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Capítulo 23
Capítulo 22 — Melancolia II


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥



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— Soul, você nos contou até a parte em que Enzo foi internado e você foi Anonimato. Mas como soube da sala de bate-papo? Presumo que você saiba muito sobre isso, já que sabia exatamente o local e o momento em que Enzo tentaria... — Elizabeth ficou sem graça. — Tentaria atacar Alice.

Atacar. Um eufemismo para assassinar brutalmente. Soul respirou fundo e permaneceu focado, sem deixar a vontade de chorar acometê-lo novamente.

— Após duas semanas que Enzo tinha sido internado, eu voltei a mexer no site de histórias.

Então, depois de alguns dias, eu loguei no site, através da conta de Anonimato. Eu vi uma postagem nova lá.

“Olá! Convido vocês a se juntarem a essa sala de bate-papo. Onde viveremos aventuras incríveis com a temática de “Cemitério das Cinzas”. É só clicar no link que vocês serão direcionados diretamente para a sala e receberão uma mensagem privada com a senha! E então, você nunca quis viver sua história favorita?”

E logo abaixo tinha o link da sala de bate-papo, que obviamente tinha uma senha.

— Nós hackeamos essa sala e descobrimos essa senha. Era ALICIDIA. Junção dos nomes Alice e Lydia, sua prima e sua irmã. Se não foi você que criou a sala, se você na verdade é o mocinho — a delegada enfatizou com desgosto —, por que a senha implica algo da sua vida?

Elizabeth interrompeu Soul, olhando-a com desconfiança. Elton resmungou alto, pela primeira vez em duas horas, ele tinha manifestado estar ali.

— Esse daí — o antigo zelador apontou desgostoso para Soul. — Contou sobre a prima e a irmã para Enzo. Disse o nome delas. Soul costumava contar sua vida. Enzo nunca se esqueceu disso, e ele sabia que tornando a sala de bate-papo cada vez mais ligada a Soul tinha cada vez mais chances de incriminá-lo no fim das contas.

Elton contou mal-humorado e depois fechou a cara novamente. Soul estava com o rosto ruborizado por se sentir burro. Elizabeth concordou com a cabeça, rabiscando algo em seu bloco e em seguida indicou que Soul continuasse a história.

— Deixe-me continuar. — Soul passou a mão pelos cabelos.

Inicialmente, parecia um convite para algo como um RPG online. Eu teria ignorado se a postagem tivesse sido criada por um usuário qualquer, um leitor qualquer, convidando outros leitores a se juntarem para simplesmente jogarem, já que a história tinha se dado por cancelada após Enzo ser internado. Mas não. Quem postou foi a conta do Anonimato, a conta que eu estava acessando naquele momento.

Apenas duas pessoas tinham a senha daquela conta: eu e Enzo. Enzo estava internado, e eu não tinha postado aquilo. Eu teria pensado mais nisso se não tivesse visto a lista de usuários já adicionados.

Lynda Edwards

Swizzle Murse

Fenty Lil

ClaryIzz

Ladymoon

AlliVe

(…)

E abaixo a lista de mais de sessenta usuários, e no fim havia uma mensagem:

“Esses são os usuários que foram automaticamente adicionados por mim, eram os que mais acessavam a história. Entrem também e divirtam-se conosco. — Anonimato”.

E esse era o fim da postagem. Sem pensar duas vezes, eu entrei na sala de bate-papo com minha outra conta no site. Minha primeira conta.

**

www.darksidehome.com/Login

CONTA: 16500

NOME USUÁRIO: James

Senha: ****-*****

...Conta sendo logada...

...Aguarde...

Bem vindo a sua conta, James!

**

Quando recebi a senha, gelei. ALICIDIA. Eu tive então certeza que Enzo estava envolvido. Notei que o nome do criador da sala era Galeno.

Passaram-se alguns dias desde que entrei na sala de bate-papo e tudo lá era simplesmente parado. Ninguém falava nada. Porém, algo mudava na barra lateral da tela da sala — onde ficava o nome dos leitores — alguns dos nomes contidos lá estava ganhando um risco.

Eu comecei a associar os nomes riscados com os nomes de usuários das pessoas assassinadas. Eram as mesmas pessoas. Eu não fazia ideia de como aquilo estava acontecendo. Aqueles membros não falavam absolutamente nada, assim como os sobreviventes.

Um dia, me veio a resposta. Eu loguei na sala para ver se havia algo suspeito – a essa altura, Lydia e Alice estavam determinadas a descobrir o que estava acontecendo, e já tinham tentado invadir o Westin Hills – tudo foi muito simultâneo. Neste dia, quando abri a tela da sala, eu estava em um lugar diferente. Não era mais a tradicional tela com uma lista gigante de pessoas na lateral – algumas com nomes riscados – eu estava em uma sala privada, com apenas uma pessoa comigo: Galeno. Eu havia sido selecionado.

Na lateral, havia dois nomes:

GALENO (CRIADOR DA SALA)

JAMES (SELECIONADO)

E então, uma conversa se iniciou.

Galeno: Olá, James. Seja bem vindo ao jogo.

James: Que jogo é esse?

Galeno: Ah, você conhece a história, vamos fazer igualzinho. Porém, como gosto muito dos leitores da minha história, quero lhe enviar um presente, posso?

James: ... Sim, é claro...

Galeno: Ótimo. Esteja logado às 20hrs, claro, usando o presente.

James: Usando? Ele é o quê?

Galeno: Você entenderá.

Galeno sumiu da sala. Após duas horas, a campainha tocou, desci rápido para atender.

— Posso ajudar? — perguntei, abrindo a porta.

O rapaz estava segurando um com um capacete no braço esquerdo e segurando uma caixa de tamanho médio na mão direita. Ele olhou para o topo de caixa e depois para mim.

— Você conhece um tal James, cara? — ele perguntou confuso.

Fiz um grande esforço para não arregalar os olhos em surpresa.

— Sou eu mesmo. — respondi rápido.

— Isso é pra você. — ele me entregou a caixa. — Boa noite.

Respondi ao rapaz em um sussurro e fechei a porta. Voltei para a sala, com a caixa em mãos, eu estava tremendo. Poderia ser uma bomba! Esse era o meu maior pensamento.

— Quem era? — mamãe saiu da cozinha.

Escondi a pequena caixa atrás das minhas costas.

— Correio. — não era mentira. — É um novo jogo que comprei, nada demais.

Não dei tempo para minha mãe dizer algo, e subi rápido de volta ao meu quarto. Tranquei a porta e sentei em minha cama. Olhei o relógio, era sete e quarenta e sete, Galeno havia marcado comigo às oito horas.

Abri a pequena caixa, e tirei de dentro dela, três frascos pequenos de vidro. Dentro deles continha um pó esbranquiçado, e o rótulo de dizia: PCP.

Então me veio mais uma confirmação Não sabia como, não sabia o porquê, mas Enzo estava por trás daquela sala, por trás dos assassinatos relacionados aos nomes riscados. Respirei fundo e quase tive um ataque de pânico. Mas me controlei, sabia que deveria me encontrar virtualmente com Galeno – muito provavelmente Enzo – e descobrir o que ele fazia com as vítimas, eu sabia que eu poderia ajudar, nesse quesito, mais que a polícia.

Obviamente, fui ao encontro de Galeno, sem ingerir a droga, ou melhor, sem usar o seu “presentinho”.

Galeno: Olá, James. Gostou do presente?

James: Muito.

Galeno: Está usando-o?

James: Claro.

Galeno: Como se sente?

James: Poderoso. Invencível. Louco.

Listei alguns dos efeitos do PCP. Precisava ser convincente.

Galeno: Perfeito. Agora me responda, qual é a sua morte preferida em ”Cemitério das Cinzas”?

James: Wallace Holland, capítulo 6.

Galeno ficou sem falar por uns segundos, e quando chegou sua notificação, era um áudio curto.

— Olá. — claramente havia sintetizador ali. — Lerei um pedaço desta morte saborosa. Não preciso dizer. Você está no efeito. Sabe exatamente o que fazer, não é mesmo, James? Viva as palavras. Viva o sentimento. Você está aqui para viver a história!

A voz dele era como um veneno. Ele conseguia contorcer as palavras e fazê-la ecoar em sua mente por um longo tempo, dando até dor de cabeça. Com certeza era um efeito de sintetizador mais peculiar, o som era mais que persuasivo, era quase instigante.

Até são, aquela voz e aquelas palavras me deixavam quase hipnotizado, então eu respondi.

James: Ok.

Galeno demorou mais tempo para responder, e desta vez, mandou um áudio mais comprido.

— Em um dia claro, não poderia se imaginar que coisas horríveis aconteceriam na presença do sol. — certamente ele estava lendo. — Wallace foi pego na esquina de seu depósito de bebidas. Galeno segurou-o pela gola de sua camisa, eles iriam acertar as contas. O assassino bateu a cabeça de Wallace contra a parede seis vezes. Seis vezes. — Galeno enfatizou devagar. — até ele desmaiar. E com uma ferramenta pontiaguda, furou seus tímpanos e globos oculares. Galeno apreciava o sangue escorrer. A jugular foi cortada por uma faca de mesa enferrujada (...). — Galeno terminou a leitura. — Viva cada palavra! Você quer! A sua mente quer, o efeito pelo qual seu corpo está dominado neste momento, sabe que você é invencível. Mostre-nos sua invencibilidade, viva ao extremo.

 Era quase uma tortura psicológica. A voz. Os comandos. Era tudo perturbador como uma real história de terror contada com a voz do Freddy Krueger em um quarto escuro. Ou pior do que isso. Mesmo estando sóbrio, eu estava assustado. Imagina quem estava sobre os efeitos da PCP?

Foi aí que eu descobri como as mortes estavam acontecendo. As pessoas – inocentemente – ingeriam a droga, se torturavam sendo induzidas pelos áudios perturbadores, e acabavam em poças de sangue.

Desloguei da sala, sem dizer mais nada após o último áudio, para parecer que eu tinha cumprido o objetivo de Galeno, para parecer que eu estava morto. Horas depois, loguei novamente e vi a última mensagem que Galeno deixou em nossa janela.

Galeno: Eu venci mais uma vez. Eu te vejo no inferno, James.

Meu único pensamento era que eu tinha tudo em mãos para acabar com isso.

— Eu não consigo acreditar na sua irresponsabilidade! — Elizabeth gritou enfurecida, após Soul terminar a história. — Você poderia ter salvado vidas trazendo isto até mim antes! Poderia ter salvado Alice!

— Ah, é?! Você teria acreditado em mim? Eu tenho dezesseis anos e sou um garoto meio louco! Você ia acreditar nessa história insana de assassinos online e histórias demoníacas? — Soul berrou. — Você não acreditaria Marsh, eu vejo incredulidade esvaindo dos seus olhos e das suas palavras!

A delegada esmurrou a mesa e respirou fundo.

— Continue e me respeite. — ela disse, entre os dentes.

Soul resmungou contrariado e deu continuidade.

— Logo depois que eu desvendei tudo, eu já tinha a sala hackeada por completo. Acessei a lista de membros, e encontrei o nome de usuário de Lydia e Alice: ladymoon AlliVe. Eu excluí as duas da sala. Sim, sim, eu sei o que está pensando. Eu não poderia excluir todo mundo, mas eram quase duzentas pessoas, seria um alarde maior, eu pensei nas consequência desta vez. Enzo poderia fazer algo mais, um estrago maior se sentisse afrontado assim. — Soul explicou. — Enfim, então eu deixei os bilhetes misteriosos para elas.

Antes de sair de casa naquela sexta feira, eu escrevi o bilhete de Alice, e deixei-o em seu quarto.

“— Você está fora da lista, AlliVe. — Galeno”

E repeti isso com Lydia alguns dias depois.

“— Você está fora da lista, ladymoon. — Galeno”

Eu tinha certeza de que elas sabiam sobre a sala, mas não sobre o que acontecia na sala privada, pois nunca haviam estado lá, elas ainda estavam vivas. Então, deixei os bilhetes para ambas, assinado como Galeno, a fim de acalmá-las, fazê-las pensar que estavam “fora da lista” do assassino e que não precisavam se preocupar. Pois quando ele nos afrontou perto da escola, ele disse:

“— Vocês estão na minha lista”

Mas eu estava enganado. Após o cancelamento de Cemitério das Cinzas, elas pararam de visitar o site, consequentemente, nunca ficaram sabendo sobre as salas, até isso estourar na TV.

A sala de bate-papo assassina foi evacuada.

— Eu já tinha hackeado a sala. Então fugi de casa por que iria de uma vez por todas ir até Westin Hills para falar com Enzo. — Soul falava como se tivesse tirando um peso das costas. — Eu precisava saber. Precisava saber por que o homem que eu admirava, o homem que eu ajudei, que eu cuidei, estava arruinando vidas e tentando me culpar. Seria possível que o rancor dele ao descobrir que eu estava mexendo em sua história poderia ser profundo assim? Descobri da pior maneira que sim, poderia.

Mas então, a caminho do Westin Hills, eu vi o noticiário através das televisões das vitrines de lojas. A sala de bate-papo tinha sido descoberta e as pessoas estavam sendo excluídas, e a delegada estava indo ao Westin Hills. E eu tinha certeza que Alice e Lydia estavam tramando algo naquele momento.

Eu sabia que quando Enzo pudesse falar com a polícia, ele me culparia. E ele tinha todos os álibis pra isso, eu sabia que Lydia e Alice me viram com as drogas. Eu tinha toda a culpa nas minhas costas, então eu fugi e me escondi na antiga casa do Enzo. Eu não sabia o que fazer. Não podia ser preso, pois era o único que sabia da verdade e sabia como ajudar.

Então, na casa de Enzo, eu conectei meu notebook a uma tomada próxima e loguei na sala de bate-papo. Havia um membro muito curioso naquela sala: a incógnita. O X. Mas naquele dia o X não estava lá. Era apenas eu, James, e Galeno. E pouco depois, apareceu Alice.

Eu entrei em pânico, certamente Galeno não perderia a chance de matá-la. O nome de AlliVe sumiu, então eu tive certeza que ele estava na sala privada com ela. Já tendo todo o sistema da sala hackeado, invadi a conversa privada deles, como um usuário fantasma. Eles não sabiam que eu estava ali. Dei graças por nunca ter desistido dos meus cursos de informática e computação. Observei a conversa dos dois, mas não estava entendo. Alice estava o desafiando. Ela recebeu o presente. Debochou de Galeno, e o desafiou mais uma vez. Ele jurou encontrá-la para matá-la. Eu fiquei louco.

Rastreei o IP de Alice — assim como, certamente, Galeno fez — e descobri onde AlliVe estava, e fui até lá. Cheguei ao galpão, e Elizabeth algemou meus pulsos. Ela tinha certeza da minha culpa, e tudo era uma armadilha da delegada para me pegar. Mas no fim das contas, eu não era o real assassino. Minutos depois, Galeno... ou melhor, Enzo vestido de Galeno, invadiu o local.

— Após isso, você sabe de tudo. — Soul balançou a cabeça negativamente, com a garganta seca, encostando suas costas na cadeira, ele estava exausto. — Essa é a história completa, Sra. Marsh. Sobre tudo. Galeno, Enzo, sala de bate-papo, assassinato, bilhetes, café, drogas. Tudo o que eu sei, foi dito. Porém, eu sei que as coisas não batem, os pontos não se cruzam e os buracos não fecham. Suponho que seja a vez do Sr. Elton nos contar sua história.

Elizabeth tirou os olhos de Soul e os levou até Elton, olhando-o seriamente.

— Da última vez que me jurou verdade você criou uma mirabolante história que quase me fez prender um adolescente. — a delegada estalou a língua. — Elton, você não tem nada a perder. Não esqueça, Enzo está morto. Diga a verdade, só a verdade. Não minta novamente, não há uma escapatória agora. Não há uma versão dessa história na qual você tenha chance de se beneficiar, então, colabore.

Elton soltou mais um resmungo, se dando por vencido. Ele respirou fundo, olhou de soslaio para Soul, ajeitou-se na cadeira e bebeu um gole d’água.

— Você sabe, Marsh. Em 2010, eu fui preso, sua equipe mesmo me prendeu e eu fui pra carcerária em outro condado. Em 2014, eu voltei. Trabalhei em barzinhos, restaurantes, ganhei dinheiro, recomecei a vida. Descobri que amo teatro, e comecei a cursar. Passei um ano inteiro mudando de emprego a cada dois meses e tendo aula todas as noites. Em meados de 2015, eu arrumei meu primeiro emprego permanente em anos, no Instituto Westin Hills. — Elton começou.

Eu começaria segunda-feira, em duas semanas. Eu estava feliz. Ao chegar à minha pequena casa alugada, eu passei algumas horas tentando ligar o velho e simples computador usado que eu tinha conseguido comprar de terceira ou quarta mão. Depois de muito esforço, eu acessei minha conta no site Dark Side Home.

Ah, sim, eu também era um leitor.

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www.darksidehome.com/Login

CONTA: 20069

NOME USUÁRIO: Otelo

Senha: *******

...Conta sendo logada...

...Aguarde...

Bem vindo a sua conta, Otelo!

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E sim, eu curtia Shakespeare.

Eu me inspirava em dezenas de histórias que eu lia, e desejava interpretá-las. Eu descobri uma alma artística, e sempre que meu dinheiro sobrava, eu comprava livros de histórias ou poesias em sebos antigos. Mas a forma mais barata era ler pela internet que eu pagava com muito esforço. Eu amava uma história específica. Escrita por “Anonimato”, no Dark Side Home, um dos muitos sites de histórias que eu era cadastrado. Ler “Cemitério das Cinzas” me deixava horas a fio imaginando como seria ser Galeno. Interpretá-lo no cinema, na televisão, era meu novo grande sonho. E eu ria sozinho de como aquilo era impossível. Depois de um tempo, a história parou de ser postada.

Eu fiquei frustrado. Mas não tive tempo de me zangar mais ainda, era meu primeiro dia no emprego de zelador, no Westin Hills. E eu me surpreendi quando descobri quem estava internado no quarto 13.

Enzo Monroe. Como eu trabalhava na clínica logo fiquei sabendo detalhes do mais novo paciente insano. O cara também era conhecido como Anonimato online e escrevia histórias! Eu ouvia alguns enfermeiros comentarem que ele gritava por Galeno e por Cemitério das Cinzas. Era mesmo ele, e eu não conseguia acreditar que o meu escritor preferido era um esquizofrênico problemático. Mas todo escritor de terror precisa ter um distúrbio, certo?

Mas eu não pude perder a chance de conhecê-lo, e assim que pude, dei um jeito de entrar em seu quarto.

— Quem está aí? — ele rosnou.

— Meu nome é Elton Gonzalez, senhor. — me aproximei lentamente. — Sou um grande fã do seu trabalho. Eu amo Cemitério das Cinzas. Eu também sou ator, eu amaria interpretar Galeno algum dia. É um sonho, sabe? Seria maravilhoso. O senhor é um excelente escritor...

Enzo interrompeu meu discurso de admiração.

— Ah, ator? Interpretar Galeno? — ele me olhou, psicótico. — Eu preciso de um Galeno

Seu sorriso escárnio era amedrontador.

— Eu ficaria honrado, senhor! Mas como planeja uma peça de teatro? O senhor está internado, mas...

Eu soava como uma criança inocente que acabara de ganhar um doce.

— Peça? — ele me interrompeu. — Eu quero que você mate de verdade! Seja Galeno de verdade! Vingue-me! Vingue Cemitério das Cinzas! Vingue o nome de Galeno Withlock! Aqueles leitores nojentos e ingratos merecem a morte fria e dolorosa. Eles precisam respeitar Galeno!

Enzo estava me assustando. Dei dois passos pra atrás.

— Não tenha medo, meu querido ator. — ele disse, como a voz mais tranquila. — Vamos vencer, Galeno. Eu e você. Eu preciso de alguém para matar por mim, e você quer viver isso. Seja o meu Galeno. Eu sou rico, acredite, poderei lhe pagar quantias absurdas! Você só precisa matar, e acredite, não chegará a sujar as mãos. Deseja ouvir a minha oferta?

Sem dizer nada, puxei uma cadeira que ali havia e sentei ao lado de sua cama, sinalizando que ele continuasse. Ele falou sobre a ideia da sala de bate-papo, contou sobre Soul, e ah, como ele tinha ódio nas palavras ao tocar no nome deste menino, ainda mais quando falava das jogadas triunfantes que faríamos para culpá-lo no final. E a melhor parte era: para matar as pessoas eu só teria que ler para elas e enviá-las a droga.

Eu ganharia muito dinheiro. Trabalharia com um escritor que eu tinha a total e pura devoção. Mataria pessoas, sem sequer tocá-las. E seria um personagem maravilhoso. Era perfeito.

— Enzo tinha um celular escondido, que ele ordenou que eu buscasse na casa dele. Era por onde ele enviava dinheiro para a minha conta. E havia uma agência de correios em frente ao Westin Hill, todas as drogas eram enviadas de lá, bem empacotadas, não podíamos correr riscos. Mas é claro, isso tudo após Enzo me ensinar aonde ir comprá-las. — Elton desviou o olhar de Marsh, soltando uma risada, então depois olhou para Soul. — E a incógnita, garoto. Os três membros. Galeno, você e a incógnita. Enzo era o X da questão, ele permanecia na sala por que era por onde conversávamos quando eu não estava no Westin Hills. E quando você logou na sala e havia apenas você e Galeno, Enzo estava como Galeno. A incógnita sumiu por que eu fui preso, então ele precisava de um Galeno que por fim foi ele mesmo.

Elizabeth parecia concentrada nas palavras de Elton, anotando tudo, e fazendo sinal para que continuasse. O ex-zelador continuou olhando para Soul.

— Quando três crianças, você e suas irmãs, invadiram o Westin Hills, algo aconteceu. Após isso Enzo ficou estranho, acredito que foi a menina. Sua irmã entrou no quarto dele, certo?

Soul assentiu. Elizabeth olhava de um para o outro, extremamente interessada.

— Sua gêmea, mas é claro. Em minha opinião, acredito que Enzo a viu e isso o deixou surtado. Ele se lembrou de você e isso confundiu a cabeça dele, fazendo-o desejar desistir e ao mesmo tempo prosseguir. Ele teve uma crise. Mas eu sabia. Sabia que quando Enzo clareasse seus pensamentos e ignorasse a visita da menina, ele voltaria a querer destruir a vida de Soul Ashter. Os leitores fantasmas carregavam muito do ódio de Enzo, mas Soul carregava mais. Poder matar os malditos leitores e culpar o maldito leitor era absolutamente perfeito. E Enzo sabia. Mas eu não poderia contar que ele iria raciocinar quanto à isso. — Elton estalou os dedos.

Querer destruir a vida de Soul Ashter. A respiração do garoto ficou pesada mas ele continuou olhando inexpressivo para o antigo zelador.

— Então, eu precisei evitar que ele colocasse tudo a perder desistindo. As investigações estavam assíduas e a polícia chegaria à Soul mais cedo ou mais tarde, estava tudo indo maravilhosamente bem. Eu estava amando aquilo. — Disse Elton com excitação, como se pudesse enxergar aquela situação como um filme de ação. — Havia sido tanto trabalho para chegar até ali, eu não poderia deixar Enzo desistir de algo tão grande por causa de um surto estúpido. Ele tinha que voltar a persistir no plano. Eu precisava do dinheiro que recebia, e ele queria, bem no fundo, que o trabalho fosse terminado.

Eu entrei no quarto. Enzo estava surtando, falando palavras sem sentido, com ideias contrárias. Por um momento ele queria parar e no próximo continuar.

Eu sabia que ele não me ouviria naquele momento. Ele estava muito impactado com o choque que a visita da garota causara nele. Mas eu sabia que no fundo, quando aquela sensação passasse, Enzo iria continuar querendo matar. Matar para fazer os fantasmas pagarem. Matar para acabar com a vida de Soul Ashter.

Então eu saí do quarto, deixando-o sozinho com seus comentários. Enzo sempre foi louco — louco de verdade —, e não tinha como debater com ele causas lógicas naquele momento. No corredor, tive um conflito interno. Eu não queria fazer aquilo. Eu fui ladrão, eu fui vigarista, eu fui mentiroso, fui criminoso. Mas eu nunca fui agressor. Nem sequer assassino de verdade. Eu não queria fazer.

Mas eu fiz. E não só pelo meu bem, mas pelo de Enzo também. Eu sabia que ele ainda desejava a conclusão de tudo o que combinamos e eu amava fazer parte daquilo. Em nome do nosso plano, acertei-o com uma bandeja prateada e ele desmaiou. Eu sabia que ele não se lembraria do que aconteceu e quando eu pudesse ter contato com ele novamente, seria tudo como antes.

Fugi pela janela e enterrei a roupa de Galeno e a bandeja ensaguentada no jardim do Westin Hills, numa rapidez imensa para que não me vissem. E claro, me escondi.

— Para onde você foi? — perguntou Elizabeth, sem olhar diretamente para o homem.

— Uma casa afastada da cidade, uma segunda residência de Enzo, mas ele nunca ia lá. Eu comecei a residir na casa depois que comecei a trabalhar pra ele. O cara era realmente rico. — Elton respondeu.

— Enzo estava internado. Seus bens trancados e seu dinheiro bloqueado no banco, de onde ele arranjou tanto dinheiro pra você? — Soul questionou, cruzando os brancos.

Elton riu.

— Sabe aquele maldito pedaço de piso que range quando se passa por ele? Aquele que liga a cozinha ao quintal? Na casa da rua Prince? Pois é. — o antigo zelador contou com uma voz sombria, detalhando a casa de Enzo que Soul tanto conhecia. — Havia muito dinheiro escondido ali. Transferi tudo para uma conta que abri no banco e ela ficou na responsabilidade de Enzo, ele controlava através do celular. E, nos dias combinados, ele mandava certa quantia pra mim, e junto dela, vinha uma mensagem de Enzo no meu celular, para que eu respondesse e confirmasse o recebimento.

Elizabeth se inclinou para frente.

— Quando foi a última vez que recebeu dinheiro de Enzo? — a delegada perguntou.

— No dia que sua trupe me prendeu, senhora. Ah, naquela última mensagem havia um leve deboche de Enzo sobre minhas aulas de teatros, ah. — Elton soltou uma risada abafada. — Ele também dizia que o nosso plano estava quase no fim, e logo, logo, pegaríamos Soul. Mas, obviamente, estávamos errados. Não é mesmo?

A pergunta foi retórica. Um silêncio pairou na sala gélida, mas que agora parecia tão abafada. Mas era uma quietude confortadora, o ambiente estava tão leve. A história estava completa. Elizabeth sentia satisfação por resolver um caso tão caótico e desastroso, o mais difícil de sua carreira. Elton sentia que tinha feito as pazes com a justiça, embora tivesse certeza que passaria o resto dos seus dias em uma cela. E Sou sentia como se pudesse flutuar com leveza que sentia, fazia meses que o garoto carregava uma nuvem negra no peito. Ele sentia-se honrado. Soul não omitiu nem mentiu, ele sentia que devia isso a todas as vítimas de Enzo, principalmente à sua irmã. Ele devia a verdade.

Elizabeth fez um sinal para que Buckerman entrasse e levasse Elton, o homem esguio entrou na sala, agarrou o ex-zelador pelo braço e o levantou, pondo algemas em seu pulso, carregando-o para fora da sala.

— Soul. — disse Elton, parando na soleira da porta, sendo segurado por Buckerman. — Eu não vou dizer que sinto muito pelo que fiz com você, por que eu não sinto. Ora veja, eu não te conheço e não sou um cara de sentimentos. Mas eu nunca desejei matar sua irmã.

Os olhos de Soul encheram-se d’água, mas ele não chorou. Elton foi carregado para fora. E nesse momento o celular do garoto vibrou e era uma mensagem de Lydia.

— O corpo foi liberado.

Soul inspirou e expirou devagar, e esfregou o nariz com as costas das mãos, espantando o choro.

— Terminamos, finalmente. — Elizabeth se levantou, alisando seu blazer. — Eu sinto...

—Estou cansado. — Soul a interrompeu, levantando-se também e indo até a porta. — Eu não a culpo, Marsh. Mas eu não acredito que você sinta muito ou que qualquer um sinta. Fico quase feliz com a honestidade de Elton, sobre não sentir. Ninguém sente de verdade, eu já lhe disse isso antes.

Soul deixou a sala com os ombros baixos, indo em direção à sua casa, para preparar-se para o enterro da irmã. Ele nunca imaginou que passaria por isso, não tão cedo. Mas ele já havia aceitado a situação.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por terem vindo até aqui sz