Evolution: Parte 3 escrita por Hairo


Capítulo 24
Uma Questão de Evolução


Notas iniciais do capítulo

Esse é um capítulo bem importante galera. Não porque tem vários momentos excitantes, mas porque ele traz um pouquinho do que é essa fic e do que ela procura passar.

Acho que pelo título vocês já conseguem entender um pouquinho o porquê.

Espero que curtam!
Boa leitura!



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Capítulo 24 – Uma Questão de Evolução

O grupo viajou até o continente nas costas dos dois Pokemons voadores, Charizard e Pidgeot, simultaneamente. Chegaram em terra firme na manhã do dia seguinte à abordagem que sofreram no mar, mas a agente Rocket continuava fortemente sedada, não tendo tomado nenhum remédio para a paralisia e sendo mantida em um coma induzido constante através do pó do sono de Gloom.

Dave não estava confortável com a situação, mas ele e Mindy já haviam discutido bastante todas as implicações daquilo que haviam feito e o menino tinha sido convencido, com algum esforço, de que pouco tinham a fazer.

– Nós estamos sequestrando alguém!

– Não! Estamos prendendo uma criminosa. Todo mundo pode prender alguém Dave, e levá-lo até a policia...

– Então nós vamos levá-la até a polícia?

– Bem... não exatamente.

– Então é sequestro! – Sentia falta da opinião de Eevee naqueles momentos. Ele sempre sabia o que fazer e com quem concordar.

– Não, não é! – Mindy parecia inabalável. – Olha, eu não gosto disso mais do que você, mas nós precisamos dela, Dave. Precisamos saber mais. Podemos levá-la até Pallet e de lá ligarmos para a polícia continental. Vou pedir para meu avô falar diretamente com o Detetive Henry...

Dave via um pouco mais de senso naquela ideia da menina, mas ainda assim não estava convencido. Mindy leu a indecisão no rosto dele.

– Olha, o Henry vai vir o mais rápido possível, mas ainda assim isso vai nos dar tempo para falar com ela.

– O problema é que eu não confio na policia, Mindy. Nem um pouco. Eu não queria envolve-los nisso...

– Ora então não envolvemos ninguém... Podemos apenas interrogá-la nós mesmos.

– E então seria sequestro! Sequestro, Mindy!

A menina respirou fundo. Nesse ponto o menino tinha razão.

– Olha, eu acho que no Detetive Henry nós podemos confiar... Mas eu te entendo.

– Porque você acha que podemos confiar nele?

– Porque sim. Porque meu avô confiou cegamente nele, e até agora tudo correu bem. Ele sabia como atrair meu pai e ainda assim a ER não apareceu na Zona Saffari. Acho pouco provável que ele seja um informante...

Dave não tinha argumentos, mas ainda não se sentia confortável.

– Olha bem – A menina continuou -, eu também acho que confiar nele cegamente pode ser arriscado, por isso que talvez extrair algumas informações dela antes dele chegar seja importante. E depois, podemos decidir por nós mesmos o que fazer... OK? Se você não gostar da participação da polícia, eu tenho certeza de que podemos achar um jeito de fazer as coisas do nosso jeito. Nós sempre conseguimos...

Dave não tinha escolha se não concordar com a cabeça. Soltar a agente era algo muito mais perigoso, ele tinha que admitir. Provavelmente a Equipe Rocket já sabia que ela estava desaparecida, mas ainda assim ela poderia fornecer informações muito mais precisas e preciosas sobre suas ideias e localização. Não era seguro. Eles precisavam mantê-la consigo. Por tanto, Dave cedeu e concordou com o plano de Mindy, rezando para que ela estivesse certa. Sua lógica parecia infalível, mas ele vinha aprendendo que a lógica muitas vezes não resolve todo o problema.

Eles pretendiam originalmente dar descanso aos seus pokemons voadores assim que chegassem à terra firme, caminhando a curta distancia entre o oceano e a cidade de Pallet, o que não levaria mais do que um dia, no máximo. Porém, com a nova convidada forçada, aquilo seria um pouco mais complicado. Assim, decidiram parar por um rápido descanso enquanto faziam suas refeições, antes de voltar ao ar até a cidade destino. A vantagem era que voando o tempo de viagem seria muito mais curto, reduzido à apenas algumas horas. Pidgeot e Charizard pareciam aceitar de boa vontade a ideia, mesmo depois do longo tempo viajando.

O único problema que ainda restava resolver era como abordar o fato de que estaria escondendo uma agente Rocket na casa do novo anfitrião, que eles mal conheciam. Era pouco provável que o Professor Carvalho, por mais amável que fosse, recebesse aquilo de bom grado. Mindy preferia deixar que seu avô desse a notícia ao antigo amigo, mas não conseguiria entrar em contato com ele antes de chegar a Pallet. O mapa não indicava nenhum centro Pokémon no caminho até lá, o que lhes deixavam com opções muito restritas.

Ficou decidido, portanto, que os dois iriam até Pallet separadamente. Mindy iria primeiro, dando ao Pidgeot de Dave mais tempo para se recuperar, já que ele não tivera um momento de descanso em toda a viagem até ali e ainda havia carregado a agente inconsciente em sua pata. Nenhum dos dois gostou muito daquela ideia, afinal, se separar nessa situação era algo muito arriscado e Dave tinha aprendido durante a jornada a manter aqueles de quem gosta o mais próximo possível.

Assim, era de compreender que ele não gostasse da perspectiva de deixar a garota ficar sozinha, muito menos de ficar sozinho com a agente inconsciente, mas concordava que aquilo era necessário. Além disso, iria partir apenas duas horas depois de Mindy, e deveria fazer a viagem mais rapidamente, uma vez que Pidgeot conseguia alcançar uma velocidade voo muito maior do que a de Charizard. Isso, entretanto, daria a Mindy tempo suficiente para chegar e encontrar o laboratório da cidade, ligar para seu avô e permitir que ele explicasse a situação para o Professor Carvalho.

E assim, a menina partiu logo depois do almoço, para que quando Dave partisse, a luz do dia ainda lhe servisse de companhia e de alguma forma, lhe desse um pouco mais de segurança. Dave pediu que seu Gloom cobrisse a agente capturada mais uma vez com o pó do sono, para garantir que ela não se recuperasse enquanto eles estavam separados. Só permitiriam que ela recuperasse a consciência uma vez que estivesse segura dentro do laboratório do Professor Carvalho. Ou em qualquer outro lugar que eles resolvessem mantê-la.

– Nos veremos logo – disse a garota, como um encorajamento tanto para ele quanto para ela, enquanto se preparava para subir em seu agitado Charizard.

Dave apenas acenou com a cabeça, com um semblante muito preocupado no rosto. A garota virou de costas e deu mais um passo na direção do seu Pokémon quando o garoto estendeu a mão e a puxou pelo braço. O movimento foi ligeiramente brusco, puxando-a contra o seu corpo ao mesmo tempo em que arrebatava o ar de seus pulmões. Antes que ela pudesse expressar a sua surpresa, ou sequer recuperar a respiração, ele a beijou.

Charizard rugiu alto e cuspiu uma torrente de fogo para o ar ao ver a cena, mas nenhum dos dois pareceu perceber.

– Cuidado. – disse ele, quando finalmente a largou.

– Você também... – ela respondeu, um pouco exasperada, ainda tentando recuperar o ar.

E então, ela subiu na base do pescoço do grande dragão laranja e ele bateu as asas, subindo no ar e partindo com velocidade em direção a pequena cidade de Pallet.

*-*-*-*-*-*-*-*

Era estranho para Mindy voar sozinha em seu Charizard. Desde que saíra de Cardo, aquela era a primeira vez que ela se sentia verdadeiramente sozinha. Tivera a companhia de Dave, Jake ou Rusty em praticamente todos os momentos de sua viagem desde então — claro, quando não estava sequestrada, o que aconteceu mais vezes do que ela gostava de lembrar — e ela tinha que admitir que era diferente estar sozinha de novo.

Ela não sabia dizer se gostava ou não. Quando estivera sozinha em sua cabana, entre Cardo e Grené, sentia-se livre e independente. Agora, sentia-se incompleta. Estava preocupada com Dave e a agente, sozinhos. Preocupada com Eevee, nas mãos da Equipe Rocket. E, acima de tudo, ainda se acostumando a ignorar qualquer pensamento ou sentimento relacionados ao recém-achado e já perdido pai.

Sentiu-se aliviada ao lembrar que aquele momento solitário não duraria muito. Menos de duas horas depois da partida, a pequena cidade de Pallet apareceu no horizonte. No início, Mindy mal a reconheceu como uma cidade, de tão pequena que era. Primordialmente dominada por áreas gramadas e verdes, a cidade era composta de um pequeno conjunto de casas e instalações rurais espalhadas por um terreno demasiadamente grande, tornando-as quase desconexas, a não ser por estreitos caminhos que de cima mais se assemelhavam a trilhas de terra. Nunca havia visto uma cidade assim. Ocupava uma área grande, mas tinha muito poucas construções. Teria a chamado de vila, se chegasse ali sem a conhecer como cidade.

Procurou o laboratório do Professor ainda do alto e não teve dificuldades de encontrá-lo. Um prédio não tão alto, bem menor do que o de seu avô, mas com uma enorme área gramada aberta atrás, cheia dos mais diferentes tipos de Pokémon, visíveis à distância. Apontou a direção para seu Pokémon e ele fez uma manobra brusca, ajustando o curso e se preparando para descer. Mindy gostava do modo arrojado e desafiador de seu Pokémon voar, mesmo que isso significasse mais dificuldades para se manter segura em suas costas. Sabia que se, por acaso, escorregasse, ele estaria lá para pegá-la antes que atingisse o chão. Era uma confiança que nem ela mesma sabia explicar e que lhe permitia aproveitar ainda mais a adrenalina das jornadas

No momento seguinte, porém, ela sentiu sua respiração escapar. Não por qualquer manobra realizada por seu dragão ou algum acidente aéreo, mas por perceber outro Charizard, bem maior que o seu, deitado tranquilo no campo verde do Professor Carvalho. Ela reconhecia aquele Charizard. Crescera admirando ele. Aquele era o Charizard de Susan, sua mãe, e ela não o via desde quando ele tinha ajudado a resgatá-la da Equipe Rocket. Se ele estava ali, não havia duvidas de que Susan também estaria.

Pelo menos eu não vou ter que explicar para o vovô que tomamos uma refém. Pensou a garota. Enquanto ela não tinha certeza de como o velho professor iria responder àquilo — apesar do que dissera para convencer Dave — ela acreditava que sua mãe aceitaria muito melhor a ideia. Ela era uma mulher forte e destemida, e sabia ousar fazer o que era necessário quando fosse preciso. Por outro lado, Mindy não sabia sequer como olhá-la nos olhos. Não depois de tudo o que acontecera na Ilha de Cinnabar.

Arrependeu-se profundamente de ter se voluntariado a viajar até ali antes de Dave. Queria muito poder voltar atrás e trocar de lugar com o garoto, ficando de guarda da agente capturada em vez de voar até a cidade para preparar as pessoas para o que eles tinham feito. Mas agora já era tarde demais. Seu orgulho não se permitiu dar a volta e falar com Dave. Era um esforço grande de mais para ser feito pela simples vontade de evitar a mãe, que ela teria de encarar mais cedo ou mais tarde.

O frio na sua barriga quando o grande dragão pousou no campo verde, próximo de um caminho de terra que levava ao laboratório. A menina não quis chamar muita atenção com a sua chegada, por isso preferiu tocar a campainha em vez de simplesmente pousar com um dragão de fogo nos fundos. Além disso, os poucos passos que daria até a porta seriam uteis para sua preparação. Qualquer coisa para atrasar um pouco mais aquele momento nem um pouco antecipado.

A cada passo ela tentava respirar fundo, tentando com muita vontade não adivinhar o que encontraria quando alguém a atendesse na porta. Nem ao menos queria pensar em como sua mãe estava reagindo a tudo aquilo que estava acontecendo. Era impensável. Quando chegou em frente ao portão do Professor Carvalho, teve de contar até dez antes de ter coragem de tocar a campainha. E daquele momento em diante os segundos pareceram passar três vezes mais devagar.

– Sim, pois não. – Disse uma voz masculina pelo interfone, para alivio da garota.

– Boa tarde, senhor – Ela respondeu, a voz um pouco tremula e hesitante – Sou Mindy. Mindy Noah...

Ela ouviu um suspiro de surpresa do outro lado da linha e um segundo depois ela ouviu a trava do portão se soltar.

– Seja bem-vinda, Mindy! Estava mesmo te esperando. Sua mãe ficará muito feliz em te ver! – Disse ele, aparentemente animado – Entre, por favor! Vou chamá-la imediatamente.

Em seguida o som da trava elétrica do portão lhe deu um breve susto, e foi a sua vez de suspirar longamente. Ficou olhando para o vazio por alguns longos segundos enquanto tomava coragem para dar os primeiros passos, e depois começou a andar. Estava no meio do curto caminho até a porta de entrada do laboratório quando Susan abriu a porta da frente e correu em sua direção. Mindy pensou em correr também, mas suas pernas tremiam e ela mal tinha certeza se conseguiria ficar de pé.

– Mindy! Mindy! – disse sua mãe, chegando perto e a abraçando como se pensasse que nunca mais fosse fazer aquilo. – Você está bem, querida?

Mindy relutou um pouco, sem saber como reagir, completamente desacostumada com aquele tipo de reação de sua mãe. Normalmente aquilo a teria incomodado, mas naquele momento, depois de tudo o que passara, ela acabou cedendo e até mesmo retribuindo o abraço com intensidade. Apesar de tudo, era bom ter sua mãe por perto e só agora ela percebia a falta que aquele tipo de carinho lhe fazia, e o quanto ela precisava da mulher mais velha.

– Está tudo bem... – disse ela, depois de algum tempo.

– Me desculpe, querida. Me desculpe, por favor – Dizia Susan, tentando inutilmente conter as lágrimas que teimavam escorrer pelo seu rosto. – Me desculpe ter te feito passar por isso tudo. Eu não sabia de nada, eu juro...

– Eu sei, mãe – disse Mindy, lutando contra a sua própria vontade de chorar – Eu sei que você só estava tentando me proteger... O vovô me contou tudo.

– Eu sei, querida, eu sei. Mas eu preciso me desculpar. Se eu não tivesse sido tão teimosa e orgulhosa, talvez você pudesse ter encontrado o seu pai antes.

Mindy suspirou, finalmente deixando a primeira lágrima escapar. Sua mãe agora olhava diretamente nos seus olhos. Seu rosto estava regado pelas lágrimas, mas as marcas de cansaço estavam lá também, e subitamente ela parecia muito mais velha. A dor e o remorso haviam tomado o lugar daquele ímpeto que Mindy conhecia tão bem e que gostava de pensar que tinha herdado da mulher.

Não sabia como nem o porquê, mas toda a raiva e ressentimento que sentia pela a mãe haviam subitamente desaparecido. Por muito ela lutara para entender o que levara a mãe a se recusar tão veementemente a dar a Mindy a chance de conhecer o seu pai. Mas agora, que a própria Susan lhe repetia tudo àquilo que ela sempre sentiu na sua frente, entre lágrimas e desculpas, Mindy sentia-se quase envergonhada de jamais ter sentido aquilo.

– Se eu tivesse engolido a minha mágoa, talvez você tivesse aproveitado melhor o tempo com o seu pai. – Ela continuou, vendo as lágrimas da filha caírem. – Talvez, querida, se eu não tivesse sido tão dura, você não precisasse tê-lo visto morrer.

*-*-*-*-*-*-*-*

Mais de uma hora já havia se passado e Mindy ainda não havia conseguido contar para sua mãe o que ela e Dave haviam feito no caminho até ali. Curiosamente, o nome de Dave não havia sequer sido mencionado pela mulher. Ela parecia agitada com a chegada da filha e o Professor havia se provado bastante simpático e comunicativo, fazendo questão de apresentar todas as acomodações à menina e deixando pouco espaço para que mãe e filha ficassem sozinhas.

Contando o tempo de sua viagem até ali, ela calculava que restava pouco menos de meia-hora para que Dave levantasse voo na praia onde haviam parado. Isso lhe deixava pouco menos de uma hora para que ele chegasse considerando a velocidade que o Pidgeot poderia alcançar, mesmo carregando um passageiro inconsciente em uma das patas. O que significava, por sua vez, que Mindy já estava muito atrasada. Ela não sabia quanto tempo sua mãe precisaria para assimilar a noticia e conversar com o professor.

– E aqui é a sala onde meus treinadores oficiais escolhem seus pokemons – ele disse, em uma sala próxima a entrada. A última de seu tour.

– Muito legal. Adorei o se laboratório, professor...

– Eu sei que não é tão grande quanto o do seu avô, mas...

– É mais aconchegante – completou Mindy, olhando para a cozinha onde sua mãe entrara tão agitada, minutos atrás, prometendo prepara-lhes um chá.

O Professor pareceu percebeu o tom preocupado escondido por trás do olhar da menina, e deixou seu sorriso esmaecer pela primeira vez desde que Mindy havia chegado.

– É muito importante para ela que você esteja lidando com isso bem – disse, também demonstrando sua preocupação ao fitar a porta fechada da cozinha. – Ela chorou muito desde que chegou aqui, mas se animou com a sua chegada.

Mindy acenou positivamente com a cabeça, sem saber como responder. Estava sim preocupada, mas não era com Susan. Ficara tão preocupada em como iria enfrentá-la depois de tanto tempo, em como elas iriam interagir, que a menina desconsiderou completamente o efeito que aquilo teria na mulher. O amor de sua vida ressurgira subitamente das sombras. O pai de sua filha finalmente voltou, apenas para morrer antes mesmo que o casal pudesse se reencontrar.

– Fico feliz... – disse simplesmente.

– Seu avô me contou muito do que aconteceu, Mindy. Eu sinto muito. De verdade.

Mindy apenas sorriu, sem saber o que responder. O professor Carvalho colocou uma das mãos sobre os seus ombros e lhe acariciou levemente, em um gesto de simpatia.

– Eu vou ver se ela precisa de ajuda... – disse Mindy, finalmente, se aproveitando para conseguir um tempo sozinha com sua mãe.

– Tudo bem, eu vou deixar vocês meninas sozinhas. Estarei lá em cima se precisarem de mim.

Mindy acenou com a cabeça e não esperou o Professor se retirar para se dirigir a cozinha. Sabia que não tinha tempo a perder. Abriu a porta e viu a mãe mexendo com intimidade nos armários da cozinha, buscando alguma coisa que aparentemente não conseguia encontrar. Ela deve vir sempre aqui concluiu a menina com curiosidade, observando a naturalidade com que a mãe revirava a cozinha do professor.

– Hey... – disse ela ao ver a filha entrar – O chá ainda não está pronto...

– Eu sei – respondeu Mindy, tentando encontrar a melhor maneira de abordar aquele assunto. – Olha, mãe, a gente precisa conversar...

Susan pareceu congelar por um segundo, depois voltou a abrir outra porta do armário suspenso da cozinha.

– Querida, eu sei que nós temos muito o que...

– Não é sobre isso – se apressou a dizer Mindy, quando percebeu que a mãe achava que se tratava de algo relacionado ao seu pai. – É sobre outra coisa...

– Uhm... O que?

– É um assunto um pouco delicado, eu não sei bem como dizer... – Mindy suspirou, observando a expressão da mãe variar entre confusa e curiosa. – É uma coisa que eu fiz. Bem, na verdade eu e o Dave fizemos...

Os olhos de Susan se arregalaram e ela perdeu a respiração por um segundo, seu rosto rapidamente coberto de incredulidade. Ela parecia perdida entre as palavras, incapaz de respirar. Sua expressão mudara tão violentamente que Mindy também parou de falar.

– Você e o Dave? – Disse Susan, lenta e cuidadosamente, sem saber o que pensar. Você e o Dave, fizeram alguma coisa? – Mais uma pausa – Uma coisa juntos? Os dois? – Outra pausa. – O que vocês fizeram, Mindy?

Assustada, Mindy hesitou ao continuar. Se ela está assim só por que eu e o Dave fizemos alguma coisa, e ela nem sabe o que é, imagina quando eu falar...

– Nós sedamos e capturamos uma agente da equipe Rocket...

Mindy esperava uma explosão de raiva, mas o que observou foi diferente. O rosto da mulher pareceu perder toda a tensão que demonstrara segundos atrás e ela até mesmo soltou uma leve baforada de ar que soou muito próximo de um “ufa”. Ela parece estar aliviada... observou Mindy, confusa.

– Vocês fizeram o que? – disse Susan, finalmente.

– Capturamos uma agente Rocket. O que você achou que nós tínhamos feito?

– Nada. Nada. – disse Susan, balançando a cabeça, incapaz de esconder o alívio – Eu fico imaginando vocês dois sozinhos viajando por ai e não gosto, é só isso...

Mindy olhou torto para ela, claramente não aceitando aquela explicação como válida. Não entendera o que a mãe queria dizer. O problema é que ela tinha assuntos mais urgentes para tratar com a mãe.

– Me conta, como vocês capturaram uma agente Rocket? E onde diabos estão ela e o Dave?

E Mindy lhe contou tudo o que acontecera desde a saída de Cinnabar.

*-*-*-*-*-*-*-*

À chegada de Dave o Professor já estava tão bem informado quanto Susan achou prudente. Disse que conhecia muito do homem para saber que talvez, com o devido tempo e explicação, ele aceitasse aqueles acontecimentos como eles de fato aconteceram, porém como tempo para explicações era uma coisa da qual pouco dispunham, a mulher preferiu contar-lhe uma história se não diferente da que acontecera, pelo menos muito resumida e encurtada.

Assim, o Professor concordou, com certa relutância, em receber o garoto com a mulher que os havia atacado na estrada e que em breve seria entregue a polícia. O fato mais difícil fora convencê-lo de que a polícia local estaria mal equipada para lidar com a situação e que, por tanto, eles deveriam esperar pelo oficial da polícia continental em que a família Noah tivesse mais confiança. Ele fez questão de separar um quarto específico para a agente, e garantiu que a trataria como a uma convidada normal, convencido de que, assim, afastaria qualquer suspeita ou possibilidade de ser acusado de sequestro.

Susan não concordava com a atitude, mas há muito já vinha pedindo desculpas pela situação em que o colocava, sabendo muito bem estar abusando da hospitalidade do homem. Não podia, porém, confiar um aposento à agente Rocket, e Mindy sabia disso, de modo que seria encarregado a ela, sua filha e Dave uma guarda constante sobre a mulher, mesmo que a distância e disfarçado do Professor.

Enquanto isso, a mulher contatou seu pai em Cardo, pedindo-lhe que entrasse em contato com o Detetive Henry, mas que o fizesse em um tom que não o alarmasse ou a apressasse a se apresentar. Susan gostaria de pelo menos alguns dias para tentar extrair as informações que a mulher poderia ter, antes de ser entregue a polícia.

Mindy, afinal, ficara muito satisfeita com a reação da mãe, tanto como Dave ficou surpreso. Ela parecia tão ansiosa para interrogar sua suposta prisioneira que Dave teve de se lembrar de que talvez Susan nutrisse também um forte revanchismo contra a organização que afastara e assassinara o seu grande amor e pai de sua filha. Talvez ela tivesse tanto interesse em ajudá-lo a recuperar seu Eevee quanto a menina mais nova provara ter, e ele não poderia sentir-se mais contente em poder contar com tal aliada.

Porém, mesmo levando tudo o que Dave e Mindy sabiam sobre ela e suas intenções, nada os prepara para a conversa que tiveram mera uma hora após a chegada.

Tendo tranquilizado o Professor quanto o estado de saúde da agente e deixando-a aos cuidados do homem, para cuidar de sua total recuperação da paralisia e do coma induzido, a mulher aproveitou aquilo que ela chamou de possivelmente o último momento a sós que eles teriam antes de ter de revezar em guarda para a agente para conduzi-los ao seu aposento privado.

– Sentem-se, por favor. Tenho uma coisa muito importante para conversar com ambos vocês.

– O que houve, mãe? Está tudo bem? – perguntou Mindy, sentando-se na ponta da cama da mãe com Dave ao seu lado.

– Sim querida, por enquanto está tudo bem, na medida do possível. Porém isso não deve continuar assim por muito tempo. – A mulher andava de um lado para o outro em frente aos dois, fitando o chão, claramente preocupada em escolher com cuidado e delicadeza as palavras que teria de dizer. – Espero que ambos entendam a gravidade e a magnitude de tudo aquilo que está acontecendo, e principalmente do que possivelmente irá acontecer daqui em diante.

– O que você quer dizer, mãe? – perguntou a garota, apertando a mão de Dave ao seu lado, que parecia impassível e focado no que a mulher tinha a dizer. – Você está me assustando.

– E é bom que esteja assustada, querida. Muito medo pode te congelar, mas nenhum te deixará imprudente, e não podemos correr o risco de errar agora. – Ela respirou fundo e olhou para os dois da maneira mais penetrante que jamais olhou para alguém – Estamos prestes a bater de frente com a maior organização criminosa do continente. Estamos prestes a declarar guerra contra eles, e a enfrentar-lhes no seu próprio jogo. Vocês são jovens, mas suas experiências recentes já devem ter lhes ensinado que isso não será fácil, nem trará poucas consequências para as nossas vidas. Estamos entrando em um caminho sem volta, e é muito provável que nada daqui para frente continue a ser como era antes.

Mindy estremeceu enquanto ouvia o discurso da mãe, mas Dave parecia inabalado.

– Não me entenda mal, não pretendo convencê-los a não fazer parte disso. Gostaria muito de poder te proteger, Mindy, mas sei que a sua necessidade de participar disso é tão urgente quanto a minha, por isso te privar de participar seria mais um ato de egoísmo do que de amor. Não posso mentir porém e lhes dizer que temos esperanças em derrota-los por completo. Na verdade, não sei quantas esperanças nós temos de ter qualquer tipo de sucesso no geral. Mas enquanto estivermos decididos a encontrar um jeito de ao menos recuperar o seu Eevee, Dave, devemos compreender que isso pode nos custar a vida.

Todos respiraram fundo dessa vez, tentando controlar os seus próprios nervos.

– Vamos precisar de toda a nossa força combinada para encontrá-lo e liberá-lo, sim, mas isso não é o que me preocupa – continuou a mulher – Sei que eles dificilmente desistirão de recuperá-lo, caso venham a perdê-lo mais uma vez. E temo que essa perseguição possa nunca ter fim. Não sei de que artifícios podemos usar para nos proteger, caso tenhamos sucesso em resgatar o Eevee, mas sei que nada nunca mais será como antes. E que precisaremos constantemente nos superar, superar os nossos medos e as nossas limitações, e que talvez tenhamos que aprender a nunca mais viver em paz.

Susan pareceu para novamente para escolher as palavras, enquanto deixava os outros dois absorverem o que já havia sido dito. Nessa hora, Dave sentiu a necessidade de tomar a palavra para si.

– Susan, eu entendo tudo isso. Na verdade, acho que sempre soube e entendi que a minha vida nunca mais seria a mesma, do momento em que encontrei Eevee. Mas eu espero que você entenda que não tomei a decisão de resgatá-lo porque acho que depois disso seremos felizes para sempre. Pelo contrário, sei que isso é quase impossível. Na verdade, eu nunca tomei a decisão de resgatá-lo. Não é, nem de longe, uma decisão inteligente de se tomar. A questão é que nunca tive escolha, Susan. Do momento em que o encontrei ferido no bosque até o momento em que o abandonei aos maus tratos dos seus antigos donos, eu nunca tive escolha sobre o que fazer. Não se trata de querer resgatá-lo e ter de lidar com as consequências da minha escolha. Eu preciso resgatá-lo, seja lá o que vier depois...

Susan e Mindy sorriram, e a mulher mais velha compreendeu que aquele garoto, talvez, entendesse melhor o sacrifício que precisava fazer do que qualquer das pessoas envolvidas. Foi então que Susan, então, caminhou até sua bolsa apoiada em uma poltrona no canto da sala e tirou de lá um pequeno embrulho.

– Bem, sabendo então que vocês compreendem o que precisamos fazer, eu tenho de entregar-lhe uma coisa, Mindy.

A mulher estendeu o pacote para a filha, que pareceu chocada com aquela atitude.

– Mãe, agora não é hora para presentes... – disse a menina, quase envergonhada.

– Acredite querida, isso não é um presente. – disse Susan, enquanto observava a filha abrir o pacote mal embrulhado e encontrar uma pedra brilhante lá dentro. – Isso é uma pedra da Lua, Mindy, e é um exemplo da primeira situação delicada em que vamos nos encontrar daqui para a frente.

A menina parecia paralisada, pálida, enquanto olhava para a pedra em sua frente, e Dave pareceu lutar consigo mesmo para compreender o significado do que Susan estava dizendo. Não lhe parecia uma mensagem sutil, pelo contrário, mas era muito difícil acreditar no que estava ouvindo.

– Você está dizendo para ela evoluir os seus pokemons à força? – disse ele, incrédulo, enquanto Mindy ainda lutava para encontrar palavras.

– Não, Dave, longe de mim – Disse Susan – Mas acreditei que você tinha entendido a gravidade da situação em que estamos. Não é uma questão de forçá-los a evoluir, mas de prepará-los para o que vem por ai.

Dave pareceu não compreender como uma coisa excluía ou explicava a outra.

– Dave, você deve saber que ao fazer o que estamos planejando fazer, nossos pokemons nos acompanharão. Eles enfrentarão os mesmos riscos, se não riscos maiores do que nós mesmos, e devem estar tão preparados quanto puderem. Eu nunca pediria a vocês para participarem disso, caso não quisessem, mas me sinto na obrigação de lhe preparar da melhor maneira que posso, uma vez que vocês decidam participar. E, é claro, vocês tem todo o direito de aceitar ou não a minha ajuda.

– O que você quer dizer? – disse Dave, muito confuso.

– Vou ser mais clara, então – Disse Susan. – Sei que você possui as pedras da evolução de que precisa, Dave. E agora Mindy também possui as que ela precisa. Sei também que vocês estão dispostos a enfrentar a equipe Rocket e todas as consequências que isso acarretará para as nossas vidas. Mas, será que seus pokemons estão dispostos? Será que estão tão preparados quanto poderiam estar? Disso eu não sei, e vocês me decepcionariam muito como treinadores se dissessem que eles estão, sem antes consultá-los. Não acho que devam força-los a evoluir, Dave. Acho que devem perguntar se algum deles prefere não se arriscar nessa aventura louca em que estamos prestes a embarcar. E mais, acho que devem lhes dar a opção de estarem tão preparados quanto podem estar.

– Mas, e se eles não estiverem tão dispostos? – perguntou Mindy, subitamente com medo.

– Se esse for o caso, querida, sei que você fará a coisa certa e não os obrigará. Sei que, por mais doloroso que seja, você os libertará.

E com isso, Susan deixou os dois sozinhos para ponderar o que tinha acabado de lhes falar.

*-*-*-*-*-*-*-*

A notícia da recuperação completa da paciente levou dois dias para chegar, tempo no qual Dave e Mindy usaram única e exclusivamente para treinar seus Pokémons. Usaram todo o tipo de artificio que puderam encontrar, incluindo a ajuda de Susan e do Professor Caravalho, mas nenhum dos dois de fato enfrentou o problema apresentado pela mulher de Cardo. Ambos sabiam que era o seu dever relembrar aos seus pokemons o que estavam prestes a enfrentar, relembrar-lhes os riscos, e lhes dar a oportunidade de não ingressar naquilo a que eles simplesmente se referiam como “projeto”.

Era difícil contemplar a ideia de que um deles, muitos, ou todos poderiam se recusar a participar. E, ao mesmo tempo, os dois acabaram por perceber que parte de si torcia para que nenhum aceitasse a loucura em que estavam prestes a embarcar. O risco era enorme, e os seus inimigos já haviam provado ser completamente desprovidos de compaixão, com homem ou Pokémon. Assim, ao mesmo tempo em que se sentiam impotentes sem os seus companheiros, sentiam-se também incapazes de lhes impor tamanho risco.

Assim, esperaram até o último momento possível para enfrentar aquele que parecia o primeiro dos muitos desafios que viriam a seguir. De nada adiantava apressar aquele momento, portanto apenas quando tivessem por onde começar a executar o “projeto” é que pretendiam expor tudo o que pensavam e sentiam aos seus pokemons. E por isso a notícia de que a agente Rocket estava consciente e em bom estado de saúde era tão aguardada. Susan se encarregaria do interrogatório, e assim que ela obtivesse qualquer informação útil, eles partiriam em busca de Eevee.

Por isso, as dez da manhã, quando o Professor Carvalho interrompeu o aquecimento que Dave, Mindy e Susan faziam com seus pokemons para lhes informar da imediata possibilidade de interrogar a prisioneira, os dois meninos não puderam deixar de trocar um olhar carregado de emoções contraditórias.

– Meninos, vejo vocês mais tarde... – disse Susan, simplesmente, enquanto caminhava com firmeza de volta para o edifício do laboratório sem sequer olhar para trás.

Dave podia sentir seu coração tentando fugir de seu peito, tão forte ele batia. Ele e Mindy sabiam que chegara o momento. Não sabiam quanto tempo levaria para Susan extrair todas, ou ao menos alguma das informações que a mulher poderia oferecer, mas sabiam que talvez não tivessem muito tempo.

– Mindy... – disse Dave, enquanto tentava formular como diria o que tinha de dizer.

– Eu sei... está na hora... – disse a garota, e os dois respiraram fundo, sem saber bem como continuar.

Todos os pokemons se entreolharam confusos, incapazes de compreender porque subitamente seus treinadores tinham ficado tão calados e introspectivos.

– Um pouco de privacidade talvez fosse melhor – disseram os dois, praticamente ao mesmo tempo.

Trocaram um sorriso pela sincronia de seus pensamentos, e Mindy se aproximou de Dave, lhe dando um breve beijo nos lábios.

– Boa sorte – disse para ele, enquanto se aproximava de seu Charizard.

O dragão vermelho ficou confuso de início, mas entendeu que ela pretendia montar, e abaixou para lhe permitir.

– Vamos treinar em outro lugar, rapazes. – Mindy recolheu o seu casal Pokémon enquanto o dragão rugia enquanto levantava voo lentamente.

Em poucos momentos Dave era apenas um simples ponto no chão, e ela observou enquanto ele também recolhia os seus Pokemons, escolhendo ter aquela conversa em particular com cada um deles. Ela não tinha pensado naquilo antes, mas de fato parecia muito sensato. Sorriu com a sensibilidade do garoto e aproveitou, por um momento, a tranquilidade que a altitude podia lhe proporcionar.

E então percebeu que estava parada no ar. Não parada, já que os movimentos de asa de Charizard os mantinham suspensos, mas o dragão não tomava a direção de lugar nenhum. A garota não pode conter um breve sorriso.

– O que foi garoto? Não sabe para onde ir?

Charizard rugiu em resposta, confirmando a suposição da garota.

– Pois é... Eu também não... – Ela deixou o sorriso esmarecer em seu rosto enquanto refletia. – Vamos apenas passear um pouco, garoto. Tenho que conversar um assunto com você...

*-*-*-*-*-*-*-*

Dave observou do chão enquanto Mindy partia nas costas de seu Charizard para o alto. Sentiu ela titubear sobre para que direção voar, mas finalmente partiu para o Sul. Esperava que ela não fosse longe demais. Não seria prudente correr nenhum risco adicional naquele momento. Entretanto, ele confiava na menina e tinha os seus próprios problemas para lidar naquele momento.

Decidira desde o princípio lidar com cada pokemon individualmente. Assim, a resposta de um não poderia interferir na do outro. Queria que todos eles dessem as suas mais sinceras opiniões e tomassem aquela decisão individualmente. Afinal, aquilo podia lhes custar a vida.

O primeiro com quem falaria, Dave decidiu, seria Sandslash. Após Eevee, era o seu mais antigo companheiro, o primeiro Pokémon que capturou e que evoluiu, e talvez o membro mais dedicado e mais leal em todo o seu grupo. Sabia que uma recusa de sua parte lhe doeria infinitamente e talvez lhe prejudicasse no momento em que teria de falar com os outros, mas contava que uma resposta positiva lhe daria forças para enfrentar todo o resto.

A criatura terrestre parecia confusa por ter sido a única a não ter sido recolhida para a pokebola.

– Sandslash, nós precisamos conversar – disse Dave, com alguma dificuldade. Seu Pokémon se aproximou, preocupado. Olhando para o chão, Dave sentia o peso de tudo o que tinha de lhe dizer se acumulando em seu peito, e sabia que se não o fizesse logo, talvez nunca tivesse coragem de o fazer. – Você sabe o que aconteceu em Cinnabbar, com Kato e seu Alakazam, não sabe?

O Pokémon respondeu positivamente, mas Dave não viu. Estava com o olhar fixo no chão, incapaz de encará-lo. Sandslash deu um passo a mais em sua direção.

– Você sabe que Eevee foi capturado, e que agora está provavelmente sofrendo nas mão da Equipe Rocket. E sabe que eu lhe prometi no início de minha jornada que o protegeria, não é?

Mais uma vez Sandslash fez que sim com a cabeça, e Dave mais uma vez não viu. Ele sabia que Sandslash sabia de tudo. Não queria olhar para seu Pokémon. Não conseguiria enfrentar a possibilidade de talvez aquela ser a última conversa que teriam como treinador. Ele começou a andar de um lado para o outro enquanto seu parceiro apenas ficava aparado, aparentemente tentando adivinhar o que se passava na cabeça de seu treinador.

– Sandslash... Eu tenho de cumprir essa promessa. Eu tenho de ir atrás do Eevee. Você sabe disso, não é? - Agora, instintivamente, Dave fitou o Pokémon e o viu balançando positivamente a cabeça antes de deixar seu olhar cair de novo.

– Mas você não precisa. – Disse ele, parando de andar.

Sandslash imediatamente arregalou os olhos, surpreso. Dave levantou o olhar lentamente para observar a expressão de seu Pokémon, e assustado com o tamanho do seu espanto, ele continuou.

– Eu fiz uma promessa, mas você não. E sabendo do risco em que isso te coloca, não posso levar você comigo. Não sem que você entenda tudo o que está acontecendo.

Sandslash não sabia o que pensar. Não tinha sequer certeza de que entendia o que Dave estava tentando dizer.

– Eu não quero deixar você, Sandslash. É a última coisa que quero fazer. Mas não posso te obrigar a vir comigo. Não sem antes saber que você está tão disposto quanto eu. Você está livre, amigo. Livre para tomar a sua deci...

O Pokémon terrestre subitamente sorriu. Assim que ouviu a palavra “livre”, ele sorriu. Aquilo foi tão surpreendente que Dave engasgou com o que iria dizer. Lutava para entender a expressão de seu Pokémon e ter nela qualquer pista que lhe proporcionasse antecipar a resposta que procurava, mas aquele sorriso ele não soube ler. Pensou subitamente que ele estava feliz de estar livre e sentiu um tremendo aperto no coração. Não podia ser. Ele não conseguiria lidar com a separação de Sandslash.

O Pokémon começou a andar a passos lentos em sua direção, ainda com o sorriso enigmático no rosto, e quando chegou perto do menino, rapidamente o abraço. Dave estava despreparado para o abraço e se deixou apertar pelas garras e pela dura pele de seu Pokémon, enquanto descansava uma das mãos sobre a sua cabeça. Isso é um abraço de despedida? Pensou ele, dolorosamente, um segundo antes de Sandslash tocar com a ponta da garra na ponta de sua Pokebola, e recolher a si mesmo para a cintura de Dave.

Ele levou menos de um segundo para entender o significado daquilo e um peso enorme desapareceu de seu coração, fazendo com que ele quase caísse no chão, tamanha a sua felicidade. Felicidade que rapidamente foi apagada pela lembrança de que igual agonia teria de ser repetida pelo menos mais quatro vezes naquele mesmo dia.

*-*-*-*-*-*-*-*

Mindy olhava fixamente para Nidorina e Nidorino à sua frente, sem ter certeza de como começar. Charizard quase lhe cuspira fogo quando ela sugeriu que ele estaria livre para seguir com a sua vida, ou até mesmo lhe esperar no laboratório enquanto ela partia atrás da Equipe Rocket. Ela sentira que o dragão ficara quase ofendido com a sugestão e não conteve uma risada quando se viu forçada a desviar de um pequeno jato de chamas.

Dratini, por sua vez, fora mais complicado do que o outro dragão. Ele se mostrara tão disposto quanto o outro a lhe ajudar, mas ela não sentia o mesmo entusiasmo. Ele era o seu Pokémon mais novo, aquele que ela menos tivera tempo de treinar, e aquele que ela sentia que talvez corresse mais riscos indo contra a organização criminosa, principalmente por não ser uma espécie comum no continente. Travara um intenso debate consigo mesma antes de começar a conversa coma criatura, e percebeu que por mais que preferisse deixa-lo no laboratório, seria um desrespeito imenso para com ele se ela o fizesse contra a sua vontade. E por isso que quando ele se mostrou resoluto em acompanhar a menina, ela não conseguiu se sentir feliz.

Mas agora a situação que se colocava a sua frente era diferente das outras duas. Primeiramente porque tratava-se de um casal, e ela sabia que muito provavelmente a decisão dos dois seria a mesma, por tanto decidiu conversar com eles ao mesmo tempo. Mas não era isso que a incomodava e a tirava da sua zona de conforto. Era o suposto presente que sua mãe lhe dera. A pedra da lua que ela fora buscar antes de se dirigir a Pallet. Mindy não tinha a menor ideia de como tratar daquele assunto com seus Pokemons.

– Então, vocês dois precisam prestar atenção em mim – começou ela, um pouco insegura. Nidorina estava sentada pouco mais de um metro a sua frente, mas Nidorino parecia inquieto atrás, como sempre.

A menina esperou por um momento que ele se sentasse, mas o Pokémon rosa não demonstrou nenhum sinal de que mudaria a sua atitude. Ela não pode conter um sorriso enquanto a fêmea balançava negativamente a cabeça sobre o comportamento de seu parceiro.

– Como vocês bem sabem, estamos indo atrás da Equipe Rocket novamente. – Voltou a dizer. Essa parte era a parte fácil. Tinha acabado de fazer isso duas vezes. – Mas dessa vez, será completamente diferente.

Os dois Pokémons permaneceram em suas respectivas atitudes, ouvindo com atenção.

– Da última vez fomos com Rusty, agora vamos com Dave e minha mãe, possivelmente. Da última vez fomos capturados, dessa vez sairemos ilesos, se tudo correr bem. Da última vez não tínhamos a mínima ideia do que estávamos prestes a enfrentar, agora já temos. Mas não é isso que marca a maior diferença dessa para a última vez. – Ela respirou fundo, deixando as palavras no ar. – Dessa vez, eu quero saber o que vocês acham disso tudo.

Nidorina arregalou os olhos e até mesmo Nidorino parou para encarar a sua treinadora. Ela não conseguiu adivinhar as suas respostas apenas por essas reações.

– Estamos partindo para uma missão difícil, que muitos diriam ser louca. Mas infelizmente eu não consigo aceitar a ideia de fazer qualquer outra coisa a esse respeito, que não isso. Mas vocês não precisam estar presos a mim – Ela continuou. – Seria injusto de minha parte obrigar vocês a fazerem isso sem ao menos lhe dar a oportunidade de questionar, ou até mesmo de escolher ficar para trás. Por isso essa conversa. Eu estou aqui lhes deixando livres para me acompanhar, ficar aqui no laboratório me esperando, ou até mesmo seguir livremente para o mundo selvagem...

Mindy respirou fundo enquanto os dois Pokémons absorviam o que ela tinha dito. Aqueles momentos de suspense eram os piores, sem a menor sombra de dúvida. Subitamente ela se pegou pensando no que diria caso eles preferissem não acompanhá-la. Estava tão preocupada com como abordar o assunto das pedras, que esquecera que talvez nem mesmo fosse necessário. Talvez eles preferissem não continuar com ela.

Nidorino e Nidorina se entreolharam por alguns momentos, incertos de como proceder. Subitamente, Nidorino começou a rir. Mindy tomou um susto. Ele estava praticamente gargalhando. Nidorina também não pode conter um largo sorriso, achando graça do parceiro. Aproximou-se da treinadora e lhe deu uma lambida no rosto, e aquilo Mindy aceitou como a resposta definitiva dos dois.

Ufa! Ela pensou, enquanto Nidorino cedia sobre suas patas de tanto rir. Agora vem a parte difícil.

– Bem, - ela voltou a falar. – Isso é ótimo. Mas não é tudo...

Nidorina voltou a se sentar, ainda com um grande sorriso no rosto, e Nidorino continha com dificuldade o seu ataque de risadas. Olhou fixamente para a menina, ainda sorrindo, ao lado de sua parceira.

– Minha mãe me trouxe um presente. Um presente que está diretamente relacionado a vocês. – ela disse, recapturando a atenção exclusiva de seus Pokémons. Ela não sabia de que outra maneira dizer aquilo que tinha a dizer, se não indo direto ao ponto. Ela puxou a pedra da lua do bolso e colocou a sua frente – Ela trouxe uma pedra da evolução...

Ela achou que os dois iriam ficar em choque, mas Nidorino deu subitamente um passo à frente, os olhos brilhando. Nidorina, entretanto, levantou-se com um pequeno passa para trás, como se receosa. Ela olhou para o macho, mas ele tinha os olhos fixos na pedra brilhante a sua frente. Mindy subitamente ficou com medo de continuar. Nidorina olhou para ela como se tentando entender o significado daquilo, e a menina percebeu que ela precisaria explicar exatamente o que estava acontecendo.

– Antes de mais nada, eu tenho que deixar bem claro que isso não implica que vocês tem de usá-la. – disse ela. Nidorina pareceu um pouco mais aliviada – O que estamos prestes a fazer vai exigir o máximo de nós, sem a menor dúvida, mas isso não deve influenciar vocês a evoluírem. – Ela não sabia de onde as palavras estavam saindo, mas não se arrependia. Não tinha fixado uma opinião sobre a evolução antes de começar a conversa, mas agora sentia como se nunca tivesse sequer duvidado. Como se aquilo fosse muito natural – Isso é uma decisão que não tem volta, e que vai mudar a vida de vocês para sempre. E o que quer que vocês prefiram fazer, eu estarei do lado de vocês. Acredito que somos perfeitamente capazes de enfrentar o que quer que for, estejam vocês evoluídos ou não, entenderam?

Nidorina pareceu fortemente aliviada, mas Mindy tinha dúvidas se o macho tinha ouvido sequer uma palavra sua. Ele estava fixado na pedra de um jeito que ela nunca vira antes. Será que ele estava assim tão ansioso por evoluir?

O Pokémon rosa deu mais um passo à frente e Mindy estremeceu junto com Nidorina. Antes que ele pudesse dar um passo a mais, ela se intrometeu na sua frente, falando com ele em tom severo. Ele pareceu acordar de sua fixação, mas parecia resoluto em continuar andando na direção da pedra. Mindy não esperava por aquilo. Os dois sempre haviam tomado todas as decisões juntos, como um casal, e ela não sabia bem como lidar agora que eles estavam discordando.

Os ânimos começaram a se esquentar quando Nidorino tentou se desviar de sua parceira e ela o empurrou com o corpo, quase se como investindo contra ele. Mindy ficou alarmada e retirou a pedra do chão. Conseguia ver a raiva crescendo nos olhos de seu Pokémon macho.

– Já chega. Chega de discussão – interveio, alarmada – O que vocês acham que estão fazendo? Vão batalhar para tomar essa decisão?!

Nidorino parecia enfurecido, mas conteve-se, mas Nidorina se mostrara claramente triste e, para a surpresa de sua treinadora, muito assustada. Mindy respirou fundo, tentando se preparar para lidar com aquele conflito inesperado.

– Prestem bem atenção, vocês dois. Desde que eu conheço vocês, todas as suas decisões são em conjunto. Vocês passam o tempo todo juntos, e até evoluíram uma vez juntos. Vocês me mostraram, muito antes de eu entender verdadeiramente, o que era um amor de verdade. Vocês se ama! – disse ela, emocionada – Eu nunca vi nada igual, nem mesmo comigo! E eu sei que vocês foram feitos um para o outro... Tanto que eu sabia que não poderia ter essa conversa com cada um de vocês separados. Sabia que qualquer que fosse a decisão de vocês, seria tomada em conjunto, em casal. Agora se vocês vão ficar brigando dessa maneira, eu não posso permitir que isso continue. A oferta da pedra foi retirada.

Nidorino e Nidorina se sobressaltaram, mas Mindy não lhes deu tempo de ter nenhuma outra reação.

– Temporariamente, é claro – ela continuou. – Eu vou voltar para o laboratório a pé. Vocês fiquem aqui e se resolvam. Quando voltarem, estarei esperando vocês. Com uma resposta, de preferência, mas o mais importante é que estejam juntos e de acordo. Combinado?

O macho parecia resignado, mas Nidorina respirou fundo e acenou positivamente com a cabeça para a menina, aceitando a proposta.

– Ótimo. E lembrem-se. Seja lá o que decidirem, eu amo vocês.

E com um sorriso, e uma forte sensação de dever cumprido, ela deu as costas e começou a caminhar de volta para o laboratório do Professor Carvalho. Ela era toda uma mistura de sensações, mas nada a dominava mais naquele momento do que a curiosidade por saber o que iria acontecer em seguida.

*-*-*-*-*-*-*-*

Dave mal conseguia respirar. A última hora havia sido desafiadora para os seus nervos e emoções. Ele nunca se sentira tão apreensivo, preocupado, dividido e grato aos seus pokemons ao mesmo tempo. Depois da resposta contida e positiva de Sandslash, Pidgeot se mostrara até animado com o desafio prestes a enfrentar.

Gloom aceitou a proposta de bom grado, e Growlithe não podera conceber a ideia de abandonar o seu treinador, ou de ser deixado para tras por ele. A oferta de segurança feita pelo menino foi recebida como uma ofensa pelo pequeno cachorro, que se mostrou profundamente magoado. E, no final, Dave estava implorando pela compreensão do Pokemon, explicando-lhe que ficaria muito feliz com a sua companhia. Ao ouvir isso, Growlithe não se conteve em deixar Dave quase pingando de tantas lambidas.

Até mesmo Poliwhril, com quem o rapaz estava sinceramente preocupado, levando em conta a sua indole calma e serena, mostrou que a evolução havia ocorrido também em sua personalidade, de modo que se mostrou tão disposto quanto todos os outros.

Mas para o momento seguinte, não importava quanto o menino tinha tentado se preparar, nada podeira te-lo preparado para o que ele estava vivendo.

Por muito tempo ele relutou com a ideia da evolução por pedras, com medo de acabar forçando os seus pokemons a evoluirem antes da hora. Kato e bastante tempo de reflexão e conversa com seus Pokémons o fizeram decidir deixar aquela escolha para cada um deles, individualmente. Ele prometera a si mesmo não mencionar mais as pedras, nem dar qualquer indicio de que queria que seus Pokemons evoluissem. Pelo menos não até Susan lhe sugerir que o fizesse.

Em um infinito debate interno, Dave não podia deixar de admitir que, por mais que tivesse convicção de que suas ações e metodos haviam sido os corretos, ele ainda queria que seus companheiros evoluissem. Principalmente agora, que eles estavam prestes a enfrentar o maior desafio de sua jornada até o momento. Talvez, o maior desafio de suas vidas.

Mas ele não conseguia se convencer a tocar nesse assunto com seus pokemons novamente. Não importa o quanto achasse necessario ou importante, ela não podia se permitir a influenciar a decisão deles. Não se quisesse manter a promesso que lhes tinham feito anteriormente.

E assim, o dilema permanecia sem resposta no momento em que ele começou a conversar com cada um deles sobre o que estavam prestes a embarcar. Entretanto, foi Poliwhrill, tendo sido o ultimo a ter a conversa com seu treinador, que havia tomado a iniciativa. O menino, perdido, não sabia mais o que esperar.

– O que você está fazendo? - perguntou, quando viu o Pokémon azul se aproximar de sua mochila e começar a procurar alguma coisa la dentro. Ele perdeu a respiração quando viu a pequena caixa de madeira onde guardava as suas tres pedras de evolução na mão de seu companheiro. - O que você que com isso, Poliwhiril?

A criatura sorriu e, colocando a caixa no chão a sua frente, se encaminhou na direção de seu treinador, paralisado de surpresa. Por um momento Dave achou que estava prestes a ganhar um abraço repentino, mas Poliwhril o surpreendeu novamente e pegou de seu cinto as pokebolas de Gloom e Growlithe.

Não pode ser... pesou Dave, quando percebeu o que estava acontecendo.

Agora liberados, seus três pokemons olhavam diretamente para ele, com um largo sorriso no rosto. Dave lutava contra as lágrimas que, teimosas, insitiam em surgir em seus olhos.

– O que vocês estão fazendo? Por que disso tudo?

– Grow! - Latiu Growlithe, apontando com a cabeça para a caixa fechada e abanando o rabo.

– Vocês querem...- Dave não conseguia completar a frase, entre risos e o choro - Vocês querem e... Evoluir?

Os tres consentiram imediatamente, e o menino não consegui mais se conter, deixando as lágrimas escorrerem a vontade.

– Mas vocês não precisam... - ele se pegou dizendo - Eu juro, não precisam. Vocês podem continuar assim. São fortes assim!

Poliwhril pareceu ignorar o seu treinador, andando até a caixa de pedras e abrindo a tampa. Os três Pokémons pararam um ao lado do outro e encararam as pedras a sua frente, de agua, planta, fogo e trovão. Dave não conseguia dizer mais nada, se não observá-los olhar uma ultima vez para ele e dar um sorriso.

Em algum lugar no seu interior, o garoto pensou tê-los ouvido dizer algo como "Por Eevee" antes de esticarem as suas respectivas patas e começarem a brilhar.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Eu particularmente adoro esse capítulo, de verdade.

Tomara que vocês também tenham curtido. O próximo já é mais tenso um pouquinho, prometo...hehehehe

Espero vocês nos comentários! =)



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