Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 14
Quatorze


Notas iniciais do capítulo

Queridas leitoras! (Nunca vi um perfil masculino por aqui, mas se eu estiver errada me corrijam). Demorei, mas finalmente aqui está. Confesso que tenho dúvidas em relação à esse capítulo, mas eu espero estar enganada, e espero que vocês gostem!



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Maura, pela primeira vez depois de muitos dias, tinha sido a primeira a acordar e se levantar da cama. O dia anterior tinha se tornado numa confusão de beijos e abraços e exclamações. O que tinha restado dele eram marcas de cansaço em seu corpo e rosto. Ela estava literalmente dolorida no final da festa. Algumas pessoas tinham bebido demais ao ponto de perderem a sensibilidade física, e a cada novo abraço apertado Maura desejava evaporar dali.

Antes que perguntas pudessem ser feitas, antes que mais alguém tentasse espremê-la em seus braços, Alex arrastara Maura e Jane para fora da casa. Annabelle tinha acompanhado também, carregando sua última taça de bebida e pedidos repetitivos de desculpas. A médica não se importava tanto mais naquela altura da noite com o deslize verbal da prima. Os quatro caminharam pela neve até alcançarem o único pequeno bar aberto naquela rua. Para o alívio de Maura, Annabelle tinha entrado em um estado muito similar ao dos zumbis; ela ria, concordava com a cabeça com algumas coisas, mas na maior parte do tempo ficava quieta, apenas observando a troca entre os três com os olhos apertados. É claro, alguns litros de vinho poderiam causar tal efeito nas pessoas.

Contra as expectativas, o resto da noite fluiu em uma conveniente leveza. Agora que não havia mais nada a esconder, com o que se preocupar, Maura sentia como se tivesse tirado um pequeno peso dos ombros. Sim, ela estava grávida. E daí? Era tudo que seus familiares precisavam saber. Temendo receber as perguntas as quais ela decididamente não queria explicar - Quem é o pai? Você vai se casar? Vai criá-lo sozinho? Oh, o bebê terá duas mães?! - ela optara por passar menos tempo na casa, solucionando por partes a questão. Era por isso que decidiram - ela e Alex - sair na parte da manhã. Jane tinha sido contra à princípio; afinal de contas, em Paris ou Boston, a morena gostava de dormir até tarde. Revirando os olhos, ela acabou aceitando a proposta apenas porque Maura tinha prometido que ela poderia comer macarons no café da manhã, cinco cores diferentes - e apenas por isso.

Curiosamente, lá estava ela se sentindo extremamente bem. Ela olhou de relance para a cama e viu Jane encolhida nela. É claro, grande parte de sua felicidade se devia à morena. Elas ainda não tinham conversado sobre a relação em que tinham agora, mas considerando o ambiente em que estavam e a época festiva, Maura imaginou que não tinha problema em adiar tal conversa. Ela considerou como o fato de ter exposto tudo o que sentia tinha mudado na dinâmica da relação das duas. Um bico em pensamento e alguns instantes depois, ela concluiu que qualquer mudança tinha sido boa e gratificante, e que apesar se uma relação que ainda estava se concretizando, ela não tinha motivos para achar que acabaria como as outras que já tivera. Não. Jane era diferente. Jane conhecia seus costumes, suas manias. Jane sabia que ela era peculiar, mas mesmo assim tinha insistido numa amizade que a princípio parecia impossível. Jane se tornava irritadiça por pequenas coisas - como quem seria a motorista da vez - mas apenas fingia estar irritada quando Maura a inundava com fatos e curiosidades que para a morena eram inúteis. Era simples assim: com todos os defeitos pelos quais outras pessoas se afastaram dela, Jane lidava da maneira mais calma possível. O resto da amizade fluía naturalmente, e era de fato muito fácil viver com Jane, sem necessidade nenhuma de mudar a nerd obsessiva que ela era.

A médica fez a higiene matinal e antes de deixar o banheiro checou-se mais uma vez no espelho. Depois, ela refez o caminho até a cama e beijou o rosto de Jane.

'Jane?' Ela beijou o rosto da mulher de novo, deixando seus lábios se demorarem mais. 'Você precisa acordar.' Ela sussurrou e acariciou as costas da morena.

'Você tá enjoada?' Ela murmurou, franzindo o rosto.

'O que? Não.' Maura riu baixinho. 'Nós já passamos dessa fase.'

'Não tem luz.' Jane a cortou. 'Por que você quer levantar no meio da noite?' Ela abriu os olhos e focou em Maura, que estava perto demais.

'Nós vamos para aquela pequena vila, se lembra? Vamos passar o dia lá.' Maura se curvou mais e, desprevenida, se assustou quando Jane a puxou para cama.

'Tenho certeza que você disse amanhã, e ainda é hoje. Ainda não mudou o dia, tá de noite!' Ela disse enquanto escondia o rosto no pescoço da loira.

Maura riu e tentou se livrar dela. 'Lembre-se que você pode comer macarons hoje, Jane!' Maura segurou suas mãos, mas Jane era mais forte do que ela.

'É mesmo, dez deles!' Ela beijou o pescoço de Maura, a médica torceu os lábios.

'Nós combinamos cinco.'

'Vamos fechar em oito, é justo.'

Maura revirou os olhos. 'Você é impossível. Não sei aonde você vai colocar isso tudo. É inaceitável, sem contar que não é nada nutritivo.' Ela reclamou, finalmente desistindo de se soltar da outra.

'Bem, se você desistir dos seus, pode me dar também.' Jane provocou e, para se livrar de um reprimenda, plantou vários beijos em seu pescoço e deslizou a mão até sua barriga - o movimento não a deixou constrangida nenhum pouco. No momento em que ela acariciou o pequeno inchaço ali, foi como se o mundo tivesse passado a girar silenciosamente. A vida continuava acontecendo, e mesmo que fosse invisível aos seus olhos, ela jurava que podia sentir cada célula do bebê que crescia ali. Mil delas por segundo, novas e perfeitas, aquelas que recebiam oxigênio que seu pequeno coração bombardeava intensamente. De repente, ela sentiu Maura rindo sob sua mão. 'O que foi?' Ela perguntou desorientada.

'Minha família inteira sabe, Jane.' E ela continuou rindo, dessa vez balançando a cabeça em negativo. Como tudo tinha escapado de seu controle? Logo ela que era sistemática e organizada.

'Bem... Parece que nós somos péssimas em guardar segredos.' Os lábios se curvaram para baixo enquanto ela estudava a situação.

A risada de Maura diminuiu gradativamente e um instante depois ela estava de frente com Jane. 'Mas sabe de uma coisa? Isso também é ótimo.' Maura enroscou seus dedos nos fios negros da outra e deslizou os polegares pela testa, rente à linha do cabelo. 'Isso é ótimo.' Ela repetiu e beijou os lábios da detetive demoradamente. 'Acho que posso concordar, dessa vez, se você me pedir por mais cinco minutos.'

Jane sorriu e concordou com a cabeça, e depois fechou os olhos fazendo um bico. Sem perder um segundo, Maura colou seus lábios, rindo, e depois beijou o queixo anguloso da morena.

'Quantos beijos você conseguiria me dar em cinco minutos?' Jane perguntou, divertida.

'Hum...' Maura virou a cabeça para o lado e calculou. 'Se cada um deles durar cerca de dois segundos... Cento e cinquenta.'

'Você ainda me deve cento e quarenta e oito.' Jane riu e abraçou sua cintura.

Maura apertou os olhos. 'Isso é um desafio?'

'Só se aumentar a possibilidade de você entreg...' Jane virou rapidamente a cabeça para a porta do quarto que tinha acabado de ser aberta com a mais pura força.

'Maura e Jane! Não nos atrasem, não acordamos cedo à toa.' Annabelle parecia impaciente e completamente curada do dia anterior. Ela parou com uma mão na cintura, a outra segurando firmemente a maçaneta da porta.

Assustada, Jane apertou os braços em torno da cintura de Maura e arregalou os olhos. O furacão ruivo tinha acabado de entrar no quarto delas, acabando com qualquer privacidade. Ela viu a mulher se inclinar levemente para frente e um sorriso maroto brotar nos lábios. Jane sabia o que aquilo significava e ela se preparou para o que fosse vir a seguir...

'E não me levem a mal, queridas, mas se é sexo que vocês estão tentando fazer, aqui está minha dica: tirem a roupa primeiro.' Ela deu um passo para trás, recuando ao trazer a porta consigo, mas em último momento a abriu de novo e encarou a morena.

'E Jane? Seu cabelo está super sexy.' Ela riu e fechou a porta de vez.

A detetive olhou para Maura, o rosto ardendo de vergonha. Ela passou a língua nos lábios e, sentindo a boca seca, imaginou como seria passar o resto do dia com a companhia da outra. 'Nós temos que levá-la?' Ela perguntou, quase implorando para que a resposta fosse não.

Maura encolheu os ombros num pedido de desculpas. 'Bem-vinda à família Isles.' Ela ergueu as sobrancelhas e abriu um sorriso forçado.

...

O saquinho de chá indiano descansou no fundo da xícara ao mesmo tempo que Maura agarrou alguns pares de bolacha salgada. Ela já não se sentia mais enjoada na parte da manhã, mas ainda preferia continuar comendo algo sempre leve, apenas por prevenção. Ela bebericou o chá quente e se virou, disposta a voltar ao quarto e chamar por Jane - mais uma vez - tendo quase certeza de que a morena estava ainda na cama deitada, quando Peter apareceu no canto da cozinha.

'Bom dia.' Ela disse educadamente.

'Bom dia.' Ele respondeu sem muita emoção.

'Não imaginei que mais alguém fosse acordar tão cedo.' Ela disse e olhou ao redor. 'Bem, acredito que somos as únicas pessoas acordadas, então caso queira fazer o desjejum...' Ela se apressou em dizer, mas o homem balançou a cabeça.

'Levantei apenas por um copo de água.' Ele respondeu e se serviu de um copo.

Maura balançou a cabeça em compreensão - todos tinham bebido muito no dia anterior, e era de se entender que sentissem sede. Ela bebericou o chá mais uma vez e sentiu o líquido quente aquecendo o corpo. Se ela quisesse sair em tempo, teria que chamar por Jane. Agora, ela nem sabia porque Annabelle e Alex não estavam por ali também. Antes que ela pudesse se retirar, entretanto, Peter se virou para ela e desceu o olhar para seu corpo - até sua barriga.

'Então... um bebê, hein?' Ele apontou o dedo discretamente para ela, ainda segurando o copo.

'Sim, um bebê.' Ela tentou sorrir, mas algo nele a incomodava. Ela trocou o peso dos pés, sentindo uma pequena tensão se instalar entre eles.

'Aí está algo que não previ.'

'Perdão?' Maura piscou os olhos. Ela não sabia realmente se ele estava falando sobre o fato de ela engravidar. Ora, claro que ela poderia engravidar, ela era uma mulher, e até onde ela se lembrava ela nunca tinha dito que ser mãe era algo que não desejava.

'Não leva a mal, Maura. É só que não imaginei que você fosse assim.'

E o tom da frase tinha soado como uma leve ofensa - mesmo que ele não tivesse especificado ainda sobre o que estava dizendo. A médica ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços na frente do corpo, quase como em proteção.

'Me desculpe, mas acredito que eu não esteja acompanhando sua linha de raciocínio.' Ela engoliu seco, se sentindo extremamente incomodada com a presença dele.

Ele respirou fundo, tentando ser paciente. 'Não é que eu seja conservador, entenda. É só que não compreendo como isso pode dar certo, você criar seu filho com outra mulher.'

Ela não tinha certeza de como as palavras foram de fato ditas, mas aos seus ouvidos elas soaram grosseiras, ásperas. Ela deu um passo cambaleante para trás quando finalmente as digeriu, e sentiu a raiva borbulhar em seu estômago.

'Você é contraditório no que diz, Peter. E deixe-me explicar: funciona de forma muito simples, uma família é construída com base no amor e respeito entre duas pessoas, e pouco importa a orientação sexual das mesmas.' Ela rebateu duramente. 'E é isso que essa criança vai ter e conhecer, e é isso que ela vai ser ensinada a oferecer para outras pessoas.' Ela trincou os dentes, não sabendo se queria ouvir a resposta do homem ou não, mas estava disposta a sair dali o mais rápido possível. Ela estava se sentindo sufocada, a maior parte da razão era porque ela queria gritar com ele, mas ela não perderia o controle.

'Maura, não acho que você tenha entendido minha colocação.' Ele disse ergueu uma mão. 'Apenas foi algo que nunca me ocorreu, quer dizer... Imaginei que nessa altura você estaria casada com um homem, e nunca soube que você queria filhos. Mas faz sentido suas decisões atuais, afinal você sempre foi... peculiar.' Ele escolheu a última palavra com cuidado - com tanto cuidado que deixou especialmente claro para Maura o que ele estava sugerindo.

A médica se conteve para não expressar todo o seu desdém. 'Nós vivemos vidas muito diferentes, e aonde eu estou agora - que importa mais do que de onde vim - as pessoas são amadas justamente pelo que são e não apesar do que são.' Ela respirou fundo agora, sentindo as mãos tremerem levemente. O homem tinha a insultado e insinuado coisas demais ao seu respeito. Dizer que entendia suas escolhas porque ela sempre fora peculiar era nada mais do que uma forma mascarada de atingi-la com sua discriminação e preconceito, sem necessariamente expô-los.

Ele encolheu os ombros, olhando-a com indiferença. 'É só a impressão que tenho, me desculpe se fui honesto. É óbvio que temos diferentes opiniões sobre núcleos familiares.'

Maura riu com amargura pelo comentário feito. Ela colocou as mãos na cintura e levantou as sobrancelhas em completa descrença. 'Nós certamente temos.'

O homem estendeu as mãos para frente e gesticulou, como se tivesse mostrando um produto. 'Não parece apropriado para mim.'

E essa tinha sido a gota d'água. Maura sentiu a raiva correndo por cada veia de seu corpo, e ela fechou as mãos em punhos. Por impulso, as palavras saíram de seus lábios impensadas, com objetivo de machucar e causar a mesma dor que sentia. 'Diga-me em qual família deveria ser parâmetro para eu seguir e criar meus filhos. A sua?' Ela disse com sarcasmo e lançou um olhar afiado antes de lhe dar as costas.

A fuga da discussão, entretanto, tinha sido interrompida. Annabelle estava parada na sua frente, os olhos azuis arregalados para ela, e a ruiva parecia ligeiramente branca. Maura sentiu o coração parar ao encará-la, e sem ter para onde recuar, sentiu o rosto arder de vergonha.

'Eu sinto muito, Annabelle. Eu não sabia que você estava aqui, eu...' Ela abaixou a cabeça, envergonhada.

A ruiva desviou os olhos para encontrar a figura de Peter, encarando-a de volta. Mais uma vez, os olhos da mulher pairaram sobre Maura.

'Com licença.' A médica disse, tentando desviar-se da ruiva. Antes que pudesse escapar, a mais velha segurou o seu punho e a prendeu no lugar.

'O que você fez, Peter?' A voz soou zangada, e Maura se retraiu.

'Por favor, apenas me deixe.' A loira soltou-se da mulher e seguiu corredor adentro.

A ruiva manteve-se firme no lugar, os olhos afiados segurando o olhar do irmão.

Uma nova briga estava prestes a começar porque antes de fechar a porta do quarto, Maura escutou a voz escandalizada da ruiva cruzando o corredor.

'Você ainda está bêbado, seu britânico imbecil?!'

...

'Ok, o que há de errado com vocês?' Jane bateu as mãos nas pernas com impaciência, certa de algo tinha acontecido naquela manhã e ela não sabia o que era. Primeiro, Maura lhe pareceu abalada quando ela saiu do banheiro na parte da manhã, o cabelo preto solto e rebelde. A médica lhe prometera de que ela estava apenas incomodada pelo fato de todos já estarem tão atrasados, e sem muito tempo disponível para segurá-la por mais alguns minutos ali dentro, Jane acabou deixando o assunto de lado. No carro, a rota foi feita no mais puro silêncio, o que era estranho pelo simples fato de Annabelle, a tagarela, estar à bordo. Agora entretanto, enquanto subiam a escada que levava até a porta do pequeno restaurante - que mais parecia uma casa construída sobre pedras escuras e pesadas - a morena não conseguia lidar com a situação desconfortável que obviamente se encontravam. Ele precisava saber o que estava acontecendo.

Maura parou no degrau em baixo ao dela e respirou fundo. Ela mordeu o lábio inferior e segurou na mão da ruiva. 'Jane, Alex... Vocês se importam se eu conversar em particular com Annabelle, apenas por um minuto?'

Jane ia dizer que sim, se importava, mas foi o toque de Alex em seu braço que a trouxe de volta a si. Claramente era um assunto entre as duas, e Jane não tinha direito algum de exigir que Maura lhe dissesse o que era. Ela meneu a cabeça e depois de um sorriso - o que pôde oferecer, de qualquer jeito - deixou as duas sozinhas.

Maura e Annabelle ficaram paradas na escada, enquanto Jane e Alex se afastavam e enquanto a neve continuava a cair, fina e lentamente, rodeando-os com sua repetitiva dança. Quando os dois entraram na casa, Maura se virou para a ruiva e suspirou, devolvendo suas mãos ao bolso do casaco que vestia. 'Anna, eu sinto muito. Eu não deveria ter dito o que disse.' Ela olhou para baixo, esperando que a ruiva fosse dizer algo de imediato, mas para sua surpresa Annabelle a colocou num abraço.

'É a verdade, não se desculpe por isso. Você nem tem culpa pelo que aconteceu.' Ela a segurou por um instante e depois a soltou, mas suas mãos foram parar nos braços de Maura. 'O que ele te disse? Você dificilmente se altera.'

Maura balançou a cabeça em negativo. 'Não... Não vale a pena.'

Annabelle apertou os dedos no braço de Maura, apenas o suficiente para chamar sua atenção. 'Foi o necessário para te tirar do sério, o que significa que foi grave, Maura.'

'Anna, você não tem que...' Maura tentou evitar o assunto, esquecer o ocorrido, mas a outra era insistente.

'Não faço isso porque ele é meu irmão. Faço porque é você, Maura. Ele que se dane, mas não posso ficar em paz sabendo que você está assim!' A mulher jogou uma mão para cima, gesticulando para Maura.

'Ele apenas foi insolente... e preconceituoso, eu temo.' Ela murmurou a última parte.

'Oh, porque diabos mamãe foi inventar de parir aquela criatura!' A ruiva parecia inconformada, e Maura teve que morder a parte interna da bochecha para não rir de sua teatralidade.

'Eu me sinto mal por ter usado um golpe tão baixo. Eu não pensei por um momento que pudesse atingir você também.' A loira respirou o ar gelado e se encolheu.

'Não deveria.' A ruiva disse secamente. 'Você só se defendeu, e fez muito bem, devo dizer.' A ruiva estudou Maura com o olhar, e acrescentou. 'Maura, não dê ouvidos à ele. Ele é um infame, você sabe.'

Maura suspirou fundo e abaixou os olhos. Ela não queria se prolongar muito nessa conversa, mas ao mesmo tempo se sentia tão grata pela paciência e consideração da prima. Além disso, o que estava deixando-a inquieta era outra coisa, e não apenas a atitude de Peter. 'Eu me preocupo porque... A família de Jane não sabe, Anna. Nossos amigos não sabem.' Ela respirou fundo, sentindo os olhos se enxerem de lágrimas. 'E se eles se comportarem exatamente assim como Peter? E se isso nos... destruir?'

Annabelle abriu bem os olhos em choque. 'Sua mente realmente corre a um milhão de neurônios por segundo, não é?'

'O que?' Maura franziu o cenho. 'Isso nem faz sentido.' Ela balançou a cabeça.

'Exato! Não faz sentido!' A ruiva exclamou. 'Maura, aquela mulher ama você. Olha... Apenas converse com ela, ok? Temo que não posso te ajudar nisso. Eu não conheço essas pessoas.' A outra disse com um tom de desculpa na voz.

A médica concordou com a cabeça, deixando os olhos cair para o chão de novo. 'Nós estamos bem?'

A ruiva estudou Maura dos pés à cabeça e depois olhou para si mesma. 'Nós estamos fabulosas, querida.'

Maura riu, mas dispensou o comentário com a cabeça. 'Você sabe o que quero dizer.'

'Você sabe que sim.' Ela respondeu rapidamente. 'Agora mude essa expressão do seu rosto para algo mais feliz. Mas não muito - não quero que sua namorada pense que existe aquela coisa de entre primos com nós duas. Por favor.' Ela torceu o nariz, segurou no braço de Maura e retomou a caminhada escada acima. 'Venha para dentro, não quero que você congele antes de dar a luz. Tenho planos para essa menina.'

Maura revirou os olhos. 'Talvez seja um menino.' Ela disse em voz baixa, desconcertada com a teimosia de Annabelle em relação ao sexo do bebê, mas contente de qualquer forma porque elas estavam bem uma com a outra.

'Você e sua ciência, Maura. Faça-me o favor.' A ruiva resmungou enquanto dava as costas à Maura, abrindo a porta e indicando com a cabeça que a outra entrasse. Revirando os olhos, a médica legista deu um passo dentro do restaurante e avistou em seguida Jane e Alex, ambos lançando olhares preocupados em sua direção. Ela tentou um sorriso, convencida de que não tinha sido muito bem sucedido - a ansiedade que corria por suas veias lhe dava a sensação de que o dia se arrastaria, carregando o fiasco de inúmeras tentativas as quais ela fingiria que tudo estava bem.

...

'Eu definitivamente preciso voltar naquele lugar uma segunda vez!' Jane disse sorridente enquanto entrava na casa dos pais da médica.

'Bem, no verão é ainda mais bonito. Você só viu neve, mas naquela janela perto de onde sentamos você conseguiria ver um jardim cheio de flores, dos mais variados tipos.' Annabelle informou, segurando a porta enquanto os três entravam.

'Eu tô pensando mais é na comida.' Jane murmurou e todos riram.

'Ainda na parte de trás há um jardim coberto. É como uma extensão do restaurante e algumas mesas ficam dispostas lá fora, se você estiver afim de comer sua refeição lá. Vale a pena, mais adiante tem árvores com balanços, até mesmo redes.' Maura sorriu gentilmente. 'É, eu sei. Eu disse que era afastado da cidade. A idéia é justamente trazer esse tipo de calmaria.' Ela adicionou quando Jane arregalou os olhos para ela.

Em algum ponto do dia, a médica lhe dissera sobre o encontro desagradável na parte da manhã com Peter. Ela fora vaga e não oferecera muita coisa, mas aquilo para o gosto de Jane tinha sido melhor do que nada, melhor do que continuar na ignorância. Ainda assim, Jane sentia que Maura continuava incomodada com algo. Ela parecia séria e concentrada demais em seus pensamentos, e se perdeu várias vezes durante a conversa com Braden - o irlandês dono do lugar. No geral, a tarde tinha sido agradável. Depois do almoço eles jogaram dardos e cartas, e beberam vinho - para Annabelle - e cerveja, para Alex e Jane. Maura, obviamente, não tomara nenhuma bebida alcoólica. Quando o sol começou a baixar, todos concordaram de que era hora de se despedir do local e de Braden. Era perigoso e arriscado demais dirigir na neve à noite.

A casa estava no mais absoluto silêncio, eles notaram, mas ninguém sabia aonde os familiares estavam. Provavelmente tinha saído para jantar em um restaurante na redondeza. O cansaço atingiu em cheio os quatro quando eles se sentaram no sofá. O dia tinha sido longo, cheio de informações e coisas novas. À medida que a empolgação foi se desgastando, ela se revelava naquele momento apenas como exaustão. Maura ligou a TV mas passou o controle remoto para Alex - ela não queria escolher nada em particular para assistir. Um documentário estava no ar, e sem muita empolgação - ou vontade de procurar algo melhor - os três acabaram entrando num acordo silencioso de que aquilo serviria para o momento. Minutos mais tarde, Maura inclinara a cabeça para Jane e lhe lançara um olhar carregado de súplica.

'Você poderia fazer aquela pipoca?' Seus olhos piscaram delicadamente e Jane se perguntou como alguém poderia dizer-lhe não.

Por 'aquela pipoca' a morena sabia exatamente qual era: uma que sua mãe por vezes fazia, coberta de açúcar. O que surpreendeu Jane, considerando que Maura não era muito de comer coisas doces. 'É claro, Maur.' Ela disse se levantando.

'Annabelle, você pode mostrar para ela onde fica tudo?' Maura agora se dirigia para a prima, os olhos tão cheios de apelo quanto antes.

'Quão cansada você está, exatamente?' A ruiva resmungou, se levantando do sofá.

Alex riu baixinho e passou o braço na cintura da médica. 'Vamos ser honestos e dizer que isso é apenas preguiça.' Ele disse provocando e Maura abriu a boca em falsa ofensa, mas não rebateu o comentário.

Jane balançou a cabeça rindo, já na cozinha. Annabelle a ajudou com os utensílios, e mesmo depois ela ficou ao lado da morena, observando cada movimento seu, como se interessada na mais nova - e simples - receita de pipoca caseira. Quando Jane tampou a panela, a ruiva se ofereceu para cuidar do resto. Jane concordou com a cabeça e distraidamente se encostou na pia, estudando Maura que tinha se inclinado no ombro de Alex.

'Você deveria conversar com ela.' A ruiva murmurou, notando que a atenção de Jane estava fixa em sua prima.

'Perdão?' Jane girou o corpo para a mulher, perdendo a sugestão dela.

Annabelle sorriu levemente e seus olhos azuis se fixaram com o de Jane. 'Maura tende a pensar demais sobre tudo, e não conversar com alguém até que ela pense que tenha uma solução em mãos. Não é muito eficaz, se você me perguntar.'

Jane estreitou os olhos e cruzou os braços, lançando um olhar de novo para a loira afim de se certificar de que elas não estavam sendo ouvidas. 'Ela está incomodada com algo.' Ela murmurou.

'Bem observado.' A outra lançou-lhe um sorriso em provocação.

Jane devolveu o sorriso, mas sem nenhuma ironia. 'Vocês cuidam dela. Isso é...' Ela mordeu o lábio inferior e pensou antes de falar. 'Bem, geralmente é o meu papel. Desde que nos tornamos amigas, eu sempre soube que deveria fazer isso.'

'É o que fazemos desde pequenos. É assim que funciona.' A outra devolveu.

'Entendo, eu acho.' Jane suspirou.

'Ela não é indefesa, contudo. Ela é bem esperta.' A ruiva disse ao mesmo tempo que a pipoca começou estourar.

'Eu sei. Isso eu sei bem. Ela manuseia um bisturi muito bem, se você quer saber.' Jane riu baixinho.

'Entretanto, quando se trata das emoções dela...'

'Oh, sim. Aí temos um problema.' Jane riu de novo, pegando uma vasilha grande.

'Você é uma detetive, é seu trabalho ler as pessoas, especular, supor. É por isso, eu acho, que você consegue entendê-la. É por isso que ela confia em você. Ela nunca foi... Ela nunca pediu por nada, você entende?'

'Ela sempre foi independente.'

'Sempre. Mas nenhuma criança é independente dessa forma, Jane.' A ruiva suspirou e se encostou na pia. Os olhos se perderam em algum lugar do passado e ela balançava em círculos lentos o copo de suco que tinha agora na mão. 'Não era exatamente independência, era mais como... exclusão. Uma criança com QI alto tem dificuldade em relações sociais. Com sete anos ela podia dizer a tabela periódica de cor e salteado, mas não conseguia manter uma conversa, ou brincadeira, com uma criança da mesma idade. Ela tinha inteligência para discutir a tarefa de casa com alunos mais velhos, mas não tinha maturidade para acompanhá-los em saídas e certas brincadeiras. As crianças mais novas não sabiam como lidar com a enciclopédia ambulante que era - bem, ainda é...'

'Ela era... diferente de todas as crianças.' Jane murmurou.

'Apenas porque as outras não davam o tempo e espaço necessário para ela se adaptar. Era difícil para ela, e para as outras também. Mas crianças geralmente não tem muita paciência e nem compreendem o mundo como compreenderiam se fossem mais maduras.'

'Mas não vocês.'

'Nós a conhecíamos, e uma vez que você realmente a conhece, bem... Diga-me você.'

'Quando a conheci... bem, o que eu posso dizer? Eu estava vestida como uma prostituta e ela tentou me dar dinheiro para comprar meu café.' Jane disse e as duas riram. 'Depois quando fui para a homicídios e descobri que ela era a legista... Bem, ela parecia fria e calculista. São as duas coisas que médicos legistas tem em comum. Faz parte do trabalho eu acho, por isso a não julguei, nem nada.'

'E depois?'

'Ela é doce, foi logo o que descobri. Engraçada e um pouco atrapalhada.' Um sorriso inconsciente brotou nos lábios da morena. 'E bem... delicada. Educada. Obsessiva com detalhes e... ela é só a Maura, você sabe. Eu quero ficar ao lado dela o tempo todo, porque acontece que ela é bem agradável.' Ela encolheu os ombros com a confissão - que ela sabia - era de alguém que estava apaixonada.

'Ela é adorável.' Annabelle concordou. 'E ela é frágil - tanto quanto uma criança sozinha pode ser.'

'Como ela e Alex parecem se conectar tão bem?'

'Você não entende? Alex é como ela - exatamente como ela. É por isso que eles se conectam. Você a entende, Jane, porque você é sensível. Agora, Alex? Ele passou pelo mesmo que ela - é quase como se ele olhasse para ela e visse seu próprio reflexo. Ela era mais nova, menor e vulnerável quando eles se conheceram. Acho que a conexão foi imediata. Foi ele quem a protegeu durante três meses. E quando ele se foi, ela se escondeu atrás de livros.'

'Eu nunca soube que... Eu nunca soube nada disso. Por que ela não me contou?'

Annabelle deu de ombros. 'Quem sabe dizer? Talvez porque não tenha sido nada fácil. Tia Constance contou para minha mãe, na época, que ela adoeceu. Acho que todos nós morremos um pouco naquele ano.'

Jane notou que a mulher segurava o copo com força na mão enquanto os olhos se marejavam. Visivelmente, aquela época trazia lembranças que não eram boas para ela também.

'Eu sinto muito, não quis me intrometer e nem causar...'

'Não. Não... Não foi você. Eu quem comecei, de qualquer jeito. Peter foi um babaca essa manhã com ela. Ás vezes eu acho que ele não pode ser meu irmão.'

'Tão falso quanto a Monalisa do Louvre.' Jane murmurou.

'Oh, não conte à Maura, mas uso isso para dar nos nervos dela.'

As duas riram em cumplicidade.

'Não se sinta ofendida por Maura não ter lhe contado de Alex antes. Tenho para mim que ela zela tanto por ele que acaba querendo mantê-lo às escondidas, com medo de perdê-lo caso o exponha.' Ela encolheu os ombros com o pensamento e depois bebericou o suco.

'Não me sinto.' Ela suspirou. 'Confesso que fiquei com ciúmes quando o conheci, mas não mais agora...'

Annabelle riu. 'Dá pra entender. Bem, agora você sabe que ele é gay. Ele e Maura? Sem chances.'

Jane riu e chacoalhou os ombros enquanto estudava o homem acariciar a cabeça da loira que estava encolhida no sofá.

'Algo me diz que ele daria uma surra em Peter se ele tivesse presenciado a cena.'

'Algo me diz que Peter não teria aberto o bico, caso Alex estivesse lá.'

Elas trocaram um olhar e riram de novo. Certo, Annabelle não era tão ruim assim. Jane jamais pensou que alguém tão inconveniente e tagarela pudesse de fato levar uma conversa a sério.

'Por que vocês se mudaram?' A detetive murmurou a pergunta. Ela não queria ser intrometida, mas ela não conseguia controlar sua curiosidade. Um tanto envergonhada, ela abaixou a cabeça e deixou que mechas pretas escondessem seu rosto.

Uma risada amarga escapou dos lábios de Annabelle. 'Minha mãe... Bem... Meu pai descobriu que ela estava traindo ele.' Ele bebericou o suco e suspirou.

'Eu sinto muito.' Jane murmurou de volta, os olhos negros estudando a mulher.

'Não sinta. Um casamento mantido por aparências não acrescenta nada de bom.' Ela olhou para Jane e abriu metade de um sorriso. 'Nós mudamos de volta para Inglaterra e eles tentaram restaurar a relação, mas eu mesma via aquilo desabando desastrosamente. Meses depois eles se separaram. Foi um escândalo, você deve imaginar, às vezes pertencer à uma família reconhecida é desvantajoso.'

Jane encolheu os ombros. 'Bem... meu pai dormiu com a ex-namorada do meu irmão. Ela ficou grávida, mas o filho dela é meu sobrinho. Embora, por algum tempo eu tenha achado que poderia ser meu irmão, se isso te faz sentir melhor...'

'Oh...' Annabelle arfou e riu em seguida. 'Nós não temos boas histórias para contar?'

Jane riu baixinho e torceu os lábios. 'Não sei se bom é o adjetivo correto, mas entendi o ponto.'

'Se você quer saber minha opinião sobre o que fazer a respeito de Maura...' A ruiva sussurrou, tão baixo que parecia para si mesma. Ela estava perdida em pensamentos agora, os olhos estudando o líquido dentro do copo. 'Eu conversaria com ela. Ela pareceu aborrecida à princípio, mas agora ela parece mais... amedrontada, insegura.'

A morena a estudou por longos segundos e ponderou se a observação da ruiva dizia respeito apenas a Maura. Ela conhecia Annabelle há pouco tempo, mas alguma coisa dizia que a mulher se sentia confortável perto dela, o suficiente para conversar sobre um passado doloroso. Ela sorriu tristemente e se perguntou se seria sábio se envolver mais na conversa. Suspirando, ela lambeu os lábios e fez sua decisão.

'Você estava com medo? Quando seus pais se separaram?'

A mulher tentou um sorriso e piscou os olhos. 'É claro. Eu não entendia muita coisa, apenas que algo estava muito errado. Quando meu pai saiu de casa eu fiquei por muito tempo brava com ele, até descobrir o motivo. Depois odiei minha mãe e me senti terrivelmente culpada por ter odiado ele, e depois nada mais importou.'

'Oh, Annabelle...' Jane apertou as mãos contra o peito, como se sentisse a dor da outra.

A mulher bebeu mais uma vez o seu suco e estreitou os olhos. 'Tudo ficava bem quando eu estava com eles.' Ele mencionou com a cabeça Maura e Alex. 'Quando crescemos ficou mais fácil de nos comunicar - mesmo só por telefone, às vezes cartas. É diferente quando você tem um esquadrão ao seu lado.' Ela riu e balançou a cabeça. 'O pouco tempo que passamos juntos quando crianças nos conectou para a vida toda.'

Jane, de repente, sentiu vontade de abraçá-la. Ela descobriu que Annabelle era, acima de tudo e por trás de toda aparência, sensível e humana. Ela arriscava a dizer que o sarcasmo e os comentários não tão sutis serviam muitas vezes como máscara, e que parecia muito mais fácil ser a pessoa alegre e desmedida do que aquela séria que carregava um passado difícil - tanto quanto o seu próprio. Sentindo uma súbita simpatia pela mulher, Jane arriscou em segurar e apertar sua mão, apenas para demonstrar compreensão e compaixão.

'Me parece bom saber que o que vocês criaram lá na infância ultrapassou barreiras e quilômetros de distância, e continua forte até hoje.' Jane disse em voz baixa enquanto os olhos azuis olhavam para ela, sérios e vívidos.

'Bem, o que eu posso dizer? Nós eramos um bando de perdedores. Os iguais se unem.' Ela riu e colocou o copo vazio em cima da pia.

Jane a acompanhou na risada, mas balançou a cabeça. 'Ei, isso não pode estar certo. O amor da minha vida não é nenhuma perdedora!' Quando ela se deu conta do que falou, seu rosto ficou vermelho. O amor da minha vida? Ela tinha beijado Maura alguns dias antes e ela já estava chamando-a assim?

Annabelle, sentindo seu desconforto, jogou a cabeça para trás e riu alto. 'Oh, você vai me matar de rir!' Ela colocou a mão na barriga e quando olhou de volta para Jane, limpou uma lágrima no canto do olho.

A morena não sabia dizer se ela estava chorando de rir, de fato, ou se aquela lágrima era apenas o efeito da conversa anterior. De qualquer forma, ela resolveu que já era hora de abandonar as lembranças dolorosas e ingressar de novo no presente - ele parecia melhor e mais convidativo do que o passado. Quando ela abriu a boca para se defender, a voz de Maura surgiu, vindo da sala.

'O que vocês duas estão fazendo aí?'

Jane se virou e a observou. Um olhar curioso vagava em sua direção enquanto a loira tentava prender o cabelo num coque, sem sucesso. Jane sorriu para ela e lambeu os lábios. Ela se sentia ainda mais próxima de Maura, sabendo agora de partes delicadas do seu passado. Ela sorriu antes de falar. 'Nada, querida. Nós estamos apenas - '

'Jane estava apenas me dizendo o quão invasiva fui essa manhã. Eu definitivamente não deveria ter atrapalhado a relação sexual de vocês.' Ela abriu um sorriso grande e piscou os olhos para a morena.

A detetive revirou os olhos e, derrotada, apenas balançou a cabeça em não para Maura. Ela nem se deu ao trabalho de ficar envergonhada, nesse ponto ela já estava armada contra as brincadeiras da ruiva. 'Não era bem isso.'

Maura riu levemente e ergueu as sobrancelhas. 'Seja lá o que for, vocês podem voltar logo? Nós estamos querendo ver o filme.'

'Oh, Maura! Você estava cochilando até agora.' Annabelle rebateu enquanto apanhava uma vasilha para colocar a pipoca.

'Isso não é verdade.' Maura replicou, se sentando no sofá.

'Maura, você estava cochilando.' Alex acariciou suas costas e ela arfou, indignada.

'Você deveria ficar do meu lado, Alex! Você não vê? Elas se uniram contra nós!' Ela disse brincalhona e o homem riu.

'Elas não se meteriam com a gente.' Ele disse enquanto lançava um olhar não tão ameaçador e brincalhão na direção das duas.

Jane fechou a cara e se colocou ombro-a-ombro com Annabelle. Ela apertou os olhos e juntou as sobrancelhas. 'Oh, mas a gente se meteria. Não é mesmo Annabelle?'

A ruiva pegou uma pipoca com o indicador e o polegar e mastigou. 'Eles não fazem idéia.'

...

Era tarde da noite quando as duas se deitaram na cama. O filme tinha sido longo e tedioso para Jane, de forma que ela tinha dormido da metade para frente, sendo que a melhor parte do programa tinha sido o momento em que os dedos de Maura deslizavam carinhosamente pela sua cabeça - o que a tinha ninado, com mais certeza, para o sono. Annabelle não parecia muito feliz com a escolha, mas parecia cansada demais para reclamar. Todos estavam, essa era a verdade. O dia tinha sido longo e emotivo, e parecia se demorar para acabar.

Quando Jane finalmente encostou a cabeça no travesseiro, já deitada na cama, ela fechou os olhos por um minuto e respirou fundo. Ainda havia um assunto pendente - um que deveria ser encerrado com o dia. Elas iriam embarcar de volta para Boston dentro de vinte e quatro horas e toda lembrança que ela fosse carregar dali, teria que ser boa.

Ela jogou a cabeça para o lado quando viu a porta do banheiro se abrir e Maura surgir por ela. Sorrindo, ela esticou o braço e ergueu o cobertor. 'Vem aqui.' Ela disse, o que era desnecessário porque é claro que Maura não iria passar a noite em lugar algum se não fosse em seus braços.

A médica encostou a cabeça em seus ombro e soltou um longo suspiro ao mesmo tempo que sua mão correu pela barriga de Jane.

'Hum, você tá cheirosa.' Jane disse enquanto encostava o nariz no pescoço dela, fazendo-a rir levemente.

'É perfume.' Maura disse clinicamente.

'Que tipo de pessoa passa perfume para dormir?' Jane disse provocando, rindo em seguida.

'Eu não passei para dormir.' Ela rebateu.

'Você tem certeza?' Jane pressionou.

'Haha.' Maura franziu o nariz. 'Eu estou com ele desde que tomei banho, mais cedo.'

'É delicioso. Você deveria passá-lo mais vezes para dormir.' Jane provocou.

'Jane!' Maura disse meio irritada, meio rindo.

'Eu tô brincando.' Ela se defendeu. 'Só para você saber, eu sempre gostei dele.' Ela beijou carinhosamente a bochecha da mulher.

'Mesmo em Boston?' Era a vez de Maura provocar. Ela se deliciou ao ver um certo constrangimento correr pelo rosto da morena.

'Bem, o que você esperava?' Ela fez um bico. 'É o seu cheiro, é gostoso. Não vá achando que eu sou uma perseguidora nem nada, mas...'

'Eu sei.' Maura disse e levou sua mão até o rosto da morena. Ela mordeu o lábio inferior e abaixou os olhos, considerando as próximas palavras. 'Parece ridículo se eu disser que...?'

'O que?' Jane pressionou porque a reação da outra tinha despertado sua curiosidade, e Jane e curiosidade numa mesma frase não era uma boa coisa.

'O travesseiro que você usa em casa tem o teu cheiro. Eu o abraço, às vezes, porque me conforta quando você não está lá.' Ela disse timidamente e seus olhos se demoraram para se encontrar de novo com Jane. Quando se encontraram, eles estavam carregados de ternura e a morena estava sorrindo docemente para ela.

'Você pode me abraçar agora, quando quiser, Maura. Eu sempre vou estar ao seu lado, querida.' Jane se inclinou e beijou seus lábios, esperando que Maura entendesse - que ela sentisse - que ela estava sendo completamente honesta.

'Por favor, promete?' A mão da loira foi parar no pescoço de Jane e seus dedos passearam pela pele macia.

'Prometo.' Ela disse sem hesitar, suspirando logo em seguida. Ela sabia que o pedido tinha a ver com o comportamento impertinente de Peter na parte da manhã. Maura era sensível e por vezes não conseguia se armar contra a hostilidade de outras pessoas - principalmente àquelas que feriam seu caráter.

Jane deslizou seus dedos pelo cabelo loiro da outra e ajeitou sua cabeça em seu ombro, de modo que agora a médica a olhava nos olhos. 'Maura, nós estamos aqui em Paris e... De alguma forma isso despertou o melhor e o pior, se posso dizer, em nós.' Ela abraçou a cintura da loira e a puxou para perto de si.

Maura encostou a cabeça em seu pescoço e fechou os olhos. Ela sabia o que Jane estava fazendo e aquela conversa não era uma que ela queria ter naquele momento - apenas porque era incômoda. Suspirando, ela lambeu os lábios e tentou se remexer, mas a morena a manteve firme ali.

'Peter é um idiota, Maura.' A morena sussurrou e a médica se rendeu em seus braços.

Depois de um longo minuto de reflexão, ela cedeu. 'Isso tudo é muito novo.' Ela murmurou. 'Eu e você, nós e o bebê.' Ela olhou para Jane para ter certeza de que não tinha sido mal interpretada. A morena sorriu calmamente para ela.

'O que isso significa?' Jane acariciou suas costas e esperou pacientemente enquanto a outra refletia.

'Ele não é o único idiota no mundo.' Ela respondeu.

'Não, ele não é.' Jane concordou.

'Isso é novo para mim, e é exatamente o que eu quero para nós três.' Ela mordeu o lábios inferior e depois seus olhos verdes se prenderam nos de Jane. 'Eu não quero perder nada, e tudo agora parece tão frágil. Não porque não existe amor suficiente, nada disso. Eu sei claramente que quero você, e quero nosso bebê. É só que ainda temos um longo caminho, Jane...'

'Maura.' A morena ajeitou a médica em seus braços e a segurou com firmeza, sentindo borboletas no estômago ao ouvir nosso bebê. 'Algumas pessoas vão falar - elas vão. E quer saber? Não importa. Elas não tem nada a ver com nossas vidas. Elas não choram nossas lágrimas e elas não dão as nossas risadas - elas não pagam por nenhuma das nossas escolhas, sejam boas ou ruins. Nós já passamos por muitas coisas juntas, mais do que podemos contar, eu diria. Ninguém tem o direito de apontar o dedo para nós e dizer que isso é certo ou errado.'

A médica escutou com atenção enquanto Jane falava. Ela não imaginava que a morena pudesse reagir tão calmamente àquilo. Era muito mais maduro de sua parte do que a loira imaginou que seria. 'Eu não quero parecer infantil, ou idiota... mas, Jane, eu sempre fui estranha. Não.' Ela cortou a detetive quando a morena pareceu prestes a protestar. 'Eu sempre fui. Peter está certo nisso, Jane. Só que agora eu não me incomodo mais. É quem eu sou, e eu sou feliz agora pelo que tenho, porque isso de certa forma me levou à você.' Ela acariciou o rosto da morena com o polegar e deixou sua mão descansar no seu rosto. 'Eu só temo que isso nos afete.'

Certo, a insegurança. Parecia fazer sentido de que Maura temesse perder alguém que gostasse tanto, principalmente depois de Jane ter sabido que fora exatamente isso que acontecera em sua infância. Agora que Maura estava cara a cara com o passado - passando tempo com Annabelle e Alex e o restante de seus primos - o medo parecia ficar exposto à flor da pele. Era um lembrete contínuo da ferida existente de tantos anos atrás. A morena se inclinou e beijou lentamente os lábios da médica.

'Dane-se o resto do mundo. Nada pode ficar entre eu e você, me ouviu?' Ela beijou novamente a médica. 'Quer dizer... A única coisa que pode ficar entre nós, por enquanto, é sua barriga.' Ela riu enquanto batia levemente com a mão na barriga da médica. A loira riu com ela, segurou seu rosto e se ajeitou em seus braços.

Ela falou de novo quando o riso cessou. 'Você ainda tem sua família, nós precisamos contar à eles.' Maura revelou sua última preocupação. Como eles reagiriam ao saber que a detetive iria se casar com ela? Se casar! Antes mesmo de saberem que elas embarcaram em um relacionamento amoroso. E ainda mais: havia um bebê envolvido nessa história.

Jane não pareceu se importar muito. 'Bem, Frankie já sabe. Ele já sabia muito antes de nós, Maura.' Ela enroscou seus dedos no cabelo loiro da outra e acariciou. 'Tommy não é muito diferente dele, se você quer saber. Ele tem um grande coração.'

'Sua mãe.' A médica adicionou à lista.

Jane riu baixinho e fez um bico. 'Bem, só Deus sabe como ela vai reagir, mas quando ela ouvir a palavra bebê, ah Maura... Vai ser tudo o que vai importar. Eu te garanto.'

Elas riram juntas e dessa vez foi Maura quem se inclinou para beijá-la. 'Eu não vejo como amar você pode ser errado, mesmo aos olhos de outras pessoas.'

Jane fez um bico em pensamento. 'Tem loucos demais por aí, Maura, que matam inclusive em nome do amor. Você sabe, você trabalha comigo.'

'Não... Amor só reproduz algo bom, Jane. E como isso pode ser errado?' Os olhos de Maura se demoraram nos de Jane.

A morena sorriu e abraçou sua cintura. 'Não é, meu amor. É esse o ponto - algumas pessoas simplesmente não o entendem.'

Meu amor. Maura sorriu com a palavra. Era a primeira vez que Jane a chamara assim, e seu coração pareceu pular uma batida. Ela se acolheu para mais perto da morena e mais uma vez acariciou seu rosto. 'Você é uma mulher incrível, você sabe disso?' Ela murmurou.

Jane riu. 'Acho que perfeita foi o que você disse uma vez.'

'É sério, Jane. Eu conheço muita gente, muita mesmo, mas nenhuma delas é tão maravilhosa como você. Em termos de caráter e... apenas em ser humana.'

A morena riu de novo, dessa vez um tanto quanto envergonhada. 'Certo.' Ela nem sabia o que responder. Talvez Maura estivesse usando parâmetros errados de comparação, ou talvez ela estivesse apenas considerando os pontos positivos do seus caráter.

'Eu amo você.' A médica murmurou do nada.

Jane abriu bem os olhos e segurou o ar.

'Eu sei que já disse antes, em outras ocasiões, mas agora é diferente, e um pouco mais.' Ela segurou o queixo de Jane e sorriu serenamente.

'Meu Deus, tem como você ser mais adorável?' Jane riu - aquela risada boba que ela sabia que dava quando era dirigida à Maura - e beijou seus lábios repetidas vezes. Em seguida ela ficou séria e lambeu os lábios. 'Eu amo você, querida. Você sabe disso, certo?'

Maura balançou a cabeça em sim. Desde que conhecera Jane até aquele segundo, como ela duvidaria? Eram ações e palavras que se faziam em provas.

'Você é aquele amor de livros, o que todo mundo espera... mas é o meu.'

'Jane.' Maura inclinou a cabeça para o lado como se dissesse educadamente não exagere.

'É verdade... Eu te conheço há tempo suficiente para saber disso agora.' Ela sorriu.

Maura acariciou seu rosto e lhe sorriu de volta. 'Nós não estamos indo rápido demais, estamos?'

'Não, definitivamente não. Primeiro porque passei seis anos ao seu lado, e depois de todas as outras pessoas era para você que eu corria, Maura. E segundo, por serem seis anos, nós já perdemos tempo demais. E eu sinto muito por isso.' Ela virou o rosto e beijou os dedos da loira que ainda estavam descansando em sua pele.

'Algumas coisas acontecem só em seu tempo.' Ela acariciou o lábio inferior da morena com seu polegar.

'E agora chegou o nosso.' Jane completou.

Maura sorriu e apertou suas bochechas com uma única mão, por consequência juntando os lábios da detetive em um bico, um que ela beijou com devoção. 'Você traz o melhor de mim, mesmo nos momentos que eu mais temo.'

'Não. Eu só te lembro de quem você é. E do que nós somos juntas, agora.'

Maura riu levemente e beijou o pescoço de Jane. 'Vou continuar com o perfeita para você.'

Jane beijou a cabeça da loira e sorriu. 'Eu sabia.' Ela apertou a mulher em seus braços. 'Nós podemos dormir agora? O dia foi longo...'

'É claro.' Maura deu um último beijo em seus lábios antes de falar. 'Me abraça?'

Jane balançou a cabeça em sim, sabendo o que o pedido significava. Ela soltou a mulher e a abraçou de novo quando Maura encostou suas costas em sua barriga. A morena passou os braços em torno de seu corpo e descansou seu rosto perto da nuca da loira.

'Maur?' Ela murmurou.

'Hm?'

'Quando você disse que era estranha... Eu apenas ia dizer que, bem... Eu amo isso em você. É uma qualidade, não defeito.' Ela disse e plantou um beijo demorado na nuca da loira.

Maura suspirou. 'Droga, Jane. Assim fica difícil de competir com você no jogo de eu-te-amo-mais.'

'Eu te deixo ganhar, de vez em quando.' Jane riu e a abraçou ainda mais forte, não querendo ficar um milímetro longe dela.

'Bem, isso é uma conversa para amanhã.' Maura murmurou. Ela estava tão cansada quanto Jane.

'Certo, amanhã continuamos.' A morena respondeu. E claro, amanhã elas continuariam. Jane se deu conta de que essa era uma frase que ela gostaria de repetir todo dia: amanhã continuamos. Continuamos a conversar, a nos entender. A nos amar. Ela seguiria de bom grado a continuidade da vida, apenas porque era Maura que estava em seu lado, e era ela quem estava carregando o bebê delas. Continuidade, naquele momento, era o que Jane mais desejava.


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Notas finais do capítulo

Ufa! Longo. Espero que tenho sido o suficiente e que vocês tenham gostado. ^^
Ah, se vocês quiserem bater papo comigo, estou aqui: https://twitter.com/bluebutterflyRI