Aline

Dou a volta em mais um quarteirão, correndo. Já que hoje não tive aula de natação, coloquei minha roupa de corrida e fiz um tour pelo bairro. O sol já estava se pondo, deixando o céu um espetáculo. Pelo canto do olho via meu segurança correndo um pouco distante para não chamar muita atenção.

Papai insiste que eu ande com seguranças para onde eu for, para minha proteção, mas acho que na verdade ele quer me vigiar pra ficar a par de tudo que eu faço, saber se eu não vou cometer nenhum deslise. Ele nunca me proibiu de fazer as coisas que gosto, mas acho que ele tem um pouco de receio comigo por eu ser quem sou. Filha de Annelize Peeples, a mulher que abandonou meu pai e ainda deixou para trás uma filha, com menos de uma semana de vida.

Nunca tive amor de mãe e meu pai sempre foi muito fechado, nós eramos unidos e vivíamos bem, mas minha história é um pouco complicada; mas é a minha história. Não sei muitos detalhes, pois papai não gosta de falar da minha mãe –se é que posso chamá-la assim –, mas sei o necessário para dizer que ela não foi uma pessoa boa.

Papai, um jovem Dois muito bonito, se casou com ela aos 25 anos de idade, não pode resistir aos encantos de Annelize e ficou perdidamente apaixonado por ela. Se casaram, compraram uma casa, abriram um grande império multimilionário, e em seguida, Annelize engravidou de papai. Tudo ia bem e os dois estavam ansiosos pela chegada do bebê, mas nem tudo era o que parecia. Pelo que sei, mamãe não queria o bebê tanto quanto demonstrava, pois deixou a mim e a ele sem nem ao menos deixar uma carta ou algum tipo de explicação. Apenas foi embora e nunca deu notícias.

Depois que foi abandonado papai deixou de fazer festas nas datas comemorativas e aniversários. Sempre viveu em seu escritório. Passei minha adolescência tentando impressioná-lo através do estudo e mesmo assim não tive resultados.

Quando ele casou-se novamente foi uma surpresa para mim, nunca o vi saindo para festas ou coisa parecida, pois quando não estava dormindo, estava no escritório. Tive esperanças de que essa nova esposa fosse ajudar papai, trazer alegria para nossa casa. Gostei dela quando a conheci na cerimonia de casamento, até conhecer sua filha Sierra.

Sierra sempre deixou claro que nunca gostaria de mim, como irmã, e ultimamente tem ficado impossível aguentá-la. Ela sempre faz de tudo para colocar a culpa em mim quando faz coisas erradas e sua mãe sempre a protege. Papai deveria acreditar em mim, já que eu sou sua filha, mas ele prefere acreditar na palavra de Sierra. Somos da mesma idade, mas ela parece ser mais infantil do que eu, com seus planos diabólicos e sorrisos debochantes.

Bradley, irmão mais velho de Sierra, até tenta me defender, mas basta um olhar de repreensão da mãe e ele se cala. Já estou me acostumando a viver as custas das maldades das duas, mas isso não quer dizer que seja fácil aguentá-las.

Foi por esses motivos que me inscrevi na Seleção, ficar fora de casa por um tempo seria ótimo. E eu poderia provar para meu pai que eu não sou a imagem que Eliza e Sierra fizeram de mim. Provaria que não sou igual a minha mãe.

Viro a esquina da rua onde moro e diminuo o passo. Prescot – meu segurança – para em frente ao portão e digita a senha. Entro na propriedade e agradeço a ele por me “acompanhar”. Quando estava prestes a entrar em casa esbarrei em Bradley, tombei e caí no chão.

– Oh, Ali, desculpe – fala e me ajuda a levantar. – Você está bem?

– Estou, não precisa se desculpar Bred.

Bredley sempre é assim e nunca consigo entendê-lo. Ele sempre é gentil comigo quando sua mãe e sua irmã não estão por perto. Mas se elas estivessem aqui no momento em que caí, ele nem ao menos me pediria desculpas.

– Estou um pouco atrasado para uma coisa, os vemos mais tarde.

Assenti e logo depois que ele saiu fui em direção ao segundo andar para tomar um banho, mas antes que eu pudesse abrir a porta do meu quarto ouvi Eliza me chamando. Desci as escadas e fui até a sala de estar, onde ela estava.

– Me chamou, Eliza?

– Vá ao quarto de Sierra e pegue uma toalha para ela. Ela está na piscina – ordenou sem nem ao menos me olhar nos olhos, estava ocupada demais com sua revista teen.

Franzi a testa desconfiada. Desde quando Sierra perdeu as pernas?

Peguei a toalha e levei para Sierra. Odeio ser tratada assim por elas. Me pergunto quando papai finalmente abrirá os olhos.

Quando voltei para meu quarto tomei o banho que precisava. Deixei a água fria relaxar os músculos que estavam rígidos enquanto cantarolava, e demorei o máximo de tempo que pude dentro do banheiro, só para não ser incomodada por elas.

Depois de trocar de roupas e secar meus cabelos, saí do quarto para ir para a sala de TV, pois o Jornal Oficial começaria em poucos minutos. Estranhei em ver papai em frente a porta do quarto de Sierra.

– Aline, venha aqui – Papai chamou quando me viu sair do quarto.

Morde o lábio inferior e me aproximo dele. O que elas fizeram dessa vez?

– Sua invejosa. Você quebrou minha caixinha de música favorita. – Sierra gritou de dentro do quarto enquanto chorava.

Papai estava me olhando com um olhar severo, certamente achando que eu fiz isso.

– Você fez isso? – ele perguntou.

– Não, eu...

Foi aí que entendi o motivo pelo qual Eliza mandou eu vir pegar uma toalha no quarto de Sierra.

– Você foi a única que entrou aqui depois de Sierra e ela afirma que o objeto estava intacto.

– Papai, eu não fiz isso.

– Não minta para seu pai, Aline – Eliza me repreendeu.

– Eu não estou mentindo, acredite em mim papai.

Ele suspirou pesadamente e passou a mão pelo cabelo.

– Foi a única coisa que sobrou da minha avó – Sierra continuava chorando – e você a destruiu.

Minha vontade foi de ir lá e arrancar os cabelos dela. Não si nem ao menos o que fiz para ela pra ela me odiar tanto.

– Aline, vá para seu quarto e pense no que fez – papai ordenou e saiu.

Até quando ele vai me tratar como uma criança? Meus olhos queimaram com as lágrimas que estavam por vir. Corri para meu quarto e bati a porta tomada pela raiva. Sequei minhas lágrimas e respirei fundo, não podia me deixar ser abalada por mais uma idiotice daquelas duas.

Não sei quanto tempo passei no quarto e acabei me esquecendo do orário do Jornal Oficial. Só me lembrei quando Bredley abriu a porta do meu quarto, veio até mim e me abraçou. Fiquei um pouco atônita com o ato dele, porque até onde eu sei, ele sempre está do lado da mãe e da irmã.

– Vamos, ligue a TV no canal do Jornal – ele falou enquanto procurava o controle da televisão.

Quando ele ligou a televisão entendi o porquê de tanta alegria e ansiedade. Ele só queria passar na minha cara mais uma derrota.

– Droga! – sussurrou.

– Saia daqui Bred. Quero ficar sozinha.

Tomei o controle da mão dele para desligar a televisão e me deitei de costas para ele.

– Não, Ali, você foi sorteada. Não deu tempo de te mostrar, mas você também foi sorteada. – ele tocou meu ombro – Até fiquei boquiaberto quando ele disse “Aline Chermontt Dawson, de Paris, Designe de moda e cantora, Dois. Tem 18 anos.”

Uma pontinha de esperança cresceu dentro de mim. Sentei na cama e sorri para Bred.

Finalmente eu terei a chance de mostrar para meu pai que eu não sou igual a minha mãe e também ganhei a chance de mostrar para todos quem a Sierra realmente é.