Três vidas inteiras escrita por Blue Butterfly


Capítulo 11
Onze


Notas iniciais do capítulo

Uuuh... Mais de sete mil palavras! =P



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'Maura?' Jane sorriu para a mulher que estava passando pela porta, deixando o quarto. Maura estava vestindo a roupa para o dia, mas Jane sabia que ela tinha acordado havia poucos minutos. Na noite anterior, quando voltaram para casa, as duas se encontraram com os pais da médica e conversaram durante uma hora. Depois disso, elas se retiraram para o quarto. A razão de estarem dividindo um, é que no dia seguinte - esse em que estavam agora - Constance e Arthur receberia mais membros da família que ficariam hospedados ali.

Ela tinha levantado mais cedo porque precisava fazer algo antes que Maura acordasse. Uma manobra bem planejada tinha deixado a médica dormindo profundamente, sem nem mesmo notar a ausência da detetive ao seu lado na cama.

Jane gesticulou para que ela entrasse de novo, com urgência.

'O que aconteceu?' A loira perguntou esfregando os olhos, ainda sonolenta.

'Nada. Eu só... Trouxe uma coisa para você.' Jane disse enquanto fechava a porta do quarto atrás de si.

'Trouxe? Você... Já saiu hoje?' Ela franziu as sobrancelhas. Jane tinha acordado antes dela, o que já era uma surpresa em si, mas tão cedo a ponto de ter deixado a casa, ter comprado algo em seu passeio e voltado? Ela deveria estar realmente empolgada com a idéia de Paris.

'Bem... É um presente. Mas eu não poderia entregar na frente de todo mundo, então tem que ser agora.' Ela se sentou na cama e Maura a acompanhou.

A loira ergueu os olhos para ela e sorriu. Jane estava sendo extremamente atenciosa e carinhosa desde o dia anterior, de um jeito que fazia a médica querer ficar sempre por perto, ao seu lado. Ela virou as palmas da mão para cima para receber o embrulho que a morena lhe entregava agora.

'O que é?' Ela perguntou enquanto desfazia o laço da caixa. Ele era verde claro e a caixa em si, branca.

'Bem, você já vai ver!' Jane fez um barulho com a boca. 'E depois você diz que eu sou curiosa!' Ela exclamou e riu.

Maura a acompanhou na risada e abriu a tampa. Os dedos roçaram o papel de seda branco e ela afastou as bordas para revelar o material ali dentro. 'Oh.' Ela exclamou quando percebeu o que era.

Os menores pares de sapato do mundo. Dois deles: o primeiro feito crochê, branco. Era delicado e gracioso, com duas rosas brancas e uma cor de rosa, minúsculas, na parte superior da frente. Uma pequena faixa corria de um lado ao outro afim de segurar o pé do bebê, e no seu final uma pequena pérola a prendia com delicadeza. O segundo era branco e azul, praticamente no mesmo estilo do primeiro, só que sem flores. A sola era azul marinho, o restante branco. A faixa para segurar o pé do bebê era branca também, e no final era presa com um botão azul escuro. Maura arfou ao pegá-los na mão. Eles eram tão pequenos que ela não teve dificuldade em segurar os dois pares de uma vez. Ela olhou para Jane, espantada.

'Eu sei que vocês não são religiosos, e que vocês celebram o Natal ao próprio jeito.' A morena começou, e segurou seu olhar. 'Mas pra mim... Ele sempre significou a chegada de algo bom. É minha festa preferida e eu sempre fico na expectativa do que pode acontecer nessa época, eu sempre espero por algo, mas eu não sei o que pode ser.' Ela riu com o nervosismo. Ela nunca fora muito boa em se expressar com palavras, mas ela estava tentando seu máximo porque ela queria que Maura entendesse. 'E agora, Maur, eu sei o que é. Os sapatinhos são pra simbolizar isso.' Ela deslizou uma mão para a barriga de Maura. 'É o bebê que você tá esperando, e eu também. É a espera, Maura, e ela sempre foi tão deliciosa porque no final a gente sempre sabe que o que vem é o que a gente mais deseja - pra mim sempre foi uma surpresa, mas agora eu sei que é esse bebê. E eu espero que... Bem, seja a melhor espera da tua vida também.'

Maura piscou os olhos, estupefata. Ela podeira ter todo o dinheiro do mundo, e Jane poderia ter também, mas os presentes mais valiosos eram os pequenos, carregados de significados. Vinham sempre marcados com símbolos: amizade, amor, comprometimento, cuidado. Eram os pequenos presentes, sem motivos nenhum que ela recebia durante os dias mais rotineiros - uma caixa de comida chinesa esperando por ela em casa depois de um árduo dia de trabalho. Dois ingressos para uma peça de teatro descansando em cima da mesa, num convite sutil - algo que Jane odiava, mas que faria repetidas vezes por sua companhia. Dinheiro nenhum no mundo poderia comprar aquilo: o modo como a morena parecia hesitar, como se vacilando entre a idéia de Maura ter gostado do que recebera ou não, o jeito como seus olhos brilhavam e um sorriso tímido se instalava em seus lábios depois de ter se expressado e exposto seu lado emocional.

A médica apertou os sapatinhos na mão, como se o gesto concretizasse e segurasse todo o amor que ela estava recebendo naquele momento, impedindo-o de escapar por aí. Era dela, afinal de contas. Jane tinha oferecido à ela, e ela tinha todo o direito de aceitá-lo e torná-lo seu.

'Você gostou?' A morena perguntou insegura, correndo a mão pelo cabelo.

O gesto tirou Maura de seu transe e ela balançou a cabeça fervorosamente em sim. Ela precisava dizer alguma coisa, mas como ela poderia se tudo o que estava em sua cabeça agora era Jane? O modo como a detetive era dedicada e cuidadosa com ela? Será que Jane tinha idéia de que ela era a pessoa que despertava a sensação do que era ser amada e querida em Maura? E será que ela sequer imaginava que todos seus atos gentis e seus mimos incitava sensações nela que ela não sabia exatamente o que fazer delas, ou se ao menos elas eram apropriadas?

Tentando ignorar o turbilhão de sentimentos rodopiando dentro de si, ela jogou os braços em volta da cintura da morena e a abraçou firmemente. O gesto pareceu pegar Jane de surpresa, e ela riu antes de abraçá-la de volta.

'Eu posso entender isso como um 'sim'?' Ela acariciou as costas de Maura.

Jane ainda duvidava? Maura prometeu para si mesma que um dia ela faria tudo claro para a morena: o quanto ela a amava, o quanto seus gestos significavam para ela. Maura diria à Jane que fora ela quem a trouxera de volta à vida depois de tanto tempo passando a ser algo muito próximo a um robô. Jane a fizera pisar fora da linha reta em que pisava com tanta determinação - mais pelo medo de ser julgada por outras pessoas do que pelo fato de que viver assim, tão sistematicamente, fazia parte de si. Jane a enfurecia e a fazia gritar, perder o controle. A fazia gargalhar. A morena aceitava suas esquisitices, e mais do que isso, mostrava que não havia necessidade de ser perfeita. Era tão mais fácil viver assim, levemente, por causa dela.

'Você é a melhor parte da minha vida, Jane.' Ela murmurou e sentiu a garganta se fechar diante da confissão. Ela estava emotiva demais ultimamente. Tinha a ver com essa cidade, talvez?

Jane riu baixinho e seu peito chacoalhou. 'Sério? Isso é porque você não viu o café da manhã que tá esperando pela gente.' Ela riu de novo, divertida.

Maura ergueu o rosto mas manteve a cabeça em seu ombro. Jane a olhava agora, um sorriso pacato durando em seus lábios. Maura soube naquele momento que era sempre ali que ela encontraria a própria paz, dentro daqueles braços. O perfume suave na pele da morena alcançava seu nariz, e Maura teve que resistir à urgência de plantar um beijo em seu pescoço - ou mesmo em seus lábios. Ela congelou com o pensamento. Aquilo era inapropriado demais. O que ela estava pensando? Jane... Ela e Jane eram amigas, e apenas isso. E era bem essa parte que mais doía: apenas isso. Era verdade que ultimamente, assim como agora, os abraços estavam durando mais, que por noites Jane a segurava em seu sono e que a morena não mostrava resistência quando era Maura quem a segurava. Mas o que isso significava, afinal de contas? Não muito. Jane sempre se mostrara protetora quando Maura estava vulnerável, como naquela vez com Dennis. Ela tinha dormido uma semana na mesma cama que Maura, apenas para se certificar de que a loira não estaria sozinha quando os pesadelos viessem. E eles vieram, tão aterrorizantes quanto a própria experiência do braço do homem em seu pescoço. E então Jane estava lá: ninando-a de volta ao sono, acalmando com palavras suaves o seu coração.

Não havia algo de familiar agora, nesse cuidado que a morena dedicava a ela? A razão só podia ser essa: era quem Jane era, a amiga super protetora que ela tinha ao seu lado. Mas que curiosamente agora, tinha em seus braços.

Lá estavam elas, mais uma vez: prolongando um gesto que deveria ser mais curto, mais sutil, enquanto ela estava perdida em seus pensamentos. Ela sorriu para Jane e finalmente se afastou.

'Eu amei o presente. Muito obrigada.' Ela devolveu os pares de sapatinhos na caixa e se levantou.

'Maura.' Jane se levantou e colocou as mãos nos bolsos. 'Nós nunca chegamos a conversar sobre isso, mas... O que você espera que seja?'

A loira se virou e seus olhos piscaram para Jane. É claro, ela já tinha pensado nisso. Um sorriso brotou de seus lábios, inconscientemente.

'Gostaria que fosse uma menina.' Ela disse timidamente, abaixando os olhos. 'Mas eu vou ficar feliz do mesmo jeito se for menino.' Ela deu de ombros e olhou para Jane. 'E quanto a você?'

'Menino. Aposto que é um menino.' Jane abriu um sorriso imenso. 'Mas se for menina, vou ficar tão feliz quanto.'

Maura riu. 'Nós concordamos em um ponto, então.'

Jane encolheu os ombros e apontou com a cabeça para a caixa. 'Bem, a gente pode tentar de novo depois, e tentar usar o outro par. Agora, vamos nos apressar que tô morrendo de fome!'

Ela deu um beijo delicado no rosto de Maura e saiu do quarto, provavelmente esperando ser seguida pela loira.

Entretanto, Maura estava boquiaberta. Jane dissera aquilo mesmo? Que elas poderiam tentar ter outro bebê depois que aquele nascesse?

Certo. Ela só podia estar brincando. Maura adoraria vê-la cogitar essa idéia depois de um mês sem dormir por conta de choro do recém-nascido.

...

'Então você é uma detetive?' Um primo britânico de Maura - seu nome era Peter - balançava a taça de vinho na mão, enquanto estudava atentamente Jane.

'Sim, homicídios.' Ela sorriu depois de responder. Jane logo descobriu que a tradição natalina dos Isles era bem diferente do que ela conhecia: na véspera natalina a família se reunia para a celebração e os pratos principais só seriam servidos depois da meia noite. Nesse período, o tempo era gasto com conversas, música no piano e taças de vinho. Maura tinha sugerido que ela arriscasse a tocar uma música, mas havia tempo que Jane não tocava uma nota sequer que ela achou melhor negar o convite. Agora, ela estava conhecendo os familiares de Maura. Primos e primas, tios e tias distantes que ela nunca ouvira falar antes.

'Parece um trabalho interessante. Suponho que seja onde Maura tenha te conhecido?' Ele colocou em forma de pergunta, mas era na verdade quase uma afirmação.

'Sim, foi onde nos conhecemos. Ela é a médica legista do estado, e o necrotério onde trabalha fica no mesmo prédio que a divisão de homicídios que eu trabalho.' Ela ofereceu e bebericou o próprio vinho. Ela olhou ao redor. Onde Maura estaria?

'Oh, olá!' Uma outra mulher acabava de chegar na conversa. Jane a estudou: ela era ruiva, tinha olhos azuis da cor do céu e um sorriso perfeito. 'Meu nome é Annabelle. Você deve ser a Jane?' Ela esticou a mão para a morena.

'Sim, eu sou.' A detetive forçou um sorriso. Ela parecia ser a estrela da noite. Parecia que todos os convidados, sem exceção, conheciam ela.

'Oh, eu ouvi falar de você!' Ela exclamou animada. 'Eu sou prima da Maura. A mais próxima, eu devo dizer.' Ela lançou um olhar para Peter e ele revirou os olhos.

'Com licença.' Ele se retirou depois que Jane sorriu para ele.

'Um pé-no-saco.' A ruiva disse e apontou discretamente o polegar para o homem. 'E isso porque ele não veio com a piada infame: Annabelle, a boneca demoníaca? Argh, me poupe. Não é nem mesmo engraçado.'

Jane riu. Annabelle parecia uma pessoa descontraída e calorosa. 'Bem, é um nome bonito. Você é... artista também?' Ela perguntou, querendo sustentar a conversa. A mulher era bem mais extrovertida do que o homem, e Jane se sentia mais confortável conversando com ela.

'Sim! Isso corre nas veias de nossa família. A adoração pela arte, eu quero dizer. Mas não dê importância a isso! Maura me disse que você é uma detetive e que vocês trabalham juntas.' Ela disparou a falar.

'Isso mesmo.' Jane franziu levemente as sobrancelhas, tentando não perder as palavras.

'Maravilhoso! Me diga uma coisa. Como é que você conseguiu fazer isso com ela?' Agora era a vez de Annabelle apontar discretamente para Maura, no fundo da sala, conversando com parente.

'Perdão?' Jane se sentiu confusa. Do que a ruiva estava falando?

'Isso.' Ela gesticulou com as mãos, o que não esclareceu nada. 'Ela parece realmente confortável em falar com as pessoas. Sabe quantas vezes isso aconteceu?'

Jane balançou a cabeça, pasma.

'Ora, apenas três!' Ela fez um gesto teatral e bebeu um gole de vinho tinto.

Jane duvidou seriamente de que ela estivesse falando a verdade. Entretanto, a mulher pareceu bem convencida de que tinha contado corretamente.

'Era tão fácil descobrir quando ela estava inconfortável com algo. Uma vez nós estávamos brincando de esconde-esconde, e oh!, ela chorou porque Alex perguntou se ela tinha visto alguém e a coitadinha não conseguia mentir, mas não queria me entregar.' A mulher soltou uma gargalhada em seguida e balançou as mãos, se desculpando. 'Ela era tão fofa quando criança.'

'Espera, vocês... Cresceram juntas?' Jane pareceu mais interessada na conversa agora. A infância de Maura era algo o qual ela não sabia muito.

'Oh, bem... Nós morávamos lado a lado, mas foi por pouco tempo. Éramos seis crianças, contando com Maura. Meus três irmãos e eu nos mudamos logo de lá, e, bem... Depois sobrou apenas Alex, mas por pouco tempo também.'

'Oh... Imagino que você não esteja se referindo ao centro de Paris?' A morena bebeu o próprio vinho.

'Não. Nós morávamos nas grandes mansões afastadas da cidade. Maura nunca te contou? Bem, acho que não foram anos tão bons para ela, de qualquer forma.' A mulher se remexeu sobre os pés e deu de ombros, mas ela não parecia nenhum pouco abalada pelo que dissera.

'O que aconteceu?' Jane sabia que ela estava se intrometendo, mas ela não conseguia domar a curiosidade.

'Apenas algumas perdas? Primeiro eu e meus irmãos nos mudamos, e depois Alex. Foram tempos difíceis e solitários para ela, você pode imaginar.'

'Eu não sabia que Maura tinha amigos de infância.' Ela adicionou. Ela não se lembrava de ter escutado nada do tipo. Até onde ela sabia, Maura fora sozinha a vida toda.

'Oh... Temo que não posso responder isso por ela. Quer dizer... Nós vivemos durante pouquíssimo tempo lá. É verdade que sempre nos falávamos por telefone, e sei que ela falava com Alex também, mas... Bem, é diferente quando se vive ao lado.'

'Certo.' Jane refletiu por um momento. Fazia sentido... Se eles moravam distantes do centro da cidade, e Annabelle e seus irmãos e mais Alex tinham sidos seus únicos amigos, e depois mudado... Espera. Quem era Alex? 'Você mencionou um nome. Alex. Acho que não sei quem é...' Ela murmurou.

'Oh! Eu posso te mostrar!' Ela riu divertida e pegou Jane pela mão, arrastando-a junto com ela. 'Ele chegou há pouco tempo depois de mim. Acredito que ele ainda esteja conversando com Constance. Oh, sim, lá está ele!' Ela acenou a mão para alguém - que Jane não conseguia ver quem era porque estava ocupada demais tentando se manter em pé, enquanto a outra a puxava com entusiasmo. 'Aí está!'

Jane corrigiu sua postura e encarou um homem mais alto do que ela se aproximando. Era bonito, de cabelo escuro e olhos castanhos claros, quase verdes. Sua postura relaxada entregava todo o seu caráter: sorridente, ele esticou o braço e apertou a mão da morena. Ele usava calça social e um blazer, e embora a roupa fosse formal, ele parecia se destacar entre todas as pessoas. Certo, ele tinha seu próprio estilo.

'Olá, eu sou o Alex.' Ele sorriu animado e balançou a mão da outra.

'Oi, prazer, eu sou a Jane.' A morena apertou a mão do homem, e ela ainda não conseguia avaliá-lo. Esse era o tal do Alex que brincava com Maura quando pequena? Ele era, certamente, uns cinco anos mais velho do que a loira.

'Oh, você é a Jane!' Ele exclamou e Annabelle balançou a cabeça em confirmação.

'É, sou eu.' Aquilo estava ficando velho. Como todas aquelas pessoas poderiam ter ouvido dela?

'Certo. Você é a melhor amiga de Maura, não é? Eu fico feliz que ela tenha alguém para cuidar dela. Não é como se ela precisasse, mas...' Ele curvou os lábios para baixo. 'Ela geralmente não deixa ninguém se aproximar.'

'Ela... Não deixa.' Jane concluiu. Era a mais pura verdade: entre todas as pessoas, Jane era a única em que Maura realmente confiava. Nem mesmo Angela podeira abraçá-la em momentos de crise, ela simplesmente não permitia.

'Eu estava apenas dizendo para Jane sobre as mudanças...' Annabelle pontou, mas foi interrompida por alguém.

'Alex?' A voz duvidosa de Maura veio de trás do homem.

Ele se virou sorrindo antes mesmo de vê-la, e meio segundo depois ele segurava a loira em seus braços. Os pés de Maura se ergueram do chão quando ele a girou para frente novamente, e Jane quase pediu, apavorada, que o homem a soltasse para que não a machucasse.

'Macaquinha!' Ele exclamou enquanto a segurava pela cintura.

Macaquinha? Ok, essa era nova.

Jane escutou a gargalhada de Maura no ar. 'Oh! Eu estava com tanta saudades.' Ela disse em seguida e a voz se quebrou um pouquinho.

'Me deixa eu te olhar.' O homem a colocou gentilmente no chão, e Maura obedeceu, permanecendo quieta enquanto o outro a estudava. 'Você está linda, Maura. Tanto quanto da última vez que te vi.'

'Isso faz alguns anos...' Ela observou enquanto colocava uma mexa de cabelo loira atrás da orelha.

'Verdade. Seis anos, eu temo. A última vez que nos encontramos foi em... Milão?'

'Exatamente.'

'Eu gostaria que a vida não tivesse nos afastado tanto, em quilômetros, quero dizer.' Ele sorriu e apertou as mãos da loira.

'Eu também, Alex. Eu também.' E então ela pareceu um pouco triste.

Jane notou a mudança e limpou a garganta. 'Então... Macaquinha? Você gostaria de me explicar isso?' Ela riu, desconcertada. Algo sobre não saber de partes da vida de Maura a deixava... enciumada.

'Haha, você deveria ver Maura quando criança. Ela escalava as árvores como ninguém... Até que um dia ela caiu da escada e achou que tinha quebrado o braço - e acredite, nada a assustava mais do que uma parte de seu corpo quebrado. Depois disso, temo que ela nunca mais tenha se aventurado por conta do medo.' Alex riu divertido e Maura rolou os olhos.

'Isso não é verdade.' Annabelle lançou um olhar afiado para ela e ela reformulou. 'Bem, em partes... Entretanto, não vejo razão em receber esse apelido: Peter era tão entusiástico em escalar árvores quanto eu! Mas aparentemente o apelido é destinado apenas à mim!'

'Oh, Maura, por favor. Meu irmão era uma peste!' Annabelle revirou os olhos.

'Espera, Peter é seu irmão?' Jane perguntou boquiaberta. Eles não tinham absolutamente nada em comum. Annabelle era calorosa e aberta, enquanto o outro era introvertido e parecia frio.

Os três balançaram a cabeça em sim, como se não fosse uma informação relevante. Certo, aquilo era surpreendente apenas para ela. Agora Jane entendera o real motivo das provocações sobre a boneca demoníaca. De repente, ela começou a rir. 'Bem, meus irmãos conseguem ser menos chatos do que o seu!'

'Pode ser que sim. Bem, você ainda precisa conhecer Larry e Kendra. Larry é médico também, assim como Maura. Minha irmã mais velha é professora de artes na universidade de Paris.' Annabelle disse antes de bebericar o vinho.

'Eu adoraria.' Jane disse educadamente.

'Maura, porque você não me conta as novidades? Quer dizer... São alguns anos sem nos ver e, eu acredito, alguns meses sem nos falar? Nosso último email foi em... Junho?' Alex se virou para a loira e acariciou seu braço.

'Julho.' Ela corrigiu.

'É verdade. Então me diga: algum serial killer tentou te matar novamente?' Ele riu ao receber um tapa no braço.

'Isso não é engraçado, Alex!' Ela exclamou, fingindo estar ofendida.

'Eu sei que não. Só consigo dar boas risadas com sua narrativa porque você está bem.' Ele abraçou os ombros de Maura e beijou-lhe a cabeça. 'O trabalho de vocês é perigoso - e interessante. Aposto que tem algo novo para me contar.'

'Bem... Meses atrás nós visitamos uma fazenda de corpos. Faz parte da BCU, você sabe. Porém, é uma instalação nova. Lá os estudantes podem estudar corpos humanos em decomposição.' Ela parou de falar quando notou a cara retorcida de Jane e Annabelle. 'O que? Isso é interessante!' Ela se defendeu e Alex riu.

'É claro que é.' Ele tomou seu lado.

'É véspera de Natal, Maura. Que tal falar um pouco menos de morte e mais de vida?' Jane retrucou, observando como o braço do homem perdurava nas costas da médica.

'Bem... sobre o que você espera que eu fale?' Ela cruzou as mãos na frente do corpo e quando se deu conta de quão próximas de uma vida elas estavam, ela trocou um olhar com a morena. Ela abaixou os olhos, passou a língua entre os lábios e suspirou. Não, aquela vida não poderia ser assunto para aquela noite. Ainda não. Por mais que ela quisesse dividir a notícia com Alex.

'Ora, qual é! Deixe que ela me conte sobre os corpos.' O homem balançou a mão, dispensando o comentário de Jane.

'Ou talvez nós possamos contar sobre a vez que Maura derrubou uma lata de tinta dentro da piscina, e quando seu pai perguntou quem tinha feito aquilo, Larry levou a culpa por ela. E bem, como péssima mentirosa, acabou por molhar as calças quando o tio Arthur olhou furiosamente para cada um de nós!' Annabelle jogou a cabeça para trás e riu incontrolavelmente.

Maura arfou e arregalou os olhos para ela. 'Tal coisa nunca aconteceu! Você sabe muito bem que eu...' O que? Era verdade. Tinha acontecido. Agora ela se sentia totalmente humilhada porque Jane sabia disso.

A morena riu, encantada com a visível consternação estampada no rosto da loira.

'Anna, qual o seu problema? Deixa ela em paz! Ela tinha só cinco anos.' O outro exclamou e apertou um braço na cintura de Maura, como em proteção.

'E vamos ser honestos. O pai dela me mete medo até mesmo hoje.' Jane adicionou num murmurio e Alex e Annabelle riram.

'Ele ainda não sabe que fui eu.' Maura confessou. 'Eu disse apenas que precisava muito ir no banheiro - o que não era mentira nenhuma naquele momento.'

Dessa vez todos riram, e Jane sentiu uma necessidade imensa de abraçá-la e beijar sua bochecha. Maura deveria ter sido a criança mais fofa de todos os tempos.

'Sua mãe estava me contando como vocês estão se dando bem agora, Maura.' Alex ainda se referia ao pai dela.

Ela abaixou a cabeça e depois balançou-a em sim. 'Nós estamos. Esclarecemos algumas coisas e... Estamos bem.' Ela sorriu para o homem - ela tinha que erguer a cabeça para poder encará-lo, tão mais alto ele era.

'Isso é ótimo. Eu fico realmente feliz que você esteja bem, Macaquinha.' Ele beijou a testa da loira. 'Soa estranho se eu disser que olho para você e ainda te vejo com cinco anos?'

Maura balançou a cabeça em ponderação, mas antes que pudesse responder a voz de Annabelle cortou o ar. 'Você quer dizer por causa da altura?'

Maura arfou e virou o rosto para ela. 'Eu não sou baixinha, eu tenho quase um metro e setenta!' Ela se defendeu.

'Bem, se você diz.' A ruiva torceu os lábios de um jeito que fez Jane rir. Maura parecia inconformada com o insulto que recebera.

Jane estava começando a entender como aquele trio funcionava: Maura era a mais nova ali. Alex era quem a protegia, e Annabelle quem provocava. Eles eram engraçados juntos, e Jane desconfiou que, apesar das provocações da ruiva, em momentos de crise Maura poderia contar com o apoio dela também. Exceto que essas pessoas moravam a um oceano de distância. O incômodo que a morena sentia por ver Maura nos braços do homem diminuíra consideravelmente. Ela não tinha razões para se preocupar com ele, tinha? Quer dizer, eles pareciam bem unidos, mas apenas como amigos de longa data. Maura nunca havia tocado em seu nome, mas... Jane franziu o cenho - ela nunca tinha falado de Ian também. Lá estava, o ciúmes mais uma vez. Ela não sabia nada de Alex. Apenas seu nome e mais ou menos sua idade. Ela usou o silêncio seguinte como uma deixa.

'Alex, com o que você trabalha?' Ela esperou que a pergunta não soasse muito estúpida. Talvez ele fosse rico também, talvez não precisasse trabalhar.

'Bem, eu sou um... Diretor. E biólogo. Tenho PhD em biologia marinha.'

'Oh. Isso é interessante.' Ela disse.

'Jane, nós já vimos alguns dos documentários dele na Discovery Channel.' Maura adicionou.

A morena arregalou os olhos e se virou para ele. 'Sério? Isso é impressionante! Eu não sabia que você era famoso.'

Ele riu com a reação dela. 'Eu não sou, acredite. Só acontece de eu trabalhar para um canal de TV. Na verdade, acabo vendendo edições e meus próprios documentários. Não é nada grandioso.'

'Oh, mas é.' Maura disse e levantou um dedo para fazer uma observação. 'Ele é modesto. Ele já registrou cinco espécies novas, o que é bastante.'

'Foi um lance de sorte.' Ele balançou a cabeça para dispensar o elogio.

'Não se diminua!' Maura advertiu e ele acabou por dar de ombros, sorrindo para Jane e acariciando o braço de Maura como se tivesse dizendo: bem, ela é quem manda.

'Parece importante para mim.' A morena acrescentou e sorriu educadamente. Ela, por algum motivo que não sabia ao certo, queria Maura ao seu lado. Ela poderia estar sendo egoísta, afinal de contas eles eram amigos e não se viam por anos, e agora que estavam ali ela queria afastar Maura dele, e bem... ela nem tinha direito de se sentir assim. Incomodada com o pensamento, ela respirou fundo e tentou o melhor sorriso. 'E é interessante de qualquer forma, Alex. Bem, eu preciso de mais vinho. Eu volto em um minuto.' Ela se apressou para se retirar, mas Maura segurou seu braço.

'Tudo bem, Jane, eu posso fazer isso para você.' Ela retirou a taça da mão da morena e se virou para os outros dois. 'Mais alguém?'

Annabelle entregou sua taça para a loira e Alex agradeceu com um aceno de mão. Em seguida, Maura se retirou com um pedido de licença e Jane se voltou para os dois.

'Bem, vocês tem bastante histórias juntos.' Ela sorriu amigavelmente. Embora estivesse enciumada por conta disso, era bom ver que de fato a médica tinha tido seus bons momentos quando criança.

'Nós temos! Bem, nessa altura da minha vida eu acredito que você e ela tem muito mais do que nós. Maura me escreve e-mails as vezes, ela me conta sobre algumas situações pelas quais vocês passam.'

'É mesmo?' Jane sorriu, imaginando Maura digitando um e-mail para alguém a quilômetros de distância. Parecia mais um registro pessoal do que uma troca de correspondências - cartas eram tão mais pessoal. Ainda assim, ela viu o gesto como sendo meigo.

'Sim. Alguns são leves e engraçados, mas outros me deixaram preocupados. Essa história com o serial killer e, bem... os pais biológicos.' Ele encolheu os ombros e olhou ao redor, como se conferindo de que ninguém mais estivesse ouvindo. 'Ela já tem drama demais para lidar com os Isles, se você quer saber.'

Jane concordou com a cabeça. 'É, ela tem.' Ela fez um bico inconscientemente, enquanto pensava.

'Ela me disse que agora tem uma irmã.' Annabelle murmurou.

'Tem sim. E você vai se surpreender, mas elas se dão muito bem juntas.' Jane riu se lembrando da relação um tanto turbulenta mas amorosa entre as duas.

'Não foi tão ruim assim, eu suponho.' A ruiva devolveu.

Jane deu de ombros. 'Apesar de tudo, eu acho que foi importante ela enfrentar toda aquela situação. Ela finalmente sabe quem a gerou e... Bem, nem tudo pode ser perfeito, e talvez não tenha sido o que ela esperava, mas agora ela sabe, e é o que importa.'

'Oh, eu concordo!' Alex disse.

'Concorda com o que?' Maura chegou de repente, segurando duas taças de vinho na mão.

'De que você...' Jane começou enquanto tirava as duas taças das mãos da médica e entregava uma para Annabelle. 'Não deveria beber tanto de uma vez só, Maura!' Ela fingiu estar indignada, arrancando uma risadinha da médica.

'Onde está sua taça, Maura?' Annabelle perguntou antes de bebericar o vinho.

'Eu não estou bebendo hoje.' A loira respondeu naturalmente e lançou um olhar para Jane.

A morena soube imediatamente que ela precisava de assistência. Jane passou um braço em sua cintura e a abraçou antes de falar. 'Maura aqui perdeu uma aposta comigo. E eis o seu castigo: sem vinho e champanhe por um mês!'

Annabelle arfou em horror. 'Não me diga que você vai passar o Ano Novo sem champanhe, Maura! O que você estava pensando? Eu tão pouco sabia que você tinha começado a fazer apostas!' Ela exclamou em completo choque.

Jane riu e balançou a mão. 'Não se preocupe. Não foi nada demais. Era apenas algo relacionado a minha habilidade de manter meu carro limpo por um tempo.' Ela mentiu.

Annabelle levou a mão ao peito, como se estivesse mais aliviada agora. Alex, entretanto, não pareceu comprar muito a história. Ele sorria calmamente, mas estudava Maura e o modo como Jane a segurava.

A loira encolheu os ombros e abaixou a cabeça. 'Bem, uma aposta é uma aposta. E eu perdi. E acreditem, Jane pode ficar insuportável se eu ignorar minha dívida.' Ela levou a mão na barriga da morena e riu suavemente.

Uma música suave e alegre tocada ao piano encheu o ar. Jane virou a cabeça para ver que era Arthur quem tocava o instrumento. Ela apertou a cintura da loira para chamar sua atenção e quando Maura ergueu a cabeça para olhá-la, ela indicou o homem. 'Uau, seu pai toca realmente bem.'

Maura se virou - mas se manteve encostada em Jane - e passou a observá-lo. 'Bem, hoje parece ser uma noite atípica. Ele dificilmente toca em público, mesmo para a família.' Ela cruzou as mãos na frente do corpo e o quarteto passou a observar silenciosamente o homem.

Talvez aquilo indicasse alguma mudança no período de suas vidas? Como um bom presságio? Jane chacoalhou o pensamento e passou a mão para a barriga da loira. Maura agora estava a sua frente, mas com as costas apoiadas em seu corpo. O gesto poderia significar posse, mas ela não se importou - antes nos braços dela, do que nos de Alex. Sim, ela sabia que estava sendo ridícula e infantil, mas e daí? Ela queria Maura ali, e a julgar pelo modo como a loira estava relaxada e se apoiando em Jane, a morena não duvidava de que a médica queria o mesmo.

...

'Bem, foi uma noite longa.' Jane suspirou ao entrar ao quarto. Maura estava logo atrás, sorridente.

'Nem me fale. Confesso que estava com saudades de rever meus familiares, mas nesse ponto do dia tudo o que consigo pensar é em dormir.' Ela fez uma careta, se perguntando se o que tinha acabado de dizer a fazia parecer tão velha.

Jane riu consigo mesma ao olhar pela janela, vendo a torre Eiffel toda iluminada. 'Seu primo Larry é realmente engraçado. Eu não sabia que alguém da sua família pudesse contar piadas tão boas.' A morena colocou as mãos nos bolsos da calça jeans. Ela estava vestida casualmente. Jeans azul, tênis e uma camiseta de manga comprida, grossa o suficiente para mantê-la aquecida. O cabelo estava solto, rebelde como sempre.

Maura franziu o nariz e beliscou o braço da morena. 'Eu sei boas piadas também, mas você nunca entende.'

'Ah, certo. Suas piadas nerds? Não. Não são nada engraçadas.' Ela retrucou e lançou um olhar para Maura. A loira usava um vestido grosso de inverno, vermelho. Ele emoldurava os seios mas se abria da cintura para baixo e acabava a um palmo acima do joelho de modo que escondia o restante de suas curvas. Escondia sua pequena barriga.

Ela estivera preocupada a noite inteira com o fato de alguém lhe perguntar por que havia escolhido um traje tão distinto dos que costumava usar. Felizmente, nenhum comentário fora feito a esse respeito. Nem mesmo sua mãe se incomodara com a escolha. Não é que fosse um vestido feio, pelo contrário: era lindo. É só que não fazia muito o seu tipo. Cansada, ela tirou a bota e andou apenas com a meia preta no chão. Parou ao lado de Jane e sorriu ao encarar a torre.

'Ela é linda, não é?'

'É, é sim.' Ela sorriu para Maura e observou enquanto os olhos claros se iluminavam com algo novo.

A loira colocou a mão na janela fria, como se pudesse acariciar a imagem da torre por ela. 'Eu nunca me canso de vê-la.'

Jane sorriu com o gesto da mulher. Ela carregava um ar de nostalgia nos olhos, como se já tivesse vivido momentos inesquecíveis ali em Paris, os quais sentia falta. Ela estreitou os olhos e disse em desconfiança. 'Eu corro o risco de voltar para Boston sem você? Quer dizer, dá pra notar o quanto você ama aqui.'

'O que? Não!' Ela balançou a cabeça veementemente. 'Boston tem muito mais a me oferecer.' Ela sorriu docemente e empurrou Jane com seu ombro, o gesto tirando um sorriso ainda maior da morena.

'Claro. A gente sempre pode comprar um pinheiro e enfeitá-lo com pisca-pisca. Fica meio parecido. O que você acha?' Jane ofereceu e Maura riu com a comparação. Era quase ridícula.

'Ou... Nós podemos sempre voltar aqui.' Ela fez a contra oferta.

'Perfeito. Nós podemos trazer o neto, ou neta, dos seus pais aqui.' Jane disse sem nenhum sarcasmo na voz. Maura abriu a boca e olhou para trás, se certificando de que não havia ninguém passando pelos corredores já que ela tinha deixado a porta entreaberta.

'Jane! Eu estive evitando o assunto a noite toda! Você não pode simplesmente despejar essas palavras assim.' Ela a repreendeu num sussurrou.

'Só estamos nós aqui. Nós três.' Ela adicionou a última parte em desafio, e Maura revirou os olhos.

Depois disso, elas se encararam por um tempo e começaram a rir em volume baixo, como duas adolescentes escondendo um segredo.

'Eu vou dar a notícia para eles. De um jeito apropriado.' Maura disse depois de se recompor. 'Agora, preciso tirar essa roupa e me deitar.' Ela anunciou, se virando e agarrando o pijama de seda que tinha dobrado e colocado cuidadosamente em cima da cama. A morena apenas concordou com a loira e voltou a encarar a torre.

Realmente, ela era linda. Ela de repente se lembrou do olhar de Maura e se sentiu enciumada. Ela não sabia de todas as histórias da loira ali, mas desejou que a médica, algum dia, demonstrasse o mesmo tipo de emoção só que quando pensasse nela. Parecia ridículo, egoísta, mas ela queria que os pensamentos de Maura estivessem voltados para ela. Ela sabia o que era aquilo, e ela já nem se importava. Ela queria dizer para Maura o quão linda ela era, e que o brilho da torre naquele momento nem se comparava ao dela. Jane riu em silêncio com o pensamento. Era meloso demais, nem combinava com seu caráter. Ainda assim, era como ela se sentia no momento, e ela estava cansada de negar aquilo.

Ela se virou para a porta do banheiro quando escutou Maura amaldiçoar algo.

'O que foi, Maur?' Ela perguntou pacientemente.

A loira abriu a porta e apontou para o pijama arruinado. 'Derrubei pasta de dente, e quando fui tentar impedir a rota até mim, piorei tudo! Que desastre.' Ela suspirou, parecendo irritada.

Jane nem se comoveu. 'Apenas pegue outro.'

'Eu não tenho outro!' Ela rebateu, e quando Jane lançou um olhar de questionamento, ela adicionou. 'Quer dizer, eu tenho, mas eu não queria passar pelo transtorno de desfazer toda minha mala agora. Eu estou exausta!' Ela reclamou, e embora tivesse acabado de dizer que não queria vasculhar a mala, era exatamente o que estava fazendo.

'Ok, ok.' Jane se aproximou dela e fechou a mala com a mão. 'Aqui, vista isso.' Ela pegou a camiseta que iria dormir e entregou para a loira.

Maura estudou o material e depois olhou para Jane.

'O que? É algodão, você mesma disse que ajuda a pele a respirar.' Jane pressionou.

'Tudo bem.' Sem muita insistência, a loira se encaminhou para o banheiro e minutos depois ela estava no quarto de novo.

A camiseta velha marcava perfeitamente as curvas dos seios e Jane se forçou a desviar os olhos, fazendo uma nota mental de que ela mesma não usaria aquilo nunca mais para dormir, ainda mais na presença de Maura. A loira puxou o cabelo para fora da roupa com as duas mãos, e as ondas caíram em cascata sobre seus ombros. Ela abriu um sorriso tímido para Jane e a morena sorriu de volta.

'É até confortável.' A médica disse.

'É claro que é.' A detetive rebateu e não pôde deixar de lançar os olhos para a camiseta depois de ter sido mencionada. Dessa vez, o olhar recaiu sobre a barriga de Maura, e Jane não conseguiu evitar o sorriso nos lábios. 'Quer saber? Boa escolha aquele vestido dessa noite. Você está inegavelmente grávida.' Ela deslizou a mão pela barriga da outra. Maura estava entrando no terceiro mês, e a pequena barriga agora já denunciava seu estado - apenas se alguém prestasse bem atenção. Ou... 'Ou talvez você só esteja gorda.'

A dor do tapa não foi nada comparada à sua risada. 'Isso não é gordura.' Maura pressionou a mão de Jane em seu abdômen para provar seu ponto.

A mão da morena estava de fato tocando a pele macia de Maura. O inchaço da barriga não era, de forma alguma, gordura. Jane se atreveu e depositou a outra mão sobre a barriga da outra, e carinhosamente massageou o lugar. Ela não queria remover as mãos dali, mas ela também não queria que ficasse estranho. 'É definitivamente um bebê.' Ela sorriu e encarou Maura.

E esse tinha sido seu erro.

Os olhos da loira brilhavam como nunca, e a mulher respirava lentamente - pesadamente. E agora Jane não conseguia se mover: não conseguia afastar as mãos dela, não conseguia deixar de encará-la. Num gesto que pareceu levar a eternidade para se realizar, ela afastou com uma mão o cabelo da outra, e seus dedos passearam por seu rosto, até se esconderem em seu nuca. Ela se inclinou lentamente para frente, certa de que interpretara tão claramente a vontade de Maura... e num beijo quase inocente, colou seus lábios com os da médica.

Lentamente, quase dolorosamente, Maura correspondeu ao toque. Seus lábios se pressionaram contra os de Jane, e a morena jurou que aqueles eram os lábios mais macios e doces de todo o mundo. Quando Jane deslizou a ponta de sua língua entre os lábios da médica, ela abriu gentilmente a boca, garantindo livre acesso à morena. E então suas línguas se tocaram. As mãos de Maura apertaram a cintura da detetive, e o beijo se intensificou em segundos. Era lento, mas cheio de vontade. Durava por uma vida inteira, e nada mais era significante no universo.

Até que, com uma arfada, Maura empurrou Jane. 'Não.' Ela disse respirando pesado, os olhos assustados. 'Você não pode fazer isso, Jane!'

Jane pareceu tão assustada quanto a loira. O que ela tinha feito? E por que Maura tinha a afastado se por um minuto ela retribuiu o beijo? Talvez Jane tivesse imaginado aquilo, a julgar pelo olhar perdido da loira. Ela quis se esconder. O que diabos ela tinha feito? Com a própria respiração pesada, ela tentou acalmar a outra. 'Maura, eu sinto muito. Eu deveria...'

'Você está confundindo as coisas, Jane.' Ela acusou, os olhos marejados. Ela não queria se machucar, não queria machucá-la.

'Eu não estou.' Jane rebateu, mas Maura balançou a cabeça furiosamente.

'Você está. É essa cidade. Essa viagem. Nós temos uma vida em Boston. E não é essa, não é isso.' Maura gesticulou com a mão, se referindo ao lugar.

Jane quase se sobressaltou. Ela estava certa do que estava sentindo. O único problema é que ela tinha chateado Maura. Extremamente, pelo visto. Ela balançou a cabeça, aturdida. Ela tinha estragado tudo. Maura estava à beira das lágrimas por culpa dela. Ela poderia dizer que estava arrependida, mas um pedido de desculpas não mudaria nada, não voltaria o tempo e apagaria seu erro... Maura já sabia de seus sentimentos. O que aconteceria agora? Tomando pela reação da loira, as coisas não poderiam voltar a ser como antes, poderiam? Como Maura admitiria que ela ficasse ao seu lado, criasse aquele bebê com ela sabendo dos sentimentos que moravam em baixo de sua pele? Ela claramente tinha negado a proximidade de Jane.

'Eu preciso de ar.' A morena disse, se sentindo sufocada com seus pensamentos. Ela mesma estava a beira das lágrimas. Ela saiu do quarto sem esperar pela resposta da outra, sem nem mesmo olhar para trás.

'Jane.' Maura tentou impedi-la, mas já era tarde demais. Um soluço escapou de seus lábios e ela levou a mão até a boca, os lábios ainda úmidos pelo beijo da morena. Era assim que acabaria sua noite? Era assim que acabariam seus dias de paz, mais uma vez? O que diabos Jane estava pensando ao beijá-la desse jeito? Em tirar sua segurança, fazê-la pisar fora de sua zona de conforto? Elas estavam bem, até então... O que sobraria depois disso? As lágrimas caiam livremente de seus olhos, e Maura queria gritar para a noite, dizer para o mundo o quão injusto ele estava sendo fazendo-a pagar por pecados que não eram dela. Ela estava tão assustada. O contraste de sentimentos trocados de um minuto para o outro só a fazia se sentir pior.

A voz de sua mãe foi o que a tirou do transe. A mulher vinha falando com ela desde o corredor, antes mesmo de se fazer presente.

'Maura, querida, você sabe me dizer o que aconteceu? Jane saiu daqui feito um furacão...' A mulher parou na porta, pega de surpresa pela figura de Maura chorando.

Já não havia mais o que esconder. Nada mais. Ela estava exposta e vulnerável.

As palavras que deixaram a boca da loira não fizeram nada, senão adicionar mais confusão à curiosidade de Constance.

'Eu estou grávida e Jane me beijou.'


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Notas finais do capítulo

Era isso que vocês estavam esperando? =P