Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 12
Doze




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/620390/chapter/12

Jane deixou o quarto o mais rápido que suas pernas trêmulas permitiram. Ela atravessou o corredor, quase trombou em Constance - decidiu simplesmente ignorá-la - agarrou seu casaco de inverno pendurado em ganhos atrás da porta e saiu para o ar gelado da noite.

Ela precisava desesperadamente respirar. Precisava de esclarecimento. Suas mãos foram parar nos bolsos procurando por calor. Naquela hora da madrugada não havia quase ninguém nas ruas. Estava frio, era noite de Natal e nenhuma pessoa sã ousaria desafiar a solidão e o ar gélido noturno. Nenhuma, senão Jane. Lá estava ela, respirando fundo, o ar se condensava em uma fumaça branca tão logo abandonava sua boca. Uma neblina se materializava no céu, e o pico da torre se perdia dentro dela. Era tão densa que a luz amarela se refletia apenas em sua redondeza, e vista assim a torre parecia uma gigantesca vela brilhando no meio da escuridão, como se criada propositalmente para amparar os errantes da vida.

Ela andou quase inconscientemente em direção à estrutura luminosa. Ela não sentia o corpo, e nesse altura ela não saberia dizer se era por causa do frio ou por causa da confusão de sentimentos dentro de si. Ela piscou os olhos para espantar as lágrimas. Ela não sabia, tão pouco, definir o que tinha sido pior: sua atitude inconsequente de beijar Maura, a médica tê-la afastado em completo choque, ou ainda o fato de ela ter fugido como uma covarde.

O que ela iria fazer agora? Ela não podia simplesmente vaguear ali nas ruas parisienses pelo resto da vida. Em algum momento, e de preferência antes de congelar, ela teria que voltar para casa. Mas como ela encararia Maura? E Constance? Jane tinha sido rude com ela. Quanto problemas a mais uma noite poderia trazer? Tudo estava andando às mil maravilhas e por sua culpa tudo tinha se transformado num inferno.

Ela se sentou num banco, em baixo de um poste iluminado. Os olhos negros refletiam o amarelo dourado das luzes, e suas mãos foram parar em baixo de seu queixo, para sustentar todo o peso sobre sua cabeça agora. Somente quando algo vibrou dentro de seu casaco, foi que ela se sobressaltou e se deu conta de que era seu celular.

Ela agarrou o aparelho e visualizou uma mensagem de Korsak. Ela não tinha tempo para isso agora.

Ou talvez... tivesse.

Mesmo com tantas dúvidas, ela ligou e escutou enquanto o telefone tocava. Uma chamada internacional lhe custaria o carro, mas era o que ela mais precisava agora.

'Ei, Jane.' A voz de Frankie soou alegremente do outro lado da linha.

Ela revirou os olhos e reprimiu um xingamento. Por que ele tinha que parecer tão feliz enquanto ela estava se sentindo miserável?

'Feliz Natal!' Ele insistiu e ela achou melhor cortá-lo logo.

'Frankie. Eu realmente preciso de alguém para conversar agora. Deixa essa besteria pra lá, ok?' Ela suspirou, sentindo a garganta apertar. Ela tinha sido grossa? Talvez sim, e se sentiu culpada por isso.

'Ahn...' Ele hesitou do outro lado.

'Você pode ir para um lugar silencioso?' Ela insistiu.

'Espera aí.' Ela ouviu ele murmurar algo para alguém e depois o som diminuir gradativamente. 'Certo. Agora me diz, o que você fez?'

Bem legal da parte dele. Como se ela já não estivesse se sentindo um lixo. Obrigada, Frankie, ela pensou com sarcasmo. Bem, agora que ela ligara, ela estava hesitando. Até onde ela deveria revelar? Ela não podia contar que Maura estava grávida, isso era uma certeza. Ela inspirou profundamente, e ao liberar o ar, ele pareceu tremido.

'Jane, o que aconteceu?' O irmão perguntou mais sério agora, em tom preocupado. Jane quase podia sentir sua tensão.

'Eu fiz...' Ela suspirou. Frankie não era o tipo de pessoa que julgava. 'Eu... Frankie, meu Deus. Eu beijei a Maura.' Ela fechou os olhos, se sentindo relativamente mais leve depois da confissão. Ela não sabia exatamente o que esperava ouvir do irmão, mas continuou com os olhos fechados como se em meditação, como se depois de dizer as palavras elas pudessem percorrer ao redor do mundo em forma de questão, para voltar em forma de resposta.

'E aí?' Ele perguntou naturalmente, nada abalado com a notícia.

'Como assim e aí? Frankie, você me entendeu? Eu beijei a Maura!' Ela exclamou e gesticulou com a mão.

'Tá, eu entendi. E aí?'

Frustrada, Jane esfregou os olhos com os dedos. 'E aí, Frankie... Que...' Certo. O problema não tinha sido o beijo. O problema era a reação. 'Ela se afastou. E, droga, Frankie, eu acho que estraguei tudo.' E eu tinha tanto nas mãos.

'Ela o quê? Você tá falando sério, Jane? Porque se essa for sua idéia de uma pegadinha...'

'É, eu tô.' Ela suspirou, contendo as lágrimas. Doía tanto dizer isso: era sério, Maura tinha afastado-a de si.

'Tem algo errado aí.' Ele murmurou.

'Pode apostar. E fui eu que ferrei tudo, Frankie.' Ela disse e a voz saiu tremida.

'Não, quer dizer... Jane, Amy me perguntou se vocês, você sabe, são mais do que amigas. Eu disse que não, pelo que eu saiba, e ela simplesmente disse 'até quando elas vão se enganar?' Quer dizer...' Jane sabia que ele estava encolhendo os ombros agora.

'O que?!' Ela perguntou, surpresa.

'Não é por nada, mas qualquer um vê. O jeito que vocês se olham... E se tocam, eu devo dizer. E tudo bem por mim, Jane. Não acho estranho nem nada, sério. O que me surpreende mesmo é o fato dela ter se afastado.'

Jane sentia as lágrimas cortarem o rosto, mas ela foi capaz de conter a respiração. Ela estava tão agradecida pelo irmão que tinha. 'Frankie... Eu não sei o que fazer.' Ela murmurou.

'Apenas converse com ela. É simples.'

'Eu posso ter acabado com tudo, você sabe. Talvez ela nunca mais me queira por perto.' Ela suspirou de medo.

'Você ainda tá falando de Maura? Porque eu duvido muito que ela faça isso.' Ele devolveu.

Jane piscou os olhos para se livrar dos últimos vestígios de lágrimas e respirou fundo. Ele tinha dado, de certa forma, um pouco de coragem. 'Ela me disse que eu estou confundindo as coisas.'

'Você está?' Ele perguntou de volta.

'Não, Frankie. Eu não sei quando isso começou, mas eu não estou. É aquela sensação de ter encontrado algo velho mas de valor, entende? Um dia você encontra e percebe que tá lá e que é valioso demais para se livrar dele.'

'Ah, não me diga.' Ele debochou dela. 'Jane, olha só... Apenas converse com ela, ok? Você sabe como ela é melhor do que ninguém. Até eu posso dizer que ela tem problema em lidar com sentimentos, e eu nem sou tão próximo assim. Qual é!'

'Certo... Certo. Eu vou fazer isso.' Porque ela estava sentada perto demais da Torre Eiffel, mas fora Frankie quem iluminara seus pensamentos. Certo. Maura tinha problemas em lidar com o que sentia. Como ela não tinha considerado isso antes? Jane a pegara de surpresa. Talvez fosse isso. Bem, era uma hipótese de qualquer forma.

'Você ainda tá aí?' Ele perguntou em especulação.

'Sim, eu estou!' Ela respondeu rapidamente.

'Mexa sua bunda e vá falar com ela agora. E não me ligue de volta se tudo der certo.' Ele disse.

'Certo, obrigada, Frankie.'

'Por nada. Eu vou ficar aqui esperando a sua não-ligação.'

Jane riu e coçou a cabeça. 'Até mais, Frankie.'

'Ah, Jane?'

'Oi?'

'Você realmente precisa aprender a chegar em uma mulher.' Ele riu divertido do outro lado da linha.

'Ah, vá se ferrar.' Ela disse, também rindo, e desligou o celular.

Nunca tinha sido tão bom ter Frankie como irmão.

...

Constance nunca tinha visto Maura chorar. Exceto quando bebê, é claro, e quando ela tinha caído da escada e achado que tinha quebrado o braço. Tirando isso, ela não se lembrava de uma outra vez. Aquilo apertava seu coração por dois motivos: primeiro, porque ela não sabia se Maura já tinha chorado desse jeito e não estivera lá para consolá-la, e segundo, porque se isso nunca tinha acontecido antes, significava que algo terrível tinha acontecido agora.

Ela estava desnorteada, não sabia por onde começar. Ela tinha sido bombardeada, afinal de contas. Maura estava grávida. Jane havia beijado Maura. Que confusão era aquela?

'Querida... Você quer me explicar o que aconteceu? Você está grávida, Maura?' Constance abraçou a filha, acolhendo-a em seus braços.

A loira meneou a cabeça em seu ombro. 'Eu não queria que você soubesse assim.'

'Por que você está tão chateada? Maura, eu estou um pouco perdida aqui, querida. Talvez você queira esclarecer?' Constance acariciou suas costas, tentando acalmá-la. A loira soluçou mais uma vez, e a mais velha sentiu-se fraca. De todas as tormentas que ela havia passado com Maura, essa era a pior. O momento serviu para certa compreensão: ela nunca mais queria ver a filha sofrendo assim. Sentindo que a filha ainda não estava pronta para falar, ela a guiou até a cama e as duas se sentaram ali, Maura nunca se desenroscando de seus braços. Um minuto havia se passado e só então a loira lhe dirigiu a palavra.

'Quase três meses.' Ela murmurou e Constance não conseguiu evitar de encarar sua barriga. Estava pequena, inchada, e a filha tinha feito um bom trabalho em escondê-la até então. 'Eu não planejava... levar adiante.' Maura levantou os olhos para ela, talvez esperando julgamento, mas Constance balançou a cabeça, motivando-a a continuar. 'Mãe, eu estava tão assustada. Depois de tudo que aconteceu com Frost, Jane e o bebê, e Jack... E ela - Jane - me apoiou tanto. Ela disse que queria compartilhar a guarda da criança e criá-la junto comigo. Eu tinha tempo para pensar e... fui me acostumando com a idéia.' Ela encolheu os ombros em pensamento. 'Parece um bom plano, não parece? Você conhece a Jane. Ela sempre está do meu lado... E nós...' Ela abaixou a cabeça e cruzou as mãos, um tanto quanto tímida.

'Vocês o que, querida?' Constance pressionou. Se ela quisesse ajudar, ela teria que saber de tudo.

'Nós somos próximas. Ela me propôs um casamento, por causa da guarda, seria mais fácil assim. Mãe, ela é minha melhor amiga.' A loira ergueu os olhos para Constance em súplica, como se pedisse para a mais velha a explicação de algo que não entendia.

'E ela beijou você.' Constance completou o pensamento. Maura balançou a cabeça em seu ombro e suspirou.

'É.' Ela murmurou.

'Você a beijou de volta?' Ela perguntou cautelosamente.

Lá estava a pergunta que Maura temia ser feita. Ela balançou a cabeça lentamente em um sim. Se ela fosse pensar bem, era o segundo sim que ela tinha oferecido para Jane. Sim, eu caso com você para criarmos uma criança juntas. Sim, eu beijo você de volta. Parecia fora de ordem, na contra-mão, mas ordem, nesse momento, era exatamente algo que faltava em sua vida. Ela tinha beijado Jane de volta. Ela tinha gostado daquele beijo, e assustada demais, ela tinha recuado.

Ela acariciou as costas de Maura e beijou sua cabeça. 'Você gosta dela, querida? Em um sentido romântico, quero dizer.'

Maura se encolheu e lágrimas pousaram em seu braço. Constance riu suavemente, acariciando as costas da loira. 'Você sabe, Maura, que esse não é um problema para nós.'

A loira balançou a cabeça em sim. 'Gosto.'

'Viu? Não foi tão difícil de admitir. O que aconteceu então, entre vocês? Ela me pareceu chateada.' Chateada era uma palavra sutil para descrever o estado perturbado de Jane.

Maura se remexeu e suspirou. 'Eu a empurrei.' E com isso mais lágrimas cortaram seu rosto.

Constance olhou para a filha, incrédula. 'E por qual razão você faria isso? Você acabou de dizer...'

'Ela está confundindo as coisas, mãe. Jane nunca... Ela nunca...'

O raciocínio de Maura foi interrompido pela risada de Constance. 'Maura, querida, ela nunca o que? Se envolveria com você, com uma mulher? Me desculpe por dizer isso agora, mas desde a primeira vez que vi vocês duas... Bem, eu imaginei que vocês estivessem em um relacionamento. Você está sendo tola, Maura. Aquela mulher daria o mundo por você. E pelo que você me contou, ela te beijou primeiro. Não acho que ela esteja confundindo nada. Acho que ela teve coragem suficiente para concretizar um sentimento.'

Agora era a vez de Maura olhar escandalizada para a mãe. Ela deveria ter se sentido ofendida com o 'tola', mas era essa palavra exata que a fez perceber o quão certa Constance estava. Quantas vezes Jane tinha acolhido Maura nos braços antes de dormir? Quantas beijos foram pressionados em sua cabeça, testa e bochecha em momentos de crise? Quantos olhares e sorrisos Jane lançava em sua direção? E a prova final: Jane se propôs a passar o resto de sua vida com ela, criando um bebê que ela decidira adotar apenas por ser de Maura. Se isso não era amor, era possivelmente algo tão bom quanto, algo que Maura ainda não podia nomear. Jane não estava confundindo as coisas, não mesmo. Ela já tinha repetido algumas vezes para Maura que ela estava certa da decisão que tomara. Ela queria o bebê. E ela queria Maura.

'Ela é minha melhor amiga, mãe, e eu não posso perdê-la.' Ela murmurou e encarou Constance.

Mais uma vez, a mulher soube o que dizer. 'Você é uma Isles, Maura. Nós não recuamos diante do medo. Não deixe de viver um amor por medo de perdê-la. Isso é covardia.' Ela endureceu a voz o suficiente para indicar o caminho certo a ser tomado.

A loira balançou a cabeça em compreensão. 'Eu cometi um erro essa noite.' Ela suspirou, se encolhendo de novo nos braços de Constance.

'Um que você saberá reparar.'

'Eu preciso encontrar Jane.' Ela disse mais firme agora.

'Ela saiu mas vai voltar, querida. E então você vai fazer o que precisa ser feito. E por tudo que é mais sagrado, se essa mulher não te beijar de novo, beije-a!' Constance disse com certa impaciência e Maura riu delicadamente.

'Obrigada.' Ela riu baixinho e murmurou em seguida, beijando a bochecha da mãe.

'Você é minha filha, Maura. Você ainda é minha garotinha e você sempre será. Você vai entender um dia.' Sua mão acariciou gentilmente a barriga da loira depois de beijar sua cabeça.

Maura se sentiu emocionada com as palavras, com o gesto. Ela e Constance nunca tinham sido realmente próximas, mas a troca de afeto tinha despertado um lado novo em Maura: agora ela se sentia um tanto dependente da mãe, mesmo depois de tantos anos sabendo se levantar e andar por si só. As mãos da mulher pareciam acolhedoras e o abraço - aquele que ainda estava - era amoroso. Poderia ser o tempo batendo à porta, abrindo os olhos de ambas, denunciando sua passagem e tudo que foi perdido durante ela. Maura não queria perder mais. Ela abraçou a mulher e deixou-se ser a garotinha que precisava de colo.

'Mãe.' Sua voz saiu tremida, carregada de agradecimento, sabendo que ali estava protegida.

'Eu estou bem aqui, Maura. E eu gostaria que você recorresse a mim por mais vezes.' Constance a abraçou de volta, e ela tão poucas vezes pensava nisso, mas decidir ficar com Maura, aquele bebê fofo e de olhos inteligentes, tinha sido a melhor decisão de sua vida.

...

Jane adentrou a casa parecendo culpada. Muito culpada. Ela percorreu lentamente o infinito corredor para chegar a porta do quarto aonde estavam hospedadas na casa de Constance. Ela devia um pedido de desculpas para a mulher, mas primeiro ela teria que lidar com Maura. Ela respirou fundo antes de girar a maçaneta da porta. Ela tinha ensaiado um pequeno texto, no qual dizia o quão inconsequente e impensada sua ação tinha sido. Sim, ela diria que estava arrependida. Ela e Maura eram amigas, e ela entendia o porque as coisas deveriam continuar apenas assim, em amizade. Não era exatamente a sua vontade, mas ela respeitaria Maura acima de qualquer outra coisa.

Ela finalmente abriu a porta e, hesitando demais, entrou no quarto. Maura estava sentada na cama, uma mão sobre a barriga e outra segurando um livro que estava lendo. Jane ficou impressionada em quão calma ela parecia considerando a situação toda. Quando Maura abaixou o livro e levantou os olhos para ela, Jane se remexeu e suspirou.

Por onde ela começaria?

As palavras estavam em conflito com seus sentimentos. Ela retiraria o que ela tinha feito, pela razão. Mas pelo coração? Não. Ela queria sentar ao lado de Maura e abraçá-la, até mesmo ler para ela. Mas no mundo que ela conhecia - oh, e Jane Rizzoli sabia de tantas injustiças cometidas nesse mundo - ela sabia que tinha que fazer o certo.

'Podemos conversar?' Ela disse antes de Maura reagir.

'Nós temos. Jane...'

'Maura, não. Escuta.' Ela cortou a loira e deu um passo a frente. 'Eu não sei no que eu estava pensando...' Ela esfregou as mãos que estavam geladas. Ela estava com frio e tremendo. Ou ela estava tremendo porque estava nervosa?

'Jane, minha reação foi exagerada. Não era minha intenção... Eu não queria de fato ter afastado você...' A loira dizia enquanto se levantava, parecendo insegura apenas agora.

Jane congelou. O que Maura estava dizendo, afinal? Ela desviou o olhar para ganhar tempo, pensar em algo para dizer. Ela não queria tê-la afastado de si? Mas ela tinha, e ela tinha dito à Jane que ela estava confundindo as coisas. O que tinha mudado então? Ela franziu o cenho em desentendimento, e deixou que a outra se explicasse.

'Eu só... Fui pega desprevenida. Eu sinto muito, Jane. Foi rude de minha parte.' Ela abaixou a cabeça em vergonha.

O gesto era absolutamente fofo, e Jane se repreendeu por esse tipo de pensamento. Se ela queria que as coisas fluíssem bem, ela tinha que evitá-los.

'Maur, me desculpa pelo beijo, eu...' Ela lambeu os lábios. O que ela iria dizer? Que ela não tinha nenhum intenção naquilo? Que ela não tinha sequer gostado? Ela não mentiria.

'Por que você me beijou?' A voz de Maura veio baixa, carregada de curiosidade e de algo mais.

Quando Jane ergueu os olhos, a loira estava mais próxima dela do que ela se lembrava, e ela não encontrou a força requerida para dar um passo para trás. Em vez disso, ela resolveu ser honesta. 'Eu só me deixei levar. Maura, eu achei que você também queria e, Deus, eu sou uma idiota. Eu sinto muito se coloquei a gente nessa situação.' Ela levou as mãos ao rosto e esfregou os olhos em frustração. Ela não sabia onde essa conversa iria parar, mas ao menos elas estavam conversando amigavelmente, e Maura não parecia mais aborrecida. Um instante depois, a médica segurou suas mãos e Jane prendeu a respiração. Era esse o efeito que a mulher tinha sobre ela, querendo ou não.

'Você tinha isso em mente? Quando me propôs em casamento? Quando disse que assumiria esse bebê?'

A carência pela verdade vinda na voz de Maura não cedia espaço para outra coisa, senão honestidade. Jane respirou fundo e encolheu os ombros. Agora seria a hora em que ou a relação delas se fortaleceria, ou desabaria feito um castelo de cartas. 'Eu não premeditei isso. Eu só... Você é a pessoa mais próxima de mim, que me completa das maneiras mais estranhas - e não leve isso a mal, é um elogio. E você é delicada e doce de um jeito que me faz querer te proteger, e tão forte ao mesmo tempo. E é tão fácil viver com você, de um jeito que mesmo quando você me irrita, eu te quero por perto. E você é engraçada - e eu não estou falando das suas piadas, Maura.' A loira riu suavemente e inclinou a cabeça para o lado. Jane sentiu o rosto corar. 'Eu não planejei nada. Eu só senti acontecendo e não vi motivos para evitar, considerando que nós já somos tão próximas.' Ela piscou os olhos que estavam marejados. Ela sabia que Maura podeira recusá-la - mais uma vez - mas ter colocado tudo em palavras lhe tava tamanho alívio que ela não se arrependia de ter dito isso tudo. Ela só esperou que aqueles sentimentos, aquelas expectativas que ela tinha construído para ela e Maura e o bebê, não fossem arremessadas janela afora.

Os olhos inteligentes de Maura estudaram seu rosto e ela se sentiu nervosa. Num suave suspiro, Maura falou em seguida. 'E você me beijou.' Ela concluiu. Jane concordou com a cabeça. As mãos da médica foram parar e sua cintura e Jane se arrepiou com o toque quente. 'Eu só não previ aquilo, e me assustei.'

'Eu sinto muito.' Jane murmurou, não sabendo exatamente aonde elas estavam agora.

Maura balançou a cabeça e piscou os olhos. 'Jane, eu preciso saber de algo, e apenas seja honesta. Ok?'

'Certo.' A morena respirou fundo e esperou.

'Você...' Ela passou a língua nos lábios em hesitação. 'Você me beijaria amanhã?'

Jane soltou uma risada curta com a pergunta. Era isso que Maura queria saber? A compreensão ultrapassou sua pele e a fez ver claramente o significado atrás da questão. Aparentemente as palavras de Jane valiam mais do que qualquer aliança que estaria em seu dedo. Ela segurou o rosto da loira e sorriu. 'Maura, é claro que sim. Cada dia de minha vida, e você nem teria que pedir por isso.' Ela colocou uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha da mulher e acariciou seu rosto. 'Meu coração é insistente no que ele quer. E acontece de ser você.'

Maura arfou com as palavras da morena, com o seu olhar: carregado de verdade e certeza. Carregado de amor. Era tão claro e cristalino que ela se surpreendeu por não ter notado antes. Certo, ela era o gênio mais idiota de todos os tempos. Suas mãos percorreram até cintura da morena e se demoraram ali. 'Nós podemos voltar para aquele beijo, então?' Ela perguntou e sorriu quando as mãos de Jane seguraram seu rosto delicadamente e a morena se inclinou para frente.

E lá estavam: aqueles lábios doces, macios, beijando os seus com a mesma devoção de antes. Mas dessa vez Maura não iria se afastar. Ela abraçou a cintura da morena e o beijo se intensificou. A mão de Jane segurava sua nuca enquanto a outra abraçava sua cintura, e Maura havia se perdido no momento e ela já não sabia quando seus suspiros começavam ou morriam. Eles se enroscavam com os de Jane, circulavam o ar e desapareciam juntos para algum outro lugar. Quando elas se afastaram, sem ar por causa do beijo, Maura sorriu e pressionou os lábios contra o queixo de Jane. Ela traçou um caminho de beijos até o pé do ouvido da morena, e suas mãos foram parar nos ombros dela. E só então Maura notou o quanto ela estava tremendo.

'Oh, meu Deus, Jane.' Ela plantou um beijo no pescoço da mulher. 'Você está tão gelada. Troca de roupa e vem se deitar comigo?' Os olhos escuros de Jane seguraram seu olhar por um instante e ela finalmente concordou com a cabeça.

'Me dê um minuto.' Ela se apressou para o banheiro depois de pegar uma camiseta e shorts que serviriam de pijama.

Maura se sentou na cama enquanto esperava pela morena. Ainda com a sensação do beijo durando, ela levou os dedos até os lábios e sorriu com a lembrança da boca de Jane na sua. E como aquilo tinha parecido tão natural, pertencente à rotina das duas. Era um beijo. Nada havia mudado entre elas, elas continuavam as mesmas, exceto que agora elas sabiam exatamente o que toda a relação delas significava - o que vinha significando há tanto tempo.

Jane abriu a porta do banheiro e em seu novo pijama, se sentou na cama com Maura. A loira então e deitou e esticou o braço para a outra. 'Você vem aqui?' A detetive concordou e deitou a cabeça no ombro de Maura, virando-se de lado e apoiando a mão em sua barriga. Ela se arrepiou por conta da pele gelada da outra tocando a sua. 'Por onde você andou? Você tá parecendo uma pedra de gelo.'

'Eu fui ver a torre.' A morena disse, se encolhendo sob as cobertas quentes. 'Pensar.'

'Bem, você não deveria ter tomado essa garôa. Não vai te fazer bem.' Maura disse e apertou Jane nos braços, tentando mantê-la aquecida.

Jane bufou e revirou os olhos. 'Você é absurdamente mandona.'

Maura riu levemente e beijou sua cabeça. 'Meu Deus! Seu cabelo tá úmido, Jane!'

'Valeu cada minuto observando ela, ok?' A morena rebateu e abraçou Maura.

'Oh, ela te trouxe esclarecimento?' A loira zombou.

'Não, mas Frankie sim.' Ela sentiu Maura ficar tensa e olhou para ela. 'Eu posso ter contado para ele sobre ter te beijado.' Ela disse inocentemente, o que significava que ela certamente tinha contado.

'Jane!' Maura exclamou, alarmada. E se ele contasse para alguém? Elas ainda nem tinham definido essa nova relação.

'Ei, fica calma, ok? Ele vai guardar segredo.' Ela disse com segurança. Frankie era um bom irmão, e diferente da mãe, ele não era fofoqueiro.

'Oh, bem.' Maura suspirou. 'Eu posso ter contado para minha mãe também... E posso ter adicionado que estou grávida.' Ela apertou os lábios para esconder uma risada quando viu o horror estampado no rosto de Jane.

'Você fez o que?'

Maura riu. Ela parecia aterrorizada. 'Eu tive que contar! Ela entrou aqui e eu não sei mentir.' A risada chacoalhou seu corpo inteiro e Jane se apoiou nos cotovelos, em cima dela.

'Você é inacreditável, sabia?'

'Ajuda se eu disser que ela apoia?' Maura ergueu as sobrancelhas, sorrindo.

'Oh, bem. Ótimo. Assim não sinto como se eu fosse ser expulsa daqui a qualquer momento.'

Maura riu mais uma vez e abraçou a outra. 'Você não tem permissão para me deixar sozinha. A não ser no vôo de volta que nós, definitivamente, vamos tomar separadas.'

As duas riram juntas e depois Jane se remexeu na cama para se ajeitar sobre Maura. Ela se inclinou pra frente e beijou demoradamente os lábios da outra. Depois espalhou beijos pelo seu rosto: bochechas, queixo, nariz. Cada um deles demorado, colocados carinhosamente na pele macia.

Maura riu baixinho quando os lábios da morena beijaram repetidamente os seus. 'O que você está fazendo?' Ela perguntou, depois de retribuir cada um.

'Já passou da meia noite, tenho certeza. Esse é o primeiro conjunto de hoje.' E com um último beijo ela cumpriu a promessa para o dia.

'Oh, Jane.' Maura segurou seu rosto e viu no olhar da morena aquela mesma coisa que refletia do seu: amor. Puro e simples. 'Você é tão doce, sabia?' Ela murmurou, acariciando com a ponta dos dedos o rosto da detetive.

'E perfeita?' Ela brincou, se lembrando das palavras da médica de semanas atrás. A tentativa de quebrar o momento de seriedade, entretanto, não funcionou.

'Pode-se dizer. A natureza é perfeita mesmo em suas falhas. Por que você não seria perfeita para mim?'

'Maura.' Jane disse e beijou seus lábios, o gesto sendo uma mera tentativa de esconder o rosto corado.

A loira riu, deliciada com o fato de ter deixado-a sem graça. 'Jane... Você pode se deitar ao meu lado?'

'Oh, eu tô te machucando?' Ela pareceu se sobressaltar, mas Maura balançou a cabeça furiosamente.

'Não, não é isso.' Ela mordeu os lábios e considerou as palavras. 'Eu quero... abraçar você. Porque daqui algumas semanas eu não vou conseguir, por causa da minha barriga.'

'Oh... Bem, você sabe que ainda tem o resto da vida pra fazer isso, certo?' A morena se removeu cuidadosamente de cima dela, deitando-se de costas para a outra, como Maura pedira.

'Mas eu quero viver um dia de cada vez. E hoje o que eu quero é apenas isso.' Ela passou um braço na cintura de Jane e juntou seu corpo ao dela. Sua barriga se encaixou nas costas da morena e as pernas se entrelaçaram. Os seus corpos pareciam se modelar e encaixar perfeitamente um no outro. Não era a primeira vez que as duas dormiam abraçadas, mas era a primeira vez que Maura abraçava Jane assim. Ela nunca tivera motivos para segurá-la, e ela temia de que tal ação pudesse ser considerada por Jane inapropriada de sua parte. Mas não hoje, não agora. Se no passado ela não tinha motivos, agora ela tinha todos do mundo: ela e Jane estavam estreando uma relação nova, uma que envolvia abraços e beijos e carícias. Maura não precisava de mais pretextos, de justificativas. Ela podia agir naturalmente: uma carícia na cabeça da morena, um beijo depositado gentilmente no ombro dela. Um beijo na nuca. Ela poderia repetir a sequência um milhão de vezes, mas essa noite ela estava exausta. E Jane também. Ela nem respondera a Maura, ela simplesmente deitara e fechara os olhos. O único sinal de reconhecimento das carícias feitas era o sorriso suave no rosto. Apenas quando a respiração de Jane se igualou, foi que Maura plantou um último beijo em sua nuca e escondeu seu rosto ali, certa de que a morena não deixaria seus braços. Ela inalou o perfume doce e agradável vindo da pele da outra, e se entregou a um sono sem sonhos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ando tão boazinha ultimamente, não ando? =P