A competição estava no fim. Vários outros convidados deixaram o que estavam fazendo e se dirigiram até a sala reservada para o jogo de Just Dance. Era hora da disputa final e os jogadores disputariam com Astrid o primeiro lugar da pontuação. Timber Merida conhecia muito bem. A música era comum a todos que jogassem Just Dance, e Merida era jogadora a bastante tempo. Não era particularmente difícil, mas por ser em dupla exigia sintonia. E apesar do fato deJack e Merida não serem assim tão conectados, os gêmeos conseguiam ser muito, muito piores.

Por mais repetitivos e simples que fossem os movimentos, os dois sempre acabavam por se trombar ou pisar nos pés um do outro, e houve um momento, logo antes do fim, em que Cabeça Quente sentiu um pisão proposital no pé direito e se esqueceu totalmente do jogo, dedicando-se a socar o irmão, que respondeu com um empurrão e um chute na canela. Logo estavam se agarrando em uma confusão de pernas, mordidas, braços e puxões de cabelo frenéticos, e o jogo teve que parar para que os outros convidados tivessem que contê-los.

Merida e Jack, apesar de não serem tão próximos um do outro, saíram-se bastante bem, com uma pontuação que garantia a final. Ela manteve os olhos arregalados nos gêmeos, até que fossem separados como gatos brigando dentro de um saco.

— Sabe... Eu pensava que eu te odiasse. – Merida comentou, sem tirar os olhos dos dois – Mas vendo esses dois já não tenho tanta certeza.

— Eu não te odeio. -  Jack confessou baixinho, desviando o olhar para ela. – Você é... Irritante, impulsiva, esquentada e orgulhosa, mas apesar de tudo isso, eu não te odeio.

Merida piscou, surpresa com a confissão repentina.

— Bem, obrigada por tantos elogios! Que bom saber que a sua opinião sobre mim é tão positiva. - As palavras saíram antes que ela percebesse (ou quisesse) – Eu também não te odeio. É mais fácil agora... Talvez...

Rapunzel veio correndo na direção deles, e tudo o que tivesse dito para Jack foi esquecido quando ele a viu.

— Vocês vão ficar aí parados? Somos nós! – Ela deu um gritinho eufórico. – Nós e a Astrid!!

Jack e Merida se entreolharam, percebendo que não tinham ouvido Soluço anunciar a próxima música e os jogadores.

—Qual é mesmo a música? – Merida perguntou, distraída – Acho que não estava prestando atenção.

— Bad Romance. – Rapunzel respondeu, ansiosa.

 Astrid andou até eles, posicionando-se na frente do kinect. Os quatro seriam os primeiros a dançar uma música que a aniversariante quisesse, ou seja, uma das que Astrid mais gostava. Era o momento que ela estava esperando desde o inicio da festa, o momento que ela mostraria que era a melhor dançarina dali. O momento que provaria seu valor no meio dos convidados.

— Soluço me disse que você é uma ótima jogadora. – Merida comentou, ao lado dela.

— Soluço está certo. – Astrid confirmou, e estranhamente não pareceu nem um pouco arrogante ao dizer isso. – Mas pelo que eu vi você também não joga nada mal. Seu irmão e a menina dos olhos dele deram sorte, então com certeza no final seremos só nós duas.

Merida franziu a testa pelo modo como Astrid falou. Jack e Rapunzel não tiveram sorte. Jogaram bem porque eram ágeis e rápidos em se adaptar.

— Veremos, veremos. – Merida devolveu, ciente do olhar preocupado que Soluço dedicava as duas.

— Estão prontos? – Astrid perguntou, após selecionar a música e se virar para os outros.

Merida assentiu, confiante que mais uma vez passaria para a próxima fase da disputa. Rapunzel irradiava ansiedade e alegria ao mesmo tempo, querendo que a música começasse logo acabando com aquela vontade enlouquecida de continuar. Jack aparentava estar indiferente a aquela situação mas todos podiam sentir o ar de nervosismo que o rodeava. Era óbvio que só queria impressionar Rapunzel. Percebendo a situação dos demais a garota loira deu um pequeno sorriso e se posicionou para dançar.

A música começou e Merida logo reconheceu a voz grave de Lady Gaga. Era uma das diversas coreografias que ela mais dançava quando estava jogando o videogame. Infelizmente, como Merida descobriu, Astrid estava certa. Jack e Punzie se esforçaram bastante, mas Astrid... Aquilo era  tão natural para ela quanto respirar.

Merida se perguntou se mesmo ela conseguiria alcançar aquele ritmo. Conforme a música se passava era óbvio que aquela não era uma disputa entre quatro participantes, mas entre Astrid e ela.

Franziu a testa e quando percebeu que havia chegado na sua parte favorita da música esqueceu-se de todos a sua volta. Olhou para onde os pontos eram marcados e viu que Astrid estava pouquíssimos pontos á sua frente. 

A música invadia os ouvidos e contagiava a maior parte dos convidados que assistiam a disputa, fazendo o clima em volta do circulo esquentar cada vez mais até a música escolhida acabar com os jogadores cansados no chão. Bad Romance terminou com cinco estrelas para Astrid e Merida.  Rapunzel Tinha quatro estrelas  e Jack mal havia conseguido três. Estava visivelmente sem prática.

Jack pareceu mais do que feliz em se livrar daquela competição maluca e Rapunzel estava um pouco decepcionada, mas feliz por ter participado.

— Parabéns Merida! – Rapunzel exclamou se levantando do chão.

As pessoas gritavam loucamente. Nenhuma das finais de Just Dance de Astrid tinha terminado em empate. Tudo o que Merida conseguiu fazer foi olhar para a tela, visualizando as estrelas e a pontuação idênticas as de Astrid. Levou alguns segundos para que ela entendesse o que aquilo significava, e quando entendeu a euforia tomou conta dela. Ela gritou, abraçou Rapunzel e pulou com ela, tudo ao mesmo tempo. As duas gritavam e pulavam abraçadas juntas, desfazendo a trança precária de Merida. Com um pouco de esforço, as duas se soltaram, e uma multidão veio parabenizar Merida, pulando e gritando com ela.

No meio da confusão Merida viu Soluço de relance e pulou nele, quase derrubando-o no processo. Ele a abraçou sorrindo, mas Merida estava completamente eufórica. Num impulso louco e repentino, encaixou seus lábios nos dele, assim, sem dizer nenhuma palavra. Soluço pareceu um pouco surpreso no início, mas mesmo no meio daquela bagunça, daquele barulho infernal que só aumentava, ele conseguiu se concentrar apenas nela, ignorando toda a baderna ao redor deles. De vez em quando alguém esbarrava nos dois, empurrando-os de leve, mas nem isso foi o suficiente para interrompê-los.

No fim, Merida interrompeu o beijo, ansiosa demais por ar para continuar. Ela estava corada e deu um sorrisinho tímido, como se soubesse que tinha passado do limite, mas não se arrependesse nem um pouco disso.

Alguém ligou a música outra vez, e as pessoas foram se dispersando para dançar. Merida olhou ao redor e procurou Rapunzel em meio a multidão um pouco confusa quando viu a expressão da amiga encarando o celular á sua frente. Acompanhou-a com os olhos e observou o comportamento preocupado de Rapunzel enquanto ela vinha em sua direção. Jack, é claro, vinha logo atrás, e parecia tenso.

— Hã... pessoal. – Rapunzel chamou, mas a música estava muito alta e ninguém ouviu nada.

— O quê você disse? – Berrou Merida, mas ela mal conseguiu ouvir o som da própria voz no meio daquela bagunça.

Mais do que depressa, Jack puxou Merida e Rapunzel pela mão, levando-as para o quase silencio da calçada lá fora.  

— Eu preciso ir embora. – Punzie disse, virando-se na direção deles. – Minha tia ligou e está voltando mais cedo para casa.

—Já vai? Mas está tão cedo ainda. – Jack disse olhando para ela, parecendo decepcionado.

Ela apenas levantou o celular em sua mão fazendo Soluço entender o recado. Gothel. Certamente já havia ligado para a garota para saber como estava “a pesquisa” na biblioteca com o garoto. Subitamente o telefone começou a vibrar, recebendo outra ligação. O horror pareceu atravessar o olhar de Rapunzel novamente e Merida conseguiu notar isso ao segundo toque.

— O problema é que o pai do Soluço tinha planejado buscar a gente mais tarde e está fora da cidade. E a parada de ônibus mais próxima fica a uma eternidade de distancia. – Punzie explicou, nervosa.

— Eu tenho a solução. Vamos chamar um táxi. – Merida disse, e todos assentiram.

— Podemos dividir a conta depois. – Jack explicou.

Os olhos de Rapunzel se encheram de lágrimas e ela estava grata por eles não fazerem perguntas, nem desdenharem seu desespero para estar em casa antes da tia.

— Vocês sabem que eu adoraria ficar mais com vocês. – disse guardando o celular e olhando para eles. – Me desculpem.

— Não se preocupe. Entendemos você. – assegurou Jack, olhando Merida falar ao celular, indicando o endereço em que estavam.

Não muito depois o carro chegou, e todos entraram com Rapunzel. Ninguém mais tinha clima para festa nenhuma. Ficaram em silencio o resto do caminho e em menos de nada já estavam na esquina da enorme mansão. Merida pediu para o taxista aguardar um pouco, e desceu com eles.

O celular tocou de novo e Rapunzel se adiantou em dar um abraço em cada um dos amigos. Olhou para Jack uma última vez e acenou para os outros, indo para a saída.

— Nos vemos na escola. – se despediu, caminhando para sua casa. 

Jack ficou olhando ela fechar o portão e sem desviar os olhos para a irmã falou, em um tom sério.

— Não demore. Não quero ter que vir aqui com um desentupidor de pia para separar vocês dois.

— Boa noite, Jack. – Soluço disse, e era óbvio que estava dispensando o amigo.

Jack seguiu para o táxi, andando devagar com as mãos nos bolsos e um ar descontraído. Quando ele estava a uma distância razoável, Merida falou, parecendo completamente sem graça.

— Sobre hoje... Eu queria pedir desculpas, por... você sabe...- Ela gaguejou, se assustando quando Soluço a puxou pela mão e a beijou de novo.

Dessa vez foi muito, muito melhor. Não havia ninguém em volta deles, apenas um ou outro vagalume ocasional, e latidos de cachorro ao longe, muito distantes. A mão de Soluço deslizou para a nuca de Merida e ela deixou sair um suspiro fraco quando ele interrompeu o beijo.

— Eu estava esperando por isso há muito tempo. – Soluço confessou, com um sorriso, garantindo que não havia nada pelo quê se desculpar, muito pelo contrário.

— Eu também. – Ela admitiu, contente por ter tomado a iniciativa. – Nesse caso, eu retiro as minhas desculpas. Quis mesmo fazer aquilo. E não me arrependo.

Como se conscientes do mundo que os cercava, eles ouviram o escândalo que Banguela fazia do outro lado do quarteirão, claramente ciente da presença de Soluço nas proximidades.

Soluço revirou os olhos e pegou a mão dela, deixando um beijinho leve nas costas da mão de Merida. A pele formigou com o contato, e ela sorriu, corando.

— Preciso ir, ou ele vai colocar a porta abaixo. Ele já fez isso uma vez. Um dia, eu te conto a história. Nos vemos na escola?

— Na verdade, Soluço, precisamos conversar um pouco antes disso. Você está livre amanhã? – ela perguntou, séria.

— Isso é um convite para um encontro? – ele brincou, mas vendo que a expressão dela não se alterou, ficou sério também. – Sobre o quê você quer falar?

— Quero que me conte tudo o que sabe sobre a família de Rapunzel. – Ela pediu, determinada. Estava farta de segredos e meias verdades. Tinha que lutar contra aquela situação. Não ia mais simplesmente ficar assistindo. - Eu conheço um lugar, de uma amiga da minha mãe. Tudo bem para você almoçar comigo?

— Claro. Sem problemas. Precisamos mesmo falar sobre isso. – Você me passa o endereço mais tarde?

Merida assentiu, inclinou-se e deixou um selinho nos lábios dele.

Soluço sorriu, acenando enquanto ela corria, e enfiou as mãos nos bolsos enquanto a olhava entrar no táxi, e Jack mexer com ela.

— Já era hora. – Jack brincou. – Vamos para casa?

Merida assentiu, satisfeita.