The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 53
Capítulo 53 - Regente


Notas iniciais do capítulo

Olá, aqui é a Meell (Lady Savoy) e estou postando o capítulo que eu fiz junto com a Sofi (Ravena). Boa leitura.



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Regente

“Em nossas loucas tentativas, renunciamos ao que somos pelo que esperamos ser”. – William Shakespeare

A New Dawn Awaits

 

Despertou lentamente, primeiro com consciência de estar deitado, depois se virando na cama, pensando em dormir mais um pouco. Sentiu a nuca molhada, a vontade de ir ao banheiro e notou que o travesseiro também estava molhado de suor. Levantou-se, escorregando o corpo para fora da cama. Nunca se sentiu tão grande ou tão pesado, sempre achara ser um homem de estatura comum para Overath, mas de repente até mesmo os ombros largos pesavam. As persianas estavam abertas e uma brisa quente entrava, anunciando a primavera. Ah, não havia neve nos jardins e nos campos, de onde ele podia ver. Caminhou lentamente até a sacada, observando atentamente a cidade logo abaixo. Sua cidadezinha, terra de gente boa, de sorriso no rosto. Seu povo. O lugar para o qual tinha nascido para cuidar, proteger, amar. Fora criado para aquilo, sabia o que deveria fazer pelo povo, como sua vida importava apenas para protegê-los. Esse era o papel do rei. E queria criar seus filhos para isto também.

William segurou o parapeito com ambas as mãos.

Conrad morreu no meio do caminho, seria um ótimo monarca, saberia cuidar de seu povo, ele aprendia rápido e amava ser o protetor de milhares de pessoas, amava cuidar delas. Nunca recusou sua herança, não a achava um fardo, como a maioria dos príncipes pensava. Mas ele foi ceifado pela mão férrea da morte e lá estava ele, sem herdeiros. Não... Não era como se Conrad fosse sua única semente no mundo. Havia Gretel... Ah, doce Gretel... se quisesse, podia ouvir sua voz cantando as cantigas antigas de Overath, ou rindo de um bobo da corte qualquer. Ela o obrigava a trazer qualquer menestrel que aparecesse no reino, qualquer trupe de bobos ou músicos, ela os amava. Mas Gretel não podia comandar um reino, ela era mulher, e era uma garotinha.

E está morta.

William caiu de joelhos, sentindo o peito se esvaziar. Frio. Congelava lá fora, e de repente as colinas estavam cobertas de neve e o rio estava congelado. Suas roupas balançavam contra o vento e seus dentes batiam, ossos tremendo e congelando. Como não viu isso antes? Uma dor pontuda perfurou seu crânio, seus miolos explodindo a medida que o calor lhe cobria toda a face e as orelhas. Parecia que o sangue borbulharia pelos ouvidos a qualquer instante.

— Pai? – Hannelore entrou no quarto e olhou confusa para a cama vazia. Em seguida sentiu o vento frio vindo da sacada aberta e então viu o rei, prostrado, abraçando-se. – Pai!

Correu até ele e segurou-o pelos braços, tentando em vão colocá-lo de pé. Tirou a manta que cobria seus ombros e envolveu Willian com ela, enquanto tentava convencê-lo a se levantar. Mas a dor era tão forte! Ela fazia seus ossos derreterem, queria gritar, pedir ajuda, não queria morrer carbonizado! Deus, nos altíssimos céus, livre-me desta fúria do maléfico!

— Hartwig! Me ajude! – ela gritou ao primeiro ministro que passava em frente a porta do quarto. O homem encarou a cena e correu para ajudá-la, levantando Willian pelos ombros e ela pelos calcanhares. Juntos, carregaram o rei até sua cama real e o cobriram com sua coberta real. – Muito obrigada – disse ofegante.

— Mas como ele...

— Eu não sei, apenas o encontrei no chão, de joelhos. Ele não me diz uma palavra sequer, apenas fica... encarando com esses olhos esbugalhados e a boca aberta. O que há? Você acha que... a febre lhe deu alucinações, talvez?

— Não seria incomum – concordou o primeiro ministro, tocando o rosto de Willian.

Doce Gretel... doce Regina... Cristina... os nomes enchiam suas memórias. Sorrisos. Cheiros. Sons. Eram doces. Doçura da vida passada. Doçura de tempos que jamais voltariam. Queria ter elogiado mais Conrad ao invés de apontar suas falhas, o rapaz era um ótimo aluno, e ele um professor exigente demais. Ah, como queria ter lançado sua filhinha para cima, enquanto caiam em uma cama qualquer para ele lhe contar histórias antes de ir dormir, ao invés de deixá-la aos cuidados de uma ama de leite ou uma criada... ter dado mais amor a Regina, que viveu tão amargurada a sua vida, para morrer tão depressa. E Cristina...! Céus! Por que não a tomou como esposa quando podia? Por que não se casou com ela em alguma catedral de um mosteiro pequeno? Ou uma capela? Por que simplesmente não chamou um padre e fez as cerimônias? Santo Deus, qual foi a tolice que o impediu?

Ah, sim. Viver pelo povo. Ser o rei. Ele amava ser o rei. Cresceu para isso. Viveu sua vida por isso. Engraçado. Todas essas pessoas haviam vivido suas vidas em prol dele, por ele, para que ele fosse o rei, e para que ele fizesse um rei. E mesmo assim... de que valia ser rei? De que valia sua filha ser assassinada por um reino inimigo? Que valia seu herdeiro viver a pequena vida tentando satisfazer as exigências do pai, ao invés de simplesmente ser uma criança como tanto queria? Ser rei valia a pena estragar a vida de uma mulher que só queria ser amada? Valia perder o amor de sua vida? Hannelore.

— Estou com medo, Hart... Senhor primeiro ministro. – Hannelore lembrou-se do título.  – E se não for somente uma febre? E se ele... estiver doente?

— Seu pai é mais forte do que parece. Era o melhor guerreiro do reino e suportou mais febres do que se pode contar. Ele enfrentou os desertos africanos e a frieza da Escandinávia.

Pelos céus, ele tinha Hannelore.  Sua vida de rei não admitia Hannelore, e mesmo assim ele a tinha. Não. Havia valido. Tinha de ter valido!

— Deus, piedoso, por favor, que não seja nada! – ela exclamou, segurando as cobertas com força. – Vivo dezoito anos órfã para descobrir que tenho um pai e então ele adoece? Que fortuna é esta? Por que não posso desfrutar de nenhuma alegria em minha vida? – e então abaixou a cabeça, soluçando.

— Criança...

— Pai! – ela se ajoelhou, segurando a mão do rei. – Pai, por favor, fale alguma coisa!

— Minha criança...

— Sim – as lágrimas escaparam de seus olhos – eu sou. Pai...

— Eu vou ficar bem. – sorriu, por mais que isso lhe custasse um grande esforço contra a dor e a vontade de gritar desesperadamente. Ela também sorriu.

Sim, tinha valido a pena.

º   º   º

Antes de fechar os olhos e adormecer profundamente, seu pai lhe pediu para que cuidasse de tudo, assim como Hannelore já estava pressentindo, de acordo com os sinais que a Corte dava ao vê-la em algum lugar, conversando com as aias ou brincando com alguma criança dos criados. Eles pareciam sussurrar seu desapreço pela princesa herdeira. “Ela precisa logo de um consorte” diziam uns, próximos às paredes, tentando falar baixo para que ela não escutasse, mas escutava. “É apenas uma criança, não poderá nos governar. Onde está Conrad agora?”.

Hannelore sabia que a Corte inteira preferia seu irmão a ela, e que um ano após a morte do príncipe não seria capaz de afastar todas as memórias do rapaz que era tão “bom” em todos os quesitos. Não que sentisse inveja dele, ou estivesse irritada. Hannelore só queria uma chance para provar que podia sim ser uma boa governante, desde que eles tentassem ver quem ela era antes de julgá-la em comparação ao meio-irmão.

Encaminhou-se para seu quarto, onde normalmente conseguia pensar melhor. A torre mais alta do castelo. Hannelore sabia que o peso do título de princesa herdeira exigiria medidas de proteção por ela e pelo reino, mas jamais imaginou que teria dois guardas em frente a sua porta. Entrou e a fechou, um tanto desconfortável com a presença deles. Principalmente porque um era Dunkelheit. O rapaz de pele morena e olhos profundos lhe sorriu de leve, mas Hannelore ignorou. Não sabia mais o que fazer com sua seleção. Estava certa de que Alberich era sua melhor escolha, mas... tudo parecia tão frio. Sua escolha, seu futuro esposo, selecionados. Opções. Era mesmo bom tratar aqueles rapazes como suas opções?

Não tinha que ficar pensando nisso, agora já estava tudo feito, o melhor seria esperar seu pai melhorar e contar-lhe sobre sua escolha, e então o casamento. Ruborizou, sem entender por quê.

— Poderiam me deixar sozinha, por favor? – pediu às criadas, que atenderam ao pedido automaticamente, indo para o quarto de banho, arrumar alguma coisa que não era preciso ser arrumada. Hannelore sentou-se em sua cama e olhou para a janela, um tanto inspirada para filosofar.

Ele não ia morrer.

Deixou a cama e se ajoelhou em frente ao baú que trouxera do convento, que serviu de lar por tantos anos para almas puras. Para quê Rosa havia lhe dado aquilo? Abriu-o, delicadamente, passando os dedos pelos vestidos antigos, que talvez lhe servissem ainda hoje. Havia uma flauta branca com as iniciais C.H. e uma caixinha de madeira com as flores de inverno de Overath desenhadas. Seus olhos perscrutaram o objeto atentamente. Mordeu os lábios, curiosa, abrindo a caixa para encontrar um livro de capa de couro e fechadura. Quando tirou o livro de dentro da caixa, notou que em seu interior havia escrito, com tinta e pena, numa letra muito bonita, os dizeres: “Oder der Abstand, oder die Zeit, oder den Tod“.

— Nem a distância, nem o tempo, nem a morte.

Seus olhos piscaram, curiosos. Tentou abrir o diário, em vão, pois não havia chave para a fechadura. Soltou um suspiro irritado, chamando as criadas.

— Levem até um ferreiro, o mais próximo do castelo, e peçam para que ele abra, mas não leia! Uma de vocês fique e observe seu trabalho, se ele esboçar o menor intuíto de ler as páginas do diário, mande-o vir falar com a princesa. Se preciso, com guardas.

Elas assentiram e sairam rapidamente. Hannelore pensou que aquela era uma medida muito dura, ameaçar uma pessoa com os guardas do palácio, mas era um diário importante. Ela queria ser a única a ler, até que o conteúdo se provasse inocente de qualquer prova incriminadora. Respirou fundo, como se não fosse nada. Ainda tinha um longo dia pela frente.

º    º   º

Hans Zimmer- Kyrie For The Magdalene

Cada minuto parecia uma eternidade no palácio. Os médicos já estavam atendendo ao rei, porém nenhuma noticia boa era dita. Foram feitas diversas tentativas para acordá-lo, pois seu coração ainda batia, todavia chás, aromas fortes, lavar o corpo com água fria... Nada. Hartwig até ousou-se a pegá-lo pelos ombros e começar a chacoalhar, estava desesperado pelo seu amigo, todavia nem isso funcionou. Voltou para seu gabinete particular frustrado, chutou a primeira cadeira que viu e encostou-se á parede, deslizando e sentando-se ao chão com os olhos marejados.

E as palavras do médico ainda atazanava sua mente.

“Vossa Graça, nosso rei governa desde tenra idade, presenciou pessoas amadas partirem deste mundo de Deus, mas trouxe a estabilidade que poucos governantes trouxeram ao país, o cansaço assola a alma de Sua Majestade, creio que nesta hora só podemos rezar pela sua recuperação”.

 O loiro olhou para sua sala, particularmente para a porta localizada a direita, esta porta interligava seu gabinete com o de Willian. Overath era o reino deles, durante anos eles governavam juntos, quase que em pé de igualdade. Hartwig era um vice-rei disfarçado com o titulo de primeiro ministro.

Conheciam-se desde os dezesseis anos, ele era apenas filho de um conde falido, que desejou adentrar no exercito do reino para conseguir melhorar o status de sua família, que estava para perder o feudo. E conseguiu, mas também ganhou um amigo, ainda lembra-se muito bem daquele dia há exatamente vinte seis anos atrás.

“O senhor não pode escapar assim do castelo, quase morreu por estes bandidos se eu não tivesse aparecido”.

“Quem tu pensas que és? Sou o rei, trata-me adequadamente”.

“Tens a mesma idade e estatura que eu, talvez um pouco menor, nem dezoito anos possuímos, desculpe-me Vossa Majestade, mas comportou-te como um desordeiro, não como um rei”.

“Queria apenas fugir um pouco, estava para me jogar da torre mais alta, precisava um pouco de ar livre”.

“Eu sei, somos jovens, queremos aventuras, mas se alguma coisa acontecesse com o senhor haveria muito caos. Agora vamos, Willian”.

“Espera, chamou-me pelo nome?”

“Não é seu nome, Willian Von Strauber”.

“Sim, mas... Quase ninguém me chama de Willian”.

“Achei que se sentiria mais a vontade, afinal não estamos no castelo”.

“E o vosso, Hauser, não?”

“Hartwig Hauser de Elsdorf, filho do Conde de Flaming. Agora vamos”.

“Eu perdi meu cavalo, ele fugiu.”

“O achei na entrada da floresta. Um cavalo negro?”

“Sim, este mesmo, eu acho”.

“Posso lhe fazer uma pergunta? Sua prima, a duquesa, é comprometida?”

“Ela é casada... Admito que se não fosse, eu mesmo casaria com ela, Gênova é uma mulher bonita e boa, mas estou comprometido, casarei em poucas semanas com uma princesa hesseniana”.

“Ah sim... Droga... Vamos, antes que apareçam mais bandidos e qualquer dia desses, antes do casório, lhe levo para conhecer a Taverna do Anão, precisa ter uma despedida de solteiro”.

Era seu melhor amigo, um irmão de coração. Sempre acreditou que seria o primeiro a partir do mundo, não Willian. Não! Ele precisava manter suas esperanças, seu amigo iria se recuperar, mas quando acordasse, talvez Hartwig não estivesse mais no castelo, pois as portas do seu gabinete foram abertas com força e dois guardas o puxaram a força, segurando os braços dele.

 — Mas o que é isto? O que está acontecendo? — ele bradava, enquanto os dois homens o puxavam para fora da sala. Havia mais quinze do lado de fora. Seus olhos cinzentos miraram em Gênova, que estava cabisbaixa e também era segurada por dois homens. Será que estavam sendo invadidos? Não. Todos os guardas tinham a insígnia do leão dourado em um brasão azul.

— Pai — ouviu-se de longe a voz feminina de Wanda, que estava acompanhada de Emma e Edith.

Não queria que ela visse isto. A morena correu para tentar chegar ao progenitor, porém foi impedida pela corrente de homens que se formou ao redor dos mantidos. E de trás, surgiu Lothario, com as mãos para trás, caminhando lentamente e com o mesmo olhar sério e desdenhoso de sempre.

— Levem-nos para Manor Bayer — foi à única coisa que disse e seus guardas obedeceram.

 Quando o ministrou ouviu isso, começou a debater-se e gritar para sair, mas não adiantou. Ele sabia o que era a Manor Bayer. Era a mansão de Lothario, porém isso não importava, e sim o que as partes subterrâneas de Manor Bayer escondiam. As masmorras.

— Não podem levá-los para lá, são nobres, isso é contra a nossa lei! — disse Edith em voz alta. Nobres deveriam ser mantidos em seus castelos, não levados para a prisão.

Lothario olhou para as moças, sem mudar sua expressão fria, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Hannelore desceu as escadarias e deparou-se com aquela baderna.

— Por Cristo, seus insolentes, o rei está doente e todos aqui só sabem arrumar confusões! Que falta de respeito é esta? — a princesa indagou zangada, algo raro.

— O primeiro ministro e a duquesa de Brauner estão sendo acusados de heresia e traição contra a Santa Igreja, os dois foram avistados semana passada no bosque na presença de uma herege altamente perigosa e procurada pelas nossas autoridades.

— Solte-os, agora! — ordenou Hannelore. — Essas provas não são plausíveis.

O bispo levou as mãos para frente, jogando em seguida dois sapatos negros.

— Costurado a veludo negro, com direito a uma pérola em sua ponta. Plebeus não possuem condições para comprar veludo e muito menos conseguirem joias preciosas. O mais gasto foi encontrado no bosque, o mais limpo... Estava no quarto da duquesa. E existem testemunhas que os viram sair de madrugada. Para onde será?

As damas entreolharam-se. Lothario não poderia estar falando a verdade, não! Wanda não queria acreditar nisso, nenhuma delas queria, a bem da verdade.

— Isso não prova nada, isso é loucura!  De qualquer modo, solte-os agora! Sua Eminência ordenou que prendessem uma duquesa real e o primeiro ministro, conselheiro real do rei! Isto é intolerável. Sou sua princesa, sua futura rainha, não preciso dar questionamentos, apenas obedeça-me!

Lothario deu um sorriso torto, aproximou-se da jovem e sussurrou-lhe.

— Exato, minha senhora. Minha futura rainha, talvez. Mas no momento não passa de uma garotinha que pensa que ser rainha é um verdadeiro contos de fadas, devo minha lealdade ao rei Willian, não sua bastarda, não a uma mulher.

As palavras atingiram Hannelore como flechas adentrando a sua alma, naquele instante sua vontade era chorar e tentar mais uma vez, porém não conseguiu dizer nada. Ficou calada e com a expressão vazia.

— Fiquem com Deus, minhas senhoras e não fiquem preocupadas. Eles são nobres, não são? Passarão por um julgamento leve, como manda a lei. Desejo que o Senhor cure logo ao rei, passar bem.

º    º   º

Hannelore entrou no quarto de seu pai, que ainda dormia. Não teve coragem de ficar no salão enquanto as damas tentavam consolar Wanda, pois a princesa sentia-se culpada. Não conseguiu fazer nada. Sentia-se inútil. Aproximou-se do corpo do pai, sentou-se a beirada da cama, observando-o dormir serenamente. Claro, isso por fora. Por dentro ele carregava muitas coisas, cansaço, dor, raiva e rancores.

Naquele instante só queria arrumar suas coisas e retornar para sua cidade no sul da Áustria. Poderia comprar um castelo com as joias e vestidos caros que ganhara e viver como uma simples aristocrata. Como será que todos estavam? Sra. Fritz e suas filhas, que saudades sentia. Ainda lembra-se das palavras da arrumadeira no dia em que partiu há quase um ano.

“Sempre soube que tanta beleza de rosto e coração não poderiam ter vindo de uma mera menina abandonada”.

— As coisas não estão fáceis, meu pai — disse a menina segurando na mão do rei adormecido. — Preferiu confiar em mim, uma menina que nunca tinha visto na vida, a confiar no próprio irmão. Talvez ele fosse melhor que eu... Mas tudo seria melhor ainda se Conrad estivesse vivo. Ele sim saberia o que fazer.

A princesa deixou sua primeira lágrima cair.

— O que eu faço agora? Eu preciso de ajuda!

A moça de repente foi tomada por um susto, sua dama de companhia, Cora, havia adentrado ao quarto.

— Senhora — a dama curvou-se. — Pediram que entregassem isto — e estendeu o diário.

Hannelore limpou suas lágrimas rapidamente com as costas da mão.

— Me dê.

E a dama obedeceu, entregou o diário á sua princesa e afastou-se alguns passos, não saindo do quarto sem as ordens de Hannelore. Um ímpeto de curiosidade invadiu Hannelore. Não sabia o por quê. Agora o diário poderia ser aberto.

Hannelore ergueu-se, caminhando em direção á janela. Por que essa tamanha curiosidade? Perguntava-se Hannelore com incerteza. Abriu lentamente o diário e notou a coloração mais amarelada das folhas, todavia os escritos estavam bem preservados. Era uma letra ondulada e delicada, uma letra feminina.

“Hoje a missa fora”...

“Sinto saudades de casa”...

Mas o que chamou atenção da menina foi a última folha, ou quase, pois não era exatamente a ultima folha, porém a ultima com alguma coisa escrita.  Começou a ler com atenção.

            Linesburg, Mosteiro de Nossa Senhora Rainha, 10 de Janeiro de 1490.

            Escrevo para vós neste dia chuvoso e de um futuro incerto, noto que o tempo está correndo depressa. Não sei quando lerá isto, mas espero de todo coração que este diário chegue um dia em vossas mãos, minha menina. Menina. Ainda cresces em meu ventre, falta pouco e logo estarás aqui neste mundo de Deus, mas eu sinto do fundo do meu coração que aguardo uma filha. Minha Hannelore, iluminada e graciosa. Muitos irão dizer que és o pior erro de minha vida, mas não acredite neles. Não há nada do qual me arrependo, talvez apenas de não ter lutado tanto por nossa família, como deveria. Mas sou tão fraca e impotente... Hannelore, não cometa o mesmo erro que eu, não fique presa ao convento, presa ao lugar do qual você não pertence. Acredite em mim, você terá opções, das quais não irá querer arriscar nem um centímetro de pele, mas no mais tardar haverá apenas arrependimento, descontentamento, saudade. Que Deus permita que minha menina não seja tão insegura quanto eu, que Ele segure sua mão, minha pequena e linda princesinha.

            Nem os príncipes e nem a potestades poderão encostar em um fio de cabelo seu, sem que os Céus se encham de fúria e a maldição caia sobre essa pessoa. Você é mais forte que eu, eu sei. Suga-me cada vez mais a vitalidade e eu sinto que em algum momento meus ossos irão tremer de tanta força que essa garotinha em mim tem para conseguir o que quer. Porém nunca me arrependeria de ti. Abriria mão de minha vida para que você tivesse saúde, felicidade e amor. A vida não é fácil para os fracos de coração, covardes e inseguros. Você terá oportunidades únicas. Agarre-as e não desista delas, até que possa dizer "Eu sou Hannelore" e o povo se lembrará de ti.

            Ah, o ímpeto de me dar esses chutes nas costelas, sua pequenina travessa. Todas as minhas dores me fazem sorrir, todas as minhas preocupações me fazem querer te abraçar mais e mais, mesmo que ainda não seja possível. Por causa de ti, aprendi a amar outra vida muito além da minha própria

            Ela é sua, William. Ela é nossa. A nossa Hannelore.

 

Sua mãe, Cristina de Hessen.

 

Não sabia quando havia começado, mas seus olhos novamente derramavam lágrimas silenciosas. Sua mãe... Sua mãe. Céus, ainda que longe a mulher dava-lhe ensombro. Hannelore encarou as folhas e finalmente havia compreendido o por quê de Rosa ter insistido tanto que ela ficasse com aqueles pertences.  Um sentimento instarou em seu coração. Amor.

 

— Senhora — Cora chamou-a. — Alteza.

A jovem ficou mais alguns instantes olhando para o céu através das grandes janelas, era quase crepúsculo.

— Cora — a princesa virou-se. — Peça para que todos os nobres do castelo, incluindo os competidores e o resto das minhas damas, se reúnam na sala do trono neste instante e quero nosso padre e a bíblia dourada do gabinete real de Sua Majestade. Agora.

A dama de companhia curvou-se e saiu imediatamente, não entendendo exatamente o motivo de uma reunião de última hora.

Obrigada mamãe, obrigada, espero que sinta orgulho de mim e que os anjos do céu cuidem de vós.

Hannelore olhou-se no espelho e mirou seu olhar para o anel real de safira azul na mesinha do rei. Em poucos segundos o anel real estava em seu dedo e minutos mais tarde as requintadas portas da sala do trono eram abertas para a princesa.

— Vossa Alteza Real, Hannelore Von Strauber, Princesa Herdeira de Overath.

De cabeça erguida e expressão séria, como uma verdadeira aristocrata, a princesa começou a caminhar sobre o grande tapete de veludo azul que cortava o salão ao meio. Todos ali presentes, nobres – incluindo os selecionados -, embaixadores e damas reais se curvaram para a nobre. Quando parou diante do trono do monarca reinante, Hannelore meneou a cabeça lentamente em sinal de respeito. Sentou-se no trono, o que faz arrancar diversos murmúrios pelo salão.

 — Silêncio para Vossa Alteza — anunciou o mestre das cerimônias e todos sessaram.

— Agradeço a presença de todos os nobres aqui presentes, venho aqui anunciar perante todos que eu, a princesa herdeira, declaro-me sobre autorização do próprio rei, meu pai, princesa regente de Overath até sua recuperação. Que Deus a queira. Agora todos aqui neste recinto jurarão lealdade a mim, não apenas como vossa princesa, mas como sua futura rainha. Assim eu digo, e assim será.


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Notas finais do capítulo

Comentem, favoritem, critiquem, recomendem, divulguem! Nós amamos escrever para vocês nesse um ano de fanfic e ficaríamos muito gratas se mostrassem a fanfic a outras pessoas, seus amigos ou parentes. Chamem o papagaio ou o gato para ler >—> E digam o que acharam. A Meell ama vocês.