquela mesma que estava sorrindo bobamente ao segurar um pijama de ursinhos, odiava fazer compras. Exceto esse tipo de compras.

'Olha isso!' Ela disse empolgada enquanto esticava o conjunto para Maura ver. 'Eles não são fofos? Todo mundo gosta de ursinhos. E Maura, olha aquele ali!' Ela exclamou e se afastou para pegar um novo conjunto, voltando logo em seguida. 'Coelhinhos! E olha... Eles estão segurando uma cenoura. Nós precisamos ficar com esse.' Ela nem mesmo tinha esperado a médica concordar.

Maura riu consigo mesma e balançou a cabeça. Alguns meses antes e ela poderia dizer que ela jamais viveria um momento como esse - de acordo com sua lógica racional. Naquele tempo, ela não via possibilidades de ter um bebê: engravidar estava fora de cogitação, e quanto à adoção, ela sentia que era um tiro no escuro. Suas horas de trabalho eram longas, exigentes, nenhuma agência a consideraria uma mãe ideal para um bebê. E ainda mais solteira. Não. Ela praticamente tinha enterrado a vontade de ser mãe em um canto escuro de sua mente. Agora, entretanto, ela se via numa posição que por muito tinha desejado mas não tinha dado muito pensamento, e era por isso que praticamente tudo a surpreendia de uma forma positiva. Ela e Jane juntas? Era um pensamento que quando começava a se concretizar, era dissolvido no mar de dúvidas, entre ondas de insegurança, ridicularização e censura. Ela e Jane esperando um bebê juntas? Bem, isso ficava mergulhados nas águas mais profundas e escuras de sua mente - um pensamento que nunca tinha chegado a superfície. Mas agora elas estavam ali, como se o fato provasse o quão insignificante o medo se torna quando o desejo de alcançar algo é latente.

'Ei, olha.' Jane sussurrou para ela, discretamente apontando com o queixo um casal mais adiante delas pagando pelas compras. Eram duas mulheres de cabelo loiro, uma carregava um bebê bem pequeno no colo, enrolado numa manta rosa. 'Aquela é você, daqui alguns meses.' Jane sorriu e acariciou suas costas.

Maura sorriu e abaixou a cabeça, um tanto quanto tímida por causa da demonstração de carinho e do jeito que Jane a olhava em completa adoração.

'Porque você tá carregando um bebê.' Ela esclareceu, dando pequenos pulinhos de alegria.

Com isso Maura riu e segurou sua mão para que parasse de se mexer tanto. 'Eu acho que ficou claro da primeira vez que você mencionou.' A loira lançou um olhar para o casal que agora saía da loja e para o pequeno embrulho no colo da mulher. A médica se perguntou se era aconselhável a sair de casa com uma criança tão pequena, e ao mesmo tempo observou o quão carinhosamente a mãe segurava o bebê, como se fosse a parte mais frágil e preciosa de si mesma. Ela piscou os olhos e olhou para o pequeno sapatinho em sua mão. 'O único recém-nascido que me lembro de ter cuidado por um tempo foi TJ.'

Jane abandonou um par de minúsculas meias para olhar para ela. 'Vamos rezar para que esse bebê não seja tão chorão.' Ela brincou e acariciou o braço da médica.

Maura tentou um sorriso e suspirou. 'Como eu vou saber, Jane?' Seus olhos verdes se ergueram para se encontrar com os negros da detetive.

'Como vai saber o quê, querida?' Jane segurou sua mão e encostou seu ombro no dela, dando as costas para o restante do lugar, como se isolando-as para a conversa particular que estavam tendo.

'Como vou saber se... Se eu vou estar fazendo certo? Você sabe... Quando ele estiver chorando por fome, ou cólica, ou...' Ela suspirou e juntou as mãos na frente do corpo, girando o anel em seu dedo por conta do nervosismo.

Jane juntou as sobrancelhas e levou uma mão para suas costas. 'Maura, você vai descobrindo. É assim que funciona, acredite. Eu já fui babá de bebês por mais tempo que desejei quando era adolescente. Eu entendo disso.'

Ela soltou um suspiro tremido e lançou um rápido olhar para a morena. 'Eu não sei, Jane. É o que as pessoas esperam quando mulheres viram mães - que elas entendam e saibam interpretar seus bebês - mas nem sempre é assim.'

'Maura, qual é. Você é médica, o que por si só já é um grande acréscimo. Você se conectou tão bem com o TJ, querida, o que te faz pensar que você não vai fazer isso com seu próprio bebê?' Jane laçou a cintura da médica.

Ela encolheu os ombros e alisou uma pequena blusa com as mãos. 'É bobo, eu sei. Foi só algo que me ocorreu agora.'

'Não é bobo. Eu gosto quando você compartilha seus pensamentos comigo. Só acho que isso não é algo que você tenha que se preocupar porque você vai ser bem-sucedida. E não se esqueça, Maura, que eu vou estar lá com você.' Ela se inclinou o beijou a bochecha da mulher. 'Ok?'

'Ok.' Ela se inclinou e bateu de leve seu ombro com o da morena, sorrindo. A conversa ainda não tinha acabado com toda sua ansiedade, mas o lembrete de que Jane estava ali, e estaria futuramente, acalmava e contrabalanceava a incômoda sensação.

'Agora, vamos pagar essas coisas todas! Não vejo a hora de mostrar para minha mãe e deixá-la furiosa por saber que compramos as primeiras peças de roupa sem ela!' Jane disse com um sorriso vitorioso no rosto e esperou que Maura a acompanhasse.

A médica riu levemente e segurou a mão da morena. Era verdade, Angela ficaria perplexa ao descobrir que ela não pudera dar palpite em nada dessa vez.

...

'Saibam vocês que tão logo vocês descubram o sexo - se me contarem, é claro! - eu farei as minhas próprias compras sozinha!' Angela chantageou ao estudar as pequenas peças de roupa, e pareceu um tanto emburrada mesmo depois de elogiar cada uma delas.

'Qual é, mãe. Foi espontâneo, nós decidimos parar numa loja no meio do caminho e ponto.' Jane ofereceu, trocando um olhar significativo com Maura, alertando-a de que era melhor confirmar sua mentira.

'Você acha que o tamanho é adequado, Angela?' Maura tentou mudar de assunto, sentindo as bochechas corar. Ela era uma péssima mentirosa e não era justo que Jane mentisse descaradamente e a colocasse no meio da história.

'Bem, acho que sim.' Ela resmungou e depois pegou um macacão branco. 'Oh! Você consegue imaginar o tamanho do pé que vai aqui dentro?' Ela exclamou com emoção contida, o que não era muito de seu feitio e denunciava honesta emoção. 'Ah, Maura... Você vai ver quando sentir o primeiro chute. É maravilhoso. Eles são fortes, você sabe? Ás vezes vai ser um incômodo mas... Bem, você vai saber.' Ela disse e segurou o rosto da médica e beijou sua bochecha. O momento de mau-humor por não ter sido convidada às compras já esquecido. Ela juntou os pratos vazios, que antes carregavam sanduíches, e partiu para a cozinha. 'Eu vou deixar vocês agora. Tenho um encontro.' Ela disse naturalmente e saiu sem dar nenhuma explicação a mais.

Jane lançou um olhar espantado para Maura. 'Você viu isso?'

Maura riu, chacoalhou os ombros. 'Talvez essa seja a idéia dela de vingança.' Ela se sentou mais perto de Jane no sofá, encostando sua cabeça no ombro da morena. 'Não é como se eu estivesse curiosa.'

'Há.' Jane exclamou e bebericou a cerveja. 'Não é como se eu me importasse.' Ela passou o braço na cintura de Maura.

A loira se remexeu e olhou para ela. 'Você acha que é aquela homem que ela encontrou no mercado outro dia?' Ela perguntou num sussurro.

Jane apertou os olhos. 'Não, eu acho que é aquele tal de Klaus que ela conheceu no Dirty Robber.' Ela sussurrou de volta e as duas riram.

Maura deslizou o polegar sobre o queixo de Jane e plantou um beijo em seus lábios. Era bom estar em casa e estar também nos braços da mulher que ela amava. Jane era sempre tão boa com ela, e nessa altura de sua vida Maura não conseguia imaginar uma pessoa melhor para passar o resto da vida junto. Não... Olhando de volta para o passado, ela teve a sensação de que sempre soubera de que era Jane. Ela se entregava em todos sorrisos, atitudes, sinais carinhosos e gestos de proteção – tinha que ser Jane porque aquilo Maura não encontrava em nenhuma outra pessoa. E agora, com um último acréscimo, uma inquestionável prova do amor devotado que lhe era entregue, a detetive decidira determinadamente que teria o bebê com ela. Se tudo pareceu turbulento e fora do lugar antes, graças à detetive a vida parecia estar se desdobrando perfeitamente, deslizando por caminhos lisos e não sinuosos, os solavancos há muito deixados para trás.

'Você quer saber? O sexo do bebê, eu quero dizer. Tua mãe mencionou mais cedo sobre isso, e estou quase certa de que na próxima consulta conseguiremos ver, se quisermos.' Maura abraçou a cintura da morena e encostou a cabeça em seu ombro.

'Eu não sei... Você quer?' Jane hesitou. Ela não tinha dado muito pensamento sobre o sexo do bebê, talvez porque no final não importaria tanto – ela amaria a criança do mesmo jeito.

'Eu não tenho certeza. Quer dizer... Seria legal por um lado, considerando que temos um quarto a decorar, mas então eu penso que um bebê é só um bebê, e que importa se um menino gosta de conto de fadas ou se uma menina gosta de carrinhos?' Ela disse clinicamente.

'Não significa nada.' Jane concordou e beijou sua cabeça. 'Nós podemos decorar o quarto todo em colorido. O que você acha? Talvez uma floresta com bichinhos de pelúcia?' Ela sugeriu, considerando essa entre tantas outras opções.

'Eu gosto de verde. Quer saber? Vou entrar em contato com um decorador amanhã, assim podemos visualizar qualquer ideia.' Maura disse empolgada e Jane não conseguiu evitar um sorriso.

'Como você desejar, Maur. Eu vou exigir apenas uma coisa.' Ela ergueu as sobrancelhas seriamente, mas se Maura não a conhecesse tão bem ela não teria notado o tom de brincadeira por trás do gesto.

'E o que seria, detetive?' Ela perguntou na mesma falsa seriedade que Jane.

'Menino ou menina, nosso bebê vai usar uma camiseta do Red Sox!' Ela disse com um sorriso cortando o rosto.

Maura sentiu-se tentada a provocá-la a princípio e dizer não, apenas para tirá-la do sério, mas realmente, como ela poderia resistir aquele sorriso bobo e olhos pedintes? Ela sentiu um arrepio percorrer o corpo só em imaginar Jane segurando o bebê vestido com o uniforme em miniatura do time. Aquela seria a primeira marca de Jane sobre ele. Uma característica forte por ser um Rizzoli.

A médica se inclinou e beijou docemente a morena. 'Essa pode ser até mesmo a primeira roupa que ele vai usar, se você conseguir achá-la num tamanho adequado para um recém-nascido.'


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