Narrador: Jack Frost

Eu abri o diário com cuidado. Noel tinha me entregado o caderno com imensa delicadeza, pois suas páginas já estavam fragilizadas e amareladas devido aos séculos em que passou guardado.

—Eu o li inteiro assim que o recebi.- Falou o bom velhinho- Queria entender o motivo dessa correspondência estranha. Normalmente eu só recebo cartas de natal e de crianças. Nunca de uma mulher já feita, quanto mais um diário inteiro. Peço que leia com calma, Jack, finalmente entendo a razão de tudo isso. Me procure no escritório da fábrica quando terminar.

—Certo... vou ficar sentado perto dessa janela de vidro, ok?

— Ok, fique a vontade. Deixe-me ir, acho que os duendes vão endoidar os yetis se eu passar muito tempo longe. Sabe como eles são.

Eu ri forçadamente, só queria que ele fosse embora logo para que, em minha solidão, pudesse me dedicar as memórias de Elsa.

Assim que Noel saiu me sentei e iniciei a leitura. A primeira parte era toda sobre a sua infância. Trazia lembranças tristes, lamentos sobre ter acertado a irmã com o poder e a saudade das brincadeiras. Logo cheguei ao momento em que entrei em sua vida.

“Que garoto petulante!! Eu o detesto diário, ele não sai da minha porta. Será que não entende que sou perigosa?”

Em outra parte escrevia.

“Mas ele é engraçado.”

Fui lendo dia após dia do que ela relatou. E Elsa escrevia tudo, desde sentimentos até os encontros com apenas a porta entre nós. Demorou, mas finalmente cheguei na parte em que ela abriu aquela maldita fechadura. Só então começamos a brincar pessoalmente.

O tempo foi passando. Logo cheguei a sua adolescência, nossa adolescência.

Ela relatou um episódio engraçado em que, em um momento de distração de minha parte, falei sobre uma ajudante de cozinha muito bonita. Elena.

“Não sei quem é essa tal “Elena”, diário, mas juro que tenho vontade de demiti-la. Sei que é crueldade e infantilidade, mas não consigo gostar dessa menina. Acho... acho que estou com ciúmes do Jack. O que isso quer dizer?”

“As vezes sinto impulsos de toca-lo, mas tenho medo. E se eu o congelar? E se eu o matar? Sou perigosa.”

Os dias foram passando. As páginas que falavam da saudade da irmã eram as mais tristes, porém ela sempre dizia coisas como :

“Ao menos tenho o Jack. Ele vive dizendo que sempre estará aqui para mim. Eu quero acreditar... eu preciso acreditar. “

Tentava encontrar em mim um consolo. Meu coração apertou. Eu a deixei. Se eu pudesse morrer sinto que já o teria feito de raiva.

Quando o Rei e a Rainha faleceram o mundo pareceu desabar. As páginas aparentavam já terem estado molhadas, provavelmente ela as tinha congelado.

Então relatou o nosso primeiro beijo.

“Eu o beijei. Eu me permiti diário. Sei que foi imprudente, mas eu precisei. Ele foi à única pessoa, em anos, que eu pude encostar sem medo de congelar. Mesmos meus pais eu não conseguia abraçar ou tocar. Sempre saia gelo de minhas mãos e eles ficavam apavorados... mas Jack... Jack não tem medo. Ele não ter medo faz com que eu também não tenha medo. Acho que por isso não o congelei. Acho que nele eu posso tocar, eu posso cuidar, eu posso amar, diário! E eu o amo. Ele é tudo que restou. Não posso perde-lo, não posso.

Anna chorou em minha porta momentos antes dele chegar. Eu queria tê-la abraçado. Meu Deus, por que não posso cuidar de minha irmã sem a machucar? E por que esse mundo idiota tinha de levar meus pais de mim?

Jack é tudo que tenho. O único de quem consigo me aproximar, o único que, por alguma razão, não machuquei. Não deixarei esse poder, esse gelo amaldiçoado, o tirar de mim.”

Ironicamente, mesmo que não pelas mãos dela, morri congelado.

Meu coração parecia que ia explodir e minha cabeça seguiria seu exemplo sem pestanejar. Eu a deixei, inferno. Ela precisava de mim e eu a deixei!

Passei para as outras páginas. Elas ficavam mais alegres quando começamos a namorar. Elsa dizia o quanto gostava de me beijar, o quanto tudo era natural conosco e o quanto era bom estar ao meu lado, mesmo quando não conversávamos nada.

Vale salientar que nem tudo era sobre mim. Tinham altas resenhas sobre os livros que lia, seus pensamentos e sentimentos diversos. Muitas páginas sobre a irmã e todos os gostos de Elsa, seu amor por chocolate, por exemplo.

“Tem coisa melhor que chocolate, diário? A cozinheira fez um bolo inteiro para mim! E quer saber? Vou comer tudo sozinha.”

Até chegar o dia de minha morte. Virei à página, extremamente tenso, querendo saber o que ela diria.

Foi então que me surpreendi.

As datas pulavam. Elsa voltou a escrever um ano depois de minha morte, antes disso não existia nenhuma palavra a respeito de coisa alguma. E quando retomou a escrita não mencionou nada a meu respeito. Nem uma palavra, nem um lamento. Quase como se a Princesa do Gelo tivesse tentado... me apagar.

Ela narrava sobre a sua preparação para ser rainha. O quanto era duro esconder dos professores que tinha poderes e evitar a Anna pelos corredores do castelo.

“Eles vão descobrir! Não sei como continuar escondendo. Estou com medo, mas tenho de conseguir.”

Chegou o dia da coroação.

“É hoje, Deus me dê forças, por favor...”- Houve uma pausa e as letras a seguir ficaram falhas, nervosas- “ Queria que ele estivesse aqui.”

Tremi. Era a primeira vez em anos que ela escrevia sobre mim. Eu sabia. Eu sentia.

Mais datas puladas. “Estranho”, pensei.

Foi quando diversas páginas surgiram com um relato incrível. O dia da coroação, a fuga de Elsa, o noivo de Anna, Kristoff, um castelo de gelo (wow!), gigantes de gelo, bonecos de neve que falam ( minha nossa!!!), ela acertando a imã, trolls, o quase assassinato de Anna, Hans quase a matando , tentando roubar o trono, e Anna a salvando com o amor. Se sacrificando por ela e com isso dando a prova de amor verdadeiro.

Eu fechei o caderno por um instante. Elsa passou por tudo isso e eu não estava lá para ajuda-la. Ela... Homem da Lua, ela quase morreu e eu não estava lá para protegê-la. Senti-me a pior criatura do mundo.

Mas, graças aos céus, as páginas seguintes só traziam relatos felizes. O reino a recebendo, Elsa finalmente livre. Todos sabiam de seus poderes e aceitavam. Ela finalmente controlava seus dons, socializava, enfim estava com sua família.

Se antes estava triste, após ler esses relatos, eu pude respirar de novo. Minha Elsa finalmente tinha feito tudo que eu lhe dizia para fazer. Venceu o medo. Em seguida Anna resolveu se casar. Sorri. Elsa já previa isso em páginas anteriores.

Uma ideia me passou pela cabeça. Será que ela também casaria? Será que a Rainha do Gelo... teria encontrado outro?

Um lado meu detestou essa ideia, o outro... eu queria que ela tivesse sido feliz. Queria mesmo. Mesmo que não fosse comigo. Passei para a outra página morrendo de medo, tremendo, e o que li fez meu coração parar por quase um minuto.

”JACK VOCÊ VOLTOU E SEI QUE ESTÁ LENDO ISSO. VOLTE JACK. ESTOU ESPERANDO. Você prometeu...”

Letras garrafais pareciam saltar do caderno. Depois disso não existia mais nenhuma página escrita. O resto do diário estava em branco.