Um mês de desespero escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 21
XX: Glare


Notas iniciais do capítulo

Pensei que não conseguiria, mas aqui estou eu.
Dessa vez passou, consegui cumprir meu prazo a custa de muito suor e lágrimas. Mas sequer comecei o capítulo posterior a esse. Só um milagre pra me fazer concluir e revisar o mesmo nessas duas semanas, em especial porque a faculdade me entupiu de trabalhos nos últimos dias.
Ou seja, se o capítulo depois desse atrasar, vocês já sabem o motivo.

Aliás, falando em capítulo, estou dando nome aos Bouffalants. Se você caiu aqui nas notas da história sem passar pelo índice, recomendo que dê uma olhada nele para ver os nomes que dei a cada um dos capítulos, no mesmo padrão deste (e que quero manter até o final da fic, se possível)

E pra completar o pacote, é a primeira vez que deixo de seguir a sugestão do Nyah quanto ao tamanho do capítulo. Se é bom ou ruim, deixo com vocês.



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Ela tremia. Insegura ao segurar a carta, Himiko encontrava-se receosa em abri-la. Provavelmente a enfermeira que lhe entregara o envelope timidamente decorado com desenhos de gotas d’água não tinha noção do que o as palavras ali contidas poderiam significar.

Aliás, Himiko também não tinha.

O fato era que o envelope, com toda e qualquer certeza, estava em posse de um Pokémon cuja treinadora desconhecia qualquer detalhe a respeito. Era incerto se pertencia a uma espécie feroz, treinada para partir a garota ao meio assim que a visse. Poderia ser algum Pokémon com temperamento literalmente explosivo, como ouvira histórias em sua infância a respeito.

Por outro lado, ela poderia estar enganada; haviam indícios que inclinavam para esse lado. Não duvidava que fosse um presente, por mais que a única pessoa que poderia ser responsável por ele teria lhe entregue em mãos.

A menos que seja uma brincadeira de mau gosto, pensou ela.

Ela não conhecia Brendan o suficiente para saber se seria seu tipo de humor; ao mesmo tempo, conseguiu visualizar ele se divertindo ao descobrir que Himiko fora intitulada para cuidar de um Seedot — um Pokémon pelo qual ela adquirira certo asco.

Não, acho que ele não seria capaz…

Já anoitecia; a treinadora não tivera coragem de abrir o envelope até então, devido a outras recordações que tivera. Da mesma forma que fizera algumas amizades durante sua jornada, provavelmente havia ganho alguns inimigos. Ela duvidava de que o Sr. Stone fosse a única pessoa que tivesse conhecimento do crime culposo que ela cometeu em Rustboro, de modo que não descartou a possibilidade de ser uma armadilha.

Inquieta pela solidão, levou um tempo até que ela recuperasse o bom-senso. O tal Pokémon estava sob os cuidados do centro Pokémon, ainda que por um acidente, o que significava que ela era a única que não sabia nada a respeito dele.

Ele está com Futa e os outros. Se ele fosse perigoso, eu já teria descoberto…

Em um súbito de coragem, ela removeu o lacre do envelope, revelando seu conteúdo. Este era igualmente decorado em seu interior, revelando ser uma única folha dobrada cuidadosamente em formato de envelope; uma curta mensagem aguardava para ser lida, escrita com a mesma caligrafia que continha o nome da garota na parte externa da correspondência:

Uma lágrima correu pelo rosto de Himiko enquanto metade de sua dúvida se resolvia. Sentiu-se aliviada agora que sabia que não corria perigo, ou pelo menos supunha. Afinal, não era certo que o tal Gérson, qualquer fosse sua espécie, iria respeitar sua nova treinadora; relatos de Pokémon que não se adaptavam aos novos parceiros não eram incomuns.

O que levou a garota a uma nova dúvida. Por que desse jeito?

Brendan afinal tivera diversas oportunidades de lhe entregar a pokébola quando estavam juntos. E, mesmo que ele por algum motivo estivesse receoso de fazê-lo, poderia ao menos ter ligado.

Por um momento, Himiko chegou a pensar que a carta pudesse ter sido forjada, mas logo descartou a possibilidade. Acho que estou ficando paranoica demais com isso.

Foi esse o motivo que a fez pegar seu PokéNav e ligar para Brendan. Não havia outro meio de resolver esse mistério que ela mesmo criara.

Isso é, caso ele lhe atendesse.

Por que será que eu ainda me surpreendo?

Cinco tentativas frustradas depois, Himiko atirou o PokéNav sobre a cama, desistindo de entrar em contato com o rapaz, não sem deixar escapar um bocejo. Sem a presença de seus Pokémon para lhe distrair, decidiu que iria comer alguma coisa e descansar até a manhã seguinte. Enquanto saía do quarto, ela deu um breve sorriso, lembrando-se que não tivera esse luxo desde que se tornara uma treinadora.

— — —

O céu estava cinzento quando Himiko se deu por si, caminhando por uma praia aparentemente deserta. Sem se lembrar de como viera parar ali, continuou a andar sem rumo, procurando algo que pudesse lhe guiar.

Não demorou a encontrar pegadas na areia, um único par. Olhou em direção a elas, as quais pareciam se perder no horizonte; a pessoa que as produzira talvez fosse a mancha escura que se encontrava nele. Decidiu por segui-las; sem saber o que fazia naquele local, tinha a esperança de poder se lembrar.

O dono das pegadas ficava mais perto a cada passo que Himiko dava em sua direção, com certa dificuldade por causa da areia fofa. Aos poucos ela discernia uma ou outra característica da pessoa que seguia, sem conseguir identificá-la ainda, mas sabendo que logo o faria, visto que a pessoa permanecia imóvel.

Mas o que alguém estaria fazendo parado no meio do nada?

Ela continuou caminhando, sem encontrar uma resposta adequada para sua dúvida. A distância entre eles se reduzia; da mesma forma, ela se afastava do oceano. Até que a certa altura, talvez quando estivesse a uns quarenta ou cinquenta metros de seu alvo, ela o reconheceu.

— Brendan!

O grito da garota foi o suficiente para que o treinador olhasse para ela. Logo em seguida, contudo, ele começou a se afastar. Ele andava na direção contrária e, quando viu que Himiko o seguia, desatou a correr. A jovem tentava persegui-lo, tendo sua tarefa dificultada pela areia; por mais que se esforçasse, não conseguia reduzir a distância entre eles.

— Me espere, Brendan!

— Eu não quero falar com você! Me deixa!

A areia logo dava lugar à terra batida, o rapaz aproveitava a aparente vantagem no terreno para se afastar ainda mais. A paisagem também mudava; algumas árvores espaçadas já enfeitavam a paisagem antes vazia, assim como um pedregulho surgia a leste. Brendan rumou em direção a este último, possivelmente tentando se esconder; Himiko ia logo atrás, lentamente reduzindo a distância entre eles, sem perdê-lo de seu campo de visão.

Tanto o fez que conseguiu ver claramente quando ele se esgueirava por uma fenda na grande rocha, a qual passaria desapercebida não fosse o caso. Imaginando poder encurralá-lo, ela seguiu pelo mesmo caminho, tomando certo cuidado para não se machucar.

Entretanto, a sorte dela havia acabado; era impossível enxergar a mais que dois metros de distância dentro da gruta que se formava por dentro do pedregulho.

Lembrou-se de seus Pokémon imediatamente. Nagrev poderia iluminar seu caminho com suas chamas, ou mesmo Ikazuchi com sua eletricidade. Ao colocar a mão sobre o cinto, entretanto, percebeu que não carregava nenhum Pokémon consigo.

Ótimo. Eu me viro.

Bufando, ela seguiu em frente sabendo que desistir não era mais opção. Progredia lentamente pelo corredor de pedra; sua visão aos poucos se acostumava à penumbra. Um portal rústico lhe chamou a atenção ao final da caverna, o qual levava a um corredor mais iluminado. Suas paredes eram não mais cheias de protuberâncias rochosas, mas sim lisas, dando a ela a certeza de que se tratava de obra humana. Adoraria poder apreciar a beleza do cômodo, era uma pena que a parca iluminação não lhe permitisse.

Ao final desse novo corredor havia uma grossa porta de madeira. Himiko empurrou-a com certa dificuldade, ouvindo seu rugido característico enquanto o fazia. A primeira coisa que viu do outro lado foi uma grande estrutura metálica de formato trapezoide, a qual refletia a luz que recebia através de uma rachadura no teto. Comparada aos corredores pelos quais ela havia passado, a sala estava razoavelmente iluminada.

Mas não foi a luz ou a estrutura metálica o que mais lhe chamou a atenção naquele recinto.

Havia uma pessoa caída no chão, não muito distante de onde o feixe de luz refletido atingia. Os longos cabelos castanhos, perfeitamente ondulados, denunciavam não se tratar de Brendan, mas sim de uma garota.

Não, por favor… Que não seja ela…

Himiko desatou a correr até a figura caída ao chão, ignorando o ruído que fazia ecoar com cada um de seus passos no chão de pedra. Se aproximava da garota, confirmando as suspeitas que a preocupavam; uma mancha avermelhada em seu abdome tingia de vermelho a blusa branca que ela usava; assim como sua pele mostrava-se nitidamente pálida.

A treinadora, contudo, jamais chegou a alcançá-la.

O teto começou a desmoronar em torno da rachadura; uma forma avermelhada caía juntamente com as pedras que atingiam o chão indiscriminadamente. A impressão que ela teve foi de que uma bola de fogo estava se aproximando, ofuscando a pouca visão que ainda tinha.

A medida que a esfera avermelhada descia, esta girava em torno de seu eixo com cada vez mais velocidade; seu brilho aumentava rapidamente, de modo que até o vermelho desaparecia, dando lugar ao branco.

E quando Himiko se deu conta, tudo acabou em uma explosão; a claridade se apagou de súbito, deixando apenas a escuridão.

— — —

O sol sequer havia dado as caras, mas ela já se encontrava desperta. Himiko não se surpreendeu por ter tido o sono conturbado com mais um pesadelo, por mais chocada que estivesse com seu conteúdo.

Para início de conversa, a falta de interação que teve com Brendan fora no mínimo estranha. Vê-lo fugindo enquanto ela tentava alcançá-lo era inquietante; em especial quando a jovem se lembrou de que ela havia feito exatamente o mesmo com ele em Dewford, dias atrás.

Tal sensação não era tão diferente do que sentira na véspera, depois de tantas ligações não completadas através de seu PokéNav. Himiko acabou por chegar à conclusão de que fora esse o motivo de seu pesadelo. Ou pelo menos de metade dele.

Ela se lembrava também de estar em uma caverna escura, tateando até encontrar um caminho. A recordação do último corredor, contudo, era vaga o bastante para deixá-la inquieta. Não reconhecia a estrutura metálica ou sua forma, apenas se lembrava de que ela refletia a luz que vinha do teto, até que veio a bola de fogo e a explosão.

Não havia mais alguma coisa?

Himiko forçava sua memória, sem conseguir se recordar de mais detalhes; culpava-se por isso depois de perceber que seus sonhos não eram aleatórios como pensava.

Não fazia tanto tempo assim que ela sonhara com a morte de uma jovem treinadora. Dias depois, descobriu se tratar de Roxanne, a líder de ginásio de Rustboro; apenas o fez por saber que ela havia sido assassinada exatamente como vira em seu pesadelo.

Da mesma forma, ela teve um sonho igualmente entranho quando esteve em Dewford, o qual culminava com a morte de um surfista. Não foi muito depois que a manchete sobre a morte de Brawly Maxim aparecera no jornal, descrevendo sua morte por um ataque de Sharpedo. E em seu pesadelo, ela via a morte do rapaz do ponto de vista do Pokémon.

Talvez a notícia que lera quando de sua visita à casa fantasma fosse também coisa de sua mente, mas algo lhe fazia crer que essa parte não havia sido uma ilusão.

E agora Himiko tinha outro pesadelo como aqueles, mas com o agravante de não se recordar do detalhe mais importante.

Ela rolava na cama, forçando sua mente a trabalhar para trazer de volta aquelas imagens, sem sucesso. Tentou até mesmo dormir novamente, o que se mostrou uma tarefa impossível quando sua mente estava tão ativa.

Apenas quando o primeiro dos treinadores com quem ela dividia o quarto se levantou foi que ela desistiu de tentar se recordar, mais ao menos ao mesmo tempo em que os primeiros raios de sol permeavam pela janela. Ela levantou-se, pegando uma muda de roupa em sua mochila; iria aproveitar que havia acordado tão cedo para tomar banho enquanto o vestiário estivesse possivelmente vazio, já se planejando para um dia atribulado.

Eram dois os Pokémon com quem ela precisava interagir naquele dia. O primeiro deles, obviamente, era Monk. Era possível que ele estivesse em condições melhores do que na véspera, mas a jovem sabia que os cuidados médicos não seriam o suficiente para que ele se recuperasse, como havia sido alertada no dia anterior.

Além dele, havia o tal Gérson, o suposto presente que Brendan lhe deixara sem aviso em sua mochila. Sentia-se insegura quanto ao primeiro contato com ele, por mais que os indícios que tinha mostrassem que não deveria se preocupar a respeito.

Tal inquietação se esvaiu rapidamente da mente da garota enquanto ela fazia seu desjejum. O centro Pokémon estava relativamente movimentado, mesmo levando em consideração que Mauville era a maior cidade do oeste de Hoenn. Ao analisar a expressão de alguns dos treinadores ali presentes, ela chegou à conclusão que, quaisquer fossem as circunstâncias da aglomeração, não era por um motivo agradável.

A suspeita da jovem se confirmou minutos depois, quando descobriu que um Pokémon Contest, uma espécie de show de talentos, havia sido cancelado sem aviso e sem expectativa de ser remarcado. Entre a tristeza e a raiva, a maioria dos treinadores terminou por se conformar, sem ter outra opção. Não foi o caso de uma dupla em específico, supostamente hospedada em Mauville havia uma semana, que fisicamente ameaçava a funcionária de cabelos azulados que lhe dera a notícia.

Tal informação era de pouca relevância para Himiko, visto que ela não tinha o menor interesse em participar de Contests; a única diferença que isso faria para ela era saber que a cidade talvez estivesse mais movimentada do que de costume. Talvez pelo mesmo motivo, ela pudesse ter uma dificuldade maior em encontrar a tal pedra evolutiva para Monk.

Isso supondo que fosse sua vontade evoluir.

Himiko decidira desde a véspera que iria conversar com ele caso fosse possível, não querendo tomar uma decisão precipitada. Desse modo, ela resolveu terminar de comer rapidamente, logo procurando uma das enfermeiras com o intuito de ver seus Pokémon. Surpreendeu-se ao ser autorizada a visitar a ala onde eles estavam internados, não antes de ser obrigada a usar os equipamentos de segurança hospitalar.

— Por favor, não toque em nada.

Himiko concordou com a cabeça, enquanto colocava a máscara respiratória. Ela tinha certa curiosidade em saber como funcionava o setor médico de um centro Pokémon, apesar de que preferia que os acontecimentos não lhe permitissem tal oportunidade.

Era uma pequena sala, com menos de vinte leitos; havia apenas um corredor central pelo qual eles passaram rumo ao fundo da sala. A jovem passou olhando para os Pokémon ali internados; um Zigzagoon e um Oddish lhe chamaram a atenção, apesar de que eles estavam em um bom estado.

Ao final do corredor, porém, não havia leitos, mas sim incubadoras. Eram quatro ao todo; Himiko se chocou ao perceber que seus Pokémon ocupavam três delas, estando a última vazia. Ela tinha noção de que o estado de cada um deles era delicado, mesmo assim a situação era inusitada o bastante para surpreendê-la.

— Charmeleon e Manectric estão respondendo bem ao tratamento. — a enfermeira explicava. — Eles estão sob o efeito de sedativos enquanto isso, mas creio que amanhã ou depois eles vão estar totalmente recuperados.

A atenção de Himiko, porém, não estava com Ikazuchi ou Nagrev. Ela olhava para Monk, que ocupava a incubadora do lado oposto.

— E ele?

— Imagino que já tenham lhe deixado a par da situação do Weepinbell, não?

— Mais ou menos… — respondeu ela. Queria ter certeza da situação de seu Pokémon, considerando que ele estava bem pior do que fora descrito na véspera.

— Bem, como você pode ver aqui, ele teoricamente concluiu o processo de evolução, mas o metabolismo dele ainda é o de um Bellsprout. Os sinais vitais dele estão estáveis, mas sem nenhum controle motor. Para evitar maiores danos, estamos mantendo ele sob coma induzido, mas não podemos esperar muito até tomar uma decisão a respeito.

Himiko percebia que ele, mesmo sob o efeito dos sedativos, tinha espasmos ocasionais. Talvez fosse uma tentativa de seu corpo de se mover inconscientemente; Monk transparecia seu desconforto mesmo desacordado.

— Quais são os riscos da evolução estimulada?

— Risco, por assim dizer, não há nenhum. Um Pokémon evoluído através de uma pedra evolutiva passa a ter certa dificuldade em aprender novos golpes, mas tirando isso, o pior que pode acontecer nesse caso é o quadro de risco permanecer mesmo após a evolução. Eu, pessoalmente, tenho minhas dúvidas quanto ao resultado, só que entre tentarmos e deixar como está…

O silêncio da enfermeira completava a frase por ela. Estava claro o bastante que forçar a evolução de Monk era a única opção naquele momento.

— Entendo… — Himiko conscientizava-se de que conseguir a pedra evolutiva não era questão de escolha, mas sim de necessidade. — E os outros Pokémon, estão bem?

— Pelo que consta aqui, eles já receberam alta, devem estar na recepção nesse momento.

A treinadora continuava olhando para seu Weepinbell, preocupada com ele.

— Acho que eu já vi o bastante… — comentou ela, sinalizando para a enfermeira, que a guiou de volta para o saguão para que pudesse pegar seus outros Pokémon. Se por um lado ela se preocupava com aqueles que estavam internados, por outro sentia falta da companhia de Futa e Nuri.

Por esse motivo, a garota retornou ao seu quarto imediatamente após receber suas pokébolas, sentindo o ímpeto de liberá-los assim que fosse possível. Ela acabou sendo recompensada com um tenro abraço de seus Pokémon assim que o fez. Não era como se tivessem passado tanto tempo distantes, mas era o suficiente para que sentissem a ausência.

E claro, junto com a conversa amigável que tinham, na qual constatavam que tudo estava bem, Himiko não deixou de se inquietar ao perceber que nenhum dos dois comentou sobre Gérson, o Pokémon que a treinadora entregara para a enfermeira acidentalmente.

Tal preocupação não passou despercebida a Futa, no entanto:

— Eu acho que você deveria se apresentar, sabe? Ele está sentindo falta de ter uma companhia humana…

— Futa! Ouvindo meus pensamentos outra vez? — a jovem retrucou. — Você sabe que eu fico desconfortável com isso, não?

— Me desculpe, mas não foi por mal. Eu percebo que você está inquieta com ele. Está com medo?

De fato, não era necessário ter nenhum vínculo ou poder psíquico para notar que Himiko estava preocupada. Em contraponto, ela sentia a dúvida lhe consumindo mais do que o medo em si.

Seja o que tiver de ser…

A treinadora fez menção de atirar a pokébola, mas foi interrompida por Nuri e seus rápidos reflexos:

— Ainda não, Himiko. Melhor… ao ar livre, sabe?

Ela não se zangou, apesar de ter se chateado um pouco com a situação. Seus Pokémon deveriam saber melhor do que ela quanto a própria segurança, fazendo com que ela chegasse à conclusão de que era uma espécie de maiores dimensões.

Sem contar que havia diversas outras coisas para a garota fazer naquela cidade, de modo que Gérson poderia esperar por mais algumas horas. Ela recordou-se que Monk era sua maior prioridade naquele momento, consciente de que deveria comprar a pedra evolutiva para ele o quanto antes.

Dito isso, não tardou a sair do Centro rumo a zona comercial da cidade, seguindo as vagas instruções que recebera da enfermeira. Futa a acompanhava do lado de fora da pokébola a pedido dele, pois queria manter-se na companhia da treinadora; ela ia com o PokéNav em mãos por via das dúvidas, seguindo o roteiro que traçara anteriormente.

O percurso incluía, não intencionalmente, passar em frente ao ginásio da cidade, o qual no momento encontrava-se fechado. Himiko analisou rapidamente o local, prevendo que estaria em funcionamento mais tarde, não sendo sua intenção visitá-lo antes que todos os seus Pokémon estivessem recuperados.

Talvez justamente pelo cuidado que ela teve em seu trajeto, não foi difícil encontrar a loja que havia sido indicada pela enfermeira, tanto quanto não houve contratempos em seu percurso, mesmo a cidade estando mais movimentada do que seria de costume. O estabelecimento, especializado na venda de produtos para o cuidado de Pokémon, era relativamente pequeno. Himiko podia facilmente entender o porquê: eles possuíam uma certa variedade de produtos que a garota jamais imaginava existir, como suplementos alimentares ou mesmo incensos capazes de atrair certas espécies de Pokémon. Tais produtos eram tão inusitados como caros; os preços de alguns dos artigos a venda passavam das centenas de piastras, mais do que as economias que a treinadora havia feito até então.

Ela não havia se esquecido da pequena fortuna que encontrara depois de sair da casa fantasma; no entanto, decidiu por não usá-la a menos que houvesse uma necessidade muito grande. Por mais que tivesse se sentido tentada a comprar uma espécie de capacete que prometia potencializar o aprendizado dos Pokémon, a garota acabou por levar apenas a pedra evolutiva que procurava, um tipo de âmbar esverdeado capaz de interagir com Pokémon do tipo planta, que lhe custou vinte e uma piastras, pouco mais da metade do dinheiro que possuía.

Eles não demoraram mais do que dez minutos na loja, logo retornando por um caminho diferente. Himiko estava definitivamente mais animada ao perceber que os contratempos que tiveram até então se ajustavam aos poucos.

Futa compartilhava do mesmo sentimento. Talvez quando tudo se resolvesse ele pudesse ver sua treinadora feliz e amigável, sentimentos que lhe despertavam certa nostalgia.

Ele logo percebeu estar se enganando daquela forma, no entanto. Não conseguia se recordar da última vez em que vira Himiko completamente feliz. Ela se encontrava animada durante a viagem de navio que fez com Brendan, parecia estar relaxada; Futa conseguia ver que ela apenas disfarçava bem suas preocupações, sem conseguir ocultar dele que continuava inquieta com alguma coisa. Antes daquele dia, só se recordava de alegria semelhante no primeiro dia da jornada deles; mesmo assim ele teve a sensação de que a felicidade que percebia era incompleta.

O Kirlia preocupava-se com ela, afinal. Não por se sentir maltratado ou infeliz na presença da menina, muito pelo contrário. Desde a conversa que eles tiveram em Dewford ela se mostrou muito mais compreensiva, por mais que não estivesse confortável.

Era como se a garota não conseguisse relaxar.

E a constante inquietação de Himiko parecia lhe contaminar.

Tanto o fez que Futa começou a nutrir uma curiosidade em saber o que tanto ela teimava em esconder dele. O Pokémon psíquico sabia que não era à toa que a menina não gostava que ele entrasse em seus pensamentos; mesmo assim ele havia tentado, sem sucesso, mais do que apenas uma vez. A treinadora podia ser transparente com seus sentimentos, mas não o era com relação a seus medos e preocupações, os quais ela conseguia manter fora do alcance dele.

Era por esse motivo que Futa olhava fixamente para Himiko enquanto de sua caminhada de volta para o Centro Pokémon. A expressão que a jovem irradiava era de confiança, aparentemente conquistada com o pedaço de âmbar que levava em sua mão direita, capaz de corrigir a evolução de Monk. Mas a um olhar mais atento era possível perceber uma leve angústia transparecer além dos olhos castanhos da treinadora.

O Kirlia desejava estar enganado. Pensou por um momento que ele estava obcecado em encontrar a inquietação na garota como tanto se acostumara a ver. Mas sua análise era precisa; a fraqueza nos sentimentos dela se revelou pouco antes que chegassem a seu destino.

O centro encontrava-se a talvez duas ou três quadras de distância da praça em que se encontravam; Himiko decidiu cortar caminho por dentro dela, notando as esculturas que lhe serviam de adorno. A maior delas em particular lhe chamou a atenção, justamente em sua região central. Era uma espécie de relógio solar, feito de metal polido; sua forma vagamente triangular dava um ar de arte contemporânea ao monumento que indicava o horário pouco além das onze da manhã.

Por algum motivo, a treinadora sentia-se inquieta ao notar a existência da escultura, a qual lhe pareceu ter uma aura negativa em torno de si. Himiko sabia ser apenas uma bobagem, por isso tratou de ignorar a existência do relógio enquanto conseguiu. Não haviam se passado sequer cinco segundos até que ela não se aguentasse, tornando a olhar para o monumento, hipnotizada pela maneira que a luz refletia em sua superfície espalhando um brilho amarelado. E quando o fez, surpreendeu-se sem acreditar no que via.

Talvez fosse o brilho que emanava lhe ofuscando a visão, mas a garota tinha certeza de ver uma certa jovem de longos cabelos castanhos ondulados, que lhe caíam pouco acima das nádegas, na direção oposta a Himiko, igualmente olhando para o relógio com um sorriso no rosto.

É ela!

Himiko esfregou os olhos, o coração pulando por sua boca tamanha a ansiedade. Quando olhou novamente, no entanto, a jovem não se encontrava mais lá.

— O que houve? — Futa perguntava, percebendo o sentimento inesperado que emanava de sua treinadora. Era a primeira vez em que sentia tamanha energia positiva.

Himiko não respondeu, no entanto; apenas correu na direção em que viu a garota, ignorando que poderia ser apenas uma ilusão. Ela não pode ter ido tão longe…

O Kirlia, sem outra opção, correu atrás da treinadora, ainda sem compreender o que acontecia. Ele resistia à tentação de ver o que ela pensava; receoso que ela percebesse sua iniciativa, contentou-se em segui-la até o local aonde supostamente vira a jovem. Himiko começava a duvidar do que vira, sem encontrar algum sinal de que ela estivesse ali instantes atrás; seria impossível que houvesse saído de seu campo de visão naqueles poucos segundos.

— Desculpe, Futa. — a treinadora se explicava no momento em que seu Pokémon a alcançou. — Pensei ter visto alguém.

O Kirlia a encarou, levemente insatisfeito com a resposta. Mais uma vez teve a sensação de que ela não confiava o bastante nele, evitando de lhe contar alguma coisa. A inquietação da garota denunciava seus sentimentos de forma transparente, a tal ponto que sua aflição lhe impedia de perceber o descontentamento de seu Pokémon.

Antes que eles retomassem o caminho até o Centro, entretanto, Himiko surpreendeu-se novamente ao perceber que a jovem que procurava não desaparecera. Encontrava-se outra vez do lado oposto do relógio solar, mais ou menos no local aonde se encontrava quando a viu pela primeira vez.

Só que agora ela não estava sorrindo.

A garota encontrava-se jogada ao chão, os olhos abertos encarando o vazio enquanto o chão de pedra se tingia de vermelho como se seu peito tivesse sido perfurado minutos atrás.

Himiko caiu de joelhos, pronunciando uma súplica quase inaudível, tentando convencer a si mesma de que estava delirando:

— Não é real… Não é real…

— O que houve, Himiko?

Quando Futa a tocou, sentiu que tinha acordado de mais um pesadelo. Tremendo, olhou mais uma vez na direção do relógio, encontrando apenas o movimento normal das pessoas. Um rapaz que estava por ali olhou para ela de relance antes de continuar sua caminhada. Não havia nada que indicasse que houvesse uma pessoa morta ali, como era de se esperar a uma análise fria.

Tudo não passara de um delírio, por mais que lhe parecesse real.

Ela demorou uns bons instantes para se recuperar. O breve acesso de loucura lhe havia abalado, mas ao mesmo tempo lhe dera um lampejo de lucidez que lhe solucionou a dúvida com a qual ela despertara. Graças àquela visão, conseguiu se recordar dos detalhes que havia se esquecido do pesadelo que a atormentara na última noite.

A jovem que ela vira morta na praça era a mesma que estava caída ao fundo da câmara sombria que ela adentrara, a qual era iluminada por uma estrutura metálica nada semelhante ao relógio de sol a não ser pelo material.

Era a mesma pessoa que ela viu sendo perfurada por uma lança na casa fantasma, em um momento de igual ilusão.

Mais do que isso, era ela o motivo para tudo o que Himiko havia passado até então.

E considerando os pesadelos anteriores que havia tido, ela teria de tomar providências imediatas. Ou acabaria por vê-la morrer de verdade.

 


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Notas finais do capítulo

Créditos da imagem do papel de carta: kaitlynclinkscales / clinkorz
http://clinkorz.deviantart.com/

Não sei muito o que dizer a respeito desse capítulo. Mas ele serve de base para muita coisa. Em especial para que vocês finalmente entendam as motivações de Himiko. E pra que se explique o título da fic também.

Notas do in-game: Mauville é uma cidade com uma quantidade de coisas a se fazer. Não que isso se traduza na fic...

Status do time:
Pokémon: 6
Futa (Kirlia) Lv. 31; Bold, Synchronize.
Monk (Weepinbell) Lv. 30; Bold, Chlorophyll
Nuri (Swellow), Lv.31; Mild, Guts
Ikazuchi (Manectric), Lv.28, Serious, Lightning Rod
Nagrev (Charmeleon), Lv.27, Naive, Blaze
Gérson (???), Lv.30, Brave, ???

Mortes: 4 +0 = 4



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