Um mês de desespero escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 22
XXI: Roar of Time


Notas iniciais do capítulo

OK, pessoal, o papo agora é sério.

Vocês se lembram que eu coloquei nas notas que a previsão de atualização era a cada duas semanas, certo? Vamos ter que mudar um pouco isso.

A explicação é simples. Sempre fui da teoria que um autor, por mais preguiçoso que seja, consegue escrever com qualidade cerca de 1000 palavras por semana. E eu continuo cumprindo essa meta informal, um pouco acima dela na verdade.

No início estava tudo tranquilo, claro. Comecei com três capítulos de vantagem já escritos, e não percebi exatamente quando essa gordura foi desaparecendo. Como os capítulos tinham em torno de 2000, no máximo 2500 palavras, eu conseguia escrever um capítulo em duas semanas sem maiores problemas.
Como devem perceber, não é mais o caso nem de longe. Os números aumentaram, a história se desenvolveu. A média dos últimos capítulos passou de 3500 palavras, e chegou a um ponto em que acabei com minha margem de segurança tentando cumprir os prazos que eu mesmo coloquei.
Nada bonito. Nada agradável.

Por isso, os capítulos daqui em diante podem demorar um pouco mais pra sair. Se eu conseguir terminar em duas semanas, ótimo. Mas talvez eu demore três. Na pior das hipóteses quatro (se for um capítulo realmente grande)
Antes que me perguntem: não, não dá pra cortar os capítulos no meio, ou eu o faria.

Segundo ponto para esse atraso em especial: a Himiko está matando o Kurono. Sem sombra de dúvidas esse foi o capítulo mais difícil de escrever. Não posso explicar muito aqui sem dizer o que acontece nesse capítulo, mas adianto logo que muitas das respostas que vocês querem estão nele.
Que sirva de aviso de que esse capítulo é emocionalmente pesado. Esteja preparado.

No mais, boa leitura; volto pra comentar o resto nas notas finais.



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O céu de Mauville se acinzentava naquele início de tarde, uma ameaça de chuva que não chegou a se concretizar. Por conta das nuvens que se formavam, tampando o sol, a temperatura caiu consideravelmente, dando uma trégua ao calor intenso dos últimos dias.

O frio e o cinza que pintavam a cidade não se comparavam ao que se passava pela mente de Himiko depois do que ela presenciou no final da manhã, ainda que em forma de devaneio.

O sentimento de angústia não era novidade para ela, já conformada com os pesadelos que tinha. Em especial o primeiro deles, no qual presenciava uma morte. O som da lâmina perfurando o peito de Roxanne não havia desaparecido da mente de Himiko até então; era como se ela de fato estivesse presente à cena do crime. Sendo apenas um pesadelo, ela tentava relevar, mesmo quando os acontecimentos se revelaram reais.

Tal angústia se comparava a um copo de água frente a um oceano de desespero.

O sentimento ao ver uma cena semelhante enquanto acordada era centenas de vezes pior. Sentia-se indefesa, completamente incapaz de domar seus próprios pensamentos, os quais faziam com que ela se escondesse do mundo.

— Com licença… — A enfermeira do Centro Pokémon interrompeu um soluço de Himiko; seu visível sorriso jamais retribuído pela angustiada treinadora. — Vim lhe avisar que a evolução de seu Pokémon foi um sucesso. Ele está descansando agora e deve receber alta assim que acordar.

— Muito obrigada. — Himiko respondeu, tentando fazer uma expressão alegre em resposta. — Não sei como agradecer por tudo o que vem fazendo…

— Não precisa agradecer, estamos apenas fazendo o nosso trabalho…

Percebendo o estado em que a jovem se encontrava, no entanto, a enfermeira logo se retirou, reconhecendo ser inútil a sua presença.

Pois Himiko, mesmo tendo motivos para sorrir, mal conseguia fazê-lo.

Afinal, as coisas estavam voltando ao normal aos poucos. Monk, tornando-se um Victreebel, retornaria à equipe sem sequelas. Era cedo para dizer se ele seria feliz em sua nova condição, tendo a evolução sido causada por fatores externos, cujos nomes eram Ikazuchi e Nagrev. Os dois Pokémon provavelmente receberiam alta pela manhã seguinte, visto sua rápida melhora, e não corriam mais nenhum risco aparente.

Mas de que adianta?

Himiko não se sentia feliz com as circunstâncias, não quando presenciava mortes todas as vezes em que se sentia relaxada. Não se dava ao luxo de ter uma noite de sono decente havia mais de uma semana, ora conturbado pelo cansaço excessivo ou por pesadelos. O que a deixava ainda pior era o fato de que dois dos pesadelos que tivera até então se concretizaram de forma trágica.

Sou eu que estou causando tudo isso… Todos estão morrendo…

De nada adiantava a ela ter sucesso como treinadora. Foram duas insígnias conquistadas até então, uma das quais conseguiu em um combate bastante agradável. Ao menos cinco de seus Pokémon gostavam muito de ter os cuidados da garota…

E de que vale tudo isso?

Himiko sentia-se suja, não-merecedora desse carinho que recebia.

Sou uma mentirosa. Tento fingir que está tudo bem. Mas não está.

Sou um animal acuado, com medo de mim mesma.

Ela tinha motivos o bastante para ter medo. Em especial quando sua última visão, se concretizada, aumentasse e muito o sofrimento que sentia, fazendo com que todos os seus esforços fossem em vão.

Calma… Respire fundo… Não aconteceu nada ainda… você pode evitar isso…

Himiko sentia necessidade de agarrar alguma coisa. Precisava de apoio, o que não podia fazer com seus Pokémon naquele momento. Contentou-se em ir ao quarto, isolando-se e desejando que o mundo acabasse.

Não levou dois minutos para que ela fosse derrotada pelo cansaço, enquanto abraçava a si mesma na cama, sem ter seu desejo atendido.

— — —

Mauville podia ser vista ao longe naquele final de tarde. Himiko afastava-se da cidade pela mesma direção que chegara na manhã anterior; esperava conseguir retornar antes de anoitecer. Mais importante que um local para descanso naquele momento seria um espaço aberto que lhe desse um mínimo de privacidade — combinação improvável em um centro urbano.

Seguindo apenas com seu PokéNav e as pokébolas, em uma tentativa de se forçar a não demorar, não levou mais do que dez minutos para encontrar um espaço que lhe fosse adequado. Uma formação rochosa não muito distante da trilha principal se mostrava isolada o bastante para não atrair olhares curiosos, ao mesmo tempo que dava a ela uma visão daqueles que por ali passavam, permitindo que fosse facilmente notada a aproximação de outra pessoa. Melhor, não haviam se afastado tanto da cidade, uma precaução caso o pior acontecesse.

Assim que a garota parou de caminhar, Futa libertou-se de sua pokébola espontaneamente. Tendo conhecimento de pelo menos um dos motivos que a trouxera até ali, o Kirlia não se encontrava mais apreensivo do que a jovem.

— Tem certeza que precisa de todo esse cuidado? — perguntou ele encostando-se na treinadora, já acostumado com seu papel de tradutor. — Já lhe falei que o Gérson não é perigoso…

— Tudo bem, Futa. Mas não é por causa dele.

Monk e Nuri foram liberados em seguida; a garota foi recepcionada com um abraço do Victreebel antes que pudesse pensar. O próprio Pokémon não estava habituado com sua nova forma, seu movimento era um pouco descoordenado.

De forma semelhante, o Swellow se animava com a volta do colega; tendo presenciado o exato instante em que a quase tragédia se consumou, ele se encontrava receoso de que o pior acontecesse.

— Que bom te ver bem! — gorjeou Nuri. — Tive medo que não voltasse!

— Precisa mais do que dois otários pra me derrubar. — respondeu Monk. — Você deu um jeito neles, não foi, Himiko?

— Ainda não… — ela comentou em resposta, menos extasiada em ver seu Pokémon bem depois de ouvir a pergunta. Era de se supor que ele teria raiva daqueles que lhe causaram o dano, mas para Himiko os dois continuavam sendo parte da equipe. — Mas se isso te conforta, eles ainda estão internados, ficaram pior do que você.

— Quem sabe assim eles aprendem…

— Então, vocês três… Acho importante que todos nós possamos nos conhecer melhor, deixar qualquer receio que tenhamos de lado e nos unirmos. — Himiko segurava a última pokébola, tremendo um pouco devido a ansiedade. — Isso vale principalmente para mim…

Ela observou rapidamente os três Pokémon e a maneira com que eles olhavam de volta antes de atirar a esfera para o alto. Por mais que tivesse sido avisada quanto a ser uma espécie de grande porte, considerou o aviso um mero eufemismo. O Pokémon liberado tinha uns sete ou oito metros de comprimento, seu corpo serpentino definitivamente teria destruído o cômodo do centro Pokémon caso ela tivesse ignorado o conselho que recebeu pela manhã. Sua pele cinzenta pouco aparecia por baixo das grossas escamas azuladas que cobriam quase todo o seu corpo. As barbatanas, mais largas que o corpo, lhe dariam uma aparência mais agradável, lembrando em parte uma sereia, não fosse a naturalmente intimidadora expressão de sua face destruir qualquer tentativa em encontrar beleza na espécie. A crista escurecida e os olhos vermelhos apenas acentuavam a ferocidade de sua grande boca, a qual mesmo fechada deixava a mostra quatro grandes presas.

O Gyarados, no entanto, encontrava-se sereno, apenas um pouco desconfortável por estar fora d’água.

— Então é você. — resmungou ele.

— Prazer… Eu sou Himiko, s-sua nova treinadora. — ela gaguejou em resposta, intimidada.

— Já tou sabendo. O moleque me mandou cuidar de você.

A garota não comentou sobre o jeito rude do Pokémon; talvez sua percepção estivesse enviesada pela aparência feroz dele.

— Pessoal… sei que já devem saber, mas este é Gérson, o novo membro de nossa equipe. — Himiko explicava para os outros. — Ele foi um presente de Brendan, então qualquer coisa podem reclamar com ele também.

— Espero que possamos ser amigos! — Nuri comentou, animado. Gérson não respondeu.

— Agora, cada um de vocês… — Himiko continuou, ainda tremendo. — Alguém tem algo que queira dizer? Alguma coisa a meu respeito ou de alguém da equipe, algo que esteja incomodando… algum comentário que seja?

Os quatro Pokémon se entreolharam. Era uma pergunta repentina, talvez estranha para o momento. Futa, que dentre eles talvez fosse o único que tivesse algo de que se queixar, silenciou-se a respeito, sem a intenção de comentar em público a respeito do quanto se preocupava com a treinadora. Todos os outros o imitaram, mantendo-se em silêncio, para a surpresa da jovem.

— Nenhum de vocês tem nada a dizer?

Vários segundos de tensão se formaram. O Kirlia em especial via que Himiko tremia, como quem tinha algo a dizer entalado na garganta. Ele teve inclusive medo de que ela tivesse percebido de suas investidas para descobrir o que ela pensava, o que o fez sentir-se acuado.

No instante seguinte, porém, ela continuou.

— Pois eu tenho.

O clima mudou no mesmo instante. Continuava pesado, porém a atmosfera tornou-se completamente diferente naquela fração de segundo, como se uma espécie de magia afetasse a percepção daqueles ali presentes.

— Eu nunca falei de mim pra vocês… Não gosto de falar da minha vida, ainda me machuco toda vez que me lembro… — Himiko respirava com força, como se precisasse de todo o ar em sua volta para continuar. — Mas eu quero que saibam de verdade quem sou eu e porque eu estou aqui com vocês…

— — —

— A equipe de exploração Nidoran acaba de encontrar… olhe só, é um Caterpie!

— April, é um Caterpie de verdade! Mamãe disse pra não chegarmos tão perto assim dos Pokémon!

— Ah, Miko, não estraga a brincadeira!

As duas crianças se encontravam atrás de uma árvore, encolhidas, fingindo ser Pokémon. Himiko, a mais velha, era apenas um protótipo da garota que viria a ser. Não a muito havia completado treze anos de idade, seu corpo começava a apresentar as primeiras mudanças devido à puberdade, que até então ela ignorava.

— Deixe ele aí, April, você pode se machucar!

— Mas…

April era, se fosse assim possível dizer, uma versão reduzida de Himiko. Tinha apenas dez anos, mas era curiosa demais mesmo a se considerar sua idade. Além de ser vários centímetros mais baixa que a irmã, outras características também diferenciavam as duas. Sua pele morena era um pouco mais clara, assim como os cabelos eram mais longos e ondulados; exatamente ao contrário dos de Himiko, desgrenhados demais para que ela permitisse que crescessem além de seu ombro.

— Tá com você! — a mais velha tocou o ombro de April antes de sair correndo, em uma tentativa de distraí-la do Pokémon inseto.

— Ei, isso não vale! — a outra se levantou, reclamando. — Eu vou te pegar!

— A comida está pronta! — Natsumi apareceu à porta, chamando as crianças que brincavam no quintal. — Vão se lavar, não quero ninguém sujo na mesa!

— Poxa, mãe… — April relutou, apesar da fome. Por mais que desejassem continuar brincando, ela e a irmã voltaram para casa, indo diretamente para o banheiro; havia tempo o bastante para que tomassem um bom banho em antecipação as aulas que teriam no turno da tarde, o que fizeram no mesmo clima de brincadeira que se encontravam.

— Eu nunca pensei que um Caterpie fosse tão grande assim! — comentou April.

— É, mamãe disse que eles podem ser perigosos…

— Ah, para com isso, você fala só porque não gosta de insetos!

Himiko corou, tentando não perder a compostura.

— Não é isso! Tudo bem que eu acho eles nojentos, mas…

— Err… — April fez uma expressão de susto. — Acho que é um Spinarak andando nas suas costas!

— Hã?

Himiko foi surpreendida por um ataque de cócegas de sua irmã.

— P-para, não é engraçado!

— Você vai passar por isso quando sair de casa, Miko! Melhor se acostumar agora!

— Fale por você, eu não vou sair… não quero deixar mamãe sozinha…

— Um dia eu vou ser uma treinadora… igual ao papai! — os olhos de April brilhavam de antecipação. — Deve ser legal poder andar por aí com os Pokémon…

— Não deve ser ruim… mas eu não troco minha cama por nada!

— Já pensou? Eu ia ter um Sunflora e uma Nidorina. E um Mareep também!

Duas batidas na porta do banheiro foram o suficiente para interromper os devaneios das crianças.

— Não demorem aí! Papai veio pra almoçar conosco!

As duas meninas regiram de maneiras opostas à notícia. April ficou bastante feliz em saber que Norman estaria em casa, tendo na figura paterna um exemplo, alguém em quem se inspirava. Himiko, em contraponto, fechou a cara tão rápido quanto uma luz se apaga. Ao contrário da irmã mais nova, se apegava muito mais à mãe, colocando-se do lado dela ao menor sinal de conflito.

April talvez fosse nova demais para perceber as nuances mais conturbadas do relacionamento de Norman e Natsumi enquanto casal; Himiko, no entanto, percebia que os dois andavam brigando muito recentemente. Ele podia ser um ótimo treinador, mas não conseguia se manter em um emprego fixo; saía de casa por dias a fio, desafiando os treinadores que passavam e trazendo o dinheiro que conseguia para ajudar a bancar as despesas. A esposa, que plantava e vendia ervas medicinais para Pokémon, vivia reclamando do quanto Norman se tornara grosso e ausente, sempre mencionando que ele nunca conseguia dinheiro o bastante.

Himiko se lembrava bem demais da última briga entre os dois. Era tarde da noite; ela deveria estar dormindo como sua irmã, mas, sem sono, desceu até a cozinha para tomar um pouco de água. Quando voltava para o seu quarto, no entanto, ouviu um barulho vindo do quarto de seus pais. Sua curiosidade lhe levou até lá, ao notar que a porta estava aberta apesar das luzes apagadas.

Quando adentrou o recinto, demorou a entender o que ocorria. Natsumi estava caída ao chão, a vermelhidão de seu rosto chegava a brilhar apesar da penumbra. Ela olhava para o homem em pé a sua frente; Norman encontrava-se visivelmente embriagado, gritando com a esposa.

A jovem, por instinto, correu até sua mãe, abraçando-a, apesar da súplica quase inaudível desta. Volte para seu quarto.

Não o faria, não depois de vê-la chorando daquele modo.

Norman, no entanto, expulsou a filha do quarto de um modo muito mais incisivo, puxando-a pelo braço:

— Não se meta, isso é uma conversa de adultos. Vai logo dormir!

— Mas a mamãe…

PAF!

O homem mostrava-se irredutível. A seriedade de sua expressão não mudou nem mesmo depois de agredir sua própria filha com um tapa.

— Já pro seu quarto! Antes que eu te dê outro!

O choro que se seguiu não deixou a jovem dormir naquela noite, a dor sentimental persistindo pelas seguintes.

Já haviam se passado mais de duas semanas desde o incidente; Norman não havia aparecido em casa desde então. As tentativas de Himiko de conversar com sua mãe sobre o assunto foram infrutíferas; ela se esquivava como podia.

O bom-senso a impediu de tocar no assunto durante o almoço, contudo. Não somente pela presença de April à mesa, como pelo silêncio que havia se formado, mais intenso do que de costume. Natsumi estava amargurada, por mais que tentasse disfarçar, enquanto Norman se mostrava sereno, como se nada tivesse acontecido da última vez em que esteve em casa. Aliás, parecia ser até mais do que isso.

A palavra foi tomada por ele quando terminaram de comer, revelando o motivo de seus sentimentos.

— Eu vim aqui hoje pra me despedir de vocês. Estou viajando para Hoenn amanhã.

Cada um dos presentes reagiu de modos diferentes à notícia, apesar de compartilharem da surpresa. Norman continuou.

— A liga de Hoenn abriu seletivas para duas vagas para líderes de ginásio, imagino que se eu me esforçar posso conseguir uma delas. Um emprego fixo, como você tanto me cobra.

Natsumi o encarou, sua expressão indicava que não acreditava em uma única palavra do que ouvia.

— Amanhã de manhã eu pego a balsa em Olivine. Queria passar o dia com vocês hoje, já que se eu conseguir esse emprego terei que me mudar pra lá. E se tudo der certo, todos nós podemos nos mudar.

Norman estava muito mais confiante do que o usual; Natsumi, por outro lado, preocupava-se com a família. Já estava sendo difícil se manter nas condições atuais, sem a ajuda do marido as dificuldades só aumentariam.

— Crianças, olhem a hora! — Natsumi virou para elas, que prestavam atenção na conversa, apesar de tentarem disfarçar. — Vocês vão se atrasar para a aula!

— — —

— Calma, deixa eu ver se eu entendi. — Futa interrompeu Himiko, mais ou menos vinte minutos depois que ela iniciou seu relato. — Norman é seu pai, e ele abandonou vocês para vir trabalhar pra cá?

— Sim, foi isso mesmo. — a garota respondeu, os olhos marejados em uma tentativa de não desabar em lágrimas.

— E a April é sua irmã mais nova… Aonde ela está?

— É… o que eu quero descobrir…

— Eu não estou entendendo. — Nuri interveio. — Ela não morava com você?

— Eu estava chegando nesse ponto. Como eu ia dizendo, naquela noite o meu pai saiu de madrugada pra pegar a balsa e, até aonde eu sei, levou a April com ele.

— Como é que é? — Monk exaltou-se.

— Eu não me lembro bem… — as lágrimas começavam a escorrer pelo rosto da treinadora, que não fazia a menor menção para contê-las. — Ela simplesmente não estava em casa de manhã, o guarda-roupa estava todo revirado… Minha mãe tentou me acalmar, disse que eu não precisava me preocupar tanto e que ela estava bem com ele, que logo iriam voltar… mas não consegui… parei de ir para a aula, perdi a vontade de comer…

A voz de Himiko simplesmente parou de sair, as emoções tomando conta de seu corpo. Ela levou quase um minuto pra conseguir levantar a cabeça e tornar a olhar para seus Pokémon.

— E depois? — perguntou Futa, inocentemente.

— Acho que foi uma semana depois que ele nos mandou um cartão. O canalha conseguiu o emprego, é claro que não iria voltar. Ele prometeu juntar dinheiro e comprar uma casa para que pudéssemos nos mudar pra lá e morar com ele… mas foi só isso. Depois daquele cartão não tivemos mais notícia…

— Himiko! — Futa perguntou, quase tão abalado quanto a jovem. — Por que… não comentou isso com a gente antes?

— Eu não gosto de falar sobre isso… dói em mim lembrar…

O Kirlia não precisava ser um Pokémon sensível aos pensamentos ou ter um vínculo emocional com a treinadora para perceber do que se tratava. As lágrimas que pareciam jorrar de seu rosto como uma torneira mal fechada eram o menor dos sintomas de que a garota estava completamente destroçada no que tangia a seu emocional. Ela tremia, com dificuldade para respirar; era como se um nó tivesse se formado em sua garganta, a angústia lhe impedindo de falar como uma retaliação por ela ter contado seus sentimentos mais ocultos…

Naquele instante, ela desejou nunca ter contado aos Pokémon o que tanto a afligia.

O que ela desejava era poder se fechar em seu mundo, trancar-se de volta no silêncio que havia em sua mente.

Himiko não recebeu o que queria, mas talvez o que precisava. Uma demonstração de carinho se mostrou em forma de plumas que lhe tocavam cuidadosamente às costas. Nuri tentava acolher a treinadora, por mais desajeitada que fosse sua tentativa de abraço.

— Não gosto de te ver triste assim… Eu quero te ajudar!

Ela, que ainda segurava um dos braços de Futa, apertou-o com força, não maior que a do abraço de vinhas que recebeu de Monk em seguida.

— Seja forte, Himiko! Eu nunca pensei que você tivesse passando por tudo isso, mas eu sei que você vai conseguir encontrá-la.

O Kirlia, contudo, não conseguiu se manifestar a altura. Ele, que tinha a noção de que a treinadora escondia alguma coisa no fundo de sua mente, jamais poderia imaginar se tratar de algo daquela magnitude. Uma aura de pensamentos negativos que se formava em torno da garota, o que apenas reforçava o quão doloroso era para ela falar sobre o assunto. Tal energia o contaminava por uma fúria inexplicável, como se o ódio que ela sentia do pai estivesse sendo transferido para o Pokémon.

Futa demorou a perceber o que fazia; quando o fez, entretanto, recuou com o susto, desvencilhando-se de Himiko.

O Kirlia segurava uma esfera negra em sua outra mão, sem de fato tocá-la. Talvez tivesse uns três ou quatro centímetros de diâmetro, mas era o suficiente para distorcer o ar em sua volta. Com a surpresa em se ver de posse de tal elemento, atirou-o para longe; a explosão que seguiu foi muito maior que o esperado pelo tamanho do orbe atirado, ao ponto de eles sentirem o chão tremer por conta dela, mesmo tendo ocorrido a algumas dezenas de metros de distância.

O choque pela forma que Futa havia canalizado sua raiva foi inevitável; ele sentiu-se imediatamente aliviado, como se todos os seus sentimentos ruins tivessem sido transferidos para a esfera negra.

O único entre eles que não se manifestou a respeito foi Gérson, o qual encontrava-se cochilando. Estava claro para os outros Pokémon que ele tratava sua nova treinadora com indiferença, mas ela não podia se preocupar menos com isso. Não quando seus sentimentos de culpa e incapacidade lhe consumiam.

— Vamos voltar, Himiko! — Futa verbalizou, em uma clara intenção de tentar distrair a garota. — Você precisa descansar.

Ela levantou-se sem a menor vontade, seguindo seu Pokémon como se ele a controlasse. Não havia motivo que a fizesse desejar voltar, não quando ela se sentia culpada até mesmo pelo desaparecimento da irmã.

A caminhada de volta foi terrivelmente demorada. Monk e Nuri fizeram questão de acompanhá-la durante a viagem, fora de suas pokébolas, mas Himiko persistia em se sentir solitária; à exceção de um soluço ou outro que teimavam em escapar de seu choro, o silêncio reinou durante o percurso.

Futa a acompanhava, sentindo-se igualmente culpado. Sabia que não deveria ter deixado sua curiosidade intervir daquele modo, tinha plena consciência do estrago emocional que causara quando tentava descobrir o que tanto afligia a treinadora. Em uma tentativa de não se sentir ainda pior, ele se esforçava agora para tentar encaixar as novas peças do quebra-cabeça que montava. As coisas que ele percebia começavam a fazer sentido; a raiva que Himiko tinha de Norman não era infundada, afinal. Ao mesmo tempo, isso explicava porque parecia que ele a havia evitado quando da visita dela a Petalburg.

A adição de April a essa equação fez com que o Kirlia imaginasse diversos cenários, por mais que nenhum deles chegasse a conclusões aceitáveis.

Ele tornou a olhar para Himiko, que continuava visivelmente transtornada, como se apenas seu corpo estivesse presente, sua alma vagando sem rumo. Não era o momento ideal para Futa pensar sobre o que poderia ou não acontecer a respeito da treinadora. A vontade de ajudar persistia, mas ele pouco podia fazer sem trocar ideias com ela, o que estava completamente fora de cogitação naquelas circunstâncias.

E talvez por esse motivo, ele sentiu que Monk poderia ser de grande ajuda no momento em que chegaram ao centro Pokémon, instantes antes do anoitecer. Por uma sugestão de Futa, o quarto se encheu de esporos do sono no instante em que Himiko se deitou, fazendo com que não somente ela como o próprio Kirlia adormecessem instantaneamente, antes que pudessem pensar demais sobre assuntos tão complicados como aqueles.


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Notas finais do capítulo

Retomando o ponto que eu deixei nas notas iniciais...
Cheguei a pensar na possibilidade de colocar a fic em um hiato por causa desse capítulo. Não somente a Himiko como eu, Kurono, comecei a ficar um pouco traumatizado com a situação. É um pouco daquela história de o autor ter que entrar no personagem para poder descrevê-lo. E isso está me machucando.

Quem já leu o conto "O retrato oval", de Edgar Allan Poe, vai entender como eu me sinto quando escrevo. Só que, traçando um paralelo com o conto, no meu caso seria um auto-retrato.

Notas do in-game:

Eu devo explicações a vocês a respeito do Gérson.
Ele foi capturado como um Magikarp (lv.7) na cidade de Dewford, logo depois que consegui a Old Rod. A inclusão dele na fic se deu muito atrasada para fins de continuidade. Tanto que ele foi parte fundamental da minha vitória contra o líder do ginásio de Dewford (que não se chama Darlan no jogo).

Status do time:
Pokémon: 6
Futa (Kirlia) Lv. 31; Bold, Synchronize.
Monk (Victreebel) Lv. 30; Bold, Chlorophyll
Nuri (Swellow), Lv.31; Mild, Guts
Ikazuchi (Manectric), Lv.30, Serious, Lightning Rod
Nagrev (Charmeleon), Lv.30, Naive, Blaze
Gérson (Gyarados), Lv.30, Brave, Intimidate



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