The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 14
Capítulo 12 - Um Tabuleiro Branco no Preto


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Dunkelheit Alan Falk

“Cuidado com o homem que não fala, e o cão que não ladra” – Adágio Popular

Daughter – Run

Mesmo tentando olhar para o pôr-do-Sol para apreciá-lo, a luz cada vez mais fraca, o calor cada vez mais frio e a brisa que balançava as cortinas traziam memórias que ele preferia manter presas dentro da cabeça, sem deixá-las escorrer até seu coração. De onde jamais sairiam. Tamborilava os dedos ao lado do papel preenchido com a letra de Leonor, ou ao menos a letra que deveria ser dela. Talvez não fosse, ninguém poderia afirmar sem ser a garota, e mesmo ela poderia mentir. Dunkel suspirou, relendo as linhas finais. Ali havia um desafio, quase uma ironia maldosa e vingativa. A prima estava sobre seus cuidados, era seu “pai” por consideração, não podia simplesmente deixá-la sozinha nas terras da mãe e vir até a corte de Overath disputar a mão de uma princesa bastarda. Dunkel estava muito familiarizado com o quarto, com os criados e com as cartas. Estava ainda mais familiarizado com aquele pôr-do-Sol. Mas o de hoje parecia mais escuro que os demais. Mais frio, quase melancólico. Teria sido irresponsabilidade demais?

Parou de escovar a sela. Olhou diretamente para o além-tempo e surpreendeu-se com o quanto aquela paisagem havia mudado. O Sol já se fora, e agora as nuvens ainda iluminadas por ele se abaixavam sobre os campos de agricultores e pessoas humildes. Valentim relinchou, chamando-lhe a atenção, e só então percebeu que havia amarrado os arreios forte demais. Afrouxou e pediu perdão, da forma mais respeitosa possível. O alazão castanho escuro balançou a crina, como se o esnobasse, mas sabia que seu cavalo era o único ser ali que poderia lhe fazer companhia, por isso aceitou a arrogância do eqüestre.

– Você quer sair daqui? – perguntou, sua voz grossa preenchendo todo o vazio do estábulo. Costumava cavalgar com Valentim todos os dias, porém a vida na corte era exigente e tivera de passar toda a tarde com a princesa e suas aias. Uma delas o havia chamado para conversar em particular e descobrir mais sobre ele. Como se fosse possível simplesmente perguntar e compreender completamente uma pessoa. Até o fazendeiro das terras mais distantes, sem educação ou conforto qualquer teria ainda segredos, temores e sonhos para esconder de um estranho. Quando disse que gostava de cavalgar e que viera com Valentim até a capital, a menina sorriu e disse que tudo ficaria bem desde que pudesse apostar uma corrida mais tarde. Por sorte, conseguiu inventar que Valentim havia machucado sua pata durante a viagem e agora descansava.

O cavalo aproximou o focinho de seu rosto e mordiscou seus cabelos. Sorriu, um dos poucos sorrisos que ainda abria sem olhar para os lados. Valentim permitiu que montasse com facilidade. Graças ao garanhão, Dunkel não precisou socializar com os demais homens e até então não trocara muitas palavras com todos os moradores do castelo, antigos e novos. A princesa lhe parecia incrivelmente boba e infantil. Dunkel nunca encarou pessoas boas com a mesma facilidade que encarava pessoas ruins. Com os ruins, é fácil lidar. Você sabe qual distância deve tomar, quais palavras dizer. Principalmente por não se considerar um cavaleiro de armadura reluzente e corcel branco como neve. Valentim inclinou o peito e começou a trotar para fora do estábulo, com mais velocidade e autonomia que a maioria dos cavalos teria. Dunkel simplesmente deixava que ele o guiasse, que tomasse as escolhas. Isso criava mais liberdade entre ele e Valentim, e tudo o que uma amizade precisa é de liberdade. Eles tinham uma comunicação silenciosa que valia por qualquer palavra do idioma comum.

Dunkel não sorria. Ele não era uma pessoa brava, ele simplesmente não sentia a vontade de fazê-lo. Dunkel não falava. Ele não era uma pessoa antissocial, apenas não sentia vontade de fazê-lo. Dunkel não corria atrás das pessoas, pois as pessoas nunca correram atrás dele.

º º º

Ele tinha alguns anos apenas, mas já sabia que seus pais não existiam e que sua guardiã era Edna. Ele não podia recordar os traços da mãe ou a voz do pai, pois nunca a viu e nunca o ouviu. Uma criança abandonada deveria sofrer pela condição que estava. Uma criança órfã deveria lamentar por não possuir protetores. Uma criança bastarda tem de saber seus limites e principalmente saber sua posição. E Dunkel sofria, lamentava e sabia principalmente a sua posição. Nunca fora bobo ou medroso. Mas nunca fora de ferro. Todas as pessoas choram e todas as pessoas sofrem. Seja por motivos importantes ou por banalidades. Uma criança não deve ser diferente, mas não deve chorar mais que o necessário, nem sofrer mais que a dor de um machucado no joelho. Caso isso aconteça, esta criança terá de lidar com isto e criar suas próprias muralhas. Somos todos feitos de vidro, alguns mais resistentes que outros, mas quando quebramos, é preciso reerguer as paredes,seja com fogo, seja com ferro ou com aço. Talvez isso seja o mais interessante de Dunkel e de toda a sua infância (que se resumiria a criar a pessoa que hoje é), ele não criou suas paredes com violência, nem com frieza ou com suor. Ela surgiu aos poucos, pedra por pedra, até que o rochedo fosse feito e o mar não mais banhasse seu castelo. Mas há falhas, em todas as muralhas há falhas. Mas poucas pessoas, ao verem essas fortificações, se arriscam a procurar as brechas.

Dunkel tem alguns defeitos, alguns defeitos importantes. Mas as pessoas nunca se importaram em procurar estes defeitos, elas se contentavam em ser afastadas com suas respostas curtas e seus olhares mortos. Com suas reações inexpressivas e com suas preocupações maduras. A infância de Dunkel durou muito pouco, pois mais um desastre lhe aconteceu: foi preciso virar homem logo para sustentar de vez a queda do céu.

Antes que notássemos, Dunkel não tinha guardiã, ela morreu antes de seus dezoito anos. Ele tinha agora de proteger outra pessoa, sua responsabilidade. A criatura pequena e irritante que tanto o esquentava. Era sua prima, sua irmã e às vezes filha. Leonor, com toda sua doçura e inteligência. E então, de repente, estava tomando chá com as bonecas, conversando com os cavalos e chorando. Chorando de rir.

º º º

“Mestre de Campo das Tropas do Sul”. Era um homem importante, um homem honrado e respeitado. Não fora feito para os duelos do amor, mas sim para a guerra. Sua posição o tornava digno da mão da princesa, mas não limpava seu passado. Não limpava seu nascimento bastardo. Ele não queria brincar de bonecas com a garota que diziam herdeira do trono. Ele sabia para o quê viera, sabia quais eram suas intenções e principalmente quais seus desejos. Não estava ali como se o vento soprasse naquela direção. Observou cautelosamente seu oponente mover a mão para a direita e então empurrarem frente a torre superior.

Sorriu. Caminhou com o cavalo para a casa F4. Otto encarou o tabuleiro por alguns segundos e estalou a língua. Agarrou sua Rainha e jogou-a até o cavalo, eliminando-o. O homem deveria estar pensando que era muito inteligente e que ele era um completo bobo, ou que havia errado a jogada. Com calma quase divina, Dunkel colocou o peão uma casa acima e logo em seguida para a diagonal, eliminando a Rainha de Otto.

– Não vale. Peões andam uma vez.

– É a primeira vez que o movimento, logo posso andar duas casas. Eu optei por caminhar uma casa em frente e uma em diagonal, para devorá-lo. – sorriu – Agora é sua vez.

– Você perdeu um Cavalo apenas para eliminar minha rainha.

– Prioridades. – Dunkel deu de ombros. – Alguns soldados rasos têm de morrer para que os cavaleiros alcancem o campo em vantagem.

– Sábio. Mas não muito esperto. – Otto esticou sua torre até o outro lado do tabuleiro e apanhou o Bispo de Dunkel, que até então estava solitário e esquecido. Piscou os olhos, tentando entender como não o vira antes. Mas Otto já estava relaxando os ombros – Vamos, é sua vez.

A torre estava a duas jogadas do rei. Dunkel moveu sua torre para frente dele , protegendo-o. Otto suspirou e empurrou um cavalo em L até o peão que havia eliminado sua Rainha. Antes que Dunkel pudesse sequer demonstrar sua perplexidade em relação as jogadas do oponente, a porta abriu-se e dela emanou luz, como se fosse o próprio Sol, mas era apenas uma garota segurando um candelabro grande demais para suas mãos delicadas. Ela fechou a porta com rapidez e se aproximou deles, colocando as velas ao lado do candelabro que ele e Otto usavam. A sala estava escura de propósito, para que ninguém achasse que estivessem ali. A garota sentou-se sobre uma das pernas de Otto e lhe beijou o queixo, a cabeça pousando logo em seguida sobre seu ombro.

– E Xeque. – Otto disse, sorrindo. Sorria para a garota, e não para sua belíssima jogada. Dunkel moveu a torre até o cavalo e eliminou-o. Otto sussurrou algo no ouvido da moça que enrubesceu instantaneamente. Dunkel odiava ter de aturar ambos, mas fazia parte do acordo. Prioridades.

– É sua vez. – disse.

– Espere um pouco garoto – Otto moveu a Mao, pedindo tempo, e em seguida segurou o rosto da moça e beijou-a com doçura. Ela retribuiu, ávida, quase ardente. Dunkel queria colocar para fora seu jantar com o Rei, mas não pôde fazê-lo pois as ânsias eram mentais. – Prioridades – ele disse, entre sorrisos – Sabe como é.

– Não, e prefiro não saber como é ser enlaçado por uma mulher qualquer e transparecer ser um bonifrate em suas mãos. – disse, com o sarcasmo que apenas ele podia usar com Otto. O senhor gargalhou de satisfação.

– Pois bem, sobra mais para mim. Os garotos de hoje não sabem o que é uma boa mulher para fazê-lo de bonifrate.

Cora sorriu, seu sorriso de víbora, aquele que Dunkel tanto detestava. Tudo naquela mulher cheirava a veneno, desde seus cabelos sedosos até a saia com pregas de seu vestido carmesim. Ela escondia segredos, disso podia ter certeza. E não jogava o jogo de Otto, jogava seu próprio jogo, movendo as suas peças, tramando a sua vitória. Mas Dunkel era fiel ao seu comandante, afinal fora treinado para tal. Com um movimento leve de cabeça, ignorou completamente ambos e moveu uma das peças no tabuleiro de xadrez.

– Xeque. – disse.

– Tudo bem, você ganhou, não consigo prestar atenção em nada quando a tenho comigo – Otto depositou um beijo estalado no corpete da moça. Dunkel desviou os olhos. Tinha realmente que ficar ali? – Oh, sim, é mesmo. Cora, querida, o que veio fazer aqui?

– Vim avisar que a senhora sua esposa já chegou ao castelo. Está com as filhas, mas não vi o pequeno herdeiro. – a moça balançou os ombros. Ela falava de Jenell com naturalidade, como se o fato dela ser a esposa legítima de Otto não a incomodasse nem um pouco. E Dunkel não duvidava nada.

– Bem, tenho de fazer mais deveres de esposo. – Otto suspirou. – Mas me guarde mais uma rodada, Dunkel, eu ainda não terminei com você. – e sorriu.

– Pode deixar, capitão. – Dukel se levantou e bateu continência, enquanto Otto se despedia de sua amante com um beijo longo e apaixonado, envolvendo saliva, língua e mãos em locais inapropriados (algo que Dunkel ignorou completamente, é claro).

– Não a roube de mim. – Otto disse antes de fechar a porta atrás de si.

– Como se eu brincasse com cobras. – ergueu uma sobrancelha, mas a moça apenas soltou uma risada divertida e lançou os cabelos sobre o ombro direito. Ela realmente parecia uma cobra, com seus olhos vidrados, esperando o momento perfeito de atacar.

– Você tem um senso de humor fascinante, Dunkie.

– Dunkelheit. Para você é Senhor Falk. Sou um comandante de exército.

– Oh, mas é claro. – a garota se inclinou, deixando o decote cair pelos ombros. Ah, ótimo. Dunkel ergueu seus olhos para o lustre e contou até quinze, antes que ela gargalhasse. – Você é tão inocente, Dunkie.

– Dunkelheit.

– Tudo bem, tudo bem. Pode me chamar de Cora, se quiser. – ela deu de ombros, como se isso fosse uma piada. – Mas você não me engana – sua voz mudou drasticamente de entonação, de uma piada leve, para uma repreensão grave. – Pode até enganar os olhos de Otto, mas eu sou mais esperta. Eu sei o que você é e sei até onde irá. É melhor escolher logo seu lado do tabuleiro. – e então pousou os olhos sobre o jogo de xadrez – É um ótimo jogador, aliás. Mas... – se aproximou da mesa e moveu uma das peças, um peão que era de Otto e estava sendo ignorado. – Tome cuidado com as oportunidades que você abre para seus adversários – e então derrubou seu cavalo, desarmando sua jogada para matar o rei de Otto e colocando o tabuleiro contra ele. – Mas eu gosto de você, Dunkie. – e então seu sorriso de primavera voltou – Eu gosto muito.

Cora era uma beleza rara, era impossível não olhá-la enquanto andava pelos corredores do castelo. Mas mulheres bonitas sempre ligaram um sistema de alerta em Dunkel. Ele sabia que elas não eram meros rostos para se apreciar, as mulheres eram as melhores atrizes do mundo, e às vezes muito mais espertas. Sorrateiras, normalmente ignoradas. Estão em uma ótima posição para se entranharem no mundo da política.

– Dunkie, você é um homem como todos os outros – ela sussurrou, arrepiando seus cabelos, até o pé da nuca. Dunkel não queria sentir aquilo, mas era impossível enquanto uma mulher lhe sussurrava daquele jeito. Às vezes daria tudo para matar Cora e toda a sua raça de mulheres excessivamente sedutoras. Ela jogou os cabelos para trás, revelando mais de seus ombros e decote. – Você não me deixa escolha. – e então se virou abruptamente, interrompendo a paisagem de Dunkel. Ruborizou, completamente consternado com a recaída. – Até mais, Dunkie.

Deixou-a ir sem mais uma palavra. Na verdade, agradeceu aos céus.

º º º

Abaixou a viseira sobre o rosto, escondendo-o e deixando apenas as frestas dos olhos. Conseguia ver seu oponente e a multidão atrás dele, mas não mais que isto. Era tudo o que precisava. Enfrentaria um dos garotos que viera do campo tentar a sorte contra um profissional. Tinha certa pena dele, pois não queria machucar pessoas inocentes. Aceitou a lança que seu escudeiro lhe entregou. Havia chovido fazia menos de uma hora e a terra ainda estava mole. As patas do cavalo afundavam lentamente, tinham de lutar logo. E era melhor não cair.

– Tudo bem, Hans, obrigado por tudo – disse e afastou o escudeiro – Saia da arena antes que se machuque.

– Eu sei, senhor. – Hans fez uma reverência desnecessária e saiu saltitando para a única porta do cerco. O escudeiro do outro rapaz também se retirou, deixando apenas eles, os cavalos e as lanças. Dunkel sabia que todos olhavam e apostavam, mas isso não o incomodava. Em compensação, o garoto fazendeiro deveria estar tremendo de medo de cometer um erro na frente da nobreza. A primeira luta terminou com a vitória de um dos garotos camponeses, o que deu esperança aos outros, mas após cinco rodadas, nenhum outro conseguiu reproduzir a façanha.

O primeiro ministro anunciou o duelo, as trombetas tocaram e foi dada a permissão para correr. Enfiou as botas na barriga do cavalo e ele obedeceu ao comando. O outro rapaz demorou mais para entender e incitar seu cavalo para a frente. Lanças esticadas. Ele mal conseguia sustentar sua arma. Dunkel mirou sua mão e ficou segurando a lança com força. A ponta espetou os dedos do garoto e ele gritou, soltando a sua lança e recolhendo o braço instintivamente. A multidão riu. Dunkel não queria dar um espetáculo, ele só queria terminar aquilo o mais rápido possível. O menino, sem a lança, chamou por seu escudeiro que lhe trouxe a espada. Dunkel aceitou a espada de Hans e trocou a lança.

Voltaram para as posições e recomeçaram a correr de encontro um para o outro. Pouco antes de se encontrarem no meio, freou o cavalo e se ergueu nos arreios, segurando a espada no alto da cabeça, com a mão muito firme. O menino encolheu-se ao ver seu tamanho, mas fez o mesmo, gritando e vermelho, cheio de adrenalina. Era entediante vê-lo tão motivado com apenas um combate de entretenimento. Ele não duraria muito tempo em batalha real. Quando ele estava alcançando-o, com a lâmina da espada voltada para sua cabeça, abaixo-se e incitou o cavalo para a frente, o garoto passou por ele e no momento que seu braço erguido passava por cima da cabeça de Dunkel, usou o cabo da espada para acertar um golpe duro nas costelas do rapaz e ele caiu da sela, tossindo forte, a lama cobrindo-o como um cobertor. E novamente, a multidão riu.

– Sexto duelo. Campeão: Dunkelheit Alan Falk.

Dunkel suspirou, tirando o capacete e girando o rosto para a plateia. Encontrou o local onde a família real estava assentada. O rei, Otto, sua esposa filhas e a princesa Hannelore, todos olhando-o de volta. Bradou a espada e ergueu o cavalo sobre duas patas, as donzelas se levantavam para aplaudi-lo, loucas de amores pelo cavaleiro tão esperto. Mas os olhos de Dunkel estavam sobre ela.

– À princesa. – disse e com isso fez uma reverência sobre o cavalo, virando-o em direção aos portões e trotando com ele até lá, como se tudo fosse apenas mais um episódio de sua pacata vida na Corte.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo que eu (Meell Gomes) postar, já haverá romance (estamos enrolando demais para o meu gosto). Espero que tenham gostado! Comentem, favoritem e recomendem, caso acharem que a Fanfic merece ^^