The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 32
Capítulo Extra - A rainha louca.


Notas iniciais do capítulo

✳ Oi pessoa, aqui é a Ravena! Bem, enquanto a Meell não posta, eu resolvi preparar esse extra para vocês curtirem um pouco, a Meell também me ajudou, principalmente nos ataques da rainha, pois bem, não vou dar muito spoiller hahaha.

✳ Para quem curti Jogos Vorazes, a Meell postou uma interativa, se estiver interessado dê uma passadinha lá.

https://fanfiction.com.br/historia/647445/YourHungerGamesIII-FanficInterativa/

✳ Vou responder os comentários do meu capítulo passado amanha, que eu me atrasei e é isso...
✳ Também espero que possam ouvir as músicas selecionadas, se puderem é claro.
✳ Boa leitura.



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Capitulo Extra – A rainha Louca.

“Uma ira desmedida acaba em loucura; por isso evita a ira para conservares não apenas ao domínio de ti mesmo, mas também tua própria saúde” – Sêneca.

Emotional Music - Nevermore

Alguns meses atrás, abril de 1501.

Ele segurou sua mão e a levou até os lábios, onde depositou um beijo carinhoso. Gesto que fez a rainha sorrir. Reteve a respiração, em seguida a própria em um toque de ousadia beijou os lábios de seu marido. Era inacreditavelmente um dia feliz.

— Estou ansiosa para partirmos daqui a pouco! Já faz duas semanas, nunca fiquei tanto tempo distante deles — disse Regina referindo-se aos dois filhos. Conrad e Grethel. — Mandarei um mensageiro ir à frente, é de minha vontade que nossos filhos estejam na portaria do castelo para nos receber. Quero poder abraçar meus pequenos, também estou levando um vestido novinho para nossa pérola preciosa.

— Não pensais, minha senhora, que também não estou com saudades. Pensei que essa viagem a Wolfdorf jamais fosse acabar! Na próxima vez mandamos Hartwig para me representar, decidido — afirmou Willian.

— Meu senhor, por que foi do vosso desejo, levar-me neste seu compromisso com os nobres de Wolfdorf? Tratar da construção de uma Santa Casa.

— Você fica muito isolada naquele castelo, não é bom que um povo esqueça de que eu possuo uma rainha. Aliás, senhor, não! Quero ouvir-vos dizer, Willian.

Regina sorriu, só poderia estar sonhando. Há tanto tempo ela e seu marido não viviam, nem que fossem alguns dias, mas um período pacífico e amoroso no casamento. Aquilo lhe deixava nas nuvens.

— Willian, satisfeito?

— Melhor assim — beijou-a de novo, de leve, mas da segunda vez demorou-se sobre os lábios da esposa.

Sentiu um misto de culpa e confusão. Willian não amava aquela mulher, pelo menos não como sua esposa, no entanto seria ofensivo dizer que por Regina, não sentia algum carinho. Porém era mais um carinho de amigo para amiga, além disso, percebeu como a rainha ficava mais alegre e lúcida quando ele a tratava assim. Fingindo sentir alguma paixão. Não queria mentir, mas sentia-se bem vendo Regina daquele jeito e optou por deixar como estava.

— Serás meu nesta viagem. – ela sentenciou. – E pela eternidade.

— Perdoe-me, mas não poderei satisfazer minha esposa, terei compromissos...

— Mas, Willian... – o rosto de Regina se contorceu em uma expressão de dor.

— Compreenda, querida. – a verdade é que ele não queria mais se forçar a algo com o qual não sentia qualquer prazer. Já tinham os filhos, não precisavam mais fazer aquilo. Certo?

Regina fechou a boca e trincou os dentes. O vermelho subia para o semblante irado da rainha. Willian tentou pensar em algo para voltar atrás, mas era tarde demais.

— Falas, falas, falas. E não diz nada. – ela se desvencilhou dele.

— Regina, o que digo é verdade.

— Ai do rei que mente perante sua esposa! Está pecando, Willian, pecando para o Deus que te deu este trono e esta esposa e seus filhos saudáveis. Se não me amas, diga.

— Jamais, é claro que te amo. – o rei tentou se aproximar da esposa, que abaixou a cabeça, desdenhosa e ao mesmo tempo comovida com a declaração.

— Meu coração chora. Quanto mais me faz sofrer, até que esteja em paz? Quando verei a calmaria? Se for para os Céus, então ei de ir-me logo. – e então se virou para a penteadeira, onde uma tesoura se prontificava. Regina a agarrou. Willian saltou, e tomou o punho da esposa em suas mãos antes que ela cometesse uma loucura.

— Não é assim, Regina. Não se deve enganar a Deus, ele é quem recolhe os seus. Pare de buscar a felicidade, ela está bem aqui. Eu estou aqui para você.

— E me nega! – ela o empurrou, soltando junto à tesoura. Ao menos ela não poderia se matar com aquilo, Willian suspirou aliviado. – Negas todos os dias. – Eu estarei condenada a minha vida de dor e solidão! Meus filhos temem a mim, meu esposo não me quer em sua cama. Quão falha uma mulher pode ser?

As lágrimas rolavam pelas bochechas de Regina. Ela estava louca, completamente possuída. Seu rosto estava branco e as veias saltavam do pescoço. Os olhos pareciam saltar das órbitas e os dentes trincavam mais ainda. Sua língua sibilava a sua desgraça.

Willian! Willian! Livrar-te-ei de tua amargura!

E agarrou o próprio pescoço, tentando se sufocar. Regina contorcia-se nas próprias mãos, rasgando o vestido e se debatendo no chão. Ela gritava e chorava. Quando os guardas adentraram o quarto, Willian os mandou embora. Não queria que vissem a humilhação de sua esposa. Não queria que vissem a sua humilhação. Regina ergueu o rosto e suplicou, balbuciando as palavras debilmente.

Wi... Willian... lian... – O rei se ajoelhou diante de sua rainha e tocou-a nos ombros. – Eu te amo, Willian... Eu... E-eu, Willian! – ela agarrou seu rosto. – Amo, Willian, amo!

— Eu sei, querida, eu sei... – o rei disse com voz serena – Eu também a amo.

— Me ama? Willian... – Regina tocou seu rosto com carinho, deslizando os dedos pelas bochechas do esposo, e então sorriu, como uma criança que acabou de ser elogiada. – Willian... – soluçou, enxugando as lágrimas. – Willian...

— Sim. – ele a abraçou, colocando sua cabeça em seu peito. Regina não o envolveu, continuou soluçando e balbuciando o nome de seu amado. Aos poucos, ela retornou ao seu estado de espírito são. – Não se preocupe, eu estou aqui. Sempre estou.

Willian...

Regina sentia-se cada vez mais deliciada por ele a olhar, afagar seus cabelos negros e tocar suavemente sua face branca e admirar seus fascinantes olhos azuis.

O momento foi interrompido por três batidas na porta, Willian rapidamente levantou-se e Regina também. Claro que a mesma sentiu-se irritada, queria ter ficado ali e continuado a acariciar o rosto do marido. Quem sabe poderia ter conseguido induzir a fazê-lo deitar com ela? Pelo menos neste entardecer... Não se conformou.

— Majestade, a carruagem já esta pronta para partir — anunciou um guarda.

O rei apenas assentiu e fez um sinal para que o homem se retirasse. Regina pôs a mão em seu peito, sentiu algo ruim. Um mau pressentimento.

— Willian, precisamos voltar para a capital.

A viagem duraria o dia inteiro, provavelmente o casal real chegaria a Mayen ás 10h00 da manhã no dia seguinte, contando com as paradas para os cavalos e a escolta descansar. Já tinha viajado algumas vezes pelo país, porém aquela estava lhe deixando muito desconfortável, pois uma repentina dor alastrou-se pelo sensível coração da rainha. Não conseguiu pregar o olho durante toda a viagem, sentou-se ao lado do marido, deitou em seu ombro e ficou segurando suas mãos na esperança de sentir alguma proteção e confiança. Nada. Estava aflita, muito aflita. Algo muito ruim tinha acontecido.

— Algum problema, senhora? — perguntou o rei, mas Regina não respondeu. Preferiu deixá-la assim calma, parecia absorta demais em seus pensamentos, por isso a única coisa que fez apertar mais forte suas mãos e notou como as mãos da rainha estavam trêmulas e um pouco frias. Tirou suas próprias luvas para por nas dela.

Finalmente no dia seguinte chegaram ao castelo, um pouco antes do previsto, quando faltavam quinze minutos para as dez. Um membro da escolta abriu a porta do coche e fez uma vénia, o rei saiu primeiro e em seguida deu a mão para ajudar sua esposa.

— Meu filho — Regina falou com um sorriso e agachou-se para receber um abraço de seu filho, mas a criança de onze anos parecia nem ter notado sua presença e correu para seu pai.

— Papai — o menino de cabelos castanhos pulou no colo do rei, que recebeu seu filho com muita alegria.

— Meu principezinho, tem se comportado bem? Estou muito triste contigo, mandaste apenas uma carta para vossos pais.

— Estava com preguiça, perdoa-me?

— Não, estou muito chateado — respondeu fazendo uma expressão de tristeza.

— Majestade, por favor, não fique assim! Na próxima vez, eu mandarei todos os dias — afirmou o pequeno realmente arrependido. Willian sorriu, como ele amava seu menino. Deu-lhe um beijo na testa e passou Conrad para o colo da mãe.

— Meu menino — a mãe não estava feliz. Sabia da preferência de seu príncipe pelo pai e isso lhe deixava magoada. Como se Conrad soubesse que só existia por que a mãe no passado precisou dele para prender Willian neste matrimônio. Mas como Grethel não era assim, ela sempre lhe deu carinho, beijos e abraços, gostava treinar suas leituras com a mãe e adorava quando Regina bordava um vestido novo para sua boneca.

Depois de alguns segundos, Conrad se movimentou, avisando que queria sair. Tinha algo a dizer, por isso a rainha pôs seu pequeno no chão. Willian percebeu que babá de Conrad, Srta. Ana estava com uma compleição muito triste e olhos vermelhos. Parecia que havia chorado. E por que o vestido preto? Avistou sua prima e o primeiro ministro descendo as escadarias do palácio, ambos também estavam com um semblante triste.

— Papai, eles não me deixam ver Grethel! — acusou o príncipe.

— Como não o deixam ver vossa irmã? — indagou o rei.

— Eu preciso ver minha filha, não aguento mais — anunciou a rainha antes de acelerar seus passos rumo ao Kaiserburg, ignorou totalmente as vénias para ela redirecionadas.

— Genova, minha prima, o que faz aqui?

— Cheguei hoje cedo, meu objetivo era fazer uma visita. Trouxe até mesmo meu filho, Adam, para brincar com o príncipe e... — pôs a mão no rosto, estava... Estava chorando.

— Hartwig, o que esta acontecendo?

O homem não chorava, mas mantinha uma expressão um tanto sóbria. Algo muito grave tinha acontecido e agora Willian tinha certeza, seu ministro sempre foi alegre e sorridente, agora estava triste.

— Hart, o que aconteceu? Conte-me logo.

Acharam ela... — murmurou.

— Por Cristo! Eu não gosto de cochichos, eu ordeno que me conte logo o que aconteceu? Ande, diga logo! — proferiu.

— Majestade, eu sinto muito — foram as únicas palavras que Hartwig conseguiu dizer.

Impaciente, foi à vez de Vossa Majestade correr rumo ao castelo. Se dependesse do silêncio de seus amigos, não iria a lugar nenhum. Percebeu o silêncio do castelo, a esta altura deveria estar ouvindo as risadas de Grethel. De sua princesinha, aquela que corria pelo castelo com sua bonequinha ruiva, que sempre pedia para o pai lhe dar um beijinho de boa noite e para quem Willian se submeteu a brincar de chá e biscoitos. Não foi tão ruim, ele nunca teve a chance de viver momentos tão bucólicos e doces em sua infância dominada pela religiosidade da rainha Beatriz — pobre rainha Beatriz — e pela influência religiosa do clero em sua corte.

Caminhou em passos acelerados para o quarto da princesa e foi quando ouviu o grito. Um grito de Regina, um grito de pavor assombroso que se fez ecoar por todo corredor do castelo. Começou a correr, quando os guardas viram seu rei, levantaram as alabardas para sua passagem.

— Não, isso é mentira! Ela não está. Isso não pode estar acontecendo — gritou a rainha para um padre. — Tenho o coração despedaçado, não consigo sofrer mais — disse por fim deitando-se aos pés da princesa que trajava um camisolão rosa que ia até seus calcanhares.

Willian ficou imóvel, as mãos estavam trêmulas. O que era aquilo? Não poderia ser sua filha, sua filha de apenas seis aninhos era viva, bonita e alegre. Não quieta e... E morta. Os cachos negros estavam um pouco bagunçados, mas outrora a garotinha da tez muito alva, bochechas rosadas, agora estava com o rosto coberto por alguns arranhões. Seu pai aproximou-se pelo outro lado e tirou o pano que estava na testa dela, colocando-o imediatamente após surpreender-se com a cicatriz. Grethel, a menina que cresceria a princesa mais bela de seu tempo, motivo de briga para vários príncipes disputarem sua mão, estava completamente irreconhecível.

Um silêncio perdurou pelos aposentos, apenas o choro de algumas damas e preces em latim de alguns padres o quebrava. Regina parou de chorar, por isso tudo ficou mais quieto.

— Minha senhora, a vontade do Senhor deve ser aceita — disse um dos padres. — É algo triste, mas o tempo...

— Deus? — perguntou com desdém, seu rosto estava vermelho e as lágrimas ainda desciam o seu rosto. — Que Deus é esse, Eminência? Ande, diga logo! — bradou.

Willian, que estava sentado ao lado do corpo da filha tentando entender ainda se aquilo era algum castigo e o que ele fizera de errado, ergueu-se devagar quando a rainha começou a dar sinais da sua fúria. Regina saiu da cama da filha e apontou novamente para o religioso.

— Que Deus é esse que o senhor faz tanta questão de pregar, que tira a vida da minha filha? Da minha, minha filha, minha princesa — bateu a mão duas vezes contra o peito.

O rei já deveria ter segurado a esposa, tira-la dali antes que ela pudesse fazer algo pior do que dizer aquelas palavras, porém de certo modo também se questionava. Entretanto, ela estava gritando com uma boa pessoa, e Willian foi criado dentro de um ambiente altamente religioso para aguentar aquelas palavras.

— Regina, cale-se, estás blasfemando — tentou dizer firme, mas sua voz estava embargada demais para proferir algo com tamanha seriedade.

— Que caia agora um raio sobre minha coroa se estou mentindo! Que me leve agora se estou pecando, eu não me importo!... Perceberam? Nada aconteceu, nada!

Ela andou devagar até a mesa de cabeceira da filha, onde havia uma cruz. Tomou-a em suas mãos, mas antes que pudesse atira-la no chão para sessar sua fúria e revolta, a rainha desmaiou e Willian foi abruptamente para segurá-la e evitar uma queda feia.

Salutaris

Óleos aromáticos precisaram ser passados no corpo da princesa e várias flores, de preferência as mais escuras, como as vermelhas ou roxas, foram postas ao redor da mesa onde estava seu caixão, tudo em consequência da putrefação do corpo da menina já coberto por uma mortalha branca.

Nenhuma música poderia ser tocada, muito menos festejos poderiam ocorrer no reino durante os quinze dias de luto da família real. As flores de tom mais claro tiveram de ser retiradas das janelas de todas as casas da capital e as mulheres teriam que usar vestes negras até o fim daquele tempo tétrico e desolador.

Adam, o filho de Genova e herdeiro de grande fortuna em virtude de ser o filho varão, desistiu de tudo, passando para sua irmã mais velha, Isabella. O pequeno nobre de doze anos ficou de tal forma, tão espantado, que após a morte da sua querida prima preferiu para sempre se recolher na companhia de Jesus, pelo trauma da visão e por não conseguir servir mais a outro senhor.

O véu negro foi posto sobre a rainha. Não iria gritar, não iria fazer mais nada, sua pérola preciosa tinha ido e suas lágrimas de nada adiantariam. Um servo ajudou o rei à por seu casaco negro, e quando ele virou-se percebeu a esposa ali parada, encarando a vista do céu nublado. Ela precisa dele neste exato momento, por isso Willian andou até sua consorte e segurou a mão dela. Regina apertou ainda mais e olhou para o esposo.

De mãos dadas, o casal real locomoveu-se para uma sala onde ocorria o velório, antes do corpo da princesa ser levado até o mausoléu da catedral, onde descansaria pela eternidade. As criadas curvaram-se na saída do rei e da rainha, ambas vestiam negro.

Quando chegaram ao recinto, os presentes também fizeram um vénia em sinal de respeito. Por pedido dos próprios reis, apenas os mais próximos da família estavam presentes, alguns primos, sobrinhos, membros do clero e as daminhas que viviam acompanhando a princesa. Regina soltou a mão do marido e moveu-se alguns passos até o caixão da filha. Enquanto isso, Willian apenas observava a desolação na qual sua mulher se encontrava.

— Eu sinto muito cunhado — sussurrou Jennel aproximando-se do rei.

— Não é a primeira morte que vejo, mas a primeira que despedaça minha alma — respondeu baixo. Seu rosto era frio e seu olhar era indecifrável, estava sendo difícil entender o que se passava realmente em seu coração.

— O último pensamento dela foi para o senhor. — confessou a princesa da Polônia, passou a mão pelas bochechas para limpar as lágrimas. — Antes de sair para brincar, a princesa disse que Vossa Majestade assim voltasse de vosso compromisso brincaria de casinha com ela — e sorriu, mas discretamente.

— Quando se tem uma princesa como filha é assim mesmo — os olhos do rei vaguearam o local em busca de uma pessoa. Faltava mais alguém. Suspirou. — Onde ele esta?

A mulher loira jogou o véu mais para a face. Não queria dizer que Otto viajou para Áustria em decorrência de um popular torneio de espadas que haveria, um por semana. Uma tradição dos austríacos que ocorria anualmente. Isso seria um completo insulto!

— Meu esposo viajou para Viena tem duas semanas, logo após a viagem dos senhores para Wolfdorf, compromissos militares, voltará apenas mês que vem — respondeu constrangida. — Tenho certeza que enviará uma carta.

— Jennel, minha querida cunhada, eu agradeço em nome de toda esta corte pela sua digna presença. Apenas vejo quão bom é vosso coração de princesa, mas... — fechou os olhos com força e suspirou — caso ele mande alguma carta, ordeno que queime. Sei que Viena é cinco dias daqui, mas até mês que vem meu irmão já perdeu o cortejo fúnebre da princesa e a missa de sétimo dia. Entretanto se para ele um maldito torneio é mais importante que a morte da “amada sobrinha” como ele costumava chama-la, então prefiro não ouvir nada. Sim, eu conheço o torneio, cunhada. Já fui jovem um dia.

Deixou sua cunhada para trás e se deslocou até onde a rainha estava. Regina depositou seu último beijo na filha, que com certeza estaria alegrando o castelo neste exato juntamente do príncipe, seu irmão. Não trazendo tanta tristeza.

— Semana que vem, vás para missa sozinho junto de vosso séquito. Eu nunca mais, Willian, pisarei naquela catedral ou em qualquer recinto religioso que seja. Se já não bastasse a sua traição, negando meu amor, de meu filho, que ama mais o pai a mulher que lhe concebeu... E agora até mesmo os céus me traíram. Logo a mim, que sempre fui fiel a vossa santa palavra...

Fingiu que não ouviu nada. Fez-se de frio, mesmo que a esposa estivesse falando baixo, cada palavra parecia perfurar seu coração. As pessoas deveriam pensar que ele fosse de pedra, mas não era verdade. Ele tinha um coração e mais sensível que os outros poderiam imaginar, porém não demonstraria... jamais.

Naquela noite, Willian tirou a primeira tocha que encontrou em um dos corredores e foi até a capela do castelo. Quando chegou pôs a tocha em uma das arandelas, fechou a porta rapidamente e marchou até o altar. Fez um sinal da cruz e orou.

Pater et Omnipotens Aeterne Deus, et peragratis mortis sanctorum tuorum consortio sociare lucis aeternae — proferia com fervor cada palavra.

Não podia, não podia... Caiu de joelhos e com as mãos no chão. Chorou, colocou a mão na boca para abafar a voz. Queria por toda sua tristeza para fora, gritar e se punir com uma severa penitência mais tarde. Isso era um castigo, só poderia ser um castigo. Pelos seus erros e pecados.

Grethel, minha filha, minha filinha...

Arrastou-se até a coluna mais próxima e prendeu seus braços nela, continuava a chorar, algo que ele não pode fazer quando viu sua filha morta e sendo colocada em um frio mausoléu de pedra. Que vergonha se os outros nobres o vissem daquele jeito, acabado.

Se um dia eu voltar a vê-la, espero que perdoe esse pecador que é vosso pai...

Willian não se referia a Grethel, referia-se a outra menina, uma menina a quem ele nunca deu tanta importância e que abandonou para ser criada por outra família há anos atrás...

Overath, 28 de outubro 1501.

Any Other Name - Thomas Newman

O amanhecer trouxe consigo os sinos da catedral ressoando por toda capital, anunciando que em breve a missa iniciaria. Homens acompanhados de suas esposas e filhos caminhavam rumo ao templo religioso, todas as damas carregavam um fino véu sobre as longas cabeleiras. Alguns brancos ou negros. Freiras oriundas de mosteiros que ficavam longe da capital, também faziam sua peregrinação para uma missa na mais suntuosa e frequentada catedral do país.

Naquela época, onde reis dominavam seus territórios e Vossa Santidade era visto como uma figura divina, ir para a missa era praticamente obrigatório. A própria família real possui uma capela particular dentro do castelo.

Da janela mais distante, no castelo real, a rainha sentada próxima à lareira apenas ouvia o badalar dos sinos. A muito não participava de uma missa, mesmo assim, isso não fazia mais falta em sua vida. Regina já foi uma mulher de alto fervor religioso, pois antes quando mocinha, a ideia de casar e ser rainha jamais lhe passou na cabeça. Mesmo tendo nascido princesa, preferia ter sido freira e poder chegar a ser uma prioresa, contudo o destino seguiu pelo caminho oposto de seus desejos.

Ergueu-se de sua poltrona, apesar da grande dor alastrada em sua alma e coração, Regina reuniu todas as forças e pôs se de pé a caminhar até a janela de seus aposentos escuros, cujos raios solares não penetravam há vários dias. Ao abrir do leve tecido de seda dourada das cortinas, Regina sentiu uma pequena ardência em seus olhos esmeraldas, pois a muito eles não brilhavam com a luz. Entretanto ela queria poder sentir o calor naquele dia.

Quando abriu a janela, sentiu o vento. Não apenas o natural, como também o vento das lembranças do passado, que corriam por sua perspicaz memória. Viu de longe a ponte do castelo, lembrou-se de quando era apenas a bela e jovem princesa de Hessen, que viera de longe para se casar com o Rei. Foi escolhida para ser a rainha consorte daquele país, um destino que acabou recebendo de bom grado. Se esta era a vontade do Senhor, ela não poderia contestar. Desde sua entrada no reino, até atravessar aquela ponte, ela fora ovacionada por seu novo povo e o amou a partir daquele instante. Porém hoje eles pouco, ou nada deveriam estar se importando com ela.

Fechou as cortinas novamente e caminhou até o espelho folheado a ouro. Passou a mão pelo seu vestido cinzento, rosto e o cabelo. Regina deixou de ser a jovem elegante e formosa que encantara a todos na primeira vez que entrou naquele castelo. A sua pele mostrava-se agora um pouco macilenta, seus ondulados cabelos castanhos haviam perdido o brilho. 

Já passara tantos dias, sozinha e solitária naquele quarto. Ela não se sentia como uma rainha há muito tempo. Era mãe, mas foi obrigada a ver sua amada filinha ser enterrada, a única gerada por algum carinho entre ela e o esposo. Ainda havia Conrad, porém o menino parece amar mais ao pai que a mãe. Se este príncipe existia, foi por que Regina se viu obrigada a dopar o próprio marido, mas isso era um segredo dela e guardado a sete chaves. Philippa, sua falecida aia, sabia disso, no entanto levou para o túmulo e isso que Regina faria.

 

Ela começou a cantarolar consigo mesma. Segurou as barras de seu vestido e girou delicadamente, dançando pelo quarto. Cansou-se e curvou-se para o espelho, como se estivesse realmente encerrando uma dança. Vossa Majestade sentou-se em sua cama e ficou admirando seu retrato por cima da lareira, cujas chamas aos poucos se esvaiam. Como ela era linda, precisou admitir para si mesma. Usava um azul. Ou seria verde? Isso não importava. Aquele tinha sido seu primeiro retrato como rainha de Overath.

Teria sido tudo tão fácil se ele a amasse, seu Willian, seu rei. Por que ele nunca a amou? Regina reconhecia que seu casamento fora diplomático, contudo não esperava apaixonar-se perdidamente por seu Willian, aquele que nunca lhe retribuiu o sentimento e foi ungido pela Graça do Senhor como “o Rei Justo”.

Colocou as mãos no rosto e o balançou negativamente.

“Ele não me ama, ele não me ama, não posso ama-lo também” — pensava nervosa e repetidamente a rainha.

Caiu no chão. Sorriu sem qualquer humor, mas por um instante sentiu a liberdade que lhe fora negada por muitos. Parecia que seu corpo estava menos sobrecarregado.

O perfume no ar estava mais puro, tudo parecia mais calmo.

— Regina.

A rainha ficou de pé abruptamente. Estava ali parada, como se um raio de luz divina tivesse aberto caminho no céu, um brilho penetrante pousa no rosto daquela jovem. Não era uma santa, apenas era uma linda jovem.

— Oh céus, por Cristo. Só posso estar louca mesmo, minha irmãzinha querida — disse com a voz embargada de emoção.

Cristina a recebia de braços abertos. Quando Regina viu sua irmã, correu para seus braços e a prendeu. As lágrimas já desciam sobre sua face, ela beijava o rosto da irmã, passava a mão pelos cabelos dourados da mesma e despejava nela várias palavras carinhosas. Era sua melhor amiga, sempre foi.

— Regina perdoe-me? — perguntou segurando as mãos da rainha.

— Esqueçamos o passado minha querida, esqueçamo-lo, por favor, não quero lembrar isso. Sei que nunca quisestes me fazer mal algum, eu sei que fui muito maldosa contigo. Por que nunca viestes me visitar, ora essa? As pessoas aqui pensam que sou louca — sussurrou a última parte.

— Regina...

— O que deseja falar?

— Não pensei em vossos sentimentos, eu... — Cristina fechou os olhos e ajoelhou-se, segurava fortemente as mãos da irmã mais velha. Chorou silenciosamente. — Eu amo ele, desculpe-me por amar ele. Fiz tantas besteiras, até hoje vivo com o peso da culpa. Sinto-me horrível, abandonada, parece que tudo que fiz de nada valeu. Minha irmã queria ter ido embora, logo na primeira oportunidade quando comecei a perceber meus sentimentos, mas... Desculpe por ter-te traído.

Regina acariciou os cabelos da irmã, que agora chorava em seus pés. Deveria ter raiva dela, afinal foi por causa dela que Willian nunca lhe amou como esposa e enquanto a rainha estava daquele jeito, Cristina continuava belíssima, como se os anos tivessem sido bondosos com ela.

"Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados”.

Quando era mais jovem, marcou em sua bíblia o versículo que mais lhe despertara atenção, eram sábias palavras do próprio Jesus. Palavras que sempre lhe encantaram, só que nunca as seguiu firmemente. Será que deveria segui-las agora?

— Cristina, levante-se — pediu gentilmente e a mesma o fez. Quando estava de pé, Regina passou a mão pelo rosto da irmã.

Regina, você é minha irmã, minha melhor amiga. Só desejo a vossa felicidade.

Cristina proferiu estas palavras para Regina, quando ambas eram pequenas.

— Te amo, meu anjo, és a minha irmãzinha. Vamos deixar o passado para trás, pois ele só me trouxe mágoas e ressentimentos, nunca a felicidade. Minha maior tristeza foi tê-lo guardado durante muito tempo e jamais ter permitido meu coração viver feliz novamente. Willian sempre foi minha paixão, mas por minha causa ele nunca pode ser feliz... Por minha causa, você nunca foi feliz. Eu que peço desculpas, e agradeço por você nunca ter deixado de amar-me como vossa irmã. O passado ficou longe e é lá que ele deve ficar.

Como se um suave vento atravessasse o quarto, a rainha percebeu que após dizer tais palavras, seu coração ficou mais leve. Regina sentiu o corpo mais tranquilo, não estavam mais lá às emoções que ficaram perduradas em seu coração durante anos. Naquele instante poderia dizer a si mesma: estou feliz.

— Minha querida, eu tenho tantas coisas para lhe contar — antes que Regina puxasse sua irmã em direção as cadeiras, Cristina a impediu.

— Conheço um lugar muito mais belo para conversamos. Lindo! Cheio de tulipas.

— Oh, como o jardim do castelo de Hessen, nosso lar de nascimento? — perguntou sorridente.

— Sim, sim e com uma majestosa fonte. Ande, vamos. Aliás, uma garotinha muito bonita te espera, ela tem cachos negros e lindos olhos verdes. Seu nome é Grethel, reconhece?

— Grethel, que coincidência. Minha filinha, a Princesa Grethel também era assim. Devia ter conhecido vossa sobrinha, ela era muito linda mesmo. Minha perola preciosa — falou com emoção. — Ela foi muito cedo.

Cristina deu um sorriso e levou sua irmã consigo. Uma Regina mais feliz e que finalmente restaurara a harmonia em sua alma. O que a jovem loira não queria, era deixar que a rainha visse o corpo caído logo atrás.

Um corpo sem vida, de uma mulher que tivera uma vida infeliz.

Regina. De nascimento, era uma Von Kopper, mas pelo casamento, uma Von Strauber. Aquela que aos dezessete anos casou-se e virou rainha, aquela é considerada louca por muitos, aquela que deixara a vida sem o amor de seu rei. Tinha trinta e três anos, nos quais dezesseis foram de pura infelicidade e loucura de uma mulher que desejava apenas carinho e amor.


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Notas finais do capítulo

✳ Prefiro deixar para imaginação de vocês, como deveria ser a aparência da Grethel, mas na minha cabeça vem sempre uma menina de cachos negros, tez alva, de olhos verdes e muito bonita. Deixo pra vocês formarem.
✳Naquela época, realmente, fazer escândalos com choros por parte de um nobre, não era bem visto, a bem da verdade, era visto como sinal de fraqueza, ou seja, o fazia perder o respeito, por isso os momentos de tristeza deveriam ser mais discretos.
✳ Grethel significa pérola, por isso a Regina chamava a filha dela assim.
✳ Vimos que o tio Will não é tão pedra como pensávamos.
✳ Conhecemos mais a rainha louca, e o casamento infeliz dela e de Willian. Ele nunca foi bruto com ela, era atencioso e até carinhoso como leram, porém ele não a amava. Simples assim, ele não conseguia ter por ela, o mesmo sentimento de amor verdadeiro, puro e intenso que teve pela Cristina. Tipo almas gêmeas, apaixona-se uma vez só e acabou, ninguém mais substitui.

✳ Os capítulos extras são menos frequentes agora, por causa que nosso foco é a seleção. Ainda haverão, mas não tantos assim. E se dissermos que os personagens de vocês, pelo menos a maioria, já tem praticamente seu final definido e... Não posso dar spoiller hihihih

✳ A gente já pensou até em uma segunda temporada hahaha, posso dizer a vocês que se passara no mesmo universo, mas em um tempo diferente e ao invés... Ops.

✳ Espero que tenham gostado anjos!