Comente Depois de Ler escrita por Victoria


Capítulo 25
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥33



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Não lembro quando a dor começou a ser suportável. Já vai fazer seis meses.

   Nas primeiras semanas, papai saiu do emprego, passava o dia fora e chegava bêbado. Eu quase não via a mamãe, ela passava o dia inteiro no quarto, chorando, totalmente depressiva. E também nunca vi Lydia estudar tanto. Era difícil encontrá-la "fazendo nada". E acho que era o que todos nesta casa estavam fazendo: ocupando suas mentes ao máximo que podiam, seja o entorpecendo com álcool, com lágrimas inacabáveis ou com matérias escolares.

Mamãe se ocupava em se esconder para não nos encarar e ver piedade nos nossos olhos, ela sofria muito. Papai usava o álcool para inibir a sua falta e Lydia ocupava sua cabeça com cálculos para não pensar que poderia ter agarrado seu braço antes que você se atirasse para morrer. Eu? Bom, eu tentei me matar.

Por favor, Alice, não fique triste com isso, eu estava me sentindo melhor após meu depoimento com a delegada, mas melhor não é bem. Eu estava péssimo e absorto em culpa e dor, eu sentia que merecia ter um fim. E quando eu estava pronto para me jogar de uma ponte, Lydia apareceu gritando, e papai e mamãe vinham logo atrás.

   Essas foram nossas primeiras semanas delicadas, as coisas mudaram após meu quase suicídio. Todos entraram no acordo de que eu só quase me matei por que minha própria casa estava morrendo, ou algo assim. Após isso, mamãe saía de manhã para caminhar, e passou a assistir sitcoms idiotas com Lydia. Papai procurava um novo emprego e tinha decidido adotar um cachorro, o Mike, ele é grande e bobo. Você o adoraria, Alice. Em algumas noites Lydia dorme na sua cama e usa seus acessórios, ela diz que a faz ter você por perto. E eu fui encaminhado para uma psicóloga, a Dra. Maya Callister , eu gosto muito dela, ela me ajudou bastante a seguir em frente e inclusive estou escrevendo essa carta pra você por recomendação dela.

Enfim, as coisas estão melhorando, estamos todos melhorando juntos e sentimos sua falta e te amamos pra sempre. Ah, e eu ouço nossos pais comentarem sobre uma mudança de casa, não é incrível?

 (...)

   Aquela tarde fria. Papai e mamãe finalmente saíram de casa até uma imobiliária a procura de uma nova casa. Estávamos apenas eu e Lydia na sala, ela sentada no sofá e eu na poltrona, a TV estava ligada em som mínimo. Eu conseguia ouvir apenas o som do meu chiclete mascando. Mike saltou no sofá e se aconchegou ao lado de Lydia, que começou a fazer carinho atrás de sua orelha, o danado se arreganhou todo e Lydia sorriu, começando a acariciar a barriga gorda do cachorro.

— Soul, que nojo. — minha prima me olhou com desprezo ao se cansar dos repetidos sons do chiclete.

 Antes que eu argumentasse, o telefone tocou em um som estridente. Lydia se levantou preguiçosa, sendo seguida por Mike, até o telefone residencial.

— Alô? — ela atendeu no segundo toque, e fez uma expressão confusa. — Ah, okay. Só um minuto.

Lydia esticou o telefone em minha direção.

— É pra você. — ela murmurou, balançando o aparelho.

Franzi o cenho e caminhei até Lydia, peguei o telefone

— Oi. — cumprimentei em um tom baixo.

— Soul Ashter? — a voz feminina perguntou.

— Sim, com quem falo? — perguntei.

— Sou Isabelle Johnson, consultora chefe e descobridora de talentos da editora San River. — Isabelle tinha um tom de voz muito bonito e sério, parecia ser do exército.

— E por que está me procurando? — perguntei.

— Eu soube sobre sua história no Dark Side Home. Eu a li, na verdade. Li o pouco que...

— Não estou disposto a dar entrevistas sobre o assunto. — fui sucinto.

— Não é isso. — Isabelle pareceu quase ofendida. — Lemos os primeiros oito capítulos presentes no site, oito capítulos de Cemitério das Cinzas. Soubemos que é a história pertence ao senhor. Estamos interessados em publicar! Você já tem o livro encerrado?

— Não. — sinto que fui grosseiro. — Aliás, eu parei de escrever já faz muito tempo.

— E nem tem interesse em continuar? — Isabelle insistiu.

Isso me fez pensar. Por muitos dias eu tinha tido ideias novas que eu poderia aplicar naquela história. A pergunta da mulher me fez questionar e perceber que eu queria escrever novamente, que eu gostava daquilo, de traçar destinos. Fazia eu me sentir vivo. Eu queria, mas não sabia disso, até agora.

— Sr. Ashter? — a voz de Isabelle me despertou do outro lado da linha.

— Não estou interessado, Srta. Johnson. — falei ríspido e pus o telefone no gancho. — Boa tarde.

Pus o telefone no gancho e retornei à poltrona. Lydia me encarava com expectativa.

— Então? — ela me olhava curiosa.

— Não é nada. — me levantei novamente e fui em direção à escada.

— É sim, o que queriam com você? — Lydia levantou-se.

— Nada, Lydia. Volte a ver TV. — pedi e entrei no meu quarto.

(...)

Na noite daquele dia, eu me remexia em minha cama. Eu fechava os olhos, mas não conseguia cair no sono. Minha imaginação estava explodindo, mil ideias estavam penetrando em minha mente. Eu precisava escrever tudo o que estava brigando pra sair de mim. Diálogos, cenas, lugares, enredos e complementos maravilhosos para Cemitério das Cinzas me perseguiam incessantemente. Ideias que dariam certo. Sentei-me na beira da minha cama, passei minhas mãos geladas pelo meu rosto, esfregando-o. Bufei. Forcei-me a dormir até conseguir me perder no sono verdadeiramente.

E isso continuou durante dias, quase semanas a fio. Aquelas ideias borbulhando em minha mente, eu sentia vontade de escrever novamente. Porém, isso me lembraria de momentos que me remetiam à outra pessoa. Enzo. Consequentemente, me lembraria da perda da minha irmã. Eu estava com a cabeça lotada como um estacionamento de supermercado.

— Por favor, vê se dorme hoje. — Lydia pediu, desligando as luzes da sala, e em seguida passando por mim.

Ela seguiu para as escadas, entrando em seu quarto por fim. Eu fiquei sentado no sofá, naquela escuridão pouco nítida. O sono vinha, mas eu não conseguia agarrá-lo, então, me deitei por uns minutos. A insônia continuava ali presente. E ainda havia mosquitos ordinários zumbindo no meu ouvido. Uma hora, duas horas, três horas, já estava ficando tarde, eu estava sendo engolido pela madrugada. Desisti daquela luta interminável contra a minha verdadeira vontade e então pus meus chinelos e vesti meu casaco que estava no chão e levantei do sofá.

Segui para o canto da sala e liguei o computador e em seguida a luz da sala. Acessei a lixeira do computador e restaurei um arquivo antigo, intitulado "CDC.01", as iniciais de Cemitério das Cinzas. Eu nunca consegui excluir de verdade. Abri o arquivo, e li os oito capítulos existentes e já postados. Aquilo despertou ainda mais os meus pensamentos e ideias. Então eu escrevi. Um, dois, três capítulos de quase quatro mil palavras. Eu nunca me senti mais livre, eu estava continuando algo que nunca deveria ter parado. Encerrei o último capítulo daquele dia, olhei o relógio, e já mais de cinco horas da manhã, o sol nasceria em breve.

Bocejei, desliguei o computador e cambaleei até o sofá, e enfim, dormi. Mas eu tive um sonho interessante naquela noite.

— Ah! Nem vem! Você também amou. — Alice gargalhava, empurrando meu ombro.

— Sim, é uma ótima história. — tentei parecer mais animado.

Alice, Lydia e eu estávamos lendo Cemitério das Cinzas pela primeira vez. Na verdade, elas estavam lendo pela primeira vez. Alice estava no computador, eu no notebook e Lydia no celular. Alice havia descoberto a história há poucos minutos, enquanto procurava algo no gênero de terror/suspense no site Dark Side Home.

— É fascinante! — Lydia suspirou terminando o segundo capítulo.

— Eu já estou no quarto capítulo! — Alice exclamou animada. — Galeno é incrível! E aterrorizante! Adorei!

— Que bom que gostam tanto. — murmurei baixo. — Não fiquem viciadas. Histórias acabam, e nem sempre com um final feliz.

Alice me jogou uma almofada.

— Você é ridículo! — ela cuspiu. — Pois bem, eu espero que vire livro um dia.

— Isso não vai acontecer, Alice. É uma história online. — dei os ombros. — Escritores amadores são dificilmente descobertos.

— Não importa. Eu amo essa história! Se virar livro, vou comprar vários exemplares! — Alice girou na cadeira. — Ai, é o meu novo sonho.

Ela ria animada.

— Você sonha com porcarias. — debochei.

— Pelo menos eu acredito nelas. — Alice deu um sorriso sincero e voltou a ler sua nova história preferida.

Então eu acordei com Lydia sacudindo o meu ombro.

— É quase meio dia! — ela gritava.

Quando abri meus olhos, vi a imagem de uma Lydia estressada tentando me acordar. Rapidamente fui remetido com as imagens do meu sonho, e por fim, concluí que não era um sonho, e sim a reprodução das minhas lembranças do dia que elas conheceram Cemitério das Cinzas. Tudo foi real, Alice desejava mesmo aquilo.

— Bom dia. — respondi ainda sonolento. — Eu acho.

Cocei meus olhos.

—A h, você perdeu. — Lydia se jogou na poltrona — Tia Cat me mostrou o encarte da possível casa nova, vamos mesmo nos mudar.

Fiquei em silêncio por alguns segundos notórios. Aquela notícia realmente me agradava. Levantei-me do sofá meio cambaleante e com um incômodo bafo. Caminhei devagar até o telefone fixo, vaguei pelas informações das últimas ligações e parei no número de Isabelle Johnson, fiquei acariciando o botão verde.

— Você lembra? — desviei o olhar do telefone, até Lydia.

— De quê? — ela me olhou.

— Quando Alice disse que sonhava com o livro de Cemitério das Cinzas.

Eu precisava confirmar se aquilo não era apenas sonho.

— E você disse que ela "sonhava com porcarias". — Lydia riu, fazendo aspas nos dedos. — É claro que me lembro. Mas por que isso agora?

Não era apenas um sonho. Eu dei um sorriso de canto e cliquei no botão verde do telefone, e o pus na orelha. Atenderam no quarto toque.

— Bom dia, aqui é Soul Ashter. E eu vou terminar a história pra vocês. — falei com determinação.

Três meses depois.

A mudança estava quase encerrada. A última viagem do caminhão havia sido feita e as últimas caixas descarregadas na calçada da casa nova. Estávamos amontoando tudo que trazíamos da calçada pela sala, planejando organizar tudo melhor com a chegada do final de semana. E no fim do descarregamento, todos se jogaram no sofá, ofegantes, suados e exaustos. Mike saltou pro colo do meu pai, o cachorro já tinha corrido por todos os cômodos da casa nova três vezes, ele estava muito animado.

Eu vinha atrás deles, carregando uma última caixa. Passei pela porta de entrada e a fechei antes de ir para sala. A casa era pequena, e linda. A sala tinha paredes brancas e o chão era da cor de carvalho que combinava com o tom do sofá e das cortinas. A sala se ligava a cozinha de paredes cor de vinho. No segundo corredor, tinha três quartos. O dos meus pais, o meu e o da Lídia.

Nos fundos tinha uma fresca varanda onde planejávamos colocar redes e usar o espaço para cultivar pequenas flores e hortaliças.

— Estou ansioso. — sorri nervoso, me sentando no sofá entre meu pai e minha mãe, enquanto fitava a caixa média em minhas mãos.

Lydia estava ajoelhada na minha frente, olhando a caixa em minhas mãos. Mike lambeu meu rosto, como se ele soubesse o que estava acontecendo e estivesse me parabenizando. Eu examinei a caixa com cuidado, meu coração estava acelerado. Aquela era a caixa com os meus primeiros vinte exemplares físicos de Cemitério das Cinzas.

— Abra. — mamãe afagou minhas costas, sorrindo.

Papai estava inquieto e eu podia ver ansiedade no olhar de Lydia. Todos aguardavam com expressões ansiosas, então enfim eu abri a caixa. Minhas mãos tremiam. Retirei o primeiro livro, e alisei a capa. Meus dedos dedilharam sobre o título em alto relevo, assim como meu nome no canto. A capa era escura em preto, com uma sombra misteriosa, que representava Galeno. Sorri largamente, e comecei a folheá-lo. A primeira folha – antes do prólogo – era a minha favorita.

Ela dizia:

Para Alice, a maior sonhadora que já conheci.

Fim.


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Notas finais do capítulo

Obrigada demais por ter chegado até aqui ♥