Comente Depois de Ler escrita por Victoria


Capítulo 24
Capítulo 23 — Dizemos Adeus à Alice


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/617763/chapter/24

Era quase meio dia quando Soul se viu atravessando a rua onde morava, e agora a fome tinha começado a lhe perturbar. Ele já podia ver, mesmo que um pouco minúscula, sua casa esverdeada quase no fim da rua. O garoto veio o caminho inteiro com um pensamento indiferente em relação á tudo o que estava acontecendo. Ter contado tudo aquilo para a delegada foi literalmente um peso tirado das costas, embora seus ombros continuassem murchos. Realmente não importava se ela era chefe da polícia local ou coisa assim, apenas o fato de ter dito aquilo fez Soul conseguir respirar sem sentir os pulmões queimarem. Ele sentiu seu o coração mais fácil de carregar e – por um segundo – finalmente sentiu que sua culpa estava mais amena, e que em algum lugar, Alice o observava e o entendia; isso fez Soul querer sorrir. Ele podia sentir a irmã, e de alguma forma, sabia que ela estava bem.

Ele abriu a porta de sua casa, um silêncio de doer os ouvidos dominava o lugar. Mas ainda assim, a residência dos Ashter tinha cheiro de café da manhã e ao espiar para a cozinha viu que tinha pães, café e suco sobre a mesa. Catarina tinha encontrado forças preparar o café, Soul sentiu vontade de sorrir de novo. Soul pegou um pedaço de pão e um copo de suco, e os engoliu rápido, estava faminto. Então prestou atenção novamente no silêncio. Aquele silêncio que fazia parecer que uma lâmina fervente cutucava seus tímpanos com um chiado lento. O tipo do silêncio que escondia gritos e alguns soluços molhados.

Quando deixou a cozinha, Soul segurou no corrimão da escada e começou a subir em passos lentos, e encontrou a porta do quarto dos pais fechada, pensou em bater, mas ele sabia que eles tinham direito àquele momento de luto silencioso e solitário, então passou direto. Soul viu a porta do quarto de Alice e Lydia – agora somente de Lydia – entreaberto. Ele observou através da pequena brecha, até que, sem barulho nenhum, abriu a porta por inteiro, ficando parado na soleira.

Lydia estava em frente ao espelho de moldura escura, passando a mão pelo vestido negro que trajava, amarrando seu cabelo em um rabo de cavalo. Seus olhares se cruzaram através do espelho.

— Mandamos cremá-la. — Lydia abaixou o olhar e em seguida girou os calcanhares, ficando de frente para Soul, de costas para o espelho. — Vamos jogar as cinzas dela na praia.

Soul assentiu e olhou para a prima por mais alguns segundos, e percebeu que ela usava um dos anéis de Alice, sorriu por dentro, complacente. Deu uns passos pra trás e encostou a porta. E seguiu para seu quarto no fim do corredor, para colocar uma roupa singela e cinza. Ele não queria usar preto naquele dia.

Antes de deixar o quarto, Soul se olhou no espelho e ficou se perguntando como a feição de uma pessoa leve deveria parecer. Talvez mais robusta e saudável, mas Soul estava pálido e desgastado. Saturado. Ele não sabia como uma pessoa tranquila, ou menos conturbada, deveria aparentar, mas ele se sentia assim, e isso bastava.

Ele fechou a porta do quarto, e do alto da escada podia ver Lydia já sentada na sala, à espera do restante da família. E quase simultaneamente, Catarina e Henri deixavam seus quartos, em silêncio. Os três, – Soul e seus pais – desceram a escada juntos. Quando chegaram à sala, não houve palavra alguma. Até ouvirem a buzina do carro da funerária estacionar em frente da casa. Henri abriu a porta e pegou a urna de cinzas da filha.

Suas mãos tremiam, mas ele segurava a urna com destreza. Sem nenhuma palavra, Henri fez sinal para que todos saíssem de casa e adentrassem no carro da família, e assim fizeram. Catarina estava no banco da frente carregando a urna de Alice em seu colo. O caminho foi doloroso. Quando chegaram à praia da Reserva – e também um dos lugares preferidos de Alice quando viva – os quatro deixaram o carro, e caminharam pela praia durante quase alguns minutos, apenas sentindo a brisa e com pensamentos distantes.

— Aqui. — pela primeira vez naquele dia, ouvia-se a voz de Catarina.

Eles estavam caminhando em um calçadão acima do mar, e Catarina parou próxima a um muro baixo, que os dava uma vista linda das águas azuis cristalinas brilhando lá de embaixo entrando em contraste com a areia amarelada e iluminada pelo sol frio.

Henri abriu a urna de sua filha e observou as cinzas, pegou um bocado delas com a mão, – segurando as lágrimas – e a dispersou em direção á água. As cinzas de Alice foram para lados distintos, em comando do vento. O processo foi repetido por todos eles. A vontade de cair em choro foi muito forte, mas todos a seguraram, e quando os últimos resíduos de cinzas sobraram na urna, Catarina deixou que o vento os levasse. Lydia e Soul decidiram caminhar pela praia antes de voltar para o carro, enquanto seus pais continuavam apoiados no muro baixo observando o mar.

Lydia carregava uma rosa amarela, simbolicamente, enquanto Soul andava com as mãos enfiadas no bolso, eles já tinham decido o calçadão e estavam ao nível do mar. Em um momento distinto, os dois pararam e sentaram-se num banco de pedra, em frente ao mar, onde o vento com cheiro de maresia bagunçava seus cabelos e secava suas gargantas. Lydia repousou a rosa em seu colo.

— Eu sinto como se nunca fosse me sentir bem de novo. — ela disse em um soluço, finalmente parando de segurar o dilúvio em seus olhos, pondo a mão direita sobre o rosto e deixando as lágrimas caírem. — É como se eu fosse sentir a falta dela pra sempre.

Lydia esfregou os olhos com as costas da mão, sem espantar a expressão chorosa. Fungou novamente, e deixou outras lágrimas escorrerem pelo seu rosto, então ergueu o olhar para o mar à sua frente e depois para Soul, ao seu lado.

— Sinto como se a qualquer momento, ela fosse aparecer, nos assustar e rir da nossa cara. — com um sorriso doído, Soul deixou lágrimas escaparem também, secando-as com as pontas dos dedos. — Eu vou sentir essa culpa e essa falta, até os meus últimos dias.

Lydia apoiou a cabeça no ombro de Soul, e ele a abraçou de lado com o braço direito, apertando-a para si. E de alguma forma Alice os observava, e ficava feliz por ver o apoio que estavam dando um ao outro. Feliz por saber que da forma que Lydia a protegeu, ela protegia Soul; e da forma que Soul a amou, ele amava Lydia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigada MESMO por terem chegado ao fim da história. A partir daqui temos um epílogo muito legal narrado pelo Soul. ♥