– Como você... – Jace estava tentando formular uma frase mas parecia estar se enrolando, pela primeira vez em meses Simon viu ele sem palavras.

– Desculpe, não era... – Clary hesitou, suas bochechas estavam vermelhas e ela estava obviamente envergonhada.

– Não era a intenção de vocês ? – Luccas perguntou levantando uma sobrancelha – O que você acha Ary ? – ele perguntou com sarcasmo na voz e se virando para ela.

– Ahh eu acho que era – ela respondeu com um certo divertimento – afinal quando começaram a ouvir vocês poderiam simplesmente ter ido embora, mas continuaram – dessa vez não tinha divertimento em sua voz, ela cruzou os braços e estreitou os olhos.

Luccas e Arya trocaram olhares e ele se recostou no balcão apoiando os cotovelos com um sorriso de lado e um olhar zombeteiro.

– Eu sempre gosto quando ela faz essa expressão – Luccas disse apontando para Arya mas ainda dirigindo o seu olhar a todos a sua frente – desde quando éramos pequenos ela faz isso – ele disse e deu uma leve risada, provavelmente se lembrando de alguma coisa – quando ela faz isso significa que não está muito feliz com alguma coisa – disse balançando a cabeça com uma cara de divertimento – eu acho que ela fica linda quando faz isso...mas é porque eu estou acostumado...se eu fosse vocês não acharia nada bonito, a ultima vez que ela fez essa cara para mim eu fui parar em uma parede...- ele disse fazendo uma careta.

– Terminem o café, encontramos vocês na sala de estar e eu conto logo essa história, a não ser que nós conversemos sobre ela no caminho e vocês escutem – disse Arya já se retirando, Luccas passou o braço em torno dos ombros dela e foi caminhando junto.

– Eu já disse que adoro quando você faz essa carinha – ele disse enquanto saiam.

– Tenho certeza que as paredes daqui são bem duras – ela falou quase rindo.

– Eu não estou com muita vontade de experimentar..- foi a ultima coisa que ouviram antes deles desaparecerem pela porta.

Todos se encararam por um momento porém não falaram nada, só continuaram a se olhar como um bando de idiotas, eles tomaram café e se dirigiram a sala de estar. Quando chegaram Luccas estava com Arya por cima de seu ombro direito, ela esperneava e ele rodopiava com ela pela sala, em alguns segundo ela já estava rindo como uma criança feliz. Jace pigarreou e os dois pararam indo em direção ao sofá da sala.

– Primeiro, eu não vou nem expressar o meu descontentamento, e quando eu descobri eu pensei...eles vão parar, vão ir embora, mas não foram – Arya disse arregalando os olhos, ela parecia indignada mas ao mesmo tempo parecia querer rir da situação.

– Como você descobriu que estávamos lá ? – perguntou Alec.

– Sombras na parede...quanto a isso, vocês deveriam prestar mais atenção. Um suspiro alto e claro de frustração e por fim, os passos de vocês indo embora para confirmar a minha teoria. Sabe, com a energia que eu estava ontem, os meus sentidos estavam mais apurados do que nunca, acho que se eu me concentrasse eu poderia ouvir até os batimentos cardíacos de vocês.

– Tudo bem, nos desculpe pela falta de privacidade, não deveríamos ter ouvido e foi um erro nosso, mesmo que vocês tenham escondido a história não estava certo tentarmos descobrir ou ir questionar vocês considerando que Maryse já tinha total confiança em ambos – disse Jace por fim, Alec olhou aquilo incrédulo e até Clary parecia surpresa.

– Sem problemas, se eu estivesse na posição de vocês também teria escutado – ela disse quase rindo – eu só fiz aquilo pra ouvir um pedido de desculpas.

Jace fechou a cara e balançou a cabeça em desaprovação enquanto Alec e Isabelle tentavam a todo custo segurar o riso

– Primeiramente... o que querem saber sobre o meu irmão ? – Arya perguntou se sentando e todos fizeram o mesmo.

– Queremos saber a história toda – Jace respondeu rispidamente.

– Era uma vez...Não isso é muito clichê...Por onde eu começo...

– Eu te dou uma ideia, o que Augustus quis dizer por ele ser um fraco ? – Jace perguntou.

– Primeiramente, nunca mais use ou associe o meu irmão a uma pessoa fraca – ela disse olhando nos olhos dele e estava mais séria do que nunca.

– Bom digamos que meu irmão gêmeo e eu somos casos meio raros, como sabem, não são muitos caçadores que quando são mestiços adquirem as habilidades de membros do submundo.

– Não ? – Simon perguntou confuso – desculpe, as informações ainda se embaralham – ele disse apontando para a cabeça.

– Não existem muitos caçadores que se transformam, podem até herdar alguns sentidos mas ou são caçadores ou se transformam, as marcas podem matar, existem diversas consequências, e no nosso caso nascemos 50% de cada lado.

– O que faz de vocês únicos – Isabelle completou.

– Não únicos, mas raros, principalmente por sermos gêmeos. Isso despertou o interesse de Valentim, ele descobriu sobre nós um pouco antes dos acontecimentos na cidade de vidro - Arya explicou porém Simon franziu o cenho – quis dizer Alicante, segundo Valentim éramos muito valiosos, ele detestava membros do submundo mas queria fazer certos testes, nunca descobrimos o motivo. Provavelmente para ver se ele conseguia curar algum caçador que se tornasse membro do submundo ou coisa assim, como o parabatai dele.

– Luke... – Clary falou em um sussurro.

– Ele só precisava de um de nós, eu havia me transformado primeiro e tinha mais controle sobre mim mesma quando a mudança acontecia, o meu irmão, Liam, era mais velho e mais maduro do que eu na época. O fato de eu ter controle não favorecia Valentim, já o fato do meu irmão digamos “ perder a cabeça “ mais fácil do que eu era ótimo, além do fato dele ser mais forte fisicamente e mentalmente mais velho do que eu... e pensar que se eu nascesse 5 minutos antes e agisse de forma mais calma eu teria sido escolhida... – ela falou com um olhar vazio.

“ Valentim levou o meu irmão enquanto estávamos fazendo uma visita ao instituto da Califórnia. Ele fazia experiências com Liam, usava algemas de prata especiais e encantadas, prendia os pés e as mãos do meu irmão e o incitava a se transformar, porém a prata e o encantamento nas algemas impedia a transformação. A dor é indescritível, quando você se transforma, principalmente pela primeira, vez você sente os seus ossos mudando de lugar, tomando formas diferentes, você sai de uma posição totalmente ereta para uma posição na qual você esta completamente curvado, a cabeça queima com a mudança no seu cérebro, os músculos queimam e você pode senti-los tencionando e mudando de forma, eles engrossam e começam câimbras, a dor só passa quando você se transforma e está em sua forma de lobo, é um alivio tão grande...porém a mente ainda está agitada, o cérebro não está acostumado a essa mudança e as vezes acontecem certos problemas com o acumulo de energia do corpo. A primeira transformação é a que mais dói, e Valentim recriou essa dor no meu irmão todos os dias durantes meses, mas Liam não se transformava, porque as algemas impediam, ele sentia toda a dor e na hora que ela chegava ao seu ápice e podia ser aliviada nada acontecia. “

Clary respirava pesadamente e apertava a mão de Jace, ele parecia preocupado com a reação dela.

“ Quando o seu corpo está a beira da transformação o metabolismo acelera e um processo de supercura começa...e durante esse momento Valentim queimava diversas partes do corpo do meu irmão com sangue de demônio – ela falou e seus olhos se encheram de lagrimas, os de Clary também, Arya piscou rapidamente para afasta-las e Luccas entrelaçou os dedos no dela – ele monitorava como a supercura funcionava, quanto tempo durava para que curasse por completo e todas as mudanças no corpo e na mente de Liam conforme o tempo estava passando, houve uma época em que ele fez o meu irmão engolir algumas gotas e monitorou como a cura funcionou na garganta dele, fez cortes por seu abdômen e por toda a pele para ver em que velocidade curava. Após a morte de Valentim e o tempo em que Sebastian ficou fora de cena, foi Lilith quem passou a monitorar o meu irmão, ela não fazia experiências só monitorava o seu comportamento, quando Sebastian acordou os experimentos duraram por mais um mês. Após isso encontramos o Liam jogado em uma das ruas de Alicante, ele apareceu lá tão rápido como no dia em que sumiu, porém ele não era mais o mesmo. “

“ A dor da transformação, a dor física causada pelo sangue de demônio e as mudanças corporais que ocorriam e nunca foram aliviadas, toda a tortura física e psicológica fizeram com que ele mudasse... Liam não era mais o mesmo, ele viu coisas, sofreu coisas, foi cortado, queimado, torturado de forma física e psicológica e sobreviveu, mas é claro que as consequências não foram generosas. Ele passou a ter problemas psicológicos, tinha pesadelos, todas as vezes que fechava os olhos a dor voltava e ele gritava e se debatia, ele recriava as conversas com Valentim, Lilith, Sebastian e os outros que auxiliavam nesses processos, a dor da morte da nossa mãe na batalha contra os caçadores na Cidadela foi o golpe final. Ele teve um colapso nervoso e teve que ser levado por caçadores experientes em pessoas com esses “problemas psicológicos”, Liam agora está internado, tendo alucinações e todo o tipo de pesadelos envolvendo toda aquela tortura e eu não posso fazer absolutamente nada para salvá-lo.”

Ela se permitiu derramar uma lágrima dessa vez e Luccas limpou rapidamente. Clary também derramava uma lagrima, Alec parecia perplexo, Jace encarava o chão com uma certa cara de dor e Isabelle olhava com pena para Arya, Simon não acreditava no que estava ouvindo, como uma pessoa pode torturar um garoto dessa forma desumana ? ele entrou no meio disso só pelo fato de ser diferente, e isso não dava o direito de ninguém fazer isso com ele, e Arya ? Ela poderia ter sido escolhida e agora ela estaria sofrendo em um hospício ou seja lá que lugar que Liam esteja. Isso tudo é tão injusto. O mundo não foi justo com Liam e Arya Nightstorm, não foi justo quando perderam a família, não foi justo quando os separaram e torturaram Liam, não foi justo quando a única opção que tiveram tenha sido interna-lo e deixa-la em Alicante sozinha, não foi justo quando Maryse a trouxe aqui pelas informações que ela tinha e teve que ficar ainda mais longe de seu irmão. Simon nunca tinha parado para pensar em todas as consequências que Valentim e Sebastian haviam provocado.

– Me desculpem... não posso ouvir mais – Clary murmurou antes de sair da sala andando rápido. Jace fez menção de se levantar mas Simon levantou primeiro.

– Eu vou – Simon disse seguindo Clary, ele apostava todas as suas fichas de que ela estava pensando o mesmo que ele acabara de pensar.